segunda-feira, outubro 20, 2014

JOÃO GRANCHO, PLÁGIO E DOXOMANIA

“Quem o alheio veste na praça o despe”
Ditado popular. 

A recente notícia do Público (17/10/2014), em título de 1.ª página – “Secretário de Estado plagia textos sobre ‘dimensão moral’ da profissão docente” –, ainda que de forma indirecta, chama a atenção para a necessidade da criação de uma Ordem dos Professores para consubstanciar, num código deontológico, a “dimensão moral da profissão docente”, de que João Grancho se fez arauto público, em nítida doxomania (Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa: “impulso excessivo e mórbido de alcançar glória”), porquanto teve ele unicamente um papel pouco relevante para a consecução desse desiderato relativamente à forte acção desenvolvida, nesse sentido, pelo Sindicato Nacional dos Professores Licenciados.

Aliás, acção essa posta em destaque pelo Estudo Nacional, coordenado por João Ruivo (com a honestidade, a isenção e o rigor cientifico que devem presidir a trabalhos desta natureza), intitulado “Ser Professor-Satisfação Profissional e Papel das Organizações Docentes”, edição do Instituto Politécnico de Castelo Branco e Associação Nacional de Professores ((Maio 2008).

Desse estudo (ao que julgo, baseado num meu artigo de opinião no “Jornal de Notícias”, em 8 de Março de 2006, intitulado ”Ordem dos Professores e AR”), respigo: De acordo com Baptista (2006), já em Junho de 1996 o SNPL submeteu à Assembleia da República uma proposta de estatutos da possível Ordem a criar. Mais tarde, a 25 de Fevereiro de 2004, este sindicato submeteu, também à Assembleia da República, uma petição para a criação da ordem, contendo 7857 assinaturas. 

Por último, e de acordo com o autor supra mencionado, no dia 2 de Dezembro de 2005 debateu-se na Assembleia da República a petição n.º 74/IX (2.ª) do SNPL e outros para a criação da Ordem. As várias intervenções proferidas pelos deputados dos diversos grupos parlamentares também não denotaram convergência de opinião relativamente a esta matéria.

A deputada do PCP, Luísa Mesquita, centrou a sua intervenção na necessidade de haver uma maior autonomia profissional, cabendo aos professores a decisão de se criar um código deontológico para essa classe profissional. Por sua vez, para João Teixeira Lopes, deputado do Bloco de Esquerda, deveria caber ao Estado a definição dos critérios de acesso à profissão, bem como os códigos de natureza ética e deontológica. O seu argumento assenta no pressuposto de que a profissão docente assume-se como sendo um serviço público, pelo que deve ser tutelado pelo Estado. 

Já o deputado do Partido Socialista, João Bernardo, referiu que a criação de uma ordem profissional carece de uma reflexão profunda, para que não fiquem dívidas acerca das suas funções e competências, e de modo a não colidir com outras entidades profissionais.

Por último, as intervenções dos deputados do Partido Social Democrata e do CDS/PP. Fernando Antunes e Abel Baptista, respectivamente, foram muito favoráveis à criação de uma Ordem dos Professores, alegando o primeiro que “a ambição de criar uma Ordem dos Professores surge, pois, aliada a um forte sentimento de união de classe” (Baptista, 2006), e o segundo que “[…] a criação da ordem dos Professores, acrescentaria, desde logo, a dignificação da actividade docente […]” (Baptista, 2006). 

Reporto-me, novamente, a João Grancho, ex-secretário de Estado do Ensino Básico e Secundário, diplomado pela Escola do Magistério Primário do Porto (1980), habilitado com o Curso de Estudos Superiores em Administração Escolar, pelo Instituto Superior de Ciências Educativas, e antigo presidente da actual Associação Nacional de Professores (antiga Associação Nacional de Professores do Ensino Básico, representativa de professores diplomados pelas antigas Escolas do Magistério Primário e de Educadores de Infância) por ele ser eterno reclamante da criação de uma Ordem dos Professores, tendo anunciado, inclusivamente, “num seminário, realizado em 91, em Viseu, o firme propósito de se transformar em Ordem” (“Diário de Coimbra”, 07/05/91).

Debruço-me, agora, sobre o texto da notícia em título de 1.ª página do Público, citada no 1.º § deste meu post. Nela lê-se: “João Grancho copiou [em acrescento meu, verbo pro verbo], sem citar, partes de dois textos sobre educação numa comunicação que apresentou num seminário espanhol em 2007. O secretário de Estado do Ensino Básico e Secundário recusa a acusação”.

Ou seja, João Grancho usou do seu pleno direito em ser ouvido, mas como escreveu Hubert Humprhey, “o direito de ser ouvido não inclui automaticamente o direito de ser levado a sério”. Essa recusa em aceitar a acusação recaída sobre vários textos por si copiados sem referência aos académicos seus autores, nem sequer na respectiva bibliografia, ou assinalados, no mínimo dos mínimos, com simples aspas, é fundamentada por João Grancho com a “afinidade entre o pensamento da ANP e do professor” [Reis Monteiro, professor do Instituto de Educação da Universidade de Lisboa] que, “depois de consultar os trabalhos em causa, optou por não se alongar. Admitiu a ‘reprodução’, mas escusou-se a fazer um juízo de valor sobre o sucedido”.

Já outro dos plagiados, “João Pedro da Ponte, director do Instituto de Educação da Universidade de Lisboa foi mais assertivo. ‘Isto é uma cópia integral, nem sequer houve trabalho de disfarçar, disse aoPúblico. ´É um tipo de prática que deve ser condenada na nossa sociedade e é de assinalar que tenha sido feito por uma pessoa com responsabilidades na Educação’, afirmou. E mais acrescentou, João Pedro da Ponte, “sobre a gravidade do acontecido”: “Nós no Instituto da Educação consideramos que – e explicamos isso aos alunos – é intelectualmente desonesto copiar um texto como se fosse feito por nós, seja um texto científico ou qualquer outro texto”.

Dado o facto de “a originalidade ser a única coisa cuja utilidade não podem compreender os espíritos vulgares” (John Stuart Mill), penso que o código deontológico de uma Ordem dos Professores serviria de travão a procedimentos de necessitados de uma bússola do que lhes indicasse os procedimentos éticos a seguir e que não se coadunam - mais do que isso, são recriminados e incriminados - com o plágio por parte dos professores de posse de uma futura cédula profissional que lhes impusesse direitos e deveres.

Aquilo que o próprio João Grancho, ao demitir-se, tem, segundo a 1.ª página do Público de hoje, como um “imperativo de consciência”. Imperativo esse, embora por si mitigado pela desculpa esfarrapada de “motivos de ordem pessoal”, como se, ao contrário de que nos diz George Bernanos, houvesse meias verdades


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