domingo, outubro 10, 2010

O NEGRO E O VERMELHO

VIII

No dia seguinte à morte de Proudhon, a sua doutrina espalha-se por toda a Europa. Os seus artigos de jornal são apaixonadamente lidos nos meios populares, os livros tais como a sua Primeira Memória (“este manifesto científico do proletariado francês”, Marx), a sua Justiça (“um dos livros mais importantes do século XIX”, H.de Lubac), a sua capacidade política (“este catecismo do movimento operário francês”, Gurvitch) fizeram-no um chefe de fila do socialismo europeu. Na Inglaterra, “Proudhon constitui uma pastagem de todo encontrada” (Engels a Marx, 18 Dezembro de 1850). E de John Watt a Sidney e Beatrice Webb, G.O.H.Cole, H.Laski e G.Woodcock, compreende-se a filiação muito pouco conhecida entre o proudhonismo e trabalhismo. No continente, os seus livros, depressa vendidos, estão traduzidos em alemão, espanhol e russo. No seu prefácio de 1890, no Manifesto do Partido Comunista, Engels aponta explicitamente a extensão desta obediência proudhoniana. O proudhonismo impregna a Itália, com Ciccoti e o seu federalismo político, em Espanha com os grupos da célebre Revista branca, na Bélgica com o socialismo de um César de Paepe e de um Emile Vanderwelde, na Alemanha com Karl Grün, M.Diehl, Arthur Mulberger, Edward Bernstein, e o sociólogo F.Oppnheimer. Mas é na Rússia que a doutrina proudhoniana conhece a sua difusão mais larga e uma celebridade extraordinária graças a Herzen e aos seus amigos. O populismo educativo de um Lavrov o anarquismo de um Bakounine, de um Kropotkine reclamarão o pensamento do “ilustre e heróico socialista” (Bakounine). E o fascínio de Tolstoi para com a pessoa, as ideias, e o estilo de Proudhon fá-lo-à pedir emprestado textualmente títulos, frases e temas políticos e filosóficos (Guerra e Paz, O que é a Arte? etc.).
A influência determinante do pensamento de Proudhon sobre Marx é agora totalmente colocada em evidência. “Marx não seria possível sem Proudhon” (Gurvitch). “Proudhon tem exercido sobre Marx uma influência constante. É no discípulo e no continuador de Proudhon que ele tem empreendido em 1844 o que se tornará a tarefa exclusiva da sua existência […]. O mestre morreu mas existe um instigador”. (M.Rubel). Marx disse a impressão extraordinária que fizeram sobre ele os primeiros escritos do “pensador mais corajoso do socialismo francês” (1842); A Sagrada Família (1845) contém uma verdadeira apologia de Proudhon que lá é reconhecido como mestre do socialismo científico, pai das teorias do valor-trabalho e da valorização, e A Ideologia alemã (1846) alugará o poder da sua dialéctica serial como “ensaio de dar um método pelo qual o pensamento independente é substituído pela operação do pensamento”. Em Maio de 1846, Marx escolhe Proudhon como correspondente francês da “rede de propaganda socialista” que ele organiza. Mas, na sua carta de aceitação, Proudhon, mais velho dez anos, dá-lhe conselhos prevenindo-o contra o dogmatismo autoritário, o romantismo revolucio-
nário e o espírito de exclusão, nefastos à causa socialista. Impressionado, o jovem Marx rompe com Proudhon, e imediatamente a sua admiração de discípulo transforma-se num rancor obstinado e numa espécie de fascínio negativo (Miséria da filosofia, 1847).
Marx reencontrará a influência proudhoniana na Primeira Internacional dos trabalhadores e na Comuna de Paris. Como o sublinham com objectivi-
dade os historiadores marxistas, “a Internacional parisiense, próxima da Comuna, é maioritariamente proudhoniana”. (J.Bruhat, J.Doutry, E.Tersen, A Comuna de 1871). Quando a Comuna é proclamada, “entre os trinta internacionais eleitos, perto de dois terços podem ser considerados como proudho-nianos” (idem). O programa positivo e pacífico da Comuna é claramente proudhoniano, e G.Gurvitch irá até escrever: “à excepção do Comité da Saúde Pública” e das medidas terroristas preconizadas pelos blanquistas, “todas as medidas administrativas, económicas e políticas inspirar-se-ão em Proudhon”. Depois da Comuna, Gambetta reivindicará o pensamento de Proudhon, enquanto que os partidos socialistas da Rússia e da Alemanha retomarão os seus temas essenciais. A unificação do partido socialista em 1905 fará aparecer o jauréssismo como o filho autêntico do proudhonismo.
Por altura da revolução russa, os proudhonianos terão uma influência determinante sobre a formação dos sovietes de base, depressa suprimidos sob a pressão de Estaline e de Trotski. Como “um dos organizadores dos sovietes russos de 17”, Gurvitch transporta este ”testemunho pessoal directo: os primeiros sovietes russos estavam organizados pelos proudhonianos […] que vinham dos elementos de esquerda do Partido socialista revolucionário e […] da social-democracia […]. A ideia de revolução pelos soviéticos de base […] é […] exclusivamente proudhoniana”. Mais perto de nós, depois dos revolucionários alemães, húngaros, espanhóis, e os seus conselhos operários de inspiração proudhoniana, o socialismo jugoslavo coloca-se discretamente na escola de Proudhon (D.Guérin, O Anarquismo).
Na França, de Jaurès aos nossos dias, todas as nuances do movimento socialista e dos democratas reformadores se reconhecerão neste socialismo liberal, este pragmatismo trabalhador e esta justiça ideo-realista originários de Proudhon. É que ele influenciará também, paradoxalmente, um certo catolicismo social através de Péguy: “Eu sou pela política de Proudhon” (L’argent Suite), Mounier (Anarquismo e personalismo, 1937), e dos artesãos essenciais da abertura actual da Igreja Católica (H.de Lubac, P.Haubtmann, J.Lacroix). Surge igualmente como um grande antepassado do sindicalismo. Autonomia operária, federalismo profissional, separação do económico e do político, do partido e do Estado, autogestão: todas estas ideias força foram passadas na herança sindicalista com os proudho-
nianos E.Varlin, F.Pelloutier, V.Griffuelhes, A.Sorel, L.Jouhaux, fundadores, teóricos e praticantes do sindicalismo francês.

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