sexta-feira, janeiro 09, 2015

Os senhores terroristas

A reintrodução da pena de morte em França, a limitação da liberdade de culto, a possibilidade de retirar a nacionalidade, o recurso à tortura em casos de alegado terrorismo, controlo apertado de entradas e saídas  de pessoas nas fronteiras. Quem não consiga perceber que uma praga de formigas não se combate com metralhadoras e que não é nada boa ideia tentar apagar um incêndio regando-o com gasolina ter-se-á encantado com a reacção mais que previsível de Marine Le Pen à tragédia de ontem. Quem conceba um mundo onde o terrorismo “bom” move um combate sem tréguas a um terrorismo “mau”, “bom por ser o seu, “mau” por ser o dos outros, aprovará o fundamentalismo do mesmo sinal do da senhora Le Pen que reagiu ao crime de ontem com outro crime, atacando locais de culto em váriaslocalidades francesas. Os apologistas do terrorismo de Estado estarão dispostos a abdicar de qualquer direito, liberdade ou garantia em nome do tal combate ao terrorismo islâmico e aprovarão a importação pelo Governo francês da prática de crimes contra a humanidade dos Estados Unidos e de Israel, comprovadamente tolerados pela maioria dos europeus.

Tudo isto para sublinhar a rapidez com que, enquanto uma esquerda  desunida e desorganizada chora a morte dos seus ensaiando discursos contra um atentado contra a liberdade de imprensa e a liberdade de expressão, as direitas, organizadas, se mobilizaram para se servirem do massacre de ontem para capitalizarem apoios limitando-o à sua dimensão criminal e distorcendo-o   na sua dimensão étnica. E não foi apenas um crime nem foi apenas um ataque às liberdades atrás citadas. O terrorismo, quer o islâmico, quer aquele que é fomentado pela senhora Le Pen, nasce da segregação social, da falta de oportunidades, do desemprego, da pobreza, da falta de instrução e de Cultura que geram a incapacidade de percepcionar muito mais do que a simplificação de um mundo em que apenas existe um “nós”e um “eles” que se confrontam numa disputa da qual, tal como a restante comunidade, sempre saem a perder. E então quem ganha?
Vamos até à Grécia. Os gregos decidirão no final deste mês se querem continuar a deixar-se empobrecer para fortuna de uma estrita minoria que tem beneficiado da venda ao desbarato de tudo o que é público. O responsável máximo do Governo corrupto que lhes tem dado cabo das vidas é Antonis Samaras, simultaneamente o candidato da troika que tem servido à revelia do interesse nacional do seu país. Também comentou o atentado de Paris num comício da campanha eleitoral. Grande patriota. “Hoje em Paris, houve um massacre com pelo menos doze mortos. E aqui alguns encorajam mais a imigração ilegal e prometem a naturalização. (...) O Syriza está noutro planeta, quer dar a nacionalidade massivamente, o acesso a cuidados de saúde e apoio social a todos os imigrantes ilegais”. O discurso é em tudo igual ao de Marine Le Pen. A irresponsabilidade e o interesse em alimentar clivagens sociais para chegar ao poder também. E note-se bem que, lá como cá, quem enriqueceu com a austeridade selectiva – terrorismo social – é uma pequena minoria sem expressão para garantir uma vitória eleitoral. O candidato da troika dirigia-se àqueles a quem o seu terrorismo de Estado tudo roubou. Ele sabe, os senhores terroristas sabem, que Se o poder para prosseguir o saque ao país lhe for devolvido será com o voto dos pobres. E que o voto dos pobres se conquista empregando a linguagem do medo.