terça-feira, março 03, 2015

Aí está a depressão pós-parto do papá


Cá está. Chegou a depressão pós-parto do pai. Ouvi esta manhã um pedopsiquiatra afirmar que temos de começar a tratar da depressão pós-parto do pai. Precisei de alguns segundos para perceber se não se tratava literalmente de uma depressão pós-parto do pai, ou seja, uma depressão que atinge o pai logo após dar à luz, porque a evolução é tão infrene que não conseguimos saber se as maternidades não estão já cheias de homens de perna aberta a fazer força e a chamar nomes a tudo o que passa.
Parece que não. Trata-se da depressão pós-parto do pai mas ainda são as senhoras que concebem e dão à luz. Mas então, em que momento da história da Humanidade é que ter filhos passou a ser uma chatice tão grande? É que fica tudo deprimido. A mãe, o pai, o gato, o cão, a empregada, até o senhor da tvcabo quando entra lá em casa e vê o fedelho só lhe apetece fugir.
Sempre se disse que quem tem filhos tem cadilhos, mas isso era quando ainda sabíamos alguma coisa. Hoje, chama-se depressão. Quem tem filhos já não tem cadilhos, agora tem uma depressão. Mas calma, pois parece que já se está a debater o problema.
Esta manhã, o pedopsiquiatra explicava, para abordar a depressão pós-parto do pai, que um bebé ocupa muito espaço numa relação. É curioso tratar um bebé como se fosse um piano de cauda e a relação dos pais como se fosse um imóvel, mas a verdade é que uma criança é uma grande transformação. Sucede que eles já deviam saber disso. Julgo que ninguém pode acordar um dia e queixar-se de que não foi avisado que a coisinha precisa de arrotar, faz muito cocó, bolça, berra, geme, tem de dormir de lado, não, espera, é de barriga para cima, mas tem de se dar uma inclinação, mas não muita porque se não o bebé cai para a frente.
Às vezes parece que os filhos são como um electrodoméstico que comprámos com imenso carinho mas chegamos a casa e não funciona ou não cabe. Esta será a chamada depressão pós-consumo. Com os filhos também é uma alegria enorme toda a gestação, comprar um carro maior, o quartinho, a roupinha, mas quando o estafermo chega finalmente a casa, ninguém mais pode dormir descansado, já não se pode sair à noite, a criança também saiu mais cagada e torta do que era suposto, pois pensávamos que nascia logo como os bebés das embalagens das papas, por outro lado tínhamos uma bela mulher agora temos uma bela mulher sempre com a teta de fora, enfim, uma lista enorme de consequências que podem eventualmente desagradar um indivíduo, mas que não é depressão alguma. É mesmo assim. São cadilhos. Quem tem filhos tem cadilhos.
E se não passa, então não será preciso logo um pedopsiquiatra, pode experimentar-se um par de estalos. Salvo excepções como as de pessoas que sofrem de verdadeiros distúrbios que podem manifestar-se com maior gravidade em momentos de elevada sensibilidade como é o nascimento de uma criança, a maioria das depressões tratam-se com dois berros. O que os papás e os futuros papás precisam de ter presente é que são papás ou vão sê-lo. Já não cidadãos livres. Por isso, talvez seja preciso, para além de limpar cocó e ouvir uma cabra com cólicas a noite toda, pôr um pouco de lado a carreira, outras preocupações menos preocupantes, os blogues, o facebook, os grupos do whatsapp, e tantas outras coisas que nos obrigam a estar permanentemente online. É que nós achamos as crianças um bocado chatas, sobretudo quando nos pedem atenção, mas quando o telefone faz um “plim”, corremos feitos estúpidos para ver o que é. Com o telefone ninguém grita. “Espera! Tem calma! Já vou, ok!?” – claro que nunca se diz isto a um telefone, não vá ele também ficar em deprimido.
Ora, é claro que se fica um bocado em baixo quando se tem tanta coisa importante para fazer e ainda fomos fazer mais uma criança. Porra. Ninguém aguenta. Mas o melhor será então desligar algumas coisas e ser um bocado mais cão. Creio que era sobre “ser mais cão” que versava um dos mais recentes vídeos virais da internet. Pois bem, é isso mesmo. Se formos um bocado mais cão e corrermos mais atrás da bola, se rebolarmos mais no chão – e não vale ver antes se o chão está limpo porque um cão não faz isso – talvez andemos menos deprimidos. Com as crianças, sobretudo. Porque eu admito que um casal mais jovem, sem filhos, a correr atrás de uma bola e a rebolar no chão também pode ser preocupante.
Aquilo que não me parece aceitável é termos chegados a este ponto em que os especialistas nos lembram que os bebés ocupam muito espaço numa relação e por isso é que os papás andam tristes, mas está tudo bem porque o pedopsiquiatra vai arranjar um anexo. Não, eu não sou especialista, mas diria que, não obstante as transformações que as crianças provocam, não são elas que ocupam espaço nas relações, pois na maioria dos casos até é o espaço delas que é ocupado. E não é por bebés. É por elefantes.