segunda-feira, junho 23, 2014

Ó FREGUESA, VENHA CÁ!


Tanta ovelha, tanta cabra e mais galinhas daquelas que põem ovos de vários calibres que vão do S ao XL, muitos porcos, muito gado variado - uns a relinchar outros, outros a balir, a cacarejar, uma barulheira dos infernos! Muita couve, muita cenoura, muita alface, muita flor, muito saco de plástico e o mau cheiro, muito mau cheiro como se acordássemos neste terreiro por volta de 1740 no tempo em que Lisboa, essa luminosa sereia das águas do Tejo, era conhecida pela fermosa estrebaria e que se não fosse o terramoto, se calhar ainda estávamos a chafurdar numa ensolarada e muito bem conservada praça-monumento, sala de visitas da capital. É que vamos ter, novamente, o já célebre e afamado Picnicão do Continente! Lembro-me do ano passado, de ler no jornal e ver na televisão como esta praça se transformou, logo a seguir ao famosopicnicão, num belo e arejado jardim do lixo. Cascas de amendoim, cascas de tremoço, o caroço da azeitona e as garrafas de cerveja, papéis lustrosos, brilhantes, de variadas marcas de bolachas e de chocolates, beatas aos milhões – refiro-me a pontas de cigarros, bem entendido! – lenços de papel amarfanhados, caricas, rolhame de garrafas de vinho, escarros secos no chão, folhas de couves, fruta apodrecida cheia de nódoas negras pelos pisões que levou, os carrinhos das bifanas mais seu aroma a subir, a subir em espirais de fumo azulado direito ao céu limpo de Lisboa. Foi então que finalmente, nesta tarde de bem-querer, apareceu Tony Carreira a cantar num palco grande e amplo e toda a gente a vibrar num delírio de espantar!

Isto sim! Valeu a pena, sim senhora, entrar nessa camioneta, viajar tanta auto estrada, levantar de madrugada, enrouquecer ao sol pôr, de tanto e tanto cantar! De tanto e tanto aplaudir chega a doer-me mãos, seca-se-me a boca antiga, mas que festa! Maravilha! É isto que a gente quer, tudo o resto não interessa, alguém faz com que eu me esqueça, alguém quer só que eu me esqueça, é tudo para o nosso bem. Esganiçarmo-nos como os galos, espreitar a fruta e o peixe, bom convívio, salutar, e lá por trás o Continente sempre e sempre a zelar! É tudo a zelar por nós, dos teus pais aos teus avós. Mesmo o cheiro pestilento não tem importância nenhuma, amanhã é outro dia, o tal de dia a seguir, sabes lá! Nem imaginas! Estive ali mesmo pertinho, quase, quase o apalpei, eu bem quis mas não cheguei, o Tony é tão simpático, a fruta estava barata, o peixe mesmo a saltar, os porcos a relinchar, os cavalos a roncar, as galinhas a balir, as cabras cacarejando, eu já estou toda trocada, tal é esta a excitação de uma cena irrepetível! Vi Lisboa de corrida, não passei da sua entrada e senti-me uma rainha, alguém que conhece a vida, digo-te agora eu a ti, digo a ele e digo a ela, foi um dia inesquecível, mas regresso à Bobadela, vou para o Porto e para a Arrentela, já lá vou na camioneta, já aqui vou adormecida, cansada mas satisfeita, os olhos quase a fechar e tudo numa visão, que pena já acabou, resta-me a Seleção que vai salvar Portugal e resta-me a sensação de que a vida não tem fim, que tudo valeu a pena, que todos velam por mim.

E novo ano chegou e com ele o Picnicão! Quero mais! Quero muito mais! E quero arroz para os pardais e peru assado à mesa. Tudo com delicadeza e que viva o Continente mais o seu picnicão! Só por isto vale a pena ter nascido portuguesa!

Irra!!!