quarta-feira, setembro 08, 2010

O NEGRO E O VERMELHO

À observação feita por mim de que a geografia da Península exclui a ideia de um Estado único, ou pelo menos de uma Constituição unitária, o Temps responde que a configuração territorial é uma dessas fatalidades das quais pertence à liberdade humana triunfar, a qual liberdade se mani¬festaria nessa circunstância precisamente pela unidade. Os Srs. Guéroult, Peyrat, etc., tinham¬no dito por outros termos: o Sr. Nefftzer crê ter feito prova de independência ao apoiá¬los com o seu estilo filosófico? O que responderia o Sr. Nefftzer a qualquer um que lhe fizesse este discurso: – «O corpo é para o homem uma fatalidade do qual lhe é ordenado libertar¬ se, se quer gozar da liberdade do seu espírito. É o que ensina o apóstolo são Paulo nessas palavras onde chama a morte: Cupio dissolvi et esse cum Christos). Donde concluo que o primeiro dos nossos direitos e o mais santo dos nossos deveres é o suicídio?...» – O Sr. Nefftzer responderia muito germanicamente a esse hipocôndrio: – «Ide para o diabo e deixai¬me tranquilo!...» Contentar¬me¬ei com fazer observar ao Sr. Nefftzer que o que ele toma por uma fatalidade anti¬liberal é precisamente no caso de que se trata, a própria condição da liberdade; que o solo é para a nação o que o corpo é para o indivíduo, parte integrante do ser, uma fatalidade se se quiser, mas uma fatalidade com a qual é preciso resignar¬ se a viver, que nos é mesmo ordenado cuidar como do nosso espírito e o melhor que podemos, sob pena de destruição do corpo, da alma e da própria liberdade.
Os caminhos de ferro, retoma o Sr. Nefftzer, serão um poderoso meio de unificação. É também a opinião do Sr. Guéroult. Vê¬ se cada vez mais, pelo exemplo do Temps, que é suficiente aproximar¬se da velha demo¬cracia para se tornar rapidamente carneiro de Panurgo. Respondi ao Sr. Guéroult e consortes que os caminhos de ferro eram máquinas indiferentes por elas mesmas às ideias, prontas a servir igualmente a federação e a unidade, a liberdade e o despotismo, o bem e o mal; máquinas admiráveis, que transportam rápido e a bom preço o que se lhes dá para transportar, como o burro faz a sua canga e o carteiro os seus envios; que consequentemente, em mãos federalistas os caminhos de ferro serviriam para reanimar energicamente a vida política nas localidades que eles servissem, e que pela centralização a tinham perdido, para criar o equilíbrio económico em lugar do proletariado, enquanto que nas mãos unitárias esses mesmos caminhos, manobrando em sentido inverso ao da liberdade e da igualdade, operando o empobrecimento da província em proveito do centro, conduziriam o povo à miséria e a sociedade à ruína.
A propósito da questão romana, o le Temps, como perfeito teólogo que é e como bom e velho democrata que não se pode impedir de ser, entregou¬se a longas dissertações sobre o espiritual e o temporal. Admirou¬se mesmo, com o grosso do partido, do socorro inesperado que eu trazia, segundo ele, à causa do papa. O le Temps não compreendeu melhor esse lado da dificuldade que os outros, e a sua docilidade prejudicou gravemente o seu julgamento. Ao tomar partido pelo reino contra a Igreja, não se apercebeu que sacrificava uma unidade a outra unidade, o que pertence sempre ao paralogismo unitário. Primeiramente, não é à teologia que é preciso perguntar a solução da questão romana, é ao direito público, quer dizer, neste ponto específico, ao princípio federativo. Tudo o que foi dito sobre a distinção económica das duas potências é um aperitivo, do qual o mais pequeno defeito é pôr hipocritamente o Evangelho ao serviço de uma ambição dinástica. Quanto à questão de saber se o espoliamento do Santo Padre não faria avançar a destruição do catolicismo, se, consequentemente, não era meu dever, antes de qualquer outro, aplaudi¬la, farei notar ao Sr. Nefftzer que a destruição das religiões nunca esteve, que eu saiba, na ordem do dia da Democracia; que Garibaldi marchava rodeado de padres e de monges patriotas, como nós fazíamos em 1848; que uma das censuras mais graves que me dirigiu o Sr. Guéroult é que eu sou ateu; que o próprio Sr. Nefftzer, desde a fundação do Temps, virou as costas a Hegel e mostrou¬se favorável às ideias místicas; que ainda nisso seguiu o exemplo do jacobinismo por inteiro, desde Robespierre até ao Sr. Gué¬roult; que num tal estado de coisas eu tinha razão ao pensar que, unindo¬se a Democracia definitivamente às ideias religiosas, a oposição feita ao Papado e à Igreja não podia ser, aos olhos de todo o livre pensador, senão uma guerra de seita para seita; que a Revolução, não tendo nenhum inte¬resse em jurar por Lutero ou Calvino de preferência a Pio IX ou a Enfantin, o meu dever era abster¬me e denunciar a intriga; e que no dia em que se colocar o debate entre a Revolução e a Igreja, nós teremos mais que fazer que tranportar o papado a Avignon ou à Savone.

s) Em latim, no original. Desejo dissolver¬ me e ser com Cristo. (N.T.)

Sem comentários: