Para a maioria dos cidadãos europeus (e mesmo dos alunos de macroeconomia deste mundo) é difícil relacionar as decisões tomadas pelo Conselho do BCE, tão remotas da realidade, com a vida do dia-a-dia. Que interessa se o Conselho do BCE decidiu despender 1 bilião de euros a comprar títulos de dívida estruturada (“Asset-Backed Securities”) do sector privado e a conceder empréstimos a 0,15% a 4 anos à banca europeia? Tal não afecta a “minha vida” nem tem nada a ver com ela – pensam.
Mas não é bem assim. Um bilião de euros representa €3000 por cidadão da zona euro. Esses €3000 são seus, caro leitor. A remuneração base média em Portugal era de €914 em 2012. Portanto, um trabalhador por conta de outrem teria, em média, de trabalhar 3,3 meses para ganhar tal remuneração.
Mas é o Conselho do BCE que decide o que vai fazer com esses €3000 por cidadão ou com outro dinheiro que venha a decidir criar. Entre outras coisas, já se fala em imprimir novos euros para comprar acções na bolsa. Acha bem que o BCE faça isso com o seu dinheiro?
Em post anterior, e também numa das aulas de macroeconomia, referi que em vez de realizar essas operações financeiras, o Banco Central Europeu poderia, invocando, de forma fundamentada, o artigo 20º dos Estatutos do BCE e do SEBC, simplesmente dar esse dinheiro directamente aos cidadãos da zona euro.
Penso que choquei os alunos com a proposta. Um dos alunos disse-me que seria estranho receber dinheiro sem ter de fazer nada em troca, sem ter de trabalhar! Impossível, disse…
Estamos tão moldados à forma como a sociedade está organizada que aceitamos que o Banco Central dê a nossa quota-parte desse dinheiro a terceiros, mas choca-nos que o dê a cada um de nós directamente, sem contrapartidas.
Essa proposta já esteve mais longe de se tornar realidade. Académicos, mas também gente do mundo financeiro já a discute abertamente.
Concluo, assim, que emissões de novo dinheiro público pelo Banco Central Europeu só deveriam poder ser utilizadas para dois fins:
- ou para comprar dívida pública dos países membros da zona euro, que utilizariam esses dinheiros para fins legitimados democraticamente;
- ou para serem dados a cada um dos cidadãos da zona euro.
Nem uma nem outra das alternativas é actualmente utilizada pelo Banco Central Europeu. O BCE pode comprar dívida pública nos mercados secundários, mas só o fez uma vez, entre Maio de 2010 e Fevereiro de 2012, no âmbito do “Securities Market Programme”[1]. Porque será?
[1] Acresce ainda que, decorrente de um acordo de cavalheiros entre o Banco Central Europeu e o Governo Irlandês, o Banco Central da Irlanda comprou 25 mil milhões de euros de dívida pública irlandesa, assumida em consequência da garantia pública sobre a dívida do sistema bancário irlandês. Com isso o BCE permitiu que o Banco Central da Irlandamonetizasse dívida pública, resultando em poupanças para o Governo da Irlanda estimadas em 20 mil milhões de euros (Karl Whelan estima que o valor presente da poupança na despesa com juros é de cerca de 7 mil milhões de euros).