quarta-feira, outubro 20, 2010

“2 Militantes Anarquistas Brasileiros Morrem No Mesmo Dia !!!”




Nair Lazarine Dall’Oca

Nair Lazarine Dall’Oca nasceu em 23 de abril de 1923, em Araçatuba, filha de Carmino Lazarine e Rosa Furlan (ambos brasileiros de Ribeirão Preto), um modesto casal que teve 7 filhos. O pai de Nair, além de marceneiro, também lecionou na escola rural, onde ela estudou durante três anos.
Casou-se com Virgilio Dall’Oca e ambos mudaram-se para São Paulo, para viverem com os tios de Virgilio, Aída e Nicola D’Albenzio, ambos anarquistas. Nicola D’Albenzio, então ativo militante da Federação Operária de São Paulo (F.O.S.P.), aos poucos desperta o interesse do jovem casal pelas idéias libertárias.
Por volta de 1936, o casal conheceu o Centro de Cultura Social de São Paulo, com sede na avenida Rangel Pestana, nº 251 (antiga Ladeira do Carmo, nº 9), que na época contava com muitos sócios e freqüentadores, inclusive muitos espanhóis que viriam para São Paulo, após a implantação da ditadura de Franco na Espanha.
Nair trabalhou como costureira, Virgilio trabalhou como servente de pedreiro, cobrador de ônibus, motorista de caminhão e, por fim, taxista.
A difícil condição econômica do casal, não os impediu de contribuir financeiramente em inúmeras campanhas de solidariedade, como por exemplo, no apoio aos refugiados anarquistas durante o final da guerra civil espanhola (1939), organizado pelos anarquistas brasileiros respondendo ao apelo do jornal Tierra y Libertad.
Após a implantação do estado novo em novembro de 1937, o Centro de Cultura Social foi obrigado a fechar sua sede. Os anarquistas que desde o início da ditadura de Getúlio Vargas, vinham disputando o espaço nos sindicatos com os reformistas, perdem seu principal campo de atuação.
É neste contexto social, que um grupo de anarquistas, em sua maioria vegetarianos e naturistas, vai desenvolver um projeto de construção de uma chácara na cidade de Itaim, no interior do estado de São Paulo, que marcará um período completamente novo na trajetória do anarquismo brasileiro.
O grupo de voluntários anarquistas que comprou o terreno e que principiou o trabalho da construção da Nossa Chácara era composto inicialmente por: Germinal Leuenroth, Nicola D’Albenzio, Virgilio Dall’Oca, Justino Salguero, Salvador Arrebola, Antônio Castro, João Rojo, Benedito Romano, José Oliva Castillo, Roque Branco, Antônio Valverde, Cecílio Dias Lopes e Lucca Gabriel. Sempre acompanhado de seus familiares.
A Sociedade Naturista Amigos da Nossa Chácara, foi registrada em 9 de novembro de 1939, e mesmo após a reabertura do Centro de Cultura Social em 9 de julho de 1945, a Nossa Chácara continuou sendo palco (além de inúmeras confraternizações) de congressos libertários nacionais e reuniões clandestinas, que foram essenciais e possibilitaram a reorganização do movimento anarquista brasileiro, que havia passado pelo difícil período repressivo da ditadura Vargas.
O casal Dall’Oca e o grupo pioneiro da Nossa Chácara, além das doações financeiras, prestaram inúmeras contribuições em trabalho pesado e sofrido, que tornaram-se de valor incalculável devido aos benefícios coletivos que proporcionaram. Com a mesma importância, Aída D’Albenzio e Nair Dall’Oca, muitas vezes, foram as principais responsáveis pela alimentação de todos que freqüentavam a Nossa Chácara.
Quando surgiram os jornais “O Libertário” (outubro de 1960) e “Dealbar” (setembro de 1965), apesar de não escrever artigos, o casal Dall’Oca contribuiu financeiramente para ambos e ainda colaborava na distribuição.
O casal também contribuiu com a Editora Mundo Livre do Rio de Janeiro, que chegou a publicar os seguintes livros anarquistas: “O Retrato da Ditadura Portuguesa” de Edgar Rodrigues (1962), “A Doutrina Anarquista ao Alcance de Todos” de José Oiticica (2ª Edição - 1963), “Anarquismo – Roteiro de Libertação Social” de Edgard Leuenroth (1963), “O Humanismo Libertário e a Ciência Moderna” de Pedro Kropotkine (1964) e “Erros e Contradições do Marxismo” de Varlan Tcherkesoff (1964).
Após a implantação da ditadura militar no dia 1º de abril de 1964, a Sociedade Naturista Amigos da Nossa Chácara, resolveu vender sua propriedade no Itaim, para comprar um sítio, em Mogi das Cruzes, que seria mais apropriado para a continuação do projeto libertário. A campanha pró-compra do sítio foi iniciada em 28 de agosto e 1965, e foi concluída em 31 de dezembro de 1966. Na lista de pessoas que contribuíram financeiramente para a compra do Nosso Sítio, consta os nomes dos Dall’Oca, inclusive da filha Clara.
No início de 1969, o Centro de Cultura Social fecha a sua sede, inclusive, por uma questão de segurança. O perigo pressuposto pelos anarquistas paulistas, será corroborado durante os dias 8 e 21 de outubro de 1969, quando o Centro de Estudos Professor José Oiticica (C.E.P.J.O.), dos anarquistas do Rio de Janeiro, foi invadido e assaltado pelos militares da aeronáutica e seus membros foram processados, presos e alguns, inclusive, torturados fisicamente.
Durante esse período, os militantes paulistas se organizaram e arrecadaram dinheiro anonimamente (por precaução), para ajudar nos custos do processo militar instaurado contra os anarquistas do Rio de Janeiro que durou até 1972. Foi uma grande demonstração de solidariedade militante, e a família Dall’Oca estava presente para contribuir com a campanha.
Após ter morado alguns anos em Itanhaem, a família Dall’Oca fixou residência na cidade de Santos.
Nair Lazarine Dall’Oca faleceu no dia 20 de agosto de 2010, aos 87 anos, devido uma parada cardíaca, sendo que sua saúde já estava bastante debilitada pelo mal de Alzheimer. Deixa esposo, filha e netos. Apesar de nunca ter falado em público ou ter escrito textos, Nair foi uma militante sempre presente, que legitimou o anarquismo através da prática da ação direta.


Francisco Cuberos

Francisco Cuberos nasceu em 18 de fevereiro de 1924, em São Paulo, filho do brasileiro Antônio Cuberos e da espanhola Isabel Vinheto, um jovem casal operário que teve 6 filhos (Maria Antonia, Antônio, Francisco, Jaime, Aurora, Mercedes).
Na adolescência, chegou a participar de uma célula do Partido Comunista, no bairro da Móoca, durante um mês, saiu por divergências internas e por não concordar com o artigo 13 dos estatutos do Partido, que naquela época dizia que nenhum membro do grupo poderia ter relações com pessoas (mesmo que fossem amigos ou familiares) de uma outra facção política. Inicialmente trabalhou como operário em fábrica de calçados e depois como vendedor de calçados.
Por volta de 1942, participou do grupo Centro Juvenil de Estudos Sociais, juntamente com: Liberto Lemos Reis, Nito Lemos Reis, Maria Apparecida Cubero, Aurora Cubero, Mercedes Cuberos e outros, onde estudavam e debatiam temas ligados ao anarquismo.
Em 1945, os membros desse grupo de estudos foram descobertos por Edgard Leuenroth, Rodolpho Felippe, Pedro Catallo e convidados a participarem do Centro de Cultura Social de São Paulo, que se localizava na rua José Bonifácio, nº 387.
Nesse mesmo ano, Francisco Cuberos conheceu o grupo de teatro social do Centro de Cultura Social, que estava representando a peça “1º de Maio” de Pietro Gori. E no ano seguinte, já estava participando do grupo e representando essa mesma performance teatral.
Entre as peças anarquistas que Francisco Cuberos participou (usando o pseudônimo de Cuberos Neto), constam-se: 1º de Maio – Drama em 1 ato, de Pietro Gori (1946); Uma Mulher Diferente – Drama Social em 3 atos, de Pedro Catallo (1947); O Coração É Um Labirinto – Drama em 3 atos, de Pedro Catallo (1947); O Herói E O Viandante, de Pedro Catallo (1947); Nada – Drama em 4 atos, de Ernani Fornari (1948); A Insensata – Drama Social em 3 atos, de Pedro Catallo (1950); Tabu – Comédia em 3 atos, de Francisco X. Svoboda (1951); O Maluco Da Avenida – Comédia em 3 atos, de Carlos Arniches (1954); Feitiço – Comédia em 3 atos, de Oduvaldo Viana (1954); Ciclone – Drama em 3 atos, de W. Somerset Maughan (1955); Está Lá Fora Um Inspetor – Drama em 3 atos, de J. B. Priestley (1956); Os Mortos – Drama Social em 3 atos, de Florêncio Sanchez (1957); Pense Alto – Drama, de Eurico Silva (1958); O Que Eles Querem – Comédia em 3 atos, (1958); O Testemunho, de Waldyr Andrade Kopezky (1966); Mundo Pedra, Pedra Mundo – Musical; Como Rola Uma Vida – Drama em 2 atos, de Pedro Catallo (1967); Onde Anda A Liberdade, de Waldyr Andrade Kopezky (1967); Os Guerreiros, de Waldyr Andrade Kopezky (1967)(1); O Último Programa De Cubanacan – Monólogo, de Alberto Centurião (1997); A Greve De 1917, de Fábio Ferreira Dias (1997); Colônia Cecília, de Renata Pallottini (1999); A Velha Guarda Ou A Revolução Partida, de Murilo Dias César (1999); Liberdade! Liberdade!, de Millor Fernandes e Flávio Rangel (2000); O Santo Inquérito, de Dias Gomes (2000); Morte Acidental De Um Anarquista, de Dario Fo (2001); Deus Lhe Pague, de Joracy Camargo (2001); O Homem Do Princípio Ao Fim, de Millor Fernandes (2001); Bella Ciao!, de Luiz Alberto de Abreu (2001).
Em 1951, teve seu primeiro casamento com Mercedes Cuberos, que durou três anos.
Em 14 de março de 1955, Francisco Cuberos é o primeiro militante a ser citado no prontuário do Centro de Cultura Social, número 1914, arquivado no DEOPS/SP (Departamento de Ordem Política e Social), como secretário geral da entidade.
Em 1959, casou com Maria Martinez Jimenez, conhecida pelos mais íntimos como Maruja, e no ano seguinte inicia sua carreira como ator profissional.
Profissionalmente, entre as peças que Cuberos Neto representou, constam-se: Nega De Maloca (1960), Os Elegantes (1960), Oração Para Uma Negra (1961), A Semente (1961), As Almas Mortas (1962), A Escada (1962), Antígone América (1962), Senhorita Julia (1969), Os Dois Cavaleiros De Verona (1974), O Verdugo (1974), Machado De Assis (1974), Peri E Ceci (1974), Mahagonny (1976), Gota D’Água (1977), Curto-Circuito (1987), Canção De Natal (1991). Na televisão, estreou com a novela Sangue Do Meu Sangue (1969), e depois: Programa Penélope (1970), O Comprador De Fazendas (1970), Vitória Bonelli (1972), Os Fidalgos Da Casa Mourisca (1972), A Barba Azul (1974), A Viagem (1975), Ovelha Negra (1975), Gaivotas (1979), Um Homem Muito Especial (1980), Vento Do Mar Aberto (1981), Música Ao Longe (1982), Aventuras Amorosas De Seu Quequé (1982). Já no cinema, iniciou com a série O Vigilante Rodoviário (1961), continuando com: Amemo-nus (1970), O Sexualista (1975), Ainda Agarro Este Machão (1975), Tiradentes – O Mártir Da Independência (1976), Antônio Conselheiro E A Guerra Dos Pelados (1977), No Tempo Dos Trogloditas (1978), Os Três Boiaderos (1979) A Virgem E O Bem Dotado (1980), Gaijin – Os Caminhos Da Liberdade (1980), ... E A Vaca Foi Para O Brejo (1981), Amélia – Mulher De Verdade (1981), As Vigaristas Do Sexo (1982), Amado Batista Em Sol Vermelho (1982), Arapuca Do Sexo (1983), A Luta Pelo Sexo (1984), O Santo Salvador E O Demônio (2003), entre outros trabalhos...
Mesmo após a implantação da ditadura militar no dia 1º de abril de 1964, o Centro de Cultura Social continua realizando suas atividades, principalmente através das peças libertárias promovidas pelo Laboratório de Ensaios, grupo formado pela iniciativa de Francisco Cuberos, Waldyr Andrade Kopezky e Ailso Braz Corrêa.
Francisco Cuberos também participou da Sociedade Naturista Amigos De Nossa Chácara, grupo libertário que teve um papel fundamental na organização dos congressos anarquistas brasileiros.
Em dezembro de 1968, foi promulgado o ato institucional nº 5, e o Centro de Cultura Social que já vinha passando por inúmeros problemas internos e financeiros, resolve no início do ano seguinte, encerrar suas atividades, inclusive, por uma questão de segurança.
Nesses tempos de repressão, os militantes anarquistas de São Paulo, passam a se reunir clandestinamente na loja Calçados Cuberos, na avenida Celso Garcia, nº 725. Essa loja era propriedade de Francisco e Maruja Cuberos (depois Jaime Cubero, também juntou-se a iniciativa), e é necessário destacar a coragem que a família teve para ariscar a sua vida e o seu trabalho, na reorganização do movimento anarquista nesse período.
Participou da reabertura do Centro de Cultura Social em 1985.
Em 21 de agosto de 1986, foi um dos sócios-fundadores do arquivo Círculo Alfa de Estudos Históricos (C.A.E.H.) juntamente com: Nito Lemos Reis, Antonio Martinez, José Carlos Orsi Morel, Jaime Cubero, Antônio Francisco Correia, Felix Gil Herrera, Liberto Lemos Reis, Fernando Gonçalves da Silva e Ideal Peres(2).
Em 18 de dezembro de 2004, por indicação de Marcolino Jeremias, Francisco Cuberos foi convidado a participar do programa Provocações, da TV Cultura, onde foi entrevistado pelo seu antigo diretor de teatro, Antônio Abujamra. O programa foi exibido em rede nacional em 3 de abril de 2005.
Em 28 de novembro de 2007, desligou-se do Centro de Cultura Social, quando a entidade estava renovando seus estatutos internos, por não concordar com algumas modificações.
Faleceu no dia 20 de agosto de 2010, aos 86 anos, em decorrência de uma pneumonia agravada pelo mal de Parkinson, deixa esposa, filhos e uma longa trajetória nos meios libertários, especialmente no teatro social, sua eterna paixão.

NOTAS

(1) Os Guerreiros, cujo título original era Os Generais, contava a tentativa frustrada de transformar um general em um ser humano, isso em plena ditadura militar brasileira.

(2) Contrariando o bom senso e a ética anarquista, os novos membros desse grupo continuam mantendo fechado esse arquivo para a pesquisa pública e, inclusive, para os militantes anarquistas que se interessam por estudos históricos. Para piorar, os atuais membros desse arquivo não produzem sequer pesquisas públicas com os documentos que possuem...


Marcolino Jeremias

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