Também eu, que venho acompanhando o fenómeno e me identifico com quase tudo o que propõe o Podemos espanhol, torci o nariz àquele "não somos nem de direita, nem de esquerda". Por maior sintonia que sinta por um conjunto mais ou menos numeroso de propostas, sem esse fio condutor que as ligue que é a ideologia, aquilo com que concordo à partida rapidamente resvala para os terrenos movediços desse populismo que, por mero tacticismo, primeiro diz às pessoas aquilo que elas querem ouvir para a seguir se esvaziar numa amálgama de incoerências impossíveis de sustentar.
Mas afinal que mal tem dizer às pessoas aquilo que elas querem ouvir sem cair na incoerência e sem embalar em demagogias baratas? Acabo de ler a entrevista que Pablo Iglesias deu ao esquerda.net e a questão colocou-se-me juntamente com outras. Acaso os poderosos não o fazem também? Acaso as direitas não abusam de simplificações, que ainda por cima distorcem a realidade, para tornarem o seu produto pronto a comer? Acaso não exploram os anti-corpos que vão semeando, o "não pode ser porque isso é irrealismo" que nos rouba os sonhos, o "os radicais de esquerda" e "os comunistas que comem criancinhas ao pequeno-almoço" que empurram tanta gente para o abstencionismo que se resigna ao mau com medo que possa ser ainda pior? Se quiser ser poder, por uma questão de coerência e não de mero populismo, a esquerda não pode ser escrava dos seus símbolos. E o Podemos, porque quer ser poder, não está disposto a juntar às suas propostas símbolos que afastem em vez de atraírem. Realmente, faz sentido. Os símbolos não têm que vir no pacote. A esquerda não deixa de o ser se simplificar o discurso e se reformular a forma como comunica as suas ideias. "Laicização", é sobre isto que fala Pablo Iglésias nos excertos da entrevista que abaixo republico. Está a resultar. O Podemos soma e segue nas intenções de voto dos espanhóis. Os poderosos deixaram de dormir descansados.