Homo Proudhonianus
I
Camponês de origem e operário por condição, manual de origem e intelectual por ascensão, praticante por profissão e teórico por vocação, pragmático por temperamento e moralista por carácter, economista e sociólogo por observação, político e educador por indução, Proudhon aparece como um microcosmo do povo francês. O seu nascimento e a sua vida revestem por si próprias uma dupla e mesma significação histórica: o acesso do proletariado à inteligência da sua condição e da sua emancipação, a emergência da sociedade industrial na sua dimensão planetária.
Numa obra genial, num funcionamento desconcertante, mas numa coerência interna rigorosa, todos os assuntos e os problemas da humanidade são abordados com um sentido surpreendente da projecção e da perspectiva. “Eu sei o que é a miséria, escreve Proudhon. Eu já a vivi. Tudo o que sei, devo-o ao desespero. “Uma tal vida teria podido fazer um homem azedo. Uma formidável saúde física e moral, uma prodigiosa inteligência, um temperamento decidida-mente pragmático tornaram-no um realista. Proudhon decide consagrar a sua vida “à emancipação dos seus irmãos e companheiros” (carta à Academia de Besançon), e, face ao mundo estabelecido, veste-se como “um aventureiro do pensamento e da ciência”.
Ciência e liberdade, socialismo científico e socialismo liberal, liberal porque científico, e pluralista porque liberal: tal é a originalidade do pensamento de Proudhon, relativamente aos socialistas utópicos do seu século e às consequências dogmáticas do pensamento científico de Marx.
“A soberania da vontade cede diante da soberania da razão, e acabará por aniquilar-se num socialismo científico”. “A liberdade é anarquia porque ela não admite o governo da vontade mas somente a autoridade da lei […]. A substituição da lei científica à vontade […] é, depois da propriedade, o elemento mais poderoso da história”. Proudhon escreve estas linhas em 1840 (Primeira Memória sobre a Propriedade). O primeiro, inventa e aplica o conceito de socialismo científico e opõe-o, desde 1846, ao novo termo de “socialismo utópico”. Este socialismo científico baseia-se sobre “uma ciência da sociedade metodicamente descoberta e rigorosamente aplicada”. “A sociedade produz as leis e os materiais da sua experiência”. Também a ciência social e o socialismo científico são, correlativamente, auto-descoberta e auto-aplicação pela sociedade real das leis inerentes ao seu desenvolvimento. “A ciência social é o acordo da razão e da prática social” (Contradições Económicas, 1846); a sua separação é então a causa de todas as utopias e de todas as alienações: “Eu protesto contra a sociedade actual e procuro a ciência. A este duplo título sou socialista”, escreve ele (Voz do Povo, 4 Dezembro 1848). A mesma lógica que transforma o socialismo em socialismo científico conduz este a ser um socialismo liberal. Para eliminar o capitalismo arbitrário, o socialismo tende a uma colectivização social. Paralelamente, para suprimir o arbitrário estadual, conduz uma liberalização social. É na sociedade inteira onde se autogeram e autoadministram que começa a preparar e a instaurar esta “revolução permanente” (Brinde à Revolução), este evolucionismo revolucionário, e inferir do pluralismo orgânico social um pluralismo organizador. A chave do pensamento proudhoniano não reside num apriorismo intelectual, um dogma metafísico, mas numa teorização fundada sobre a observação científica: o pluralismo. Com efeito, “o mundo moral (social) e o mundo físico descansam sob uma pluralidade de elementos; e é da contradição destes elementos que resultam a vida, o movimento do universo”, a possibilidade da liberdade para o homem e a sociedade. “O problema consiste não em encontrar a sua fusão, o que seria a morte, mas o seu equílibrio sem deixar de ser instável, variável como o desenvolvimento das sociedades” (Teoria da Propriedade, 1865). O antagonismo autonomista e o equílibrio solidário são “a condição da existência”: sem oposição, sem vida, sem liberdade, sem composição, sem sobrevivência, sem ordem. O pluralismo é então o axioma do universo; o antagonismo e equílibrio, a sua lei e a sua contra-lei (A Guerra e a Paz, 1861). O mundo, a sociedade são pluralistas. A sua unidade é uma unidade de oposição-composição, uma união de elementos diversificados, autónomos e solidários, em conflito e em concurso. Deste pluralismo físico e sociológico efectivo, Proudhon induz um pluralismo social eficiente.
I
Camponês de origem e operário por condição, manual de origem e intelectual por ascensão, praticante por profissão e teórico por vocação, pragmático por temperamento e moralista por carácter, economista e sociólogo por observação, político e educador por indução, Proudhon aparece como um microcosmo do povo francês. O seu nascimento e a sua vida revestem por si próprias uma dupla e mesma significação histórica: o acesso do proletariado à inteligência da sua condição e da sua emancipação, a emergência da sociedade industrial na sua dimensão planetária.
Numa obra genial, num funcionamento desconcertante, mas numa coerência interna rigorosa, todos os assuntos e os problemas da humanidade são abordados com um sentido surpreendente da projecção e da perspectiva. “Eu sei o que é a miséria, escreve Proudhon. Eu já a vivi. Tudo o que sei, devo-o ao desespero. “Uma tal vida teria podido fazer um homem azedo. Uma formidável saúde física e moral, uma prodigiosa inteligência, um temperamento decidida-mente pragmático tornaram-no um realista. Proudhon decide consagrar a sua vida “à emancipação dos seus irmãos e companheiros” (carta à Academia de Besançon), e, face ao mundo estabelecido, veste-se como “um aventureiro do pensamento e da ciência”.
Ciência e liberdade, socialismo científico e socialismo liberal, liberal porque científico, e pluralista porque liberal: tal é a originalidade do pensamento de Proudhon, relativamente aos socialistas utópicos do seu século e às consequências dogmáticas do pensamento científico de Marx.
“A soberania da vontade cede diante da soberania da razão, e acabará por aniquilar-se num socialismo científico”. “A liberdade é anarquia porque ela não admite o governo da vontade mas somente a autoridade da lei […]. A substituição da lei científica à vontade […] é, depois da propriedade, o elemento mais poderoso da história”. Proudhon escreve estas linhas em 1840 (Primeira Memória sobre a Propriedade). O primeiro, inventa e aplica o conceito de socialismo científico e opõe-o, desde 1846, ao novo termo de “socialismo utópico”. Este socialismo científico baseia-se sobre “uma ciência da sociedade metodicamente descoberta e rigorosamente aplicada”. “A sociedade produz as leis e os materiais da sua experiência”. Também a ciência social e o socialismo científico são, correlativamente, auto-descoberta e auto-aplicação pela sociedade real das leis inerentes ao seu desenvolvimento. “A ciência social é o acordo da razão e da prática social” (Contradições Económicas, 1846); a sua separação é então a causa de todas as utopias e de todas as alienações: “Eu protesto contra a sociedade actual e procuro a ciência. A este duplo título sou socialista”, escreve ele (Voz do Povo, 4 Dezembro 1848). A mesma lógica que transforma o socialismo em socialismo científico conduz este a ser um socialismo liberal. Para eliminar o capitalismo arbitrário, o socialismo tende a uma colectivização social. Paralelamente, para suprimir o arbitrário estadual, conduz uma liberalização social. É na sociedade inteira onde se autogeram e autoadministram que começa a preparar e a instaurar esta “revolução permanente” (Brinde à Revolução), este evolucionismo revolucionário, e inferir do pluralismo orgânico social um pluralismo organizador. A chave do pensamento proudhoniano não reside num apriorismo intelectual, um dogma metafísico, mas numa teorização fundada sobre a observação científica: o pluralismo. Com efeito, “o mundo moral (social) e o mundo físico descansam sob uma pluralidade de elementos; e é da contradição destes elementos que resultam a vida, o movimento do universo”, a possibilidade da liberdade para o homem e a sociedade. “O problema consiste não em encontrar a sua fusão, o que seria a morte, mas o seu equílibrio sem deixar de ser instável, variável como o desenvolvimento das sociedades” (Teoria da Propriedade, 1865). O antagonismo autonomista e o equílibrio solidário são “a condição da existência”: sem oposição, sem vida, sem liberdade, sem composição, sem sobrevivência, sem ordem. O pluralismo é então o axioma do universo; o antagonismo e equílibrio, a sua lei e a sua contra-lei (A Guerra e a Paz, 1861). O mundo, a sociedade são pluralistas. A sua unidade é uma unidade de oposição-composição, uma união de elementos diversificados, autónomos e solidários, em conflito e em concurso. Deste pluralismo físico e sociológico efectivo, Proudhon induz um pluralismo social eficiente.
Sem comentários:
Enviar um comentário