Essa observação é exactamente a mesma que me foi dirigida, em termos de perfeita cortesia, por um respeitável pastor de Roterdão. Ela significa que, no pensamento do Sr. Fr. Morin, católico fervoroso, a unidade religiosa, que deve um dia reunir numa mesma profissão de fé todos os crentes, tem como condição para se realizar, ser nitidamente separada da unidade política. Assim o Sr. Morin é duplamente unitário; é¬o no seu coração e no seu entendimento, é¬ o em religião e em política. Como é que com isso pode ele dizer¬se democrata, liberal, digamos mesmo revolucionário? Confesso que é para mim um enigma.
Seja como for, nem o Sr. Morin nem o meu correspondente holandês me compreenderam. Para começar, neguei que os Romanos tivessem o direito de decidir, na medida que deles depende, o assunto do poder temporal dando a exclusão ao Santo Padre? Nunca. Tal, não é para mim a questão. Trata¬se de se pronunciar entre a federação e a unidade. Sobre o que me limito a dizer, abstraindo dos direitos ou pretensões dinásticas da Santa Sé, que se os Romanos, do mesmo modo os Napolitanos e os Toscanos, dão a preferência ao reino sobre a federação, disso são perfeitamente senhores; somente faltam, para mim, à tradição da Itália, às garantias da liberdade e aos verdadeiros princípios do direito, e para mais se põem mal com o mundo católico. Digo que em lugar de avançar por essa política na via revolucionária, eles recuam; que em lugar de conduzir o catolicismo à razão, o que aliás não está nas suas intenções, preparam¬lhe uma recrudescência.
Quanto ao temporal pontifical, que o Sr. Fr. Morin queria, como católico e no interesse da Igreja, suprimir, limitar¬me¬ei a fazer¬lhe uma simples pergunta: Nega ele que se os sessenta ou oitenta mil padres que em França são perseguidos na sua existência material, fossem ouvidos a propósito de escolher entre eles os candidatos para o Corpo legislativo e de os apresentar às próximas eleições nos oitenta e nove departamentos, eles teriam esse direito? Nega ele que, se o sufrágio acolhesse a maioria das suas candidaturas, os clericais não teriam o direito de entrar em massa no governo? Nega ele que então a política não se tornasse legitimamente uma política cristã, ou mesmo realmente eclesiática? Não, não pode negar isso, já que está escrito no nosso direito público. Bem melhor, o Sr. Frédéric Morin, democrata e católico, não ficaria feliz com esse triunfo da religião? Seguramente. Então a separação do temporal e do espiritual, assim como tenho afirmado tantas vezes, é nele mesmo uma quimera; então, visto que por um lado o espiritual e o temporal são conexos, e que por outro lado os interesses que compõem o temporal são divergentes, a unidade da religião é tão quimérica como a do governo; portanto não é em virtude desse princípio triplamente falso, de uma unidade religiosa, de uma unidade governamental, e da sua separação, que o partido da Revolução deve atacar a Igreja e reinvidicar os Estados do Santo Padre; assim a verdadeira, a única questão entre o partido da fé e o partido do progresso é a questão moral, na qual nós estamos certos de sucumbir, e condenamo¬nos nós mesmos ao fazer ao nosso antagonista uma guerra desleal e juntando à espoliação a hipocrisia. O que mantém a Igreja contra todos os ataques e que faz do partido católico o mais poderoso de todos, o Sr. Fr. Morin deve sabê¬lo melhor que ninguém, não é a sua unidade, é a debilidade das consciências que já não mantém nenhuma ideia nem de cima nem de baixo; é o materialismo do nosso ensino; é o abandono do pensamento revolucionário substi-tuído pelo mais detestável farisaísmo; é o nosso romantismo impuro e a nossa libertinagem voltariana.
Segundo o Sr. Morin, «ao estudar a hipótese da supressão do papado temporal, ter¬ me¬ia apavorado com a imagem da autoridade temporal coroando¬se ela própria com uma realeza absoluta sobre as almas.» – Estou agradecido ao meu honorável crítico por procurar motivos elevados para a minha conduta em relação ao papado; mas tais não são precisa¬mente as minhas preocupações. Creio e espero o fim do papado temporal pois que creio e espero a justiça absoluta e a moral pura da humanidade, da qual a Revolução francesa foi, em meu entender, a precursora. Creio portanto que virá um dia em que a autoridade espiritual não se distinguirá mais da temporal, visto que ambas serão fundadas sobre a mesma consciência, a mesma razão e a mesma liberdade. O que me tem inquietado e que me faria chorar lágrimas de sangue, é qualquer malabarismo de reforma, renovada de Lutero e de Calvino; qualquer macacada de religião de Estado ou de Igreja nacional copiada de Henrique VIII; pior que isso, algum novo culto do Ser supremo ou da Razão; mascaradas como as de Ménilmontant, uma teofilantropia, um Mapa, ou qualquer outra loucura espírita ou mormónica. No estado de deterioração das almas, creio, em questão de superstição, tudo possível. O nosso pretenso voltairianismo não me tranquiliza; não tenho nenhuma confiança em espíritos fortes que não sabem senão divertir¬se e gozar. A filosofia, se não está couraçada de virtude, não me inspira senão desdém. Eis porque, conservando em relação à Igreja a posição que, em meu entender, a Revolução fez no mundo moderno, denuncio ao desprezo público, com as manobras da Democracia unitária, os golpes de báscula de um panteísmo sem valores e de um círculo de interesses sem princípios.
Sem comentários:
Enviar um comentário