domingo, setembro 12, 2010

O NEGRO E O VERMELHO

Dir¬lhe¬ia então, em primeiro lugar, que a sua hipótese de um Estado ao mesmo tempo unitário e descentralizado é uma pura quimera, da qual se pode desafiar o mais hábil jornalista a dar uma exposição inteligível, e que os exemplos que ele dela cita são completamente inventados e travestidos. É claro, por exemplo, que a pretensão do governo belga foi a de reunir a dupla vantagem da unidade e da descentralização; mas é certo também e reconhecido por todos os Belgas mesmo pouco instruídos que a centralização é crescente na Bélgica, enquanto que o antigo espírito comunal e federativo se perde; que o poder central faz a este uma rude guerra, e nem já o esconde mais. Já disse que uma das causas do descon-tentamento que evidenciei na Bélgica com o meu artigo sobre a unidade italiana, foi que ao atacar esta combatia indirectamente o unitarismo belga . Um fenómeno análogo passa¬ se na Inglaterra, na Prússia, e em todo o lado onde o princípio federativo não está fortemente constituído e rigorosamente definido. A guerra dos Estados Unidos disso é ainda uma prova.
Todo o poder tende à concentração e ao monopólio: as tradições, a raça, o génio não fazem nada aí; e é suficiente, para que esta tendência centralizadora se torne uma realidade, que exista de facto ou de direito uma oposição de classes, burguesia e povo. É uma consequência fatal do antagonismo de interesses, que eles trabalhem de acordo para a concentração do poder. A Bélgica, citada há pouco pelo Sr. Fr. Morin, é um triste exemplo disso.
Evitemos portanto, por favor, tomar por uma forma de sociabi-lidade o que não é senão um fenómeno de alteração política, a passagem da federação à unidade, ou vice versa. Evitemos sobretudo concluir dessa pretensa forma a um patronato que não seria outra coisa senão o restabe¬lecimento do condenado princípio de castas, ao qual ides direito pelo vosso infeliz apelo à burguesia. Não esqueçais que tudo se move, tudo muda e tudo está em evolução incessante na sociedade, e que se o vosso sistema político não está organizado de maneira a desenvolver incessantemente a liber¬dade e a criar, por seu intermédio, o equilíbrio, sempre o vosso go¬verno voltará à cen-tralização e ao absolutismo.

42) A lei que suprimiu as taxas municipais na Bélgica fez da descentralização desse país uma verdadeira anomalia. Setenta e oito cidades ou comunas renunciaram por essa lei a ter rendimento próprio: é do orçamento do Estado que elas recebem hoje o mon-tante das suas despesas; são os representantes da nação que os votam; é o ministro das finanças que, consequentemente, é o verdadeiro administrador chefe das finanças de todas as comunas belgas. De um só golpe a Bélgica inteira encontrou-se transformada numa vasta prefeitura. Como conceber, num tal Estado, a existência do que a França, tornada de novo Império, persiste em reclamar, as liberdades municipais? Repito-o: a coisa seria não somente contrária ao direito do Estado, ao direito das Câmaras tanto como ao do governo; seria uma irregularidade orçamental, uma impossibilidade. Os habitantes das comunas belgas assim o quiseram; as Câmaras, so¬bre o seu comando, votaram-no: pode-se dizer que a demissão do país entre as mãos do governo foi completa. E essa honesta burguesia belga troça das nossas inclinações unitárias!...
43) A abolição dos impostos municipais na Bélgica podia ser uma medida de economia pública ao mesmo tempo útil e liberal: toda a dificuldade consistia em substituir o rendimento das taxas municipais por um outro sistema de contribuição. Este cuidado dizia res¬peito especialmente às cidades, a cada uma das quais pertencia determinar, no me¬lhor dos seus interesses, as suas vias e meios. O governo e as Câmaras não deviam intervir senão para homologar as decisões tomadas pelas comunas. Em geral, o modo mais simples era substituir as taxas municipais por uma taxa de aluguer. Mas teria sido preciso exceptuar da taxa toda a população pobre; e a classe burguesa, aliciada pelo ministro, preferiu arriscar, para não dizer sacrificar, as suas liber-dades municipais, e jogar o fardo sobre a massa inteira do país. É assim que o or-çamento das se¬tenta comunas mais consideráveis da Bélgica se tornou um capítulo do orçamento do Estado. A burguesia belga pode gabar-se de ter vendido o seu di¬reito de primogenitura por um prato de lentilhas, e o Sr. Frère Orban de ter reali¬zado o maior acto de corrupção dos tempos modernos. Doravante, na Bélgica, os concelhos municipais não são mais que sucursais do ministério do interior.
Na Inglaterra, o movimento centralizador é menos rápido que na Bélgica; isso deve-se à existência de uma aristocracia e ao regime de propriedade. O Sr. Fr. Morin queria, para realizar o seu acordo da descentralização com a Unidade, levar-nos de volta para o direito de primogenitura e para o sistema feudal?
Na Prússia, existe também uma nobreza, verdadeira remora da burguesia e da demo-cracia prussianas, último obstáculo ao desenvolvimento das liberdades do unitarismo constitucional. Suprimi essa nobreza, aboli tudo o que resta na Prússia de costumes feudais, e dependendo de que a burguesia ou a democracia seja preponderante, tereis o império plebeu ou a realeza burguesa, tão unitárias uma como a outra.

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