sábado, setembro 11, 2010

Fotografias sem Luzes

No mês passado, Bibi Aisha foi capa da revista Time Magazine. Mutilada, julga-se, por talibãs afegãos, já não tem orelhas nem nariz [1]. No Irão, Sakineh Mohammadi Ashtiani, já chicoteada por adultério, foi ainda condenada a uma pena de lapidação. O seu rosto, ainda intacto, tornou-se um símbolo de união contra o regime de Teerão. Estas duas imagens de mulheres fazem reflectir, mas em quê? Não na ferocidade dos islamitas afegãos: os soviéticos já a haviam conhecido numa época em que, com a bênção dos intelectuais mediáticos, os ocidentais iam armando os fundamentalistas. As fotografias também não revelam nada sobre o regime do presidente Mahmud Ahmadinejad: a natureza deste regime já tinha sido clarificada pelas fraudes eleitorais dos que o defendem e pela repressão dos que se lhe opõem, enforcamentos incluídos.

Em lugar de suscitarem a reflexão, não correrão estas imagens o risco de a constranger associando – de forma intencional ou não – um símbolo irresistível (uma mutilação que gostaríamos de punir, uma execução que desejaríamos esconjurar) a um projecto estratégico perigoso (prosseguimento da guerra no Afeganistão, escalada das sanções contra o Irão)? Quanto mais o símbolo é poderoso, menos o projecto precisa de ser argumentado, pois a emoção admite o que a reflexão teria impedido. Para dar um sentido ao relato do suplício de Bibi Aisha, a Time Magazine intitulou: «O que acontecerá se abandonarmos o Afeganistão». Alguns dias antes, 77 mil documentos publicados pelo sítio WikiLeaks haviam, contudo, confirmado o fracasso moral, político e militar da guerra ocidental. Mas o choque de uma imagem exige menos tempo do que a leitura crítica de vários milhares de páginas. Uma fotografia contra as Luzes.

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