domingo, agosto 29, 2010

O NEGRO E O VERMELHO

Passemos sobre o epíteto de cristã, que, em 1849, não escandalizava ninguém, tanto como não escandaliza hoje Sr. Delort, e que sob a minha caneta tomava uma extensão que a ortodoxia certamente não lhe concede. Pergunto ainda que relação há entre a REPÚBLICA espiritual, que então prognosticava, que afirmo sempre, e que no meu espírito não significou nunca senão a Revolução e a Justiça, e o unitarismo do Sr. Delort? Onde está, da minha parte, a contradição? De que, como justiceiro e revolucionário, sou opositor à Igreja, ides vós tirar a ilacção que devo votar convosco a transferência dos Estados do Santo Padre para Vítor¬Emanuel? Que lógica!
Última citação, segundo o Sr. Delort:
A abolição do poder temporal dos Papas, que outra coisa é senão a Democracia fazendo, na cidade dos reis, dos cônsules, dos imperadores e dos papas, a sua entrada solene? Sob um ponto de vista mais elevado, a queda da potência temporal dos Papas indica um retorno definitivo da humanidade à filosofia, a abjuração do cato¬licismo, que, uma vez desprendido da terra, regressará ao céu, de onde a vontade de Carlos Magno o fez descer.
Admirai o artifício oratório do Sr. Taxile Delort. Os assinantes do Siècle são liberais honestos que entendem continuar nos princípios da Revolução; pode mesmo ser que eles não se creiam republicanos: de resto, nisso não vendo nada de maldade. Desde que se lhes fale de tempos em tempos de revolução, democracia, oitenta e nove, liberdade, etc., ficam contentes, não põem obstáculos sobre o uso. Guerra da Crimeia, revolu¬ção; guerra da Lombardia, unidade italiana, revolução; expulsão do Papa, revolução, e revolução, lenga¬lenga. Citem¬lhes, através desta embrulhada, algumas frases de um autor onde as palavras revolução, democracia, liberdade, abolição do poder temporal e espiritual da Igreja sejam pronunciadas num diapasão um pouco tenso: nada de dúvidas, este escritor revolucionário é da opinião do Siècle, sobra a criação do novo reino, é um partidário da unidade, um amigo de Vítor¬ Emanuel. Mas eis que dizeis a esses excelentes assinantes que o mesmo escritor protesta contra o reino em nome da federação: oh! então, deve ser um insolente renegado, é um contra¬revolucionário.
O quê! contais bastante com a estupidez dos leitores do Siècle para lhes apresentar como argumento a favor da unidade italiana e um testemunho das contradições do meu espírito as passagens mais fulminantes que eu tenha alguma vez escrito contra a vossa tese! Confesso, a abolição da potência temporal na Igreja implicava no meu espírito, na época em que escrevia essa passagem, a abolição espiritual; foi por isso que marquei a queda do poder temporal dos Papas na presença da Democracia triunfante como o sinal precursor da queda do catolicismo. Mas a realeza piemontesa não é a Democracia diante da qual, segundo o pensamento que vós denunciais, deve eclipar¬se o Papado; mas a usurpação dos Estados da Igreja não é a exclusão da Igreja de toda a participação no poder temporal; mas nem o Siècle nem ninguém entre os unitários pede com os seus votos essa exclusão, ninguém admite que à espiritualidade do Evangelho possa suce¬der uma espiritualidade da Revolução. Pelo contrário pede¬ se, e o Sr. Taxile Delort como os outros, o direito de cidade d) para a Igreja, oferecendo¬lhe devolver em honras, pensões, influências, propriedades, etc., tudo o que ela terá perdido pela diminuição do seu previlégio. Então, que me reprova o Sr. Taxile Delort? Se há contradição em alguma parte, não é em mim, que, na minha brochura sobre a unidade italiana, me abstive de formular algum pedido nem a favor nem contra a Igreja; é sobretudo no Siècle, que tanto faz acto de piedade cristã e vota honras à Igreja, como provoca a destituição do Pontífice Rei. O que seria lógico da parte do Siècle, era que em lugar de uma medida de espoliação propusesse uma lei de justiça que, separando a sociedade de toda a religião, satisfizesse me¬lhor que o próprio Evangelho às necessidades morais dos povos; que, organizando o ensino superior, não mais somente para cento e vinte e sete mil quatrocentos e setenta e quatro pessoas privilegiadas, mas para uma massa de SETE MILHÕES E MEIO de crianças de ambos os sexos, destruísse finalmente todos os lares de ignorância e desenraizasse o preconceito. O que seria lógico da parte do Siècle, seria pedir consequentemente a aboli¬ção da concordata, a supressão do orçamento eclesiástico, a anula¬ção do Senado dos cardeais, a retoma das propriedades dadas à Igreja sob uma ordem de ideias que de futuro já não existiria. Então o Siècle poderia troçar das minhas demonstrações anti¬cristãs; teria sobre mim a vantagem da teoria e da prática; e acreditá¬lo¬iam animado do verdadeiro ardor revolucionário. Tende portanto, senhores do Sciècle, a coragem de assumir não digo da vossa incrudelidade, mas do vosso racionalismo, suposto que na vossa polémica contra o Papado não houve nada de racional. Fora disso, não espereis aliar¬me à vossa intriga piemontesa: pois tanto coloco o direito da Revolução e a moral pura da humanidade acima da Igreja, como e mil vezes mais baixo sob a fé de Cristo coloco a vós próprios, com a vossa unidade, o vosso voltairianismo e todas as vossas hipocrisias.
De todas as críticas que foram feitas à minha última brochura, aquela que mais me desgostou, devido ao nome do autor, é a do Sr. Taxile Delort. Acabamos de ver o que ela vale. O citador viu ou quis ver nas minhas palavras o contrário do que eu lá pus: é tudo. – Antigamente, quando o Sr. Delort trabalhava no Charivari, julgavam- no sério, frio, e não alegre; de onde se concluiu que o seu lugar era num jornal grave. Desde que o Sr. Havin o chamou, pareceu tornar- se galhofeiro, devaneia, faz concorrência ao seu confrade cómico Sr. Edmond Texier: também o acham fútil mesmo para os assinantes do Siècle. Inventus est minus habens! e) A diminuição deles próprios, tal é o castigo de todos aqueles que desposaram a causa da unidade.

d) Antigamente significava a qualidade de um cidadão, de um estado ou, de uma cidade, com as prerrogativas inerentes. (N.T.)
e) Em latim, no original. A invenção é o menor dos saberes. (N.T.)

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