“Nem Freud imaginou isto”
O que faz um jovem que descobre que o seu “pai” não é seu pai. E que na realidade aquele
a quem sempre chamou pai assassinou o seu verdadeiro pai? Parece confuso?
Mas é
exactamente este o legado do general Jorge Videla e dos seus colegas militares
que governaram a Argentina entre 1976 a 1983.
São dezenas, centenas de estórias. Mariana Eva Perez procurava o
irmão. A mãe estava grávida quando ela e o pai “desapareceram”. Conseguiu
encontrá-lo 20 anos depois. Ele tinha outra “mãe”, outro “pai”. Ela
chamava-lhes raptores e assassinos. Ele continuava a chamá-los pai e mãe.
Como de repente destruir todo o afecto de tantos anos? “ Nem Freud
imaginou isso”, desabafou Abel Pedro Madariaga, em 2002, quando passei dois
meses com as Avós da Praça de Maio, em Buenos Aires. Em 2010, o filho de Abel
foi encontrado, foi o 102.º filho de los desaparecidos a ter a identidade devolvida.
Maria Eugenia sabia que era adoptada. Mas os pais maltratavam-na
tanto que sentia que havia algo de errado. Fez dois testes até que o de ADN
provou que era filha de uma desaparecida. “O ADN foi o presente de Deus às Avós
da Praça de Maio”, dizia-me sorridente Estela Carloto presidente da Associação,
no Inverno de 2002.
Havia a contradição suprema na sociedade argentina dos fins dos
anos 1990: podia-se condenar alguém por ter “raptado” uma criança mas não se
podia condená-lo por ter matado os pais do bebé. E foi com base nesta
violação das leis internacionais que o juiz argentino Gabriel Cavallo conseguiu
anular as leis de amnistia e abriu caminho para a condenação dos líderes
militares.
Há finais felizes. Como o do jovem que tinha sido adoptado (os
pais não sabiam que ele era filho de los desaparecidos) e que um dia
descobre que é irmão do músico da banda da qual é fã. Ou a avó que tinha
dúvidas se deveria continuar a procurar a neta e a ouve dizer “ainda bem que me
achaste pois se um dia eu descobrisse ia pensar: que família era esta que nunca
me procurou?”.
A estratégia dos ditadores era clara: militares e polícias que
não pudessem ter filhos criariam os bebés “da esquerda” para livrar esta
geração de “ ideias subversivas”.
É este o legado do general Videla.
Uma geração que desapareceu. Outra que ficou sem saber quem era.
E está até hoje a tentar descobrir.
Morreu Jorge Videla, um dos carrascos que governaram a Argentina entre 1976 e 1983 e que foram responsáveis por mais de 30.000 desaparecidos. Condenado em 2010 a prisão perpétua, viu a sua pena aumentada em mais 50 anos, em Julho de 2012, por ter dirigido uma rede que roubava bebés de prisioneiros políticos.