quinta-feira, dezembro 18, 2014

Ensaio em Louvor da Nudez

7. Da nudez poética

Com a possível excepção de algumas seitas protestantes norte-americanas, nenhum cristão estará à espera de se apresentar perante Deus, no Dia do Juízo Final, de saia e casaco ou de fato e gravata. Muito menos eu, que não sou cristão e não levo à letra o Apocalipse. Se me alongo pelas regiões do sagrado é para chegar ao poético. Muitos poetas diriam, com efeito, que não só o poético é sagrado, mas também o sagrado é poético; e muitos ateus dirão, como eu, que é pelo sentimento do sagrado que se chega à criação - à poiesisE também que só pelo sagrado e pela poesia - no sentido mais amplo da palavra, que abrange a criação artística e a intuição filosófica - é hoje possível chegar a uma região a que podemos, tentativamente, chamar "verdade". Não se trata aqui da verdade factual - no âmbito dos juízos de facto contentamo-nos hoje, e bem, com a validade. Não era à verdade dos factos, porém, mas à da ficção, que Eça de Queirós se referia quando se propôs cobrir-lhe a nudez forte com o manto diáfano da fantasia; e não é a resposta autoritária, mas a pergunta desarmada, que Montaigne tem em mente quando deseja apresentar-se nu perante o leitor.

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