CAPÍTULO IX
A Escravatura e o Proletariado
O que se passa do outro lado do Atlântico, a três mil léguas das regiões sobre as quais plana a ideia mazziniana, é uma prova brilhante dessa verdade que fora do federalismo a política, quaisquer que sejam a virtude e a brandura dos chefes de Estado, tende a degenerar em tirania, espoliação e exterminação.
Desde há meio século a república dos Estados Unidos era tida pelo modelo das sociedades e o tipo dos governos. Uma liberdade de facto incom¬parável aí se desenvolvia, rodeada de uma prosperidade inaudita. Mas essa república, de formas federalistas, estava infectada por vícios profundos. A febre da exploração, importada da Europa com a religião e as leis, o orgu¬lho do sangue e da riqueza, tinham desenvolvido a um grau assustador o princípio da desigualdade e da distinção de classes, e tornava inevitável o regresso ao governo unitário.
Três categorias de súbditos compunham a sociedade americana: os trabalhadores negros, escravos; os trabalhadores brancos, de dia para dia mais enterrados no proletariado; a aristocracia agrária, capitalista e industrial. A escravatura e o proletariado sendo incompatíveis com os costumes republicanos, os Estados do Sul, mesmo dizendo¬se por excelência DEMOCRATAS, foram os primeiros a conceber a ideia de centralizar os Estados Unidos e de dominar a Confederação. Queriam ao mesmo tempo desenvolver sobre toda a superfície da república a sua instituição particular, a saber a servidão negra. Empurrados pelos do Norte, em forte maioria, e que se cobriam de preferência com o título de REPUBLICANOS; atingidos eles próprios nos seus interesses locais por essa maioria que entendia usar por sua vez do poder e falar em nome de toda a União, romperam o pacto federal e constituíram¬se em democracia escravagista, presuntiva¬mente unitária.
Para salvar a União teria sido preciso, com um comum acordo e com uma vontade enérgica, duas coisas: 1ª Libertar os Negros e dar-lhes direito de cidadão, o que os Estados do Norte não concediam senão em metade e os do Sul não queriam em absoluto; 2ª combater energicamente o proletariado crescente, o que não passava pela ideia de ninguém. Ameaçada do Sul e do Norte pela servidão negra e pelo proletariado branco, a Confederação estava em perigo: a obstinação das duas partes tornava o mal quase sem remédio. Que se, com efeito, as coisas fossem deixadas a elas próprias, se a classe proletária do Norte e a aristocracia do Sul ficassem unidas, ocupadas somente em desenvolver as suas explorações respectivas, sem nada fazer pelos trabalhadores salariados ou escravos, e sem se inquietarem com a hora em que as populações se reencontrassem, poder¬se¬ia prever o dia em que, vindo as duas correntes a chocar¬se, a multidão democrática do Sul infiltrar¬se¬ia na massa republicana do Norte, ao mesmo tempo que esta extravasava naquela. Então trabalhadores brancos e trabalhadores negros misturando¬se e depressa se entendendo, a classe dos exploradores não teria mais, para se defender da insurreição servil e proletária, que mudar a confederação em Estado unitário, com força policial e de guarda pública, exército numeroso e permanente, administração centralizada, etc., se não quisesse expor¬se a ver escravos e proletários marchar contra ela, nomeando, a exemplo dos do Haiti e do México, um imperador. Se, ao contrário, a diferença das raças exploradas, se a divergência dos hábitos contraídos pelos exploradores e a contradição dos seus interesses tornasse a separação inevitável e que nenhuma força a pudesse impedir, a sorte do Norte ia encontrar¬se gravemente comprometida no triplo ponto de vista político, económico e estratégico, e poder¬se¬ia ainda prever que viria o momento em que a maioria republicana pediria a aliança com a minoria escravagista nas condições exigidas por esta. De qualquer maneira a confederação ia desaparecer.
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