segunda-feira, setembro 27, 2010

O NEGRO E O VERMELHO

a) Os grupos que compõem a Confederação, o que se chama noutros lados Estados, são eles próprios Estados, governando- se, julgando¬se e administrando¬se com toda a soberania segundo as suas leis próprias;
b) A Confederação tem por objectivo aliá¬los num pacto de garantia mútua;
c) Em cada um dos Estados confederados, o governo é organizado segundo o princípio da separação de poderes: a igualdade perante a lei e o sufrágio universal formam a sua base:
Eis todo o sistema. Na Confederação, as unidades que formam o corpo político não são indivíduos, cidadãos ou súbditos; são grupos, constituídos a priori pela natureza, e cuja dimensão média não ultrapassa a de uma população reunida sobre um território de algumas centenas de léguas quadradas. Esses grupos são eles próprios pequenos Estados, organizados democraticamente sob a protecção federal, e cujas unidades são os chefes de família ou cidadãos.
Constituída desta forma, a Federação resolve sozinha, em teoria e na prática, o problema do acordo entre a Liberdade e a Autoridade, dando a cada uma a sua justa medida, a sua verdadeira competência e toda a sua iniciativa. Sozinha por consequência, ela garante, com o respeito inviolável do cidadão e do Estado, a ordem, a justiça, a estabilidade, a paz.
Em primeiro lugar, o Poder federal, que é aqui poder central, órgão da grande colectividade, já não pode absorver as liberdades individuais, corporativas e locais, que lhe são anteriores, pois que elas lhe deram origem e que só elas o suportam; que, além disso, pela constituição que elas lhe deram e pela sua própria, lhe continuam superiores . A partir daí, não há mais risco de queda do governo: a agitação política não pode dar origem senão a uma renovação do pessoal, nunca a uma mudança de sistema. Podeis tornar a imprensa livre, a tribuna livre, a associação livre, as reu¬niões livres; suprimir toda a polícia política: o Estado não tem nada a des¬confiar dos cidadãos, nem os cidadãos a desconfiar do Estado. A usurpação por parte deste é impossível; a insurreição por parte dos outros impotente e sem objectivo. O Direito é a base de todos os interesses e torna¬se ele próprio razão de Estado; a verdade é a essência da imprensa e o pão quotidiano da opinião.
Nada a recear da propaganda religiosa, da agitação clerical, dos arre¬batamentos do misticismo, do contágio das seitas. Que as Igrejas sejam livres como as opiniões, como a fé: o pacto garante¬lhes a liberdade, sem temer atentado delas. A Confederação envolve¬as e a liberdade equilibra¬as: estivessem todos os cidadãos reunidos na mesma crença, ardendo no mesmo zelo, a sua fé não poderia voltar-se contra o seu direito, nem o seu fervor prevalecer contra a sua liberdade. Suponde a França federalista e toda essa recrudescência católica de que somos testemunhas tomba instantaneamente. Mais que isso, o espírito da Revolução invade a Igreja, obrigada a contentar¬se por ela própria com a liberdade, e a confessar que não tem nada melhor a dar aos homens.
Com a Federação, podeis dar instrução superior a todo o povo e assegurar¬vos contra a ignorância das massas, coisa impossível, contraditória mesmo, no sistema unitário.
A Federação sozinha pode dar satisfação às necessidades e aos direitos das classes laboriosas, resolver o problema do equilíbrio entre o trabalho e o capital, o da associação, o do imposto, do crédito, da propriedade, do salário, etc. A experiência demonstrou que a lei da caridade, o preceito da beneficiência, e todas as instituições da filantropia são aqui radicalmente impotentes. Resta portanto o recurso à Justiça, soberana em economia política tanto como em governação; sobra o contrato sinalagmático e comutativo. Ora, que nos diz, que nos ordena a justiça, expressa pelo contrato? Substituir o princípio do monopólio pelo da mutualidade em todos os casos em que se trate de garantia industrial, de crédito, de segu¬ros, de serviço público: coisa fácil no regime federativo, mas que repugna aos governos unitários. Deste modo, a redução e a tributação proporcional do imposto não podem ser obtidos sob um poder de alta pressão, pois que, para reduzir e igualizar o imposto, seria necessário começar por descen¬tralizá¬lo; desse modo a dívida pública não se liquidaria nunca, aumentaria sempre mais ou menos rapidamente, tanto sob uma república unitária como sob uma monarquia burguesa; assim o fluxo de mercadorias exte¬rior, que deveria trazer para a nação um acréscimo de riqueza, é anulado pela restrição do mercado interior, restrição causada pela enormidade das taxas ; assim os valores, preços e salários nunca se regularizarão num meio antagónico onde a especulação, o tráfico e o comércio, a banca e a usura levam a melhor cada vez mais sobre o trabalho.

47) A relação do poder central ou federal com os poderes locais ou federados é expresso pela distribuição do orçamento. Na Suíça, o orçamento federal é apenas um terço da totalidade das contribuições que a Suíça consagra à sua vida política; os outros dois terços ficam nas mãos das autoridades cantonais. Na França, pelo contrário, é o Po-der central que dispõe da quase totalidade dos recursos do país; é ele que regula as receitas e as despesas; é ainda ele que se encarrega de administrar por comissão as grandes cidades, tais como Paris, cujas municipalidades, se tornam assim puramente nominais; é ainda ele que é o depositário dos fundos das comunas e que inspeciona o seu emprego.

48) A França produz, num ano médio, 30 a 35 milhões de hectolitros de vinhos. Essa quantidade, acrescentada à das cidras e das cervejas, não ultrapassaria em muito o consumo dos seus trinta e oito milhões de habitantes, se fosse permitido a toda a gente de ir ao Corinto, quer dizer beber a sua quota parte de vinho, de cerveja ou de cidra. Portanto para que serve procurar fora uma saída para a mercadoria que nós temos em nós próprios? Mas há pior: o consumo interno anulado em parte pelo imposto do Estado, pelos custos de transporte, as portagens, etc., acreditou-se em procurar um outro no estrangeiro. Mas o estrangeiro não compra senão vinhos de luxo, recusa os vinhos vulgares, pelos quais se interessa pouco ou que lhe chegariam dema¬siado caros: de forma que o produtor fica com a sua mercadoria, sem compra¬dor nem no interior nem fora. A Gironda tinha contado com o tratado de comércio com a Inglaterra para a colocação dos seus vinhos; enormes quantidades foram expedidas para Londres: continuam por vender nas docas. Procurai, e vereis que esta anomalia, tantas vezes assinalada, deve-se a uma série de causas que, todas, resul¬tam de numa só: o sistema unitário.
(Ver a minha Théorie de l'Impôt, 1 vol. 1861.)

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