PROUDHON E O FEDERALISMO COMO SUSTENTO DA DEMOCRACIA DIRECTA
"Quem diz liberdade, diz federação, ou não diz nada.
Quem diz república, diz federação, ou não diz nada.
Quem diz socialismo, diz federação, ou novamente não diz nada." Proudhon
Proudhon é demasiado importante para ser esquecido, pelo menos pelo movimento libertário. As suas propostas a nível político, social, económico, religioso constituem algumas das perspectivas mais ricas do anarquismo que embora hoje sejam geralmente desconhecidas mesmo ao nível do movimento, foram depois desenvolvidas e postas em prática por homens por demais conhecidos e deram origem a acontecimentos cruciais que largamente ultrapassaram as fronteiras dos países onde tomaram lugar.
Sabendo nós desde há muito tempo da falência do capitalismo (peço desculpa, do liberalismo como mais insistentemente a burguesia o apelida) e tendo bem presente as mudanças que desde 1985 se operaram a Leste e que não podem deixar de ser significativas a todos os níveis, e que foi predito, dito e discutido por Proudhon, ou seja a falência do comunismo de Estado de tipo marxista-leninista, é importante descobrir e/ou redescobrir uma forma de vida para além do capitalismo e do comunismo.
O federalismo proudhoniano apresenta-se-me particularmente fecundo nesse aspecto e o dizer-se que é um pensamento caduco, revela fundamentalmente a meu ver, uma grande dose de oportunismo político, quer dos que se dizem de esquerda ou de direita. Para além do que foi até agora referido é importante também ter presente que tendo lugar a breve trecho eleições autárquicas no nosso país não deixa de ser significativo a apresentação destas reflexões sobre o federalismo visto que, e apesar das deturpações do movimento actual autárquico, as ideias de descentralização, regionalização, partilha de poder pertencem na origem a Proudhon e estão presentes no seu federalismo. Daí a importância deste escrito. Daí a sua (im)pertinência.
A teoria federalista completa a visão proudhoniana da democracia socialista. Toda a sua obra e toda a sua concepção particular de anarquismo tomam sentido nesta concepção socio política geral. Bernard Voyenne sublinha o carácter fundamental da ideia federalista no pensamento de Proudhon: "A ideia federalista sintetiza toda a sociologia política de Proudhon assim como o conjunto dos seus pontos de vista económicos. Do mesmo modo foi com ele que ela tomou lugar entre as grandes doutrinas e permanece nesse nível, principalmente ligada ao seu nome." (1)
Foi sobretudo após a revolução de 1848, após a instauração dum novo estado centralizado sob o imperador Napoleão III, que Proudhon, tomando pela base todo o conjunto da sua teoria política, faz-se o defensor duma concepção federalista generalizada às dimensões da Europa e do mundo. Em 1858, na obra Da Justiça na revolução e na Igreja Proudhon anuncia o princípio do "Federalismo universal." Em 1863, surge a sua grande obra teórica acerca deste tema: Do Princípio Federativo e da Necessidade de reconstituir o Partido da Revolução. É a partir desta altura que Proudhon pensa que esta concepção federalista não faz mais na realidade, que confirmar as suas concepções mutualistas. Aliás é isso que ele nos diz na sua última obra Da Capacidade Política das Classes Operárias: "Desta maneira, transportado para a esfera política, o que chamamos até ao momento mutualismo, toma o nome de Federalismo. Numa simples sinonímia é dada toda a revolução, política e económica." (2)
Proudhon exprime aqui uma dupla intuição, por um lado a continuidade da sua inspiração e por outro a continuidade entre mutualismo económico e federalismo político.
Numa das primeiras obras, formulava nos seguintes termos a questão que se propunha resolver: "Encontrar um estado de igualdade social que não seja, nem comunidade, nem despotismo, nem desmembramento, nem anarquia, mas liberdade na ordem e independência na unidade."(3)
É esta combinação original assegurando "a liberdade na ordem e independência na unidade" que Proudhon não deixou de procurar e encontrar a sua resposta política no federalismo. Depois de mostrar que surge uma pluralidade de ordens imanentes, em permanente criação, Proudhon procura entre estas últimas, equilíbrios susceptíveis de oferecer uma garantia contra qualquer tipo de autoritarismo, venha ele de Estado ou da sociedade económica organizada. Como já se está a ver, tais equívocos realizam-se no federalismo, quer económico quer político.
O sistema federativo é portanto a realização dos equilíbrios que Proudhon procurava entre a unidade da sociedade e a multiplicidade dos agrupamentos particulares, entre os grupos e os indivíduos, entre a autoridade e a liberdade.
Proudhon afirma que "o século XX abrirá a era das federações ou a humanidade recomeçará um purgatório de mil anos."(4)
"Quem diz liberdade, diz federação, ou não diz nada. Quem diz república, diz federação, ou não diz nada. Quem diz socialismo, diz federação, ou novamente não diz nada."(5)
Proudhon começa a sua demonstração pelo federalismo político. Na realidade e de acordo com Georges Gurvitch ele não é federalista no verdadeiro sentido da palavra, mas confederalista embora considere que Proudhon não se dá conta da diferença. No entanto, do meu ponto de vista isso não é significativo. "O que constitui a essência e o carácter do contrato federativo é que, neste sistema, os contraentes se reservam para si mesmos, mais direitos, autoridade e propriedade do que a que abandonam." (6)
Podemos dizer em suma, que o que seduz Proudhon no federalismo político, é a eliminação da razão de Estado, substituída pelo domínio do direito, é a limitação do poder central pelos poderes particulares e pelos agrupamentos locais. A confederação política e a descentralização dos serviços públicos seriam capazes de transformar o Estado; este deixaria de ser um soberano para se tornar "um senhor entre os seus semelhantes", como Proudhon dizia já numa obra anterior intitulada Teoria do Imposto: "A ideia de federalismo é certamente a mais nobre a que o génio político se elevou até hoje." (7)
No entanto, não admite uma confederação de Estados demasiado vasta, e declara que a ideia de "confederação universal" é contraditória. "A Europa seria ainda demasiado grande para uma confederação única: só poderia formar uma confederação de confederações". (8) Uma confederação deve, portanto, ser composta por grupos locais, de pequena ou média envergadura. Numa confederação política, a tendência de poder político para a perversão e para a anexação é detida a partir do interior, pela própria organização. É por isso que Proudhon está convencido que esta é a organização que a classe proletária deverá escolher para fazer substituir o regime capitalista por um regime socialista.
O federalismo proudhoniano é um dos meios essenciais para evitar a reabsorção da organização económica colectivista no Estado. "É necessário ao direito político o contraforte do direito económico"; por outras palavras, os agrupamentos económicos organizados em "democracia industrial" devem limitar o Estado, e não reforçá-lo. A classe operária só veria no federalismo político uma decepção e uma degenerescência, se a "classe capitalista e burocrática" não fosse eliminada, e se "a economia não fosse organizada em federação industrial agrícola."
"Considerada em si própria, a ideia de uma federação industrial que sirva de complemento e de sanção à federação política, recebe a mais incontestável confirmação dos princípios de mutualidade, de divisão do trabalho e de solidariedade económica." (9)
"Todas as minhas ideias económicas, elaboradas ao longo de vinte e cinco anos, podem resumir-se nestas três palavras: federação agrícola industrial. Todas as minhas perspectivas políticas se reduzem a uma fórmula semelhante: federação política ou descentralização." E como corolário de ambas: "federação progressiva". "A federação agrícola-industrial uma vez fundada não pode dissolver-se", tanto mais que se baseia na atribuição da propriedade dos meios de produção simultaneamente ao conjunto da sociedade económica, a cada região, a cada grupo de trabalhadores e a cada operário e camponês individualmente. Os indivíduos e os grupos podem solicitar a compra da sua parte, mas não a partilha da propriedade federativa, que permanece una e indivisível.
Esta concepção é confirmada na obra póstuma Teoria da Propriedade e na última obra que Proudhon escreveu e a que já fizemos referência Da Capacidade Política das Classes Operárias onde se trata da democracia industrial e da república industrial.
Segundo Proudhon, a democracia industrial apresenta vários aspectos. Antes de mais, elimina a dominação arbitrária dos patrões ou do Estado nas fábricas e nas empresas, e confia o seu controlo e gestão aos representantes dos operários, prefigurando aquilo a que mais tarde se chamará autogestão operária. Mas, esta "república industrial" vai ainda mais longe, pois penetra, como acabámos de ver, no próprio seio das relações de propriedade e converte todos os operários em co-proprietários. Organiza uma propriedade federativa e mutualista dos meios de produção, cujos proprietários são simultaneamente a organização económica total - central e regional - e diversos ramos da indústria, cada fábrica e por fim cada operário. É o melhor meio de liquidar definitivamente todos os vestígios do capitalismo.
Numa passagem desta última obra de Proudhon, afirma-se que a democracia industrial se revelará como uma "comandita do trabalho pelo trabalho"; e considera que "qualquer que seja o aspecto sob que encaremos as coisas, cada vez é mais evidente que nos encaminhamos, através de uma aparência de restauração feudal, para uma democracia industrial." Equilíbrio entre o Estado e a sociedade económica organizada sobre bases de autogestão operária, constituição social democrática reposta nas mãos dos trabalhadores, constituição política de onde terá sido eliminado todo o autoritarismo, limitação do Estado pela propriedade socializada e mutualista, eis o que será a república industrial.
Em resumo, Proudhon prevê o advento de um colectivismo pluralista descentralizado, destinado a substituir, após a revolução social, o capitalismo organizado. Este colectivismo recorreria à autogestão operária assim como a um "Equilíbrio" realizado entre uma propriedade federalizada dos meios de produção sob o controlo da democracia industrial dos operários, e uma democracia política limitada nas suas funções.
Este ideal é confirmado na Teoria da Propriedade: Estado transformado e propriedade federalizada: tais seriam os dois pólos, as instâncias últimas da sociedade futura, que se equilibrariam, conservando todavia a sua independência.
A propriedade socializada, humanizada, transformada numa função social, definitivamente submetida à regulamentação interna do direito e à justiça, a propriedade expurgada de todos os seus abusos será pois a propriedade federativa. É uma "co-propriedade em comum". Esta propriedade efectivamente socializada muda não somente de sujeitos mas de natureza. É sobre ela que Proudhon faz assentar a federação industrial agrícola, que se afirma assim como bloco indissolúvel, totalidade irredutível às suas partes e não como uma relação contratual.
Tal propriedade dos meios de produção não é de modo algum uma utopia. Poderíamos mencionar uma série de exemplos ao longo destes últimos cento e trinta anos que denotam tendências de acordo com a propriedade federativa preconizada por Proudhon. Como é que isso, de acordo com o nosso autor, poderia ser possível? "Que nos falta para realizarmos a obra que nos foi confiada? Uma só coisa: A prática revolucionária!... O que caracteriza a prática revolucionária é que ela já não procede por pormenor e diversidade, ou por transições imperceptíveis, mas por simplificações e por saltos." (10)
Responde Proudhon: através da prática revolucionária. Exige que a classe proletária se lance na acção propriamente política com vista à tomada do poder. Mas, para Proudhon - no que difere de Marx - a conquista política não poderá ser conseguida a não ser que se conjugue com a da economia, organizada de um modo autónomo pelos próprios trabalhadores. Mas isso é uma outra história, que merece ser contada, mas numa outra oportunidade.
"Quem diz liberdade, diz federação, ou não diz nada.
Quem diz república, diz federação, ou não diz nada.
Quem diz socialismo, diz federação, ou novamente não diz nada." Proudhon
Proudhon é demasiado importante para ser esquecido, pelo menos pelo movimento libertário. As suas propostas a nível político, social, económico, religioso constituem algumas das perspectivas mais ricas do anarquismo que embora hoje sejam geralmente desconhecidas mesmo ao nível do movimento, foram depois desenvolvidas e postas em prática por homens por demais conhecidos e deram origem a acontecimentos cruciais que largamente ultrapassaram as fronteiras dos países onde tomaram lugar.
Sabendo nós desde há muito tempo da falência do capitalismo (peço desculpa, do liberalismo como mais insistentemente a burguesia o apelida) e tendo bem presente as mudanças que desde 1985 se operaram a Leste e que não podem deixar de ser significativas a todos os níveis, e que foi predito, dito e discutido por Proudhon, ou seja a falência do comunismo de Estado de tipo marxista-leninista, é importante descobrir e/ou redescobrir uma forma de vida para além do capitalismo e do comunismo.
O federalismo proudhoniano apresenta-se-me particularmente fecundo nesse aspecto e o dizer-se que é um pensamento caduco, revela fundamentalmente a meu ver, uma grande dose de oportunismo político, quer dos que se dizem de esquerda ou de direita. Para além do que foi até agora referido é importante também ter presente que tendo lugar a breve trecho eleições autárquicas no nosso país não deixa de ser significativo a apresentação destas reflexões sobre o federalismo visto que, e apesar das deturpações do movimento actual autárquico, as ideias de descentralização, regionalização, partilha de poder pertencem na origem a Proudhon e estão presentes no seu federalismo. Daí a importância deste escrito. Daí a sua (im)pertinência.
A teoria federalista completa a visão proudhoniana da democracia socialista. Toda a sua obra e toda a sua concepção particular de anarquismo tomam sentido nesta concepção socio política geral. Bernard Voyenne sublinha o carácter fundamental da ideia federalista no pensamento de Proudhon: "A ideia federalista sintetiza toda a sociologia política de Proudhon assim como o conjunto dos seus pontos de vista económicos. Do mesmo modo foi com ele que ela tomou lugar entre as grandes doutrinas e permanece nesse nível, principalmente ligada ao seu nome." (1)
Foi sobretudo após a revolução de 1848, após a instauração dum novo estado centralizado sob o imperador Napoleão III, que Proudhon, tomando pela base todo o conjunto da sua teoria política, faz-se o defensor duma concepção federalista generalizada às dimensões da Europa e do mundo. Em 1858, na obra Da Justiça na revolução e na Igreja Proudhon anuncia o princípio do "Federalismo universal." Em 1863, surge a sua grande obra teórica acerca deste tema: Do Princípio Federativo e da Necessidade de reconstituir o Partido da Revolução. É a partir desta altura que Proudhon pensa que esta concepção federalista não faz mais na realidade, que confirmar as suas concepções mutualistas. Aliás é isso que ele nos diz na sua última obra Da Capacidade Política das Classes Operárias: "Desta maneira, transportado para a esfera política, o que chamamos até ao momento mutualismo, toma o nome de Federalismo. Numa simples sinonímia é dada toda a revolução, política e económica." (2)
Proudhon exprime aqui uma dupla intuição, por um lado a continuidade da sua inspiração e por outro a continuidade entre mutualismo económico e federalismo político.
Numa das primeiras obras, formulava nos seguintes termos a questão que se propunha resolver: "Encontrar um estado de igualdade social que não seja, nem comunidade, nem despotismo, nem desmembramento, nem anarquia, mas liberdade na ordem e independência na unidade."(3)
É esta combinação original assegurando "a liberdade na ordem e independência na unidade" que Proudhon não deixou de procurar e encontrar a sua resposta política no federalismo. Depois de mostrar que surge uma pluralidade de ordens imanentes, em permanente criação, Proudhon procura entre estas últimas, equilíbrios susceptíveis de oferecer uma garantia contra qualquer tipo de autoritarismo, venha ele de Estado ou da sociedade económica organizada. Como já se está a ver, tais equívocos realizam-se no federalismo, quer económico quer político.
O sistema federativo é portanto a realização dos equilíbrios que Proudhon procurava entre a unidade da sociedade e a multiplicidade dos agrupamentos particulares, entre os grupos e os indivíduos, entre a autoridade e a liberdade.
Proudhon afirma que "o século XX abrirá a era das federações ou a humanidade recomeçará um purgatório de mil anos."(4)
"Quem diz liberdade, diz federação, ou não diz nada. Quem diz república, diz federação, ou não diz nada. Quem diz socialismo, diz federação, ou novamente não diz nada."(5)
Proudhon começa a sua demonstração pelo federalismo político. Na realidade e de acordo com Georges Gurvitch ele não é federalista no verdadeiro sentido da palavra, mas confederalista embora considere que Proudhon não se dá conta da diferença. No entanto, do meu ponto de vista isso não é significativo. "O que constitui a essência e o carácter do contrato federativo é que, neste sistema, os contraentes se reservam para si mesmos, mais direitos, autoridade e propriedade do que a que abandonam." (6)
Podemos dizer em suma, que o que seduz Proudhon no federalismo político, é a eliminação da razão de Estado, substituída pelo domínio do direito, é a limitação do poder central pelos poderes particulares e pelos agrupamentos locais. A confederação política e a descentralização dos serviços públicos seriam capazes de transformar o Estado; este deixaria de ser um soberano para se tornar "um senhor entre os seus semelhantes", como Proudhon dizia já numa obra anterior intitulada Teoria do Imposto: "A ideia de federalismo é certamente a mais nobre a que o génio político se elevou até hoje." (7)
No entanto, não admite uma confederação de Estados demasiado vasta, e declara que a ideia de "confederação universal" é contraditória. "A Europa seria ainda demasiado grande para uma confederação única: só poderia formar uma confederação de confederações". (8) Uma confederação deve, portanto, ser composta por grupos locais, de pequena ou média envergadura. Numa confederação política, a tendência de poder político para a perversão e para a anexação é detida a partir do interior, pela própria organização. É por isso que Proudhon está convencido que esta é a organização que a classe proletária deverá escolher para fazer substituir o regime capitalista por um regime socialista.
O federalismo proudhoniano é um dos meios essenciais para evitar a reabsorção da organização económica colectivista no Estado. "É necessário ao direito político o contraforte do direito económico"; por outras palavras, os agrupamentos económicos organizados em "democracia industrial" devem limitar o Estado, e não reforçá-lo. A classe operária só veria no federalismo político uma decepção e uma degenerescência, se a "classe capitalista e burocrática" não fosse eliminada, e se "a economia não fosse organizada em federação industrial agrícola."
"Considerada em si própria, a ideia de uma federação industrial que sirva de complemento e de sanção à federação política, recebe a mais incontestável confirmação dos princípios de mutualidade, de divisão do trabalho e de solidariedade económica." (9)
"Todas as minhas ideias económicas, elaboradas ao longo de vinte e cinco anos, podem resumir-se nestas três palavras: federação agrícola industrial. Todas as minhas perspectivas políticas se reduzem a uma fórmula semelhante: federação política ou descentralização." E como corolário de ambas: "federação progressiva". "A federação agrícola-industrial uma vez fundada não pode dissolver-se", tanto mais que se baseia na atribuição da propriedade dos meios de produção simultaneamente ao conjunto da sociedade económica, a cada região, a cada grupo de trabalhadores e a cada operário e camponês individualmente. Os indivíduos e os grupos podem solicitar a compra da sua parte, mas não a partilha da propriedade federativa, que permanece una e indivisível.
Esta concepção é confirmada na obra póstuma Teoria da Propriedade e na última obra que Proudhon escreveu e a que já fizemos referência Da Capacidade Política das Classes Operárias onde se trata da democracia industrial e da república industrial.
Segundo Proudhon, a democracia industrial apresenta vários aspectos. Antes de mais, elimina a dominação arbitrária dos patrões ou do Estado nas fábricas e nas empresas, e confia o seu controlo e gestão aos representantes dos operários, prefigurando aquilo a que mais tarde se chamará autogestão operária. Mas, esta "república industrial" vai ainda mais longe, pois penetra, como acabámos de ver, no próprio seio das relações de propriedade e converte todos os operários em co-proprietários. Organiza uma propriedade federativa e mutualista dos meios de produção, cujos proprietários são simultaneamente a organização económica total - central e regional - e diversos ramos da indústria, cada fábrica e por fim cada operário. É o melhor meio de liquidar definitivamente todos os vestígios do capitalismo.
Numa passagem desta última obra de Proudhon, afirma-se que a democracia industrial se revelará como uma "comandita do trabalho pelo trabalho"; e considera que "qualquer que seja o aspecto sob que encaremos as coisas, cada vez é mais evidente que nos encaminhamos, através de uma aparência de restauração feudal, para uma democracia industrial." Equilíbrio entre o Estado e a sociedade económica organizada sobre bases de autogestão operária, constituição social democrática reposta nas mãos dos trabalhadores, constituição política de onde terá sido eliminado todo o autoritarismo, limitação do Estado pela propriedade socializada e mutualista, eis o que será a república industrial.
Em resumo, Proudhon prevê o advento de um colectivismo pluralista descentralizado, destinado a substituir, após a revolução social, o capitalismo organizado. Este colectivismo recorreria à autogestão operária assim como a um "Equilíbrio" realizado entre uma propriedade federalizada dos meios de produção sob o controlo da democracia industrial dos operários, e uma democracia política limitada nas suas funções.
Este ideal é confirmado na Teoria da Propriedade: Estado transformado e propriedade federalizada: tais seriam os dois pólos, as instâncias últimas da sociedade futura, que se equilibrariam, conservando todavia a sua independência.
A propriedade socializada, humanizada, transformada numa função social, definitivamente submetida à regulamentação interna do direito e à justiça, a propriedade expurgada de todos os seus abusos será pois a propriedade federativa. É uma "co-propriedade em comum". Esta propriedade efectivamente socializada muda não somente de sujeitos mas de natureza. É sobre ela que Proudhon faz assentar a federação industrial agrícola, que se afirma assim como bloco indissolúvel, totalidade irredutível às suas partes e não como uma relação contratual.
Tal propriedade dos meios de produção não é de modo algum uma utopia. Poderíamos mencionar uma série de exemplos ao longo destes últimos cento e trinta anos que denotam tendências de acordo com a propriedade federativa preconizada por Proudhon. Como é que isso, de acordo com o nosso autor, poderia ser possível? "Que nos falta para realizarmos a obra que nos foi confiada? Uma só coisa: A prática revolucionária!... O que caracteriza a prática revolucionária é que ela já não procede por pormenor e diversidade, ou por transições imperceptíveis, mas por simplificações e por saltos." (10)
Responde Proudhon: através da prática revolucionária. Exige que a classe proletária se lance na acção propriamente política com vista à tomada do poder. Mas, para Proudhon - no que difere de Marx - a conquista política não poderá ser conseguida a não ser que se conjugue com a da economia, organizada de um modo autónomo pelos próprios trabalhadores. Mas isso é uma outra história, que merece ser contada, mas numa outra oportunidade.
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