Qual é então o interesse que o motiva? exclama ele falando de mim. É o interesse da religião? É a ternura que ele sente pelo Império e pela dinastia? O seu pudor natural não admitiria essa explicação. Em religião, ele é ateu; em política, é partidário da anarquia, por outras palavras, da supressão de toda a espécie de governo... Ora, o Sr. Proudon é homem honesto demais para trabalhar noutra coisa senão nas suas ideias. É necessário supor então que ao defender o poder temporal, espera trabalhar para o progresso do ateísmo? Que ao ligar indissoluvelmente a causa do Imperador à do Papa, espera comprometê¬los e arrastá¬los a ambos para a mesma ruína, e fazer florir a santa anarquia sobre os escombros da Igreja? Isso seria muito maquiavélico, mas não seria estúpido de todo; e como o Sr. Proudhon não escreve por escrever, tem um fim ao escrever, arriscamos essa interpretação até que a la France nos mostre uma melhor.
A este respeito, o Sr. Guéroult, que insiste em provar que é ele, o crí¬tico respeitador do pensamento de Villafranca, que é o vedadeiro amigo do Império, não eu que maldosamente acolhi essa ideia, que em seguida perfi¬damente a comentei e satanicamente desenvolvi, o Sr. Guéroult continua neste tom:
Se, mesmo criticando os actos deste governo mais frequentemente que o que gostaríamos de o fazer, respeitamos os seus princípios e se acreditamos que ele tem diante de si uma grande missão a cumprir, é precisamente porque, baseado na vontade nacional, conti¬nuando o primeiro Império, não nos seus excessos militares, mas no seu papel de organizador dos princípios de 89, ele é hoje, de todo as formas de governo em perspectiva, aquele que melhor pode, sem crise, sem agitação interior, sem cataclismo exterior, favorecer a elevação moral, a emancipação intelectual das classes laboriosas e a sua chegada ao bem estar; é ele que, popular e democrático pela sua origem, melhor pode fazer triunfar na Europa, gradualmente e à medida que os acontecimentos o permitirem, os princípios que prevaleceram em França e que fazem sozi¬nhos a sua força e a sua legitimidade...
Então quando o Sr. Proudhon tenta ligar indissoluvelmente o des-tino do Império fundado sobre o sufrágio universal com o do po-der temporal recusado pelo voto dos Romanos e de toda a Itália, ele faz o seu trabalho de INIMIGO do Império, o seu papel de após¬tolo da anarquia; tenta comprometer o Império com o passado para mais seguramente o confundir com o futuro. E fazendo isso, o Sr. Proudhon preenche o seu papel e joga o seu jogo.
O Sr. Guéroult poderia ter¬se dispensado relativamente a mim dessa espécie de denúncia. Eu considero¬o, até nova ordem, como amigo devotado do Império, e não sonho em absoluto em disputar- lhe o privilégio das graças principescas nem em Itália nem em França, assim como não disputo aos católicos o favor das benções papais. Mas teria passado muito bem sem ser descrito, a propósito do tratado de Villafranca, como inimigo do Império e da dinastia. Suficientes desconfianças perseguem¬me, sem lhes juntar os riscos da cólera imperial.
O que disse das relações do Papado e do Império é então assim tão difí¬cil de compreender que o Sr. Guéroult, depois de dar cabo da cabeça, não conseguiu aí descobrir senão uma horrível armadilha estendida pelo mais tenebroso dos conspiradores? Mas falei como a história. Disse que toda a instituição, como toda a família, tem a sua genealogia; tendo que Napo¬leão I reaberto as igrejas, assinado a Concordata, fechado a boca aos Jacobinos atirando¬lhes títulos, condecorações e pensões, criado sob o nome de IMPÉRIO uma monarquia que continha alternadamente Revolução e direito divino, democracia e feudalismo, tinha reatado à sua maneira a cadeia dos tempos; que o seu plano tinha sido de continuar, sob formas e em condições novas, a tradição, não somente de Carlos Magno, mas de Constantino e de César; que o seu pensamento tinha sido compre-endido e aclamado quando os seus soldados, depois de Friedland, o saudaram imperador do Ocidente; que, neste aspecto, Napoleão I tinha¬se tornado mais que o genro, e sim o verdadeiro herdeiro do imperador germânico; que ele expusera totalmente o seu pensamento , quando se dera de algu¬ma maneira como colega o czar Alexandre, chefe da Igreja grega e conti¬nuador do império de Constantinopla; que, fora deste contexto histórico, a constituição imperial era desprovida de sentido. Sem dúvida que não parti¬lho nada essas ideias de Napoleão I; mas não é menos verdade que, em consequência dessas ideias, Napoleão III não pode hoje nem permitir, como imperador, a formação da unidade italiana e o espoliamento do Papa, nem organizar, como representante da Revolução, o sistema federa-tivo. Depreende¬se que eu tenha mentido à história, caluniado a ideia napoleónica, e que deva ser designado como inimigo do Império e da di¬nastia?
Também eu tenho uma tradição, uma genealogia política à qual dou importância como à legitimidade do meu nascimento; sou filho da Revolução, que é ela própria filha da filosofia do século dezoito, a qual teve por mãe a Reforma, por avó a Renascença, por antepassadas todas as Ideias, ortodoxas e heterodoxas, que se sucederam de era em era desde a origem do cristianismo até à queda do império do Oriente. Não esqueçamos, nessa geração esplêndida, as Comunas, as Ligas, as Federações, e até esse Feudalismo, que, pela sua constituição hierárquica e a sua distinção de castas, foi também, no seu tempo, uma forma de liberdade. E de quem é filho o próprio cristianismo que não separo dessa genealogia revolucionária? O cristianismo é filho do judaísmo, do egiptismo, do bramaísmo, do magicismo, do platonismo, da filosofia grega e do direito romano. Se não acreditasse na Igreja, exclama em qualquer sítio santo Agostinho, ele queria dizer na tradição, eu não acreditaria no Evangelho. Digo como santo Agostinho: Teria confiança em mim mesmo e acreditaria eu na Revolução, se não encontrasse no passado as suas origens?
O Sr. Guéroult não compreende nada destas coisas. O enfantinismo, no qual foi educado, e do qual nem ele nem o seu autor, o Sr. Enfantin, saberiam mostrar a filiação histórica e filosófica, o enfantinismo, que fundou a promiscuidade do concubinato, glorificou o bastardismo, inventou o pante¬ísmo da carne, fez do adultério uma fraternidade, e que imagina que as instituições humanas florescem, como as rotíferas do Sr. Pouchet, do lodo das goteiras; o enfantinismo, digo, é o comunismo no que ele tem de mais ordinário, a unidade no que ela tem de mais material; como tal, ele é o inimigo jurado de toda a descendência autêntica; tem horror das gerações santas, dos nomes patronímicos e das religiões domésticas; os filhos de família não são para ele os liberi h), como diziam os Romanos, quer dizer os filhos da Liberdade, são os filhos da Natureza, nati, naturales i); não pertencem aos seus pais, mas à comunidade, às comunas: o que não im¬pede ocasionalmente os enfantinianos, mesmo que isso de pouco lhes sirva, de se intitularem dinásticos. Pois a dinastia, apesar de tudo, se está longe da teocracia enfantinista, não representa menos, embora de uma maneira muito imperfeita ao gosto da seita, a Autoridade e a Unidade, fora das quais não há salvação. A noção do direito não existe nessa escola de carne: o que ela aprecia na democracia, é o anonimato; o que ela gosta num governo, é a concentração; o que lhe agrada no império fundado por Napoleão I e restaurado por Napoleão III, não é essa série tradicional, ilusória para mim, mas plena de majestade, da qual ele seria o desenvolvimento, são as manobras que puseram fim à república e impuseram silêncio ao livre pensamento; o que, finalmente, ela aprecia na unidade italiana é que ela se baseie numa série de expropriações. Perguntei ao Sr. Guéroult se era condecorado com a ordem de São Lázaro: teria feito melhor em per¬guntar a Vítor¬Emanuel se aspirava reinar pela mercê do Sr. Enfantin.
h) Em latim, no original. Livres. (N.T.)
i) Em latim, no original. Nascer naturalmente. (N.T.)
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