quarta-feira, dezembro 03, 2014

Histórias sempre muito bem contadas (e com finais felizes)

Hoje é a greve dos tripulantes de cabine da TAP, mas poderia ser qualquer outra. O formato utilizado pela comunicação social para noticiar greves é sempre o mesmo.

1. Um dia de incomodidades vivido por passageiros, entrevistados às dezenas para comover quem ouve e quem lê, é invariavelmente sobrevalorizado relativamente aos muitos dias do resto das vidas de quem usa a arma que ainda tem à mão, a greve, para fazer valer os seus direitos e tentar evitar que o amanhã continue a tornar-se mais feio do que o hoje - no  que toca, recorrendo ao exemplo do dia, a abusos na sobrecarga de horários de trabalho que violam a lei e a mães em amamentação às quais a administração põe a voar à noite, outro atropelo à lei tornada possível pela ineficácia de uma Justiça lenta. Quem são os bandidos?

2. A história é contada num registo de “os irresponsáveis que fizeram greve provocaram prejuízos à entidade patronal de um número gordo de milhões” em vez de “a ganância da administração preferiu que a empresa perdesse o tal número gordo de milhões a recuar na sua intenção de avançar sobre a qualidade de vida e as condições de trabalho dos que tentam travar essa ofensiva, à qual a administração atribui um valor muito superior no longo prazo”. Quem são os bandidos?

3. No caso da greve de hoje, a sua convocação deve-se ao incumprimento do Acordo de Empresa,denunciado unilateralmente pela administração da TAP. Em todas as peças noticiosas existe uma omissão cuja ingenuidade deixo à avaliação de quem leia estas linhas, a da responsabilidade quer desse Governo “de esquerda” que, em Abril de 2008, introduziu na legislação laboral portuguesa a cláusula da caducidade das convenções colectivas ao fim de 10 anos na ausência de acordo entre entidade patronal e representantes dos trabalhadores na sua revisão, quer a do Governo de direita que lhe sucedeu, que aproveitou a porta que o antecessor lhe deixou aberta para progressivamente reduzir esse prazo até aos 3 anos, quer ainda o dessa espécie de sindicato que assina qualquer porcaria que lhe ponham à frente. Quem são os bandidos?

Nas histórias de índios e cow-boys , que também se contavam ao contrário, os bandidos eram sempre os que atacavam para se apropriarem do que não era seu, nunca os que se limitavam a defender-se. Desunidos, divididos em tribos que guerreavam entre si, os índios acabaram dizimados.