Uma das teses mais controversas do filósofo italiano Giorgio
Agamben é a de que o campo, que o poder nazi construiu para realizar o seu
programa de extermínio de uma vasta população que ele classificou como inferior
e nociva, é o novo nomos biopolítico do planeta ou, como ele também diz, “o
paradigma biopolítico da modernidade”. Regressando alguns anos mais tarde a
esta questão, e respondendo aos seus críticos que não concebiam a existência de
uma contiguidade entre as modernas democracias e os Estados totalitários,
Agamben explicou que não se quis situar no plano do conhecimento histórico, mas
ao nível do pensar por paradigmas. Tratar um fenómeno histórico como paradigma
– mesmo tratando-se do Holocausto, geralmente definido como unicum na História
– é construir e tornar inteligível, através de uma forma de conhecimento
analógico, uma problemática histórica mais vasta. Aquilo que então pareceu tão
controverso ganhou entretanto um carácter de evidência e, mais uma vez, ficou
provado que só consegue decifrar com nitidez a realidade quem a vê a partir dos
seus extremos. A Grécia é hoje um caso limite de experimentação biopolítica, um
país inteiro tornou-se uma forma derivada dos campos, um lugar habitado não já
por um povo ou por uma sociedade histórica, mas por uma mera população
supérflua. Desapossados de toda a soberania e coagidos a erradicar a política
como instância de mediação entre a economia e o social, os gregos estão
reduzidos a um projecto de experimentação dos princípios económicos de um
biopoder que delimita e designa populações – e segmentos de populações –
suspeitas, inúteis e supérfluas. Em termos técnicos, trata-se de induzir uma
desvalorização interna da população grega, já que não é possível uma
desvalorização da moeda, com objectivos sanitários: trata-se de curar um país,
de lhe mostrar que o remédio está no mal. O eixo estratégico do biopoder reside
agora no corpo múltiplo de um organismo transindividual – um país, uma nação,
um povo – como alvo de tecnologias disciplinares. Todos aqueles que, por cá,
dizem que “nós não somos a Grécia” ou são ignorantes ou apenas querem esconder
o que estamos a caminho de ser: porque a Grécia não é um “caso” excepcional, é
um paradigma e um laboratório. Nela podemos ver a antecipação e a forma extrema
(isto é, aquela onde uma realidade ainda imprecisa se revela) da reconfiguração
em marcha das sociedades ocidentais, onde já se começou a passar ao acto e a
planificar a eliminação lenta, discreta e politicamente correcta dos
supranumerários, cuja existência faz ascender ao vermelho as somas necessárias
para manter os dispositivos de protecção. Velhos, reformados, doentes crónicos,
deficientes, desempregados dificilmente recicláveis, imigrantes, segmentos da
juventude não qualificada: todos eles representam heterogeneidades parasitárias
que não podem ter lugar no quadro ideal de crescimento e produção de riqueza
exigidos pelo capitalismo ultra-liberal. Impõe-se, por isso, a sua eliminação.
É o que está a acontecer, aqui e agora, diante dos nossos olhos: o campo como
paradigma biopolítico, com as suas práticas de eliminação subtil, está em
expansão acelerada; e da sorte funesta reservada às existências que são como
empecilhos começamos a ter testemunhos cada vez mais frequentes. Até os mais
distraídos já perceberam que é só uma questão de tempo para chegar a sua vez. E
os que não forem eliminados servirão para alimentar uma regressão organizada às
claras a formas de exploração que têm muitas afinidades com as que alimentaram
a expansão do capitalismo no século XIX.