quinta-feira, fevereiro 05, 2015

Custe o que custar (morram quantos morrerem)

A Primavera de uma ínfima minoria e o Inverno imposto à restante maioria para fazer o Sol aquecer os dias aos primeiros, continuação. Comecemos pelo Inverno rigoroso. A soberania e o interesse público que se encolhem para se prostituírem a interesses privados andam há mais de um ano a conversar sobre qual dos dois é que manda em Portugal na fixação do preço de um medicamento inovador que cura 95% dos casos de hepatite C, incluindo os mais graves, e que custa 41 mil euros porque uma das partes manda tudo e a outra a deixa mandar. Perdurando como perdura o impasse, dado ser a hepatite C uma doença mortal, a primeira morte que a mais elementar afirmação de soberania se encarregaria de evitar aconteceria mais cedo ou mais tarde.Já aconteceu. Chegou ao conhecimento público hoje, no mesmo dia em que do lado da Primavera nos chegaram notícias sobre o excelente Janeiro que tiveram as vendas de automóveis de luxo em Portugal: um Ferrari, dois Maserati, 29 Jaguar e 38 Porsche, as duas últimas marcas quase duplicaram as vendas.
E não me venham cá com músicas aprendidas de ouvido que não é nem populismo nem demagogia coisíssima nenhuma relacionar o Inverno dos que hoje morrem por falta de um medicamento que felizmente até existe ou amontoados em macas nos corredores dos nossos hospitais por falta de camas com a Primavera deste desafogo indecoroso. O crescimento nunca visto do número de milionários destes últimos anos fez-se com os impostos sobre as suas fortunas que continuaram a não ter que pagar, com os impostos sobre lucros que puderam deixar de pagar deslocalizando as sedes das suas empresas para a Holanda ou o Luxemburgo e com os salários encolhidos de todas as formas e maneiras para que os compradores de Ferrari enriquecessem o mais possível e regiamente sobrecarregados por forma a compensar as suas borlas fiscais. 
Com os impostos desviados dos serviços públicos para o pagamento de uma dívida impagável, com a massa salarial reduzida ainda pelo efeito do desemprego gerado por esta austeridade que concentra a riqueza numa elite à prova de crise e com receitas fiscais que directa ou indirectamente dependem em cerca de 80% dos rendimentos do trabalho, não podiam compensar. Desta forma, porque é quem tem cada vez menos dinheiro para viver e não quem tem cada vez mais que paga os serviços públicos, hoje há gente a morrer por falta de assistência médica no local destinado a obtê-la, cresce o número de doenças diagnosticadas em fase terminal nas urgências dos hospitais por terem desaparecido os rastreios que as detectavam numa fase precoce, a dívida pública que justificou os cortes na Saúde aumentou uma brutalidade ao invés de se reduzir por pouco que fosse e temos ricos com dinheiro para comprar Ferrari.
Preconceito ideológico? Obviamente que sim. E nada contra a existência de ricos, mas tudo contra o como enriquecem à sombra desse preconceito que nos impõe o Inverno que lhes vai garantindo Primaveras cada vez melhores. Morram quantos morrerem. “Custe o que custar”.