quinta-feira, dezembro 18, 2014

MEGAPAÍS

Os portugueses estão sempre a queixar-se mas não sabem a sorte que têm em viver num megapaís. E não me refiro naturalmente à extensão territorial, mesmo contando com a plataforma continental, cujas fronteiras hão-de ser também da responsabilidade do contabilista do BES, pois ficámos maiores do que a Rússia.
Quando falo em megapaís estou a pensar mais concretamente naquilo que fazemos enquanto colectividade, que é sempre tudo em grande.
Por exemplo, ontem soube-se de uma megaoperação das Finanças para apanhar empresas que andam a aldrabar no stock. São dez mil fiscais na rua, cuidado. As Finanças não podiam andar normal e assiduamente em cima das empresas, porque isso era muito mesquinho. Assim é muito mais grandioso. Uma megaoperação. Pimba. É imaginar tudo a correr para os armazéns. O Simplício vai a correr para a sapataria, para chegar antes dos fiscais, pois tem pelo menos uma centena de pares de sapatos em stock que onde é que eles já vão.
Assim é, de facto, mais excitante. Até porque ninguém dorme. Por exemplo, são neste preciso momento 23 horas e 59 minutos. Numa situação normal, já estaria uma parte significativa do país a dormir, mas está tudo de olho aberto, a pensar na megaoperação de amanhã. Será o quê, desta vez? É porque esta dos stocks ninguém estava à espera. Será que amanhã vão ver a validade dos extintores?
Extintores até pode ser uma coisa sem importância, pelo menos quando comparados com fraude fiscal, mas já ninguém sabe em quanto é que vai a coima, porque as coimas num megapaís também são megacoimas. Veja-se o exemplo de pessoas que não pagaram uns cêntimos de portagens e que agora levam com coimas das Finanças de cem euros. E se quiserem contestar em Tribunal têm de apostar pelo menos trezentos, que podem perder, basta o senhor doutor juiz ter uma mão mais alta.
Por isso, não me admirava que já se tentasse ficar com os lucros dos últimos três anos de uma empresa só porque tem um extintor fora de validade desde há uma semana. Acho isso perfeitamente possível neste megapaís e a verdade é que os extintores são para ter em dia. A empresa, aliás, só se andava a encher porque não renovava os extintores.
Mas os alvos não são só as empresas. O particular também é megafeliz no seu megapaís. Nomeadamente quando se sabe que a Segurança Social começou a enviar cartas ou e-mails. Pronto. Megaenvio de correspondência. Fica tudo agarrado às caixas de correio para ver o que é que desta vez pretendem cortar ou de volta. Sim, porque o pedir de volta também está muito em voga. “Pedir” é como quem diz, porque já chega a ser só tirar de volta, sem avisar. Num megapaís pode-se, porque o beneficiário da Segurança Social vai fazer o quê contra um megapaís? Até fica com medo que lhe peçam mais qualquer coisa.
Não podia ser uma relação normal e estável entre cidadãos e administração pública, não. Tem de ser sempre em grande: Segurança Social começou a enviar cartas. Pimba. Fica tudo gelado, em silêncio. As pernas tremem.
É um megapaís, tem de ser mesmo assim. E ninguém está a salvo. Nem os mais poderosos. A alta finança, por exemplo, sempre em grande, a crescer, imparável, quando de repente, megaburaco, tudo à vida em 48 horas. No poder político, corrupção instalada a diversos níveis, durante décadas. Tudo muito calmo, tudo a ser arquivado e destruído, quando de repente, em quinze dias vai metade do Estado para a cadeia e a outra metade fica à espera.
É um megapaís, pronto. Não pensamos pequeno. Não somos mesquinhos. É sempre tudo mega.