sexta-feira, fevereiro 20, 2015

Magia grega

Nem a pobreza e a desesperança que varrem o seu país, nem mesmo os reparos severos que ouviu da mesma boca há um par de semanas fizeram Maria Luís Albuquerque sentir a sua dignidade insultada quando, ontem, o ministro das Finanças alemão, Wolfgang Schäuble, num golpe de magia grega, transformou as anteriores críticas em elogios ao dizer que Portugal, a par da Irlanda, “é a melhor prova" de que os programas de ajustamento funcionam, uma tirada que se traduz "em Portugal e na Irlanda fazemos o que queremos e eles não se queixam".

Não tiveram que esperar muito. A mesma magia grega encarregou-se de retratar patrão e criada pouco tempo depois. Quem os envergonhou foi alguém de quem se esperava tudo menos dizer que pode parecer estúpido ser eu a dizê-lo, mas ""pecámos[nós, troika] contra a dignidade dos cidadãos da Grécia, de Portugal e também da Irlanda": nada mais, nada menos do que o Presidente da Comissão Europeia  e não à mesa do café, perante o Comité Económico e Social.

E, mais magia grega, lembrar-se-ão dos opinadores de serviço que inundaram o espaço mediático nacional com críticas à recusa de Francisco Louçã e Jerónimo de Sousa à reunião com os mangas de alpaca da troika.   Pois Jean-Claude Juncker também referiu que não se põem funcionários a falar à mesma mesa com dirigentes políticos, a dignidade exige que sejam ou ministros ou comissários. É animador verificar como a História se vaie encarregando de colocar no seu devido lugar todos os personagens desta tragédia tão irresponsavelmente consentida mas ainda inacabada.

Porém, o que se vê também e com uma nitidez cada vez maior é que Europa afunda e, péssimo sinal, os primeiros ratos começam a bater em retirada antes de afundar de vez. Não foi à toa que Jean-Claude Juncker, que tem informação privilegiada, se posicionou – também o fez – a favor da revisão do funcionamento das instituições europeias. Amanhã saberemos o resultado final do "ou se humilham e aceitam, ou rua" do ultimato alemão à Grécia. Juncker não falou nem por comiseração por gregos e portugueses, nem para envergonhar aliados da sua causa de sempre. O que quis deixar bem vincado foi um "eu bem avisei", nem ele sabe bem do quê. As consequências da irresponsabilidade europeia na condução das negociações com a Grécia são imprevisíveis. O único dado adquirido é que nada será como foi até aqui. O fim da paz podre devemo-lo aos gregos.