PROUDHON, FILÓSOFO DA EDUCAÇÃO
Como indica o título, o objecto deste artigo é sublinhar as teses fundamentais de Proudhon no que diz respeito à Educação, sem procurar discuti-los ou contestá-los, mas com o único cuidado de colocar em destaque os princípios desta Filosofia: que entende ele exactamente por este termo de Educação? Que deve ser, aos seus olhos, uma educação conforme a Justiça? Qual deve ser a importância reconhecida à educação na sociedade revolucionada? Tais são as questões às quais eu procurarei responder.
Estas questões sugerem a hipótese de que existe, na obra de Proudhon, uma verdadeira filosofia de educação, mesmo se os elementos estão dispersos nas diferentes obras. Para validar esta hipótese, será necessário mostrar que existe uma unidade de reflexão sobre este sujeito e não marcas dispersas; que existe uma permanência das teses gerais através de eventuais evoluções; e uma coerência das teses mantidas.
Além disso, para que se possa falar de uma Filosofia de Educação, será necessário mostrar que a reflexão de Proudhon visa formular os princípios, ou os “fundamentos” da educação, por oposição à única procura de técnicos ou de métodos educativos. E, efectivamente, lembramo-nos imediatamente que Proudhon está muito pouco preocupado com pedagogia ou “didáctica” (como nós hoje dizemos), mesmo se nós pudéssemos, aqui e ali, erguer observações que dizem respeito às práticas educativas. Proudhon não é um praticante da educação: ele inscreve-se menos na linha de Pestalozzi, antes dele, de Montessori ou Decroly, do que na linha dos teóricos, como Erasmo, Montagne, Rabelais ou Jean-Jacques Rousseau.
1ª Tese: “A Educação é a criação dos costumes”
Na Justiça, após os Estudos preliminares que são os Estudos sobre a Justiça, as Pessoas, os Bens e o Estado, Proudhon coloca imediatamente a Educação, na introdução aos Estudos sobre o Trabalho ou as Ideias. O que indica bastante bem qual o lugar que ele concilia.
Mas como Proudhon define este termo de Educação? Ou ainda, do que fala ele quando se propõe a reconsiderar? Lá existe, para nós, um risco de contrasenso pois a significação que nós damos hoje a esta palavra é muito mais escassa que a significação proudhoniana. Hoje, o uso comum reduz a educação à transmissão aos alunos dos conhecimentos e do saber fazer; um segundo sentido subsiste, que coloca o acento sobre a formação moral (a “boa” educação) e sobre os códigos sociais. Ora, o sentido que Proudhon dá a este termo de educação vai muito para além destas duas definições, escassa e moralizada, e que os engloba.
O que ele quer reconsiderar é o fenómeno geral pelo qual se transmitem todas as dimensões de uma cultura. Ele propõe-nos reflectir, não sobre estas práticas particulares que podem ser métodos pedagógicos, mas sobre a transmissão do que os Antropólogos entendem por cultura, ou seja, o conjunto das práticas e das normas sociais, com a única exclusão do que é dado pela natureza.
Sobre esta concepção, Proudhon é bastante explícito no Capítulo primeiro do 5º Estudo consagrado à Educação: O que é a Educação?
“… É a concentração na alma do jovem homem dos raios que partem todos os pontos da colectividade. Toda a educação tem pois, por objectivo produzir o homem e o cidadão após uma imagem em miniatura da sociedade, pelo desenvolvimento metódico das faculdades físicas, intelectuais e morais do jovem.
Por outras palavras, a educação é a criação dos costumes no sujeito humano, tomando esta palavra de costumes na sua acepção mais desenvolvida e mais elevada, que compreende não só os direitos e os deveres, mas ainda todos os modos da alma, ciências, artes, indústrias, todos os exercícios do corpo e do espírito”.
Ao comentar um anacronismo e ao utilizar uma expressão de Marcel Mauss, poder-se-á dizer que, para Proudhon, a educação é um “fenómeno social total”, ou seja, um conjunto de práticas nas quais todos os fenómenos sociais concentram-se e refractam-se: económicas, produtivos, políticos, simbólicos, etc. E esta educação diz respeito, por outro lado, à totalidade do ser humano, ser físico, intelectual e moral: o seu corpo e a sua alma, os seus comportamentos e o seu foro íntimo, para retomar o antigo vocabulário.
Proudhon volta atrás sobre termo “costumes”, retomando a significação do termo grego que designa todas as formas de ser e as formas de fazer que são próprias de uma sociedade dada: os usos e costumes, desde os rituais devida quotidiana até às práticas das indústrias e das artes.
E, ele dá-nos dois exemplos, dois aspectos opostos destes costumes, neste capítulo primeiro do 5º estudo: duas experiências universais, o benefício do ser à natureza e, por outro lado, o benefício à morte.
Nós estamos mais longe da nossa significação escassa da educação. Proudhon conduz-nos de repente aos limites da condição humana e aos limites da cultura, lá onde os limites se confundem entre natureza e cultura: a vida na ou contra a natureza - e a morte.
A escolha destas duas situações mostra que ele actua por reflectir sobre a “Criação dos Costumes” em todas as dimensões sociais, humanas e individuais.
2ª Tese: A educação revolucionada tende por princípio à imanência.
Porquê esta tese e porquê tanta polémica com e contra a religião na reflexão sobre a educação? Porquê é que é tão importante nesta reflexão insistir sobre esta oposição entre a educação segundo a igreja e a educação segundo a revolução? Eu recordarei somente três razões de fundo.
1. É, primeiramente, uma razão de facto histórico.
Para pensar a educação no seu todo, importa pensar na história. E a história da educação na Europa e mais particularmente na França, é a história da educação pelos padres, visto que a grande educadora foi, desde a alta idade média, a religião.
2. Mas a segunda razão é ainda mais importante.
É que o ensaio religioso e é por isso que é essencial reflecti-lo: o ensino religioso tinha uma unidade de príncipio, tinha uma significação central que podia dar lugar a aplicações diversas e que podia ser um correctivo permanente; este princípio fundamental existência do divino.
Ora, para Proudhon, uma educação verdadeira como devia ser a educação revolucionada deve também coordenar-se segundo um princípio fundamental que é preciso publicar, expor, desenvolver em todas as suas consequências.
Faz falta à revolução uma filosofia, uma filosofia prática. Uma educação verdadeira funda-se sobre os princípios fundamentais que vão colocar-se antinomicamente com o princípio religioso, mas que terão as mesmas ambições teóricas e práticas.
3.Que numa ambição só palavra? E é a terceira razão importante: a religião estabelece e realizava um certo Laço Social. Proudhon não pára, efectivamente, de pensar sinteticamente na religião como teologia (como teoria) e como princípio de práticas sociais.
Ora, se a religião tem, efectivamente, gerado e legitimado um certo laço social seria, na realidade, um laço deselegante e de subordinação.
Esta crítica não é pois secundária para Proudhon, ela não se reduz a uma polémica anticlerical, ela é a crítica exemplar, a que permite pensar os princípios da nova educação.
- Na religião, o laço social encontraria o seu princípio e o seu fundamento em redor do homem, em redor da humanidade. O homem não tinha o controlo e a possessão dos seus próprios princípios;
- Por outro lado, ao colocar o princípio do laço social em redor do homem, a religião tendia a legitimar uma raça, uma autoridade suposta competente no domínio do sagrado;
- Ao afirmar a transcendência do divino, ela construía uma visão do mundo deselegante – e seria como espécie de paradigma (de modelo intelectual) a todas as desigualdades e às hierarquias;
- De facto e, apesar das suas pretensões, a religião não estabelecia o verdadeiro laço social que permanece por definir e por realizar. A religião estabelecia na realidade, laços deselegantes, ela conduziria a separar hierarquicamente os humanos.
Proudhon coloca-se assim em posição para debater os fundamentos da educação (nisso, ele situa-se na filosofia da educação) e deve pois opor à filosofia da transcendência uma filosofia humana segundo a qual a humanidade encontrará nela própria, os princípios práticos e teóricos da sua educação.
3ª Tese: A educação revolucionada encontra as suas normas no trabalho, na acção essencial da humanidade que é o trabalho.
Esta tese de Proudhon segundo a qual os princípios fundamentais da educação são inscritos na prática do trabalho é essencial – e marca uma das suas originalidades – a originalidade da sua filosofia da educação relativamente aos teóricos da educação nesta época. Efectivamente, para todos aqueles que tinham recusado radicalmente a religião como princípio de educação, ficaria por estabelecer a educação e para muitos era evidente que seria a ciência – aos progressos dos conhecimentos científicos – que seria necessário exigir estes novos fundamentos … aos “progressos das luzes”. Seria uma evidência, por Condorcet, por Auguste Conte e tantos outros: a ciência expulsa e substitui a religião.
A resposta de Proudhon é diferente e esta diferença orienta toda a sua concepção da educação.
Ele já tinha escrito na Criação da Ordem:
“ A menor das profissões, provida de especialidade e sequência, encerra em substância toda a metafísica”.
Le relê-o o início da Justiça:
“ Nós chegamos mesmos até a pensar que a filosofia pode encontrar-se completa nesta parte essencial de educação popular, a profissão”.
Proudhon expõe e desenvolve esta tese no 6º estudo sobre o trabalho e é ao iniciar este exposto que ele formula o princípio geral sobre a origem das categorias do entendimento:
“ A ideia, com as suas categorias, nasce da acção e, deve regressar à acção apenas a queda pelo agente”, “e pela acção”, é necessário entender a acção de produção, acção sobre a natureza e com a natureza. É no acto, no agir que as ideias se formam.
Proudhon propõe o exemplo da alavanca; (“de todos os instrumentos do trabalho humano, o mais elementar, o mais universal…”), instrumento de precisão, de locomoção, de apoio… etc. instrumento pelo qual o homem relaciona os objectos uns com outros e relaciona-se com os objectos – pelo qual ele cria também os equilíbrios. Pela alavanca, o homem relaciona, sintetizar-se separa, sintetiza e analisa. E é lá (e não no cinzento céu das ideias transcendentais) que se forma e se pratica a ideia cientifica de benefício e “a ideia de equilíbrio”.
E ele credita na franco – maçonaria esta ideia:
“ O seu Deus chama-se Arquitecto”, ideia que Proudhon interpreta como anti-teológico.
Por outros termos ainda:
“ … A inteligência humana faz a sua estreia na espontaneidade da sua indústria …”
Desta teoria, ao dizer respeito à génese dos princípios do entendimento e que lembra o longo debate sobre a origem das ideias debate entre o racionalismo e o sensualismo, Proudhon tira também conclusões pedagógicas; por exemplo, ao activar no ensinamento dos matemáticos, ele evoca uma pedagogia proveniente da experiência:
“ Um professor de matemática dos meus amigos ensina geometria aos seus alunos ao começar pela esfera; é da consideração empírica da esfera que ele parte para chegar à noção abstracta do plano da linha e da questão…
4ª Tese: A Justiça.
Chegamos às finalidades gerais da educação: nós conhecemo-los e Proudhon não deixa de lá regressar na Justiça: existe uma finalidade central da educação e é certamente a de formar os cidadãos na Justiça.
A educação tem por objectivo formar os cidadãos na justiça. Como Proudhon escreve no início da Justiça:
“ O que o povo reclama hoje é uma lei positiva, fundada na razão e na justiça …”
Nós reencontramos lá o tema fundamental da Justiça. Toda a consideração sobre a educação reconduz-nos necessariamente a este eixo central da filosofia – na qual Proudhon quer fazer a fusão, teórica e prática na nova cultura e da sociedade revolucionada. A educação será pois, e deve ser a escola da justiça.
Sublinhamos as condições de possibilidade desta formação na justiça – e os seus meios.
O objectivo da educação é tornar todos os cidadãos “competentes” em matéria de justiça (poder-se-á comentar este tema utilizando o livro de Luc Boltanski: O Amor e a Justiça como competências). A nova justiça não deve ser uma lei exterior ao homem e imposta como uma lei exterior e constrangedor, ela deve ser a exigência e a competência de cada.
Ora, existe lugar para ensinar justiça? As respostas de Proudhon são complexas e pode-se distinguir dois aspectos complementares:
- Resposta optimista primeiramente neste sentido que a nova justiça une, numa larga medida, a exigência natural do homem, e, pode-se dizer um direito natural. A posição de Proudhon sobre este ponto é variada: ele pensa por vezes que a exigência de justiça, de igualdade, de equilíbrio tem uma dimensão trans-histórica:
“A justiça diz, é o que há de mais primitivo na alma humana “.
E, neste sentido, a educação terá pois que desenvolver uma potencialidade que é universal.
- Ele acrescenta, contudo, que o sentido da justiça é, – por razões históricas e ainda mais económicas e sociais – mais desenvolvido no povo do que na burguesia.
“ O povo domina o fundamento da justiça; ele conservou-a melhor do que os seus mestres e seus padres; … o povo, pela sua intuição nativa e pelo seu respeito pelo direito, está mais avançado do que os seus superiores”.
Mais longe ainda:
“ O povo, no que toca à justiça, não está propriamente a falar, um discípulo, bem menos ainda um novato. A ideia está nele: a única iniciação que ele reclama, como outrora a plebe romana, é a das fórmulas. Que ele tenha fé nele mesmo é tudo o que nós lhe exigimos. Nós somos os monitores do povo, não os seus iniciadores”.
Entretanto, o pensamento de Proudhon não está completo nestas formulações expontâneas. Noutros textos, ele leva correctivos importantes que não contradizem completamente estas declarações optimistas, mas que os variam.
- Nas “Novas da Revolução” acrescentadas ao oitavo estudo, ele distingue por exemplo, duas tendências no povo: a tendência que ele chama de operária”. A tendência plebeia, feita de hábito à submissão, de confiança nos fortes poderes, de demissão tradicional, não reivindica a fundação da justiça. Bem entendido, quando ele escreve estas linhas, Proudhon pensa que estas tendências à resignação serão chamadas por regressar.
Nas estas nuances mostram bem a importância de uma educação à justiça: esta educação não é arbitrária, ela prolonga o facto objectivo do direito;
- Ela não é pois, a imposição de um dogma arbitrário aos espíritos submissos … ela tem que revelar aos cidadãos o que é uma dimensão fundamental das suas experiências e das suas exigências. E os educadores são mais monitores que iniciadores, como ele escreve;
- Permanece, no entanto, que todos os homens do povo não estão prontos, além disso, a compreender e a defender a justiça;
- As exigências da justiça estão “em força”, em potencialidade mais que a actualização;
- Permanece pois que as forças de dominação, o capital, o estudo, as religiões continuam a lutar por desviar os espíritos do sentido da justiça;
- Quanto há crianças, Proudhon pensa também que eles têm alguma intuição de justiça, eles são também portadoras de tendências contrárias e que eles devem ser guiados em direcção à justiça e protegidos contra as forças internas (o egoísmo por exemplo) e as forças externas.
Existe pois, a urgência de uma educação na justiça. Educação que vai dirigir-se a todos e a cada. E é aqui que nós poderemos precisar estas duas dimensões: educação para todos e para cada um mas, primeiramente para todos.
5ª Tese: por um “Ensinamento democrático”.
É, sem dúvida, a dimensão mais reivindicativa, a mais ofensiva da filosofia proudhoniana da educação: que a educação deve ser para todos, por lado e por outro, igual para todos.
- Ensinamento para todos, numa primeira fase. Esta tese é, por vezes, a afirmação, desejo, reivindicação, denúncia. O que denuncia Proudhon é a ignorância, a ausência de formação da qual o povo é vítima e esta divisão externa que faz o saber é privilégio de um pequeno número chamado a ocupar as funções de domínio. A simples fórmula nesta época, o “ensinamento democrático” tem um duplo sentido: pelo ensinamento para todos e contra o ensinamento elitista.
- Ensinamento, por um lado, igual para todos. Lá ainda, a tese é por vezes, afirmação e denúncia. Ele actua para denunciar este sistema educativo que divide desde a sua mais tenra idade os cidadãos que separam as crianças dos diferentes lugares de ensino com programas diferentes, renova e prepara a divisão em classes sociais opostas.
Esta tese – como a precedente – retoma evidentemente as teorias gerais de Proudhon e recorda-nos quantas das suas teses sobre a educação perseguem as grandes linhas das suas concepções sociais e lá encontram lugar.
Mas qual é, mais particularmente, a argumentação de Proudhon para justificar esta democratização do ensino? Proudhon faz apelo a muitos argumentos e a muitos níveis de argumentação? Vai-se reencontrar necessariamente a questão essencial da Igualdade?
1ª Questão preliminar: Existe uma igualdade das inteligências? Será que as crianças originárias do povo são capazes, ao mesmo tempo que as crianças das classes burguesas, de adquirir os conhecimentos? Proudhon não separa esta questão de interrogação mais geral no que diz respeito ao povo no seu todo: será que os mesmos dos meios populares podem ser educados como são os jovens burgueses?
Velha questão pode-se dizer que tinha sobretudo sido debatida no século XVIII; os filósofos materialistas, como Helvétuis tinham sido os mais vigorosos para defender a tese da igualdade das inteligências.
Proudhon coloca o acento no seu preâmbulo da Justiça “filosofia popular”, sobre o facto que os princípios fundamentais do conhecimento, o benefício, os princípios lógicos que estão na obra no exercício do conhecimento saem os mesmos para todos. Certamente, o especialista preparou-se mais, mas ele usa os mesmos princípios lógicos que cada um. Existe, pois, pode haver aquilo a que ele chama de “democracia das inteligências”.
“Democracia da inteligências e democracia das consciências: tais são os dois grandes princípios da filosofia, os dois artigos da fé da revolução”.
2ª Argumentação e outro plano da reflexão: o argumento socio-político.
A igualdade do ensino é uma peça mestra de igualdade socio-política e uma das suas condições necessárias. Proudhon distinguiu três alienações: a alienação económica assegurada pelo capital, a alienação política assegurada pelo estado, a alienação intelectual assegurada pela religião. Mas a ignorância sustem as três alienações e lá participa. O operário parcelar ignora as técnicas industriais e não pode resistir às decisões patronais, o cidadão é dócil às ilusões estadistas e não pode resistir aos dominadores, o crente é dócil aos padres e não pode compreender as consequências da empresa religiosa.
O ensinamento democrático que assegura a democracia das inteligências é assim a condição necessária da emancipação.
6ª Tese: A educação para cada um.
“… O objectivo da filosofia é ensinar o homem a pensar por ele mesmo”.
A questão que aqui se coloca a toda a filosofia da educação: que homem se deseja formar? Ele actua para formar um outro homem e as indicações de Proudhon são, neste assunto, inúmeras e diversas já que a educação que está a redefinir é uma “educação integral” e que diz respeito ao todo o ser: as facilidades físicas, intelectuais e morais.
(Será necessário precisar este ponto essencial e talvez dispor de mais lugar dos quais eu não disponho para aqui ir ao detalhe desta imagem do homem que se desenha Proudhon. Eu sublinharei somente alguns tratados, nós examinaremos seguidamente se existe lugar para completar este esboço).
Formar primeiramente um homem reconciliado com a natureza. Proudhon polémico contra este divórcio imposto ao homem por todas as tradições espiritualistas, racionalista … É um objectivo que ele expõe em primeiro lugar no seu estudo sobre a educação como nós vimos: é necessário dar à criança não só o gosto da natureza, mas o sentido e o prazer da comunhão com a natureza.
Formar os seres tendo o sentido do concreto, tendo o sentido das realidades e associando o pensamento a as realidades naturais. É uma das significações do tema da “filosofia prática”: formar os seres que associam a intelectualidade à sua experiência.
Formar os seres para que o trabalho seja a actividade humana por excelência e que estejam pois preparados como para a sua própria actividade. Que o trabalho não seja mais um incómodo detestável, mas a actividade do homem, aquela do “trabalhador livre”.
Formar também homens capazes de agir por eles próprios através, eventualmente de dificuldades, por outros termos, formar seres “de carácter”, resistentes às ameaças e às submissões. É preciso “amar” a criança:
“… A vida é um combate, o homem um ser livre, é pelo combate que importa amar, o que se fará muito menos pelo espírito que pelo carácter…”
5. Formar um ser capaz de julgar por si mesmo – e não por ninguém ou pela doutrina interposta. Ser capaz de pensar em filosofia pratica e em trabalhador livre … e é por estas duas formações integradas, de filosofia e de trabalhador que pode fazer-se esta educação em direcção à liberdade de julgamento.
6. Formar os seres a ser particularmente sensíveis à sua própria DIGNIDADE (é o tema maior do Segundo Estudo “As pessoas”): preparar a pessoa no sentido da sua dignidade própria e no sentido da dignidade de outrem.
Proudhon, efectivamente, não separa o sentido da sua dignidade pessoal e o da dignidade de outrem:
“ Sentir e afirmar a dignidade humana, primeiramente em tudo o que nos é próprio, depois na pessoa do próximo”.
7. Formar os seres na vida moral, ou seja, na prática da Justiça. Ele actua bem ao preparar a criança para a sua liberdade mas não para uma liberdade selvagem e “ilimitada”, mas para a vida moral e respeito pela justiça.
8. Terminaremos ao dizer que preparar o homem para esta vida de liberdade e de Justiça, é também prepará-lo para a felicidade, tal como o concebe Proudhon: prazer do trabalho emancipado, prazer sensual do trabalho, orgulho da dignidade, prazer da sociabilidade, da amizade, do amor… felicidade do justo.
Por que programas, por quais grandes domínios da educação? Eu distinguirei três: a Educação Filosófica, a Educação Política e a Educação Profissional.
7ª Tese: A educação filosófica.
Nós conhecemos o título do parágrafo 5 da Filosofia popular:
“Que a metafísica é a força da instrução primária”.
Por metafísica, Proudhon entende, ao espírito da filosofia kantiana, o conjunto das categorias do entendimento e o problema da sua génese.
“A formação das categorias ou ideias, concebidas pelo espírito fora da experiência, mas por ocasião da experiência, a sua colecção e classificação formam aquilo a que se chama de metafísica”.
Estas categorias estão colocadas na obra da vida quotidiana, na palavra, elas são os instrumentos da inteligência… elas estão, de qualquer modo, familiarizadas com a aprendizagem da língua. A metafísica é pois:
“… Completa na gramática e o seu ensino pertence ao professor da escola”.
Proudhon inspira-se livremente na crítica kantiana, atribuindo a formação das ideias à experiência – à “intervenção de dois agentes, o sujeito e o objectivo, na formação dos acontecimentos” – rejeitando por vezes, o sensualismo e o inato… e faz desta metafísica assim concebida um obstáculo às ilusões do idealismo e das religiões.
Mais, ele associa a esta concepção metafísica que será transmitida pela gramática e experiência, o conjunto de regras lógicas que o professor da escola deveria incutir:
“Verificai sem parar as vossas observações, colocai ordem nas vossas ideias, cuidai das vossas análises, vossas recapitulações, vossas conclusões; estejais comedidos de conjunturas e de hipóteses; desconfiai de probabilidades e acima de tudo das autoridades; não acrediteis nas informações de quem vive…”
A metafísica não é pois um saber abstracto e inacessível ao povo, ela é praticada no conhecimento empírico e ensinada através do ensino reflectido da língua.
E ele está mesmo na Filosofia – o que implica uma redefinição democrática da Filosofia. Proudhon reencontra o seu próprio inimigo: o monopólio erudito, o monopólio elitista (ou burguês) da Filosofia que faz da filosofia um ensinamento raro, que só poderia abordar antes dos anos de formação intelectual. Pelo contrário, a Filosofia deve ser apresentada a toda a existência como seria a Religião.
E, de novo, a comparação com a Religião é útil. Pois a Filosofia, em vez de ser um saber erudito e esotérico, deve responder às questões que resolveria, à sua maneira, a Religião. Proudhon desenvolve sobretudo este tema nas páginas sobre “A Filosofia popular”, no início de A Justiça. Ele entende por Filosofia às vezes:
- A moral: uma moral pessoal e uma moral social que nos diria as regras duma vida correcta, de uma vida pessoal feliz – que nos diria as regras de uma vida correcta para com outrem, as regras da justiça.
- A Filosofia comporta toda uma “visão do mundo”. Ela responde, ela deve responder a todas as questões que são, por vezes, práticas e teóricas: o que é a Justiça, o que é o direito e o dever? O que é a igualdade? O governo, a liberdade, o progresso? Mas também o que é o amor e o casamento?
A nova Filosofia deverá responder a todas estas questões.
Pode-se ensinar e como? Existirá um ensino para esta Filosofia? Proudhon faz somente aqui uma nota sugestiva: ele não diz “ensino da Filosofia “ (ensino que seria distinto e especializado): ele fala de “Propaganda filosófica”:
“… O filósofo que se consagra ao ensino das massas, instrui ele mesmo o âmago das teorias, deve ser acima de tudo, nas suas conferências com o povo, um demonstrador prático, ser concreto:
É necessário concretizar, personalizar e dramatizar… empregar o itho e o pathos (a cólera e a paixão)”.
Comover também:
Porque, por outro lado, ao ensinar a Justiça, nós privamos destas duas poderosas alavancas, a paixão e os interesses”.
Levantar, na ocasião:
“Pela veemência dos vossos discursos, a indignação popular”.
Ele diz ainda que em vez de desenvolvimentos encadeados, pode-se ir também de um tema ao outro: “Filosofar com insistência, já que todos os temas iluminam-se uns aos outros nesta unidade sintética da Filosofia prática.
E chego à 8ª tese:
8ª Tese: a educação profissional, “a Educação enciclopédica”.
É, se não me engano, a parte mais conhecida das teses de Proudhon; aquela sobre a qual ele quase sempre regressa; aquela também do sujeito sobre a qual ele manifestou uma extrema continuidade de pensamento.
O tema da Educação é seguramente um dos grandes temas permanentes junto de Proudhon, mas existe, seguramente, diferentes acentuações e os seus desenvolvimentos sobre a Filosofia prática e seu ensino só se encontram sob esta forma na Justiça. Em oposição, este cuidado de educação profissional operária é um cuidado essencial e permanente junto de Proudhon e que ele não deixa de repensar com a maior precisão.
Em vez de comentar este tema e para sublinhar a permanência, eu contento-me em reler três textos tirados dos escritos do início, meio e do fim, pode-se dizer, da cronologia das obras: 1842, “Criação da Ordem”; 1851, “Ideia Geral da Revolução”; 1865, “Capacidade política das classes operárias”.
1 - Primeiramente, 1842, na “Criação da ordem na humanidade”. Proudhon interroga-se no capítulo IV, 3, sobre os princípios de organização industrial, sobre a organização do trabalho; ele desenvolve então a ideia de série e vai reencontrar temas de Fourier… O trabalho está organizado, dividido em funções assumidas pelos diferentes operários numa acção sintética. E ele aborda então a questão do trabalho parcelar e os seus dois aspectos contraditórios:
- O trabalho parcelar e repetitivo é por vezes, destruidor dos saberes fazeres operários – destruidor da moral pessoal – e ineficaz economicamente e socialmente:
“O primeiro fruto do trabalho parcelar é multiplicar as incapacidades… etc.
- E, no entanto, ele é útil numa empresa e Proudhon lembra as páginas de Adam Smith sobre a fabricação industrial.
Ver-se-á qual será a solução conforma o interesse do operário e também da sociedade industrial (é a ideia de politécnica e de poli-aprendizagens):
“Cada operário poderia, devia mesmo, no seu interesse pessoal e no da sociedade, passar a intervalos mais ou menos próximos de uma operação à outra e percorrer o ciclo inteiro da fabricação”.
E Proudhon opõe ao trabalho parcelar o operário formado, “realizado” “o operário consumado” completo.
“… Por longos e trabalhosos estudos, por vários ensaios, pela aquisição custosa dos segredos de profissão e dos procedimentos de mão-de-obra, ele não fez um, mas vinte, e trinta aprendizagens diferentes…”
Educação permanente. E é o que é conforme o interesse de todos, conforme a divisão do trabalho bem compreendido.
2 - Encontra-se a mesma ideia na Ideia Geral da Revolução. (1851). Eu apenas retenho uma passagem: no 6º Estudo “Organização das forças económicas”, Proudhon coloca os princípios do que deveria ser a Grande indústria, a companhia operária:
Em presença das pessoas… a companhia tem por regras – para o indivíduo empregado:
- Que a sua educação, instrução e aprendizagem devem ser, em conformidade, dirigidas de tal maneira, que nele fazem suportar a sua parte das chatices repugnantes e dolorosas (Proudhon lembra-se de novo de Fourier), eles fazem-lhe percorrer uma série de trabalhos e de conhecimentos e asseguram-lhe, na época da maturidade, uma aptidão enciclopédica”.
3 - Terceiro texto, na Capacidade (1865): no Capítulo VII “Condições de um ensino democrático”. Ao sujeito da Educação profissional, Proudhon indica o que ela deveria ser:
Em vez de se fechar numa estreita especialidade, a educação profissional compreende uma série de trabalhos que, pelo seu conjunto, tendem a fazer de cada aluno um operário completo”.
Continuidade dos temas proudhonianos sobre este ponto:
- Necessidade urgente dos temas proudhonianos e sua extensão;
- Erro em separar o ensino literário e científico da aprendizagem industrial;
- Necessidade de uma aprendizagem plural;
- E, um facto permanente: espécie de formação permanente.
9ª Tese: a Educação política.
Na concepção alargada da educação, concepção que é aquela onde se coloca Proudhon, a Educação política do cidadão é também um aspecto essencial e nós não podemos negligenciá-la.
Existem, talvez, algumas dificuldades em cercá-la já que toda a obra de Proudhon visa educar politicamente. Pode-se dizê-lo particularmente de si, que quis convencer, difundir as suas teses, ser entendido, escrever para o povo.
E se nos interrogamos sobre o conteúdo deste ensino, dever-se-ia responder ao retomar todo o seu pensamento político.
O que é que será pois, importante e secundário e sobre o quê traria primeiramente este ensino?
Nós podemos, pelo menos particularmente, responder a esta questão, já que Proudhon propôs na Justiça um “Pequeno catecismo político”.
Título bem interessante às vezes, porque ele retoma o significado de educação religiosa: Catecismo… Mas também porque se escreveu muito de catecismos revolucionários nos anos de 1790-93 que procuravam formular novos dogmas e Proudhon faz alusão por este título.
Nesta educação política de base, o que é que importa? O Pequeno catecismo político conclui o 4º Estudo consagrado ao Estado, breve tratado, pelo menos com quarenta páginas na edição Rivière. Apenas sublinhamos o movimento do pensamento: o plano.
Este plano, em cinco capítulos, é de uma notável firmeza e exprime perfeitamente, creio, o que, para Proudhon é fundamental, numa educação política. Ele propõe quatro “instruções”:
1ª Questão: O que é o poder? Proudhon evita sistematicamente responder em termos de poder político, por uma reflexão sobre a “força colectiva” e sobre o “poder social”.
O poder social que tem pela “realidade” a força colectiva, antecede, torna possível o poder político.
É necessário compreender – e é o objectivo desta primeira Instrução – que o verdadeiro poder é o poder social que pode crescer e decrescer segundo a organização ou a desorganização dos benefícios e das trocas. E o primeiro exemplo deste “poder social” que Proudon dá é o da Monnaie… a Monnaie é uma espécie de força matriz que se situa, não no signo, no bilhete ou no carácter, mas na reciprocidade pública.
2ª Instrução: “da apropriação das forças colectivas e da corrupção do poder social”. O poder político resulta duma apropriação do poder social, ou, por outros termos, duma “alienação da força colectiva”. Mais, o poder político uma vez constituído resulta duma intervenção dos benefícios e a força substitui-se pelo direito.
A 3ª instrução: explica a história desta apropriação do poder social pelos diversos regimes políticos da monarquia à democracia.
Enfim, a 4ª instrução traça as grandes linhas da constituição do poder social pela revolução: equilíbrio das forças, liberdade e justiça das trocas, etc.
Nós encontramos lá nestas quatro instruções o condensado característico do que deveria ser a educação política que se concentra pois, sobre a ideia do poder para o inverter, do poder apropriado pelo político ao poder social, ou melhor, à noção de poder social.
10ª Tese: As aplicações ou as condições de realização. Proudhon enuncia os princípios de uma filosofia prática, resultado da acção e destinada à acção… mas por outro lado, ele prevê que estes princípios são realizáveis socialmente e ele fornece inúmeras indicações sobre estas condições de realização. Eu retenho três condições:
1 - A primeira é que o sistema de ensino profissional seja reorganizado e que ele esteja intimamente ligado aos ateliers, às grandes empresas. As duas reformas estão estreitamente ligadas, fazendo uma espécie de atelier de escola:
- Que o aluno, como escreve Proudhon possa “percorrer a série inteira dos exercícios industriais indo dos mais simples aos mais difíceis” e assim “libertar destes exercícios a ideia que lá está contida …”;
- E também que os ateliers, as empresas estejam reorganizados e permitam a cada um escapar ao trabalho parcelar permanente e mudar os postos de trabalho (o que é realizado na agricultura e muito facilmente nas pequenas indústrias, mas é preciso introduzir na grande indústria):
“ Em duas palavras, a aprendizagem politécnica e a ascensão a todos os graus, eis em que consiste a emancipação do trabalhador”.
2 - 2º Problema, aquele do custo do ensino. Proudhon estima que o trabalho dos aprendizes pode ser, muito cedo, “útil e produtivo”. O ensino profissional não pode vir a ser gratuito. O aluno torna-se rapidamente um produtor. Ele paga pois, a sua aprendizagem pelo seu trabalho, mas deve ser rapidamente retribuído “proporcionalmente à capacidade e aos serviços de cada”.
As associações operárias teriam que desempenhar um papel de controlo e de organização, tornando-se por vezes lares de produção e lares de ensino.
3 - 3ª Dimensão destas realizações. Assim concebida, a educação do trabalhador não tem termo, não tem fim. Não há lugar para fazer da a – aprendizagem um período limitado. O trabalhador continua na idade adulta a mudar de postos de trabalho e pois, continua a sua formação e Proudhon lembra aqui as teses de Fourier:
“ … Ele actua para desenvolver, por uma educação integral, como dizia Fourier, o maior número de aptidões e para criar a maior capacidade possível…”.
Acrescentamos que trabalho, assim preparado e assim vivido pode ser uma fonte eminente de prazer, de satisfação pessoal, de gozo.
Enfim, – e eu terminarei sobre este ponto – permanece por sublinhar quantas teses sobre a educação se coordenam rigorosamente com os outros grandes temas proudhonianos: crítica da capacidade operária, filosofia do trabalho, etc. E é certamente a fonte de uma dificuldade: a filosofia da educação não se deixa limitar, ela articula-se com todos os grandes temas proudhonianos.
Espero ter-vos convencido que Proudhon é um filósofo prático da educação: ele inscreve-se na linha das verdadeiros pensadores da educação que propuseram uma visão de todo, visão por vezes, original e realista. Ele demonstrou que um sistema educativo está intimamente ligado á totalidade cultural; que as finalidades e as práticas educativas não saberiam ser independentes da cultura e que elas são uma dimensão essencial. Ele tem mostrado fortemente também que a educação é uma dimensão constitutiva da vida individual e colectiva e que assim, um projecto revolucionário deve comportar um projecto educativo coerente e uma crítica decidida do sistema educativo existente.
Como indica o título, o objecto deste artigo é sublinhar as teses fundamentais de Proudhon no que diz respeito à Educação, sem procurar discuti-los ou contestá-los, mas com o único cuidado de colocar em destaque os princípios desta Filosofia: que entende ele exactamente por este termo de Educação? Que deve ser, aos seus olhos, uma educação conforme a Justiça? Qual deve ser a importância reconhecida à educação na sociedade revolucionada? Tais são as questões às quais eu procurarei responder.
Estas questões sugerem a hipótese de que existe, na obra de Proudhon, uma verdadeira filosofia de educação, mesmo se os elementos estão dispersos nas diferentes obras. Para validar esta hipótese, será necessário mostrar que existe uma unidade de reflexão sobre este sujeito e não marcas dispersas; que existe uma permanência das teses gerais através de eventuais evoluções; e uma coerência das teses mantidas.
Além disso, para que se possa falar de uma Filosofia de Educação, será necessário mostrar que a reflexão de Proudhon visa formular os princípios, ou os “fundamentos” da educação, por oposição à única procura de técnicos ou de métodos educativos. E, efectivamente, lembramo-nos imediatamente que Proudhon está muito pouco preocupado com pedagogia ou “didáctica” (como nós hoje dizemos), mesmo se nós pudéssemos, aqui e ali, erguer observações que dizem respeito às práticas educativas. Proudhon não é um praticante da educação: ele inscreve-se menos na linha de Pestalozzi, antes dele, de Montessori ou Decroly, do que na linha dos teóricos, como Erasmo, Montagne, Rabelais ou Jean-Jacques Rousseau.
1ª Tese: “A Educação é a criação dos costumes”
Na Justiça, após os Estudos preliminares que são os Estudos sobre a Justiça, as Pessoas, os Bens e o Estado, Proudhon coloca imediatamente a Educação, na introdução aos Estudos sobre o Trabalho ou as Ideias. O que indica bastante bem qual o lugar que ele concilia.
Mas como Proudhon define este termo de Educação? Ou ainda, do que fala ele quando se propõe a reconsiderar? Lá existe, para nós, um risco de contrasenso pois a significação que nós damos hoje a esta palavra é muito mais escassa que a significação proudhoniana. Hoje, o uso comum reduz a educação à transmissão aos alunos dos conhecimentos e do saber fazer; um segundo sentido subsiste, que coloca o acento sobre a formação moral (a “boa” educação) e sobre os códigos sociais. Ora, o sentido que Proudhon dá a este termo de educação vai muito para além destas duas definições, escassa e moralizada, e que os engloba.
O que ele quer reconsiderar é o fenómeno geral pelo qual se transmitem todas as dimensões de uma cultura. Ele propõe-nos reflectir, não sobre estas práticas particulares que podem ser métodos pedagógicos, mas sobre a transmissão do que os Antropólogos entendem por cultura, ou seja, o conjunto das práticas e das normas sociais, com a única exclusão do que é dado pela natureza.
Sobre esta concepção, Proudhon é bastante explícito no Capítulo primeiro do 5º Estudo consagrado à Educação: O que é a Educação?
“… É a concentração na alma do jovem homem dos raios que partem todos os pontos da colectividade. Toda a educação tem pois, por objectivo produzir o homem e o cidadão após uma imagem em miniatura da sociedade, pelo desenvolvimento metódico das faculdades físicas, intelectuais e morais do jovem.
Por outras palavras, a educação é a criação dos costumes no sujeito humano, tomando esta palavra de costumes na sua acepção mais desenvolvida e mais elevada, que compreende não só os direitos e os deveres, mas ainda todos os modos da alma, ciências, artes, indústrias, todos os exercícios do corpo e do espírito”.
Ao comentar um anacronismo e ao utilizar uma expressão de Marcel Mauss, poder-se-á dizer que, para Proudhon, a educação é um “fenómeno social total”, ou seja, um conjunto de práticas nas quais todos os fenómenos sociais concentram-se e refractam-se: económicas, produtivos, políticos, simbólicos, etc. E esta educação diz respeito, por outro lado, à totalidade do ser humano, ser físico, intelectual e moral: o seu corpo e a sua alma, os seus comportamentos e o seu foro íntimo, para retomar o antigo vocabulário.
Proudhon volta atrás sobre termo “costumes”, retomando a significação do termo grego que designa todas as formas de ser e as formas de fazer que são próprias de uma sociedade dada: os usos e costumes, desde os rituais devida quotidiana até às práticas das indústrias e das artes.
E, ele dá-nos dois exemplos, dois aspectos opostos destes costumes, neste capítulo primeiro do 5º estudo: duas experiências universais, o benefício do ser à natureza e, por outro lado, o benefício à morte.
Nós estamos mais longe da nossa significação escassa da educação. Proudhon conduz-nos de repente aos limites da condição humana e aos limites da cultura, lá onde os limites se confundem entre natureza e cultura: a vida na ou contra a natureza - e a morte.
A escolha destas duas situações mostra que ele actua por reflectir sobre a “Criação dos Costumes” em todas as dimensões sociais, humanas e individuais.
2ª Tese: A educação revolucionada tende por princípio à imanência.
Porquê esta tese e porquê tanta polémica com e contra a religião na reflexão sobre a educação? Porquê é que é tão importante nesta reflexão insistir sobre esta oposição entre a educação segundo a igreja e a educação segundo a revolução? Eu recordarei somente três razões de fundo.
1. É, primeiramente, uma razão de facto histórico.
Para pensar a educação no seu todo, importa pensar na história. E a história da educação na Europa e mais particularmente na França, é a história da educação pelos padres, visto que a grande educadora foi, desde a alta idade média, a religião.
2. Mas a segunda razão é ainda mais importante.
É que o ensaio religioso e é por isso que é essencial reflecti-lo: o ensino religioso tinha uma unidade de príncipio, tinha uma significação central que podia dar lugar a aplicações diversas e que podia ser um correctivo permanente; este princípio fundamental existência do divino.
Ora, para Proudhon, uma educação verdadeira como devia ser a educação revolucionada deve também coordenar-se segundo um princípio fundamental que é preciso publicar, expor, desenvolver em todas as suas consequências.
Faz falta à revolução uma filosofia, uma filosofia prática. Uma educação verdadeira funda-se sobre os princípios fundamentais que vão colocar-se antinomicamente com o princípio religioso, mas que terão as mesmas ambições teóricas e práticas.
3.Que numa ambição só palavra? E é a terceira razão importante: a religião estabelece e realizava um certo Laço Social. Proudhon não pára, efectivamente, de pensar sinteticamente na religião como teologia (como teoria) e como princípio de práticas sociais.
Ora, se a religião tem, efectivamente, gerado e legitimado um certo laço social seria, na realidade, um laço deselegante e de subordinação.
Esta crítica não é pois secundária para Proudhon, ela não se reduz a uma polémica anticlerical, ela é a crítica exemplar, a que permite pensar os princípios da nova educação.
- Na religião, o laço social encontraria o seu princípio e o seu fundamento em redor do homem, em redor da humanidade. O homem não tinha o controlo e a possessão dos seus próprios princípios;
- Por outro lado, ao colocar o princípio do laço social em redor do homem, a religião tendia a legitimar uma raça, uma autoridade suposta competente no domínio do sagrado;
- Ao afirmar a transcendência do divino, ela construía uma visão do mundo deselegante – e seria como espécie de paradigma (de modelo intelectual) a todas as desigualdades e às hierarquias;
- De facto e, apesar das suas pretensões, a religião não estabelecia o verdadeiro laço social que permanece por definir e por realizar. A religião estabelecia na realidade, laços deselegantes, ela conduziria a separar hierarquicamente os humanos.
Proudhon coloca-se assim em posição para debater os fundamentos da educação (nisso, ele situa-se na filosofia da educação) e deve pois opor à filosofia da transcendência uma filosofia humana segundo a qual a humanidade encontrará nela própria, os princípios práticos e teóricos da sua educação.
3ª Tese: A educação revolucionada encontra as suas normas no trabalho, na acção essencial da humanidade que é o trabalho.
Esta tese de Proudhon segundo a qual os princípios fundamentais da educação são inscritos na prática do trabalho é essencial – e marca uma das suas originalidades – a originalidade da sua filosofia da educação relativamente aos teóricos da educação nesta época. Efectivamente, para todos aqueles que tinham recusado radicalmente a religião como princípio de educação, ficaria por estabelecer a educação e para muitos era evidente que seria a ciência – aos progressos dos conhecimentos científicos – que seria necessário exigir estes novos fundamentos … aos “progressos das luzes”. Seria uma evidência, por Condorcet, por Auguste Conte e tantos outros: a ciência expulsa e substitui a religião.
A resposta de Proudhon é diferente e esta diferença orienta toda a sua concepção da educação.
Ele já tinha escrito na Criação da Ordem:
“ A menor das profissões, provida de especialidade e sequência, encerra em substância toda a metafísica”.
Le relê-o o início da Justiça:
“ Nós chegamos mesmos até a pensar que a filosofia pode encontrar-se completa nesta parte essencial de educação popular, a profissão”.
Proudhon expõe e desenvolve esta tese no 6º estudo sobre o trabalho e é ao iniciar este exposto que ele formula o princípio geral sobre a origem das categorias do entendimento:
“ A ideia, com as suas categorias, nasce da acção e, deve regressar à acção apenas a queda pelo agente”, “e pela acção”, é necessário entender a acção de produção, acção sobre a natureza e com a natureza. É no acto, no agir que as ideias se formam.
Proudhon propõe o exemplo da alavanca; (“de todos os instrumentos do trabalho humano, o mais elementar, o mais universal…”), instrumento de precisão, de locomoção, de apoio… etc. instrumento pelo qual o homem relaciona os objectos uns com outros e relaciona-se com os objectos – pelo qual ele cria também os equilíbrios. Pela alavanca, o homem relaciona, sintetizar-se separa, sintetiza e analisa. E é lá (e não no cinzento céu das ideias transcendentais) que se forma e se pratica a ideia cientifica de benefício e “a ideia de equilíbrio”.
E ele credita na franco – maçonaria esta ideia:
“ O seu Deus chama-se Arquitecto”, ideia que Proudhon interpreta como anti-teológico.
Por outros termos ainda:
“ … A inteligência humana faz a sua estreia na espontaneidade da sua indústria …”
Desta teoria, ao dizer respeito à génese dos princípios do entendimento e que lembra o longo debate sobre a origem das ideias debate entre o racionalismo e o sensualismo, Proudhon tira também conclusões pedagógicas; por exemplo, ao activar no ensinamento dos matemáticos, ele evoca uma pedagogia proveniente da experiência:
“ Um professor de matemática dos meus amigos ensina geometria aos seus alunos ao começar pela esfera; é da consideração empírica da esfera que ele parte para chegar à noção abstracta do plano da linha e da questão…
4ª Tese: A Justiça.
Chegamos às finalidades gerais da educação: nós conhecemo-los e Proudhon não deixa de lá regressar na Justiça: existe uma finalidade central da educação e é certamente a de formar os cidadãos na Justiça.
A educação tem por objectivo formar os cidadãos na justiça. Como Proudhon escreve no início da Justiça:
“ O que o povo reclama hoje é uma lei positiva, fundada na razão e na justiça …”
Nós reencontramos lá o tema fundamental da Justiça. Toda a consideração sobre a educação reconduz-nos necessariamente a este eixo central da filosofia – na qual Proudhon quer fazer a fusão, teórica e prática na nova cultura e da sociedade revolucionada. A educação será pois, e deve ser a escola da justiça.
Sublinhamos as condições de possibilidade desta formação na justiça – e os seus meios.
O objectivo da educação é tornar todos os cidadãos “competentes” em matéria de justiça (poder-se-á comentar este tema utilizando o livro de Luc Boltanski: O Amor e a Justiça como competências). A nova justiça não deve ser uma lei exterior ao homem e imposta como uma lei exterior e constrangedor, ela deve ser a exigência e a competência de cada.
Ora, existe lugar para ensinar justiça? As respostas de Proudhon são complexas e pode-se distinguir dois aspectos complementares:
- Resposta optimista primeiramente neste sentido que a nova justiça une, numa larga medida, a exigência natural do homem, e, pode-se dizer um direito natural. A posição de Proudhon sobre este ponto é variada: ele pensa por vezes que a exigência de justiça, de igualdade, de equilíbrio tem uma dimensão trans-histórica:
“A justiça diz, é o que há de mais primitivo na alma humana “.
E, neste sentido, a educação terá pois que desenvolver uma potencialidade que é universal.
- Ele acrescenta, contudo, que o sentido da justiça é, – por razões históricas e ainda mais económicas e sociais – mais desenvolvido no povo do que na burguesia.
“ O povo domina o fundamento da justiça; ele conservou-a melhor do que os seus mestres e seus padres; … o povo, pela sua intuição nativa e pelo seu respeito pelo direito, está mais avançado do que os seus superiores”.
Mais longe ainda:
“ O povo, no que toca à justiça, não está propriamente a falar, um discípulo, bem menos ainda um novato. A ideia está nele: a única iniciação que ele reclama, como outrora a plebe romana, é a das fórmulas. Que ele tenha fé nele mesmo é tudo o que nós lhe exigimos. Nós somos os monitores do povo, não os seus iniciadores”.
Entretanto, o pensamento de Proudhon não está completo nestas formulações expontâneas. Noutros textos, ele leva correctivos importantes que não contradizem completamente estas declarações optimistas, mas que os variam.
- Nas “Novas da Revolução” acrescentadas ao oitavo estudo, ele distingue por exemplo, duas tendências no povo: a tendência que ele chama de operária”. A tendência plebeia, feita de hábito à submissão, de confiança nos fortes poderes, de demissão tradicional, não reivindica a fundação da justiça. Bem entendido, quando ele escreve estas linhas, Proudhon pensa que estas tendências à resignação serão chamadas por regressar.
Nas estas nuances mostram bem a importância de uma educação à justiça: esta educação não é arbitrária, ela prolonga o facto objectivo do direito;
- Ela não é pois, a imposição de um dogma arbitrário aos espíritos submissos … ela tem que revelar aos cidadãos o que é uma dimensão fundamental das suas experiências e das suas exigências. E os educadores são mais monitores que iniciadores, como ele escreve;
- Permanece, no entanto, que todos os homens do povo não estão prontos, além disso, a compreender e a defender a justiça;
- As exigências da justiça estão “em força”, em potencialidade mais que a actualização;
- Permanece pois que as forças de dominação, o capital, o estudo, as religiões continuam a lutar por desviar os espíritos do sentido da justiça;
- Quanto há crianças, Proudhon pensa também que eles têm alguma intuição de justiça, eles são também portadoras de tendências contrárias e que eles devem ser guiados em direcção à justiça e protegidos contra as forças internas (o egoísmo por exemplo) e as forças externas.
Existe pois, a urgência de uma educação na justiça. Educação que vai dirigir-se a todos e a cada. E é aqui que nós poderemos precisar estas duas dimensões: educação para todos e para cada um mas, primeiramente para todos.
5ª Tese: por um “Ensinamento democrático”.
É, sem dúvida, a dimensão mais reivindicativa, a mais ofensiva da filosofia proudhoniana da educação: que a educação deve ser para todos, por lado e por outro, igual para todos.
- Ensinamento para todos, numa primeira fase. Esta tese é, por vezes, a afirmação, desejo, reivindicação, denúncia. O que denuncia Proudhon é a ignorância, a ausência de formação da qual o povo é vítima e esta divisão externa que faz o saber é privilégio de um pequeno número chamado a ocupar as funções de domínio. A simples fórmula nesta época, o “ensinamento democrático” tem um duplo sentido: pelo ensinamento para todos e contra o ensinamento elitista.
- Ensinamento, por um lado, igual para todos. Lá ainda, a tese é por vezes, afirmação e denúncia. Ele actua para denunciar este sistema educativo que divide desde a sua mais tenra idade os cidadãos que separam as crianças dos diferentes lugares de ensino com programas diferentes, renova e prepara a divisão em classes sociais opostas.
Esta tese – como a precedente – retoma evidentemente as teorias gerais de Proudhon e recorda-nos quantas das suas teses sobre a educação perseguem as grandes linhas das suas concepções sociais e lá encontram lugar.
Mas qual é, mais particularmente, a argumentação de Proudhon para justificar esta democratização do ensino? Proudhon faz apelo a muitos argumentos e a muitos níveis de argumentação? Vai-se reencontrar necessariamente a questão essencial da Igualdade?
1ª Questão preliminar: Existe uma igualdade das inteligências? Será que as crianças originárias do povo são capazes, ao mesmo tempo que as crianças das classes burguesas, de adquirir os conhecimentos? Proudhon não separa esta questão de interrogação mais geral no que diz respeito ao povo no seu todo: será que os mesmos dos meios populares podem ser educados como são os jovens burgueses?
Velha questão pode-se dizer que tinha sobretudo sido debatida no século XVIII; os filósofos materialistas, como Helvétuis tinham sido os mais vigorosos para defender a tese da igualdade das inteligências.
Proudhon coloca o acento no seu preâmbulo da Justiça “filosofia popular”, sobre o facto que os princípios fundamentais do conhecimento, o benefício, os princípios lógicos que estão na obra no exercício do conhecimento saem os mesmos para todos. Certamente, o especialista preparou-se mais, mas ele usa os mesmos princípios lógicos que cada um. Existe, pois, pode haver aquilo a que ele chama de “democracia das inteligências”.
“Democracia da inteligências e democracia das consciências: tais são os dois grandes princípios da filosofia, os dois artigos da fé da revolução”.
2ª Argumentação e outro plano da reflexão: o argumento socio-político.
A igualdade do ensino é uma peça mestra de igualdade socio-política e uma das suas condições necessárias. Proudhon distinguiu três alienações: a alienação económica assegurada pelo capital, a alienação política assegurada pelo estado, a alienação intelectual assegurada pela religião. Mas a ignorância sustem as três alienações e lá participa. O operário parcelar ignora as técnicas industriais e não pode resistir às decisões patronais, o cidadão é dócil às ilusões estadistas e não pode resistir aos dominadores, o crente é dócil aos padres e não pode compreender as consequências da empresa religiosa.
O ensinamento democrático que assegura a democracia das inteligências é assim a condição necessária da emancipação.
6ª Tese: A educação para cada um.
“… O objectivo da filosofia é ensinar o homem a pensar por ele mesmo”.
A questão que aqui se coloca a toda a filosofia da educação: que homem se deseja formar? Ele actua para formar um outro homem e as indicações de Proudhon são, neste assunto, inúmeras e diversas já que a educação que está a redefinir é uma “educação integral” e que diz respeito ao todo o ser: as facilidades físicas, intelectuais e morais.
(Será necessário precisar este ponto essencial e talvez dispor de mais lugar dos quais eu não disponho para aqui ir ao detalhe desta imagem do homem que se desenha Proudhon. Eu sublinharei somente alguns tratados, nós examinaremos seguidamente se existe lugar para completar este esboço).
Formar primeiramente um homem reconciliado com a natureza. Proudhon polémico contra este divórcio imposto ao homem por todas as tradições espiritualistas, racionalista … É um objectivo que ele expõe em primeiro lugar no seu estudo sobre a educação como nós vimos: é necessário dar à criança não só o gosto da natureza, mas o sentido e o prazer da comunhão com a natureza.
Formar os seres tendo o sentido do concreto, tendo o sentido das realidades e associando o pensamento a as realidades naturais. É uma das significações do tema da “filosofia prática”: formar os seres que associam a intelectualidade à sua experiência.
Formar os seres para que o trabalho seja a actividade humana por excelência e que estejam pois preparados como para a sua própria actividade. Que o trabalho não seja mais um incómodo detestável, mas a actividade do homem, aquela do “trabalhador livre”.
Formar também homens capazes de agir por eles próprios através, eventualmente de dificuldades, por outros termos, formar seres “de carácter”, resistentes às ameaças e às submissões. É preciso “amar” a criança:
“… A vida é um combate, o homem um ser livre, é pelo combate que importa amar, o que se fará muito menos pelo espírito que pelo carácter…”
5. Formar um ser capaz de julgar por si mesmo – e não por ninguém ou pela doutrina interposta. Ser capaz de pensar em filosofia pratica e em trabalhador livre … e é por estas duas formações integradas, de filosofia e de trabalhador que pode fazer-se esta educação em direcção à liberdade de julgamento.
6. Formar os seres a ser particularmente sensíveis à sua própria DIGNIDADE (é o tema maior do Segundo Estudo “As pessoas”): preparar a pessoa no sentido da sua dignidade própria e no sentido da dignidade de outrem.
Proudhon, efectivamente, não separa o sentido da sua dignidade pessoal e o da dignidade de outrem:
“ Sentir e afirmar a dignidade humana, primeiramente em tudo o que nos é próprio, depois na pessoa do próximo”.
7. Formar os seres na vida moral, ou seja, na prática da Justiça. Ele actua bem ao preparar a criança para a sua liberdade mas não para uma liberdade selvagem e “ilimitada”, mas para a vida moral e respeito pela justiça.
8. Terminaremos ao dizer que preparar o homem para esta vida de liberdade e de Justiça, é também prepará-lo para a felicidade, tal como o concebe Proudhon: prazer do trabalho emancipado, prazer sensual do trabalho, orgulho da dignidade, prazer da sociabilidade, da amizade, do amor… felicidade do justo.
Por que programas, por quais grandes domínios da educação? Eu distinguirei três: a Educação Filosófica, a Educação Política e a Educação Profissional.
7ª Tese: A educação filosófica.
Nós conhecemos o título do parágrafo 5 da Filosofia popular:
“Que a metafísica é a força da instrução primária”.
Por metafísica, Proudhon entende, ao espírito da filosofia kantiana, o conjunto das categorias do entendimento e o problema da sua génese.
“A formação das categorias ou ideias, concebidas pelo espírito fora da experiência, mas por ocasião da experiência, a sua colecção e classificação formam aquilo a que se chama de metafísica”.
Estas categorias estão colocadas na obra da vida quotidiana, na palavra, elas são os instrumentos da inteligência… elas estão, de qualquer modo, familiarizadas com a aprendizagem da língua. A metafísica é pois:
“… Completa na gramática e o seu ensino pertence ao professor da escola”.
Proudhon inspira-se livremente na crítica kantiana, atribuindo a formação das ideias à experiência – à “intervenção de dois agentes, o sujeito e o objectivo, na formação dos acontecimentos” – rejeitando por vezes, o sensualismo e o inato… e faz desta metafísica assim concebida um obstáculo às ilusões do idealismo e das religiões.
Mais, ele associa a esta concepção metafísica que será transmitida pela gramática e experiência, o conjunto de regras lógicas que o professor da escola deveria incutir:
“Verificai sem parar as vossas observações, colocai ordem nas vossas ideias, cuidai das vossas análises, vossas recapitulações, vossas conclusões; estejais comedidos de conjunturas e de hipóteses; desconfiai de probabilidades e acima de tudo das autoridades; não acrediteis nas informações de quem vive…”
A metafísica não é pois um saber abstracto e inacessível ao povo, ela é praticada no conhecimento empírico e ensinada através do ensino reflectido da língua.
E ele está mesmo na Filosofia – o que implica uma redefinição democrática da Filosofia. Proudhon reencontra o seu próprio inimigo: o monopólio erudito, o monopólio elitista (ou burguês) da Filosofia que faz da filosofia um ensinamento raro, que só poderia abordar antes dos anos de formação intelectual. Pelo contrário, a Filosofia deve ser apresentada a toda a existência como seria a Religião.
E, de novo, a comparação com a Religião é útil. Pois a Filosofia, em vez de ser um saber erudito e esotérico, deve responder às questões que resolveria, à sua maneira, a Religião. Proudhon desenvolve sobretudo este tema nas páginas sobre “A Filosofia popular”, no início de A Justiça. Ele entende por Filosofia às vezes:
- A moral: uma moral pessoal e uma moral social que nos diria as regras duma vida correcta, de uma vida pessoal feliz – que nos diria as regras de uma vida correcta para com outrem, as regras da justiça.
- A Filosofia comporta toda uma “visão do mundo”. Ela responde, ela deve responder a todas as questões que são, por vezes, práticas e teóricas: o que é a Justiça, o que é o direito e o dever? O que é a igualdade? O governo, a liberdade, o progresso? Mas também o que é o amor e o casamento?
A nova Filosofia deverá responder a todas estas questões.
Pode-se ensinar e como? Existirá um ensino para esta Filosofia? Proudhon faz somente aqui uma nota sugestiva: ele não diz “ensino da Filosofia “ (ensino que seria distinto e especializado): ele fala de “Propaganda filosófica”:
“… O filósofo que se consagra ao ensino das massas, instrui ele mesmo o âmago das teorias, deve ser acima de tudo, nas suas conferências com o povo, um demonstrador prático, ser concreto:
É necessário concretizar, personalizar e dramatizar… empregar o itho e o pathos (a cólera e a paixão)”.
Comover também:
Porque, por outro lado, ao ensinar a Justiça, nós privamos destas duas poderosas alavancas, a paixão e os interesses”.
Levantar, na ocasião:
“Pela veemência dos vossos discursos, a indignação popular”.
Ele diz ainda que em vez de desenvolvimentos encadeados, pode-se ir também de um tema ao outro: “Filosofar com insistência, já que todos os temas iluminam-se uns aos outros nesta unidade sintética da Filosofia prática.
E chego à 8ª tese:
8ª Tese: a educação profissional, “a Educação enciclopédica”.
É, se não me engano, a parte mais conhecida das teses de Proudhon; aquela sobre a qual ele quase sempre regressa; aquela também do sujeito sobre a qual ele manifestou uma extrema continuidade de pensamento.
O tema da Educação é seguramente um dos grandes temas permanentes junto de Proudhon, mas existe, seguramente, diferentes acentuações e os seus desenvolvimentos sobre a Filosofia prática e seu ensino só se encontram sob esta forma na Justiça. Em oposição, este cuidado de educação profissional operária é um cuidado essencial e permanente junto de Proudhon e que ele não deixa de repensar com a maior precisão.
Em vez de comentar este tema e para sublinhar a permanência, eu contento-me em reler três textos tirados dos escritos do início, meio e do fim, pode-se dizer, da cronologia das obras: 1842, “Criação da Ordem”; 1851, “Ideia Geral da Revolução”; 1865, “Capacidade política das classes operárias”.
1 - Primeiramente, 1842, na “Criação da ordem na humanidade”. Proudhon interroga-se no capítulo IV, 3, sobre os princípios de organização industrial, sobre a organização do trabalho; ele desenvolve então a ideia de série e vai reencontrar temas de Fourier… O trabalho está organizado, dividido em funções assumidas pelos diferentes operários numa acção sintética. E ele aborda então a questão do trabalho parcelar e os seus dois aspectos contraditórios:
- O trabalho parcelar e repetitivo é por vezes, destruidor dos saberes fazeres operários – destruidor da moral pessoal – e ineficaz economicamente e socialmente:
“O primeiro fruto do trabalho parcelar é multiplicar as incapacidades… etc.
- E, no entanto, ele é útil numa empresa e Proudhon lembra as páginas de Adam Smith sobre a fabricação industrial.
Ver-se-á qual será a solução conforma o interesse do operário e também da sociedade industrial (é a ideia de politécnica e de poli-aprendizagens):
“Cada operário poderia, devia mesmo, no seu interesse pessoal e no da sociedade, passar a intervalos mais ou menos próximos de uma operação à outra e percorrer o ciclo inteiro da fabricação”.
E Proudhon opõe ao trabalho parcelar o operário formado, “realizado” “o operário consumado” completo.
“… Por longos e trabalhosos estudos, por vários ensaios, pela aquisição custosa dos segredos de profissão e dos procedimentos de mão-de-obra, ele não fez um, mas vinte, e trinta aprendizagens diferentes…”
Educação permanente. E é o que é conforme o interesse de todos, conforme a divisão do trabalho bem compreendido.
2 - Encontra-se a mesma ideia na Ideia Geral da Revolução. (1851). Eu apenas retenho uma passagem: no 6º Estudo “Organização das forças económicas”, Proudhon coloca os princípios do que deveria ser a Grande indústria, a companhia operária:
Em presença das pessoas… a companhia tem por regras – para o indivíduo empregado:
- Que a sua educação, instrução e aprendizagem devem ser, em conformidade, dirigidas de tal maneira, que nele fazem suportar a sua parte das chatices repugnantes e dolorosas (Proudhon lembra-se de novo de Fourier), eles fazem-lhe percorrer uma série de trabalhos e de conhecimentos e asseguram-lhe, na época da maturidade, uma aptidão enciclopédica”.
3 - Terceiro texto, na Capacidade (1865): no Capítulo VII “Condições de um ensino democrático”. Ao sujeito da Educação profissional, Proudhon indica o que ela deveria ser:
Em vez de se fechar numa estreita especialidade, a educação profissional compreende uma série de trabalhos que, pelo seu conjunto, tendem a fazer de cada aluno um operário completo”.
Continuidade dos temas proudhonianos sobre este ponto:
- Necessidade urgente dos temas proudhonianos e sua extensão;
- Erro em separar o ensino literário e científico da aprendizagem industrial;
- Necessidade de uma aprendizagem plural;
- E, um facto permanente: espécie de formação permanente.
9ª Tese: a Educação política.
Na concepção alargada da educação, concepção que é aquela onde se coloca Proudhon, a Educação política do cidadão é também um aspecto essencial e nós não podemos negligenciá-la.
Existem, talvez, algumas dificuldades em cercá-la já que toda a obra de Proudhon visa educar politicamente. Pode-se dizê-lo particularmente de si, que quis convencer, difundir as suas teses, ser entendido, escrever para o povo.
E se nos interrogamos sobre o conteúdo deste ensino, dever-se-ia responder ao retomar todo o seu pensamento político.
O que é que será pois, importante e secundário e sobre o quê traria primeiramente este ensino?
Nós podemos, pelo menos particularmente, responder a esta questão, já que Proudhon propôs na Justiça um “Pequeno catecismo político”.
Título bem interessante às vezes, porque ele retoma o significado de educação religiosa: Catecismo… Mas também porque se escreveu muito de catecismos revolucionários nos anos de 1790-93 que procuravam formular novos dogmas e Proudhon faz alusão por este título.
Nesta educação política de base, o que é que importa? O Pequeno catecismo político conclui o 4º Estudo consagrado ao Estado, breve tratado, pelo menos com quarenta páginas na edição Rivière. Apenas sublinhamos o movimento do pensamento: o plano.
Este plano, em cinco capítulos, é de uma notável firmeza e exprime perfeitamente, creio, o que, para Proudhon é fundamental, numa educação política. Ele propõe quatro “instruções”:
1ª Questão: O que é o poder? Proudhon evita sistematicamente responder em termos de poder político, por uma reflexão sobre a “força colectiva” e sobre o “poder social”.
O poder social que tem pela “realidade” a força colectiva, antecede, torna possível o poder político.
É necessário compreender – e é o objectivo desta primeira Instrução – que o verdadeiro poder é o poder social que pode crescer e decrescer segundo a organização ou a desorganização dos benefícios e das trocas. E o primeiro exemplo deste “poder social” que Proudon dá é o da Monnaie… a Monnaie é uma espécie de força matriz que se situa, não no signo, no bilhete ou no carácter, mas na reciprocidade pública.
2ª Instrução: “da apropriação das forças colectivas e da corrupção do poder social”. O poder político resulta duma apropriação do poder social, ou, por outros termos, duma “alienação da força colectiva”. Mais, o poder político uma vez constituído resulta duma intervenção dos benefícios e a força substitui-se pelo direito.
A 3ª instrução: explica a história desta apropriação do poder social pelos diversos regimes políticos da monarquia à democracia.
Enfim, a 4ª instrução traça as grandes linhas da constituição do poder social pela revolução: equilíbrio das forças, liberdade e justiça das trocas, etc.
Nós encontramos lá nestas quatro instruções o condensado característico do que deveria ser a educação política que se concentra pois, sobre a ideia do poder para o inverter, do poder apropriado pelo político ao poder social, ou melhor, à noção de poder social.
10ª Tese: As aplicações ou as condições de realização. Proudhon enuncia os princípios de uma filosofia prática, resultado da acção e destinada à acção… mas por outro lado, ele prevê que estes princípios são realizáveis socialmente e ele fornece inúmeras indicações sobre estas condições de realização. Eu retenho três condições:
1 - A primeira é que o sistema de ensino profissional seja reorganizado e que ele esteja intimamente ligado aos ateliers, às grandes empresas. As duas reformas estão estreitamente ligadas, fazendo uma espécie de atelier de escola:
- Que o aluno, como escreve Proudhon possa “percorrer a série inteira dos exercícios industriais indo dos mais simples aos mais difíceis” e assim “libertar destes exercícios a ideia que lá está contida …”;
- E também que os ateliers, as empresas estejam reorganizados e permitam a cada um escapar ao trabalho parcelar permanente e mudar os postos de trabalho (o que é realizado na agricultura e muito facilmente nas pequenas indústrias, mas é preciso introduzir na grande indústria):
“ Em duas palavras, a aprendizagem politécnica e a ascensão a todos os graus, eis em que consiste a emancipação do trabalhador”.
2 - 2º Problema, aquele do custo do ensino. Proudhon estima que o trabalho dos aprendizes pode ser, muito cedo, “útil e produtivo”. O ensino profissional não pode vir a ser gratuito. O aluno torna-se rapidamente um produtor. Ele paga pois, a sua aprendizagem pelo seu trabalho, mas deve ser rapidamente retribuído “proporcionalmente à capacidade e aos serviços de cada”.
As associações operárias teriam que desempenhar um papel de controlo e de organização, tornando-se por vezes lares de produção e lares de ensino.
3 - 3ª Dimensão destas realizações. Assim concebida, a educação do trabalhador não tem termo, não tem fim. Não há lugar para fazer da a – aprendizagem um período limitado. O trabalhador continua na idade adulta a mudar de postos de trabalho e pois, continua a sua formação e Proudhon lembra aqui as teses de Fourier:
“ … Ele actua para desenvolver, por uma educação integral, como dizia Fourier, o maior número de aptidões e para criar a maior capacidade possível…”.
Acrescentamos que trabalho, assim preparado e assim vivido pode ser uma fonte eminente de prazer, de satisfação pessoal, de gozo.
Enfim, – e eu terminarei sobre este ponto – permanece por sublinhar quantas teses sobre a educação se coordenam rigorosamente com os outros grandes temas proudhonianos: crítica da capacidade operária, filosofia do trabalho, etc. E é certamente a fonte de uma dificuldade: a filosofia da educação não se deixa limitar, ela articula-se com todos os grandes temas proudhonianos.
Espero ter-vos convencido que Proudhon é um filósofo prático da educação: ele inscreve-se na linha das verdadeiros pensadores da educação que propuseram uma visão de todo, visão por vezes, original e realista. Ele demonstrou que um sistema educativo está intimamente ligado á totalidade cultural; que as finalidades e as práticas educativas não saberiam ser independentes da cultura e que elas são uma dimensão essencial. Ele tem mostrado fortemente também que a educação é uma dimensão constitutiva da vida individual e colectiva e que assim, um projecto revolucionário deve comportar um projecto educativo coerente e uma crítica decidida do sistema educativo existente.
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