quarta-feira, dezembro 03, 2014

A PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA EXPLICADA

Há uma certa confusão em torno do princípio da presunção de inocência, que não é, por exemplo, como o limite de 50 km/h dentro das localidades. Nem sequer é uma regra do condomínio. A presunção de inocência é uma espécie de mandamento da Justiça. Ou seja: A Justiça olha para um tipo que lá aparece para ser julgado e pensa “valha-me Deus, que este cidadão é culpado até à raiz dos cabelos, vou já metê-lo na cadeia”, mas depois lembra-se que não pode pensar assim, não foi isso que lhe ensinaram, é tudo inocente até prova em contrário. E então, já neste espírito mais equilibrado, concede ao acusado, entre outras coisas, oportunidade de defesa, coisa que lhe estaria naturalmente vedada caso o princípio fosse da presunção da culpa.
A presunção de inocência é, portanto, dos princípios mais belos da Justiça. Tão belo que devia ser usado mais vezes. Ou melhor, vivido. Porque usado ele até é, nem que seja na própria tramitação do processo. Sucede que, de vez em quando, o meritíssimo já leva a sentença de casa, mas até neste caso devemos ter o dever de presumir que é só para poupar tempo à Justiça.
Bom, mas se não formos julgar ninguém, não precisamos de andar a presumir inocentes. Podemos perfeitamente formar juízos a partir de um conjunto de indícios, de relatos, de histórias, decisões, etc.. Ou até podemos formar juízos apenas com base na nossa intuição. Em alguns casos consegue-se ter uma convicção mais sólida, noutros temos consciência de que a margem de erro é grande e então acabamos também a presumir a inocência naturalmente.
Mas não estamos obrigados, por ordem nenhuma nem sequer a moral, a presumir inocências. Se a minha cadela olha para mim cabisbaixa e com o focinho cheio de terra, ao lado de um canteiro destruído, não sou obrigado a admitir a hipótese de ter sido um gato. E se o presidente da Junta desatou a fazer obras sem concurso e de repente é o mais rico do bairro, também não sou obrigado a admitir a hipótese de ter sido uma raspadinha.
O juiz, sim, tem de ouvir a bicha e o presidente da Junta, presumindo a inocência dos dois. Mas eu não. Eu acho os dois absolutamente culpados. Por isso um leva com o jornal e a outra tão cedo não vai correr para a praia. Se porventura se vier a provar que não tinham culpa nenhuma, então passo a votar nele e ela passa a dormir na minha cama.
Isto se o juiz também não aparecer, entretanto, cheio de terra e o segundo mais rico do bairro. Porque às vezes nem a própria Justiça se pode presumir inocente.