quinta-feira, março 26, 2015

Dívida Pública: alguém tem que abrir “a porta da prisão”

Balzac, na sua sátira burlesca às dívidas – A arte de pagar as suas dívidas e de satisfazer os credores sem gastar um cêntimo – explica que «entre os credores que se podem ter, encontram-se sempre alguns sensíveis e bondosos que acabam por se afeiçoar ao devedor». O salário dos Portugueses é hoje este devedor afetuoso que o credor, como numa recreação de poltrões, ameaça denunciar num escândalo público mas ao mesmo tempo entrega um grosso maço de notas por debaixo da mesa para garantir que o devedor fica a ele ligado. Porque a dívida pública não é para pagar, mas para garantir uma renda fixa de capital, dada por um juro, que é hoje um cordão umbilical entre os fundos públicos e as empresas descapitalizadas, fenómeno que se tornou mais claro com a crise de 2008. Para o fazer, procuraram-se políticas que aumentem a produtividade baixando o custo unitário do trabalho e mercantilizam-se os serviços públicos, entre eles o Estado Social e, dentro deste, a Segurança Social.
«Sem o dinheiro da troika não haveria como pagar salários e pensões da função pública…» No entanto, sabemos que o dinheiro está proibido de ser usado para pagar salários. Ele é para pagar juros da dívida pública e recapitalizar a banca. É verdade que os juros da dívida pública antes da intervenção da troika chegaram a valores insuportáveis. Insuportáveis porque se caminhava para a iminência de um calote puro e simples, ou seja, a banca e demais rentistas detentores desses títulos estiveram na iminência de ter uma mão cheia de nada. A intervenção da troikagarantiu que esses títulos fossem trocados – o Estado operou a troca dos anteriores títulos classificados como lixo por novos títulos bem classificados e com garantias dos Estados membros. Daí a menor taxa de juros. O diferencial entre os juros antes e depois do empréstimo foi coberto com um aumento brutal no volume da dívida, que cresceu num passe de mágica cerca de 30%. E esse crescimento extra passou a ser garantido com os salários directos, indirectos (serviços públicos) e pensões dos trabalhadores – os únicos que valiam realmente depois do colapso financeiro de 2007/08. A percepção tanto do governo como datroika era correcta. Não havia outra alternativa para garantir as rendas do capital senão erodir com uma determinação sem precedentes os salários dos trabalhadores e as pensões dos reformados porque… alguém tinha de pagar a conta.
Qual era a alternativa real? Deixar queimar o capital privado. Qual seria o custo dessa saída alternativa? Seria alto, de certeza, mas não tão alto como o custo da saída a la troika.
O rumo que tomou a economia portuguesa nas últimas décadas tem fragilizado o seu tecido produtivo enquanto produtor de bens ou riqueza social. Todo o processo de favorecimento da rentabilidade do capital, privatizações e concessões (PPP) carrega em si mesmo pesados custos para o Estado, que resultam num incentivo a rendas fixas sem gastos/investimentos, ou seja, subsídios de facto para sabotarem a produção. Por outro lado, o custo dessa política de viabilização do lucro/renda acaba por, esse sim, mostrar-se irrealista e acima das possibilidades de toda uma nação que é essencialmente dependente do seu próprio trabalho.