CAPÍTULO IV
Manobra Unitária
Acabamos de ver como a unidade se tornou no pensamento democrá¬tico o equivalente do nada. Ora, o natural das almas vazias, e que sentem o seu nada, é serem invencivelmente propensas à desconfiança, à violên¬cia e à má fé. Obrigadas a simular os princípios que lhes faltam, tornam¬ se hipócritas; atacadas por ideias mais fortes, elas não têm para se defen¬der senão um meio, que é de desonrar os seus adversários pela calúnia; inti¬madas a governar, não sabem senão substituir a razão pela autoridade, quer dizer pela mais impiedosa tirania. Como resultado, tomar por crença a garrafa pela tinta, especular sobre o desperdício, procurar os golpes baixos e pescar em águas turvas, caluniar aqueles que não se podem intimidar ou subornar: aqui está o que foi sempre a política dos democratas. É tempo de o país aprender a julgar uma seita que desde há trinta anos não soube senão agitar a tocha popular, como se representasse o povo, como se se preocupasse com o povo senão para o atirar para os campos de batalha, como tantas vezes ouvi dizer em 1848, ou na falta destes sobre os de Lambessai). É preciso que se saiba o que há debaixo dessas cabeças de cartão, que não parecem tão terríveis senão porque Diógenes ainda não se lembrou de lhes colocar a sua lanterna sob o nariz. A história da unidade italiana fornece uma ampla matéria para as nossas observações.
A Democracia empurrou com todas as suas forças para a guerra contra a Áustria; depois, ganha a batalha, para a unificação da Itália. Foi por isso que ela protestou contra o tratado de Villafranca; é por isso que ela trata como amigo da Áustria e do Papa todos os que se permitem neste mo¬mento relembrar à infeliz Itália a sua lei natural, a federação.
Há em tudo isto uma aparência de sistema que ilude os simples.
Notem para principiar que esses democratas, campiões por excelência da governação unitária, e que seríeis talvez tentado, amigo leitor, a tomar por capacidades políticas, dizem ou insinuam a quem os quer escutar, que o reino da Itália não foi nunca da parte deles senão uma táctica; que se trata antes de mais de arrancar, por um esforço nacional, a Itália das mãos da Áustria, do Papa, do rei de Nápoles, dos duques da Toscania, de Modena e de Parma; que para este fim era indispensável reunir os Italianos sob a bandeira monárquica de Vítor¬Emanuel; mas que, expulsos os estrangeiros, assegurada a independência da nação, consumada a unidade, se faria presto desembaraçar do rei homem galante, e se teria proclamado a república. Eis o fundo da coisa, se é de acreditar nos meus antagonistas: o meu crime, só meu, foi ter vindo estragar, com o grito intempestivo de FEDERAÇÃO! um tão belo plano.
Assim, entendamo¬nos: é ainda menos ao meu federalismo que se detesta que à pérfida inoportunidade da minha crítica. Antes de sermos democratas, somos republicanos: que Deus não perdoe que se blasfeme nunca com essa palavra sagrada república! Que Deus não perdoe que se tenha seriamente sonhado abraçar a causa dos reis! Mas essa república, queríamo¬la unitária; estava¬se seguro de lá chegar pela unidade; nega¬se que fosse realizável de outra forma. E fui eu que, unindo a minha voz às da reacção, tornei a república impossível!
Mas, se tal é a opinião de cidadãos honoráveis, a questão de boa fé ge¬ne¬raliza¬ se: já não é só ao federalismo que convém colocᬠla, é também, e antes de mais ao unitarismo. O partido que, em Itália e na França, pediu em tão altos gritos a unificação da Península, é realmente republicano, ou não será ele sobretudo monárquico? Tenho o direito de fazer a pergunta e de pedir provas, nada se parece mais com uma monarquia do que uma república unitária. Porquê, quando a federação foi proposta, a recusaram, quando o princípio federativo tinha pelo menos a vantagem de não deixar subsistir nenhum equívoco? Alega¬se a salvação pública. Mas a federação assegurava à Itália a perpetuidade da protecção francesa; sob esta protec¬ção, a Itália podia¬ se organizar à vontade; e mais tarde, se a unidade fazia as suas delícias, operar a centralização. Aos republicanos o bom senso dizia que com a federação a república estava mais que meio feita; ao passo que começando pela unidade, que digo? pela monarquia em carne e osso, corria¬se o risco de ficar aí enterrado.
Vê, leitor, como um pouco de reflexão muda o aspecto das coisas? Intriguistas políticos, que as minhas interpelações embaraçam, intentam desonrar¬ me na opinião apresentando–me como um aliado secreto da Áustria e da Igreja, que sei eu? talvez como o portador das últimas vontades do rei Bombaj). Tal foi contra a federação o mais forte dos seus argu¬mentos.
Com uma palavra, eu ponho os meus adversários na defensiva: pois declaro¬o, nem a reputação de conspirador de Mazzini, nem o humor cavaleiresco de Garibaldi, nem a notoriedade dos seus amigos em França, são suficientes para me tranquilizar. Quando vejo homens renegar, pelo menos de boca, a sua fé republicana, içar a bandeira monárquica, gritar viva o rei! com todas as forças dos seus pulmões, e fazer sinal de olhos que tudo isso não é senão uma farsa cujo rei aclamado deve ser o parvo; quando sobretudo sei de que fraco valor é a sua república, confesso que não estou sem inquietação convencido da sinceridade da traição. Ah! senhores unitaristas, o que fazeis não é certamente um acto de virtude republicana; Com que intenção cometeis o pecado? Quem traís?
Falais de inoportunidade! Mas tivestes três anos para constituir a vossa unidade. Durante esses três anos usastes e abusastes quase exclusivamente da palavra. Não abordei, no que me diz respeito, a questão senão a 13 de Julho de 1862, depois da retirada desesperada de Mazzini; retomei¬a a 7 de Setembro, depois da derrota de Garibaldi; e renovo as minhas instâncias, hoje quando o ministério Rattazzi teve que ceder o lugar ao ministério Farini, encarregado pela maioria do Parlamento de fazer ao princípio federativo confissão dos erros da vossa unidade. Claro, é agora ou nunca o momento de julgar o que foi feito. A vossa política está irremediavelmente arruinada; não vos resta, se amais a Itália e a liberdade, senão retomar o senso comum e mudar de sistema. Foi o que tomei a liberdade de vos aconselhar, e vós apontais¬me como apóstata da Democracia. Oh! vós sois a sinagoga de Maquiavel; perseguis a tirania e a vossa máxima é Per fas et nefask). Desde há três anos fazeis, com a vossa unidade, a desolação da Itália, e achais cómodo acusar disso o federa¬lismo. Para trás, políticos de nada!
i)Aldeia da Argélia famosa pelas suas ruínas romanas. (N.T.)
j)As nossas investigações foram infrutíferas no sentido de descortinar de que rei se trata. O saber proudhoniano é mais que enciclopédico, pois nem na enciclopédia bri¬tânica, considerada a melhor, há alusão a um qualquer rei Bomba. (N.T.)
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