terça-feira, março 03, 2015

Nós e os monstros


Se há conflitos em que nenhum dos lados defende causas e valores daqueles pelos quais vale a pena lutar, a guerra que vai matando gente no Leste da Ucrânia é um deles. Também por isso tenho evitado escrever sobre ele. Para dizer o óbvio, que a União Europeia envergonha os europeus ao assumir o papel de peão dos Estados Unidos que apoia declaradamente um dos lados, aborrece-me. Para escalpelizar detalhadamente as razões que fazem cada um dos lados pegar em armas, sairia uma coisa longa e enfadonha que não acrescentaria nada ao que outros escreveram muito melhor do que eu alguma vez conseguiria. E não será hoje que o farei. Pego no tema de raspão, apenas para sublinhar o simulacro de condenação consternada que mereceu a execução do líder da oposição russa pelas mesmas bocas e pelas mesmas mãos que há tão pouco tempo se desdobravam em elogios a um Vladimir Putin cujo regime já então sobrevivia à sombra de fraudes eleitorais sucessivas e afastava opositores prendendo-os e roubando-lhes a vida. Esta Europa que hoje pede a cabeça dos assassinos de Boris Nemtsov é a mesma que se calou aos assassinatos de Farid Babáev e Aleksander Litvinenko quando se sentava com Putin do mesmo lado da mesa da divisão internacional da riqueza. A grande imprensa que em 2007 fazia do assassino de estimação dos seus proprietários a sua personalidade do ano é a mesma que hoje, já com os nazis ucranianos a ocuparem o lugar que era seu, o crucifica ao mesmo tempo que se cala a barbaridades como a licença para atirar sobre desertores que oParlamento ucraniano concedeu ao seu exército de recrutados à força. Nós e os monstros. O monstro russo, o monstro ucraniano e o monstro europeu. Estamos nas mãos deste último e da imprensa que tem ao seu serviço para nos embalar ao colo dos três.

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