sábado, setembro 04, 2010

O NEGRO E O VERMELHO

O Sr. de Girardin, como os unitários, acredita pouco nas ideias; ri-se dos debates da imprensa e da tribuna e não tem fé senão nos expedientes, a que ele chama, com os seus velhos inimigos os Jacobinos, política de acção. Do ponto de vista da unidade, aí onde a salvaguarda dos interesses e da dinastia, são a lei suprema, onde o Poder está de acordo com a classe dominante, onde a questão da Igreja está associada à questão do Estado, o Sr. de Girardin pode ter razão: a influência de uma imprensa de oposição é pouco temida. Em questão de mentira, a maior é engendrada pela maior massa de interesses, e aquela absorve e anula todas as outras. Quanto à verdade, vale tão pouco, que não inquieta ninguém.
Mas essas coligações gigantescas são, apesar da necessidade que as provoca, o que existe de mais instável; e quando a divisão rebenta, a anarquia dos espíritos encontra na imprensa o seu auxiliar mais poderoso. Então a verdade, como se quisesse vingar¬se, toma um aspecto terrível; então também os interesses se unem de novo contra ela; depressa se apela à compressão, e entra¬se na ordem pela porta do despotismo. Mas a verdade acabará por ter o seu dia: E felizes, diz Jesus Cristo, aqueles que ela não escandalizar!...
Depois da la Presse, eis o l'Echo de la presse, o le Pays, a la Patrie, jornais devotados ao Império, cuja fidelidade por essa razão não deve ser posta em causa mais do que a da mulher de César. Encarniçados contra o poder temporal do Papa, e na mesma porporção mais favoráveis ao Reino, esses jornais, pelo menos no que toca à questão romana, pertencem à facção dita avançada do partido bonapartista. Saber se eles são condecorados de Saint¬Lazare não é o que me preocupa: aliás asseguram¬me que eles não o escondem. Mas eis o que eu queria.
O artigo 12 da Constituição federal Suíça, reformada em 1848, contém:
«Os membros das autoridades federais, os funcionários civis e militares da Confederação, e os representantes ou os comissários federais, não podem receber de um governo estrangeiro nem pensões ou remunerações, nem títulos, presentes ou condecorações. – Se se encontram já em posse de pensões, de títulos ou condecora-ções, deverão renunciar a gozar as suas pensões e a usar os seus títulos e as suas condecorações enquanto durarem das suas funções.»
Seria exigir demasiado, sob um governo unitário, onde nenhuma publicação periódica, que trate de matérias políticas, pode existir sem autorização e caucionamento, pedir: 1º que da mesma maneira do que se pratica na Suíça, os jornalistas não possam receber nem condecoração nem subven¬ção de um governo estrangeiro; 2º que sob este aspecto eles fossem comparados aos funcionários públicos? Ganharíamos pelo menos não estar expostos a ver os jornais do governo defender o estrangeiro contra o país, e usar uma condecoração anti¬nacional.
O Journal des Débats reservou¬me sempre a honra das suas diatribes mais envenenadas; só por mim, perde o seu sangue frio e esquece o seu aticismo. Que lhe fiz eu? Nunca me inspirou nem cólera nem ódio.
A atitude deste sério e académico jornal, tomando de repente partido pela unidade piemontesa, a princípio surpreendeu¬me. Reflectindo nisso, achei a sua conduta assaz natural; depois, reflectindo nisso ainda mais, fiquei perplexo. Não é coisa fácil sondar a política dos Débats.
Para principiar, o Journal des Débats passa como devotado à família de Orléans, unido pelo mais estreito parentesco aos Bourbons de Nápoles. Como, e foi o que causou a minha surpresa, pode o Journal des Débats dar a sua aprovação a um facto que atenta tão gravemente contra a dinastia dos Bourbons, e em consequência a dignidade da de Orléans? Outros afirmam que ele é, ou pouco falta, aliado do Império. Nesse caso, a sua posição é a mesma que a do Pays e de a Patrie: como, tendo a defender a prepotência francesa, dá ele o seu apoio à unidade italiana? Como não segue o exemplo de la France?... – Mas por outro lado o Journal des Débats está inviolavelmente unido ao sistema das grandes monarquias constitucionais, burguesas e unitárias, de que os príncipes de Orléans não são apesar de tudo senão um símbolo; e diz¬se que, símbolo por símbolo, um Bonaparte vale em definitivo um de Orléans. Pode¬se mesmo dizer, em louvor dos Débats, que para ele o respeito do princípio, quero dizer o interesse burguês, leva a melhor sobre a afeição pelas pessoas. Este se¬gundo raciocínio pareceu¬me tão lógico, concludente e natural como o primeiro. Presentemente, que decidir?

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