quinta-feira, abril 02, 2015

Tratados, leituras e subterfúgios

Tanto o PS como o governo apostam em mendigar cedências que permitam escapar a um tratado que eles próprios aprovaram. É um bom exemplo de falta de coragem política.
Em 2012, presumivelmente na ânsia de demostrar responsabilidade orçamental perante a opinião pública - e assim validando implicitamente a leitura errada das raízes da crise proposta pela direita -, o Partido Socialista votou favoravelmente o Tratado Orçamental quando este foi levado à votação na Assembleia da República . É certo que o PS não acedeu então a viabilizar a consagração constitucional que a maioria PSD/CDS pretendia que a transposição do Tratado para o ordenamento jurídico português assumisse, forçando antes a opção pela figura da lei de valor reforçado. Mas não deixou de votar favoravelmente - e validar politicamente - o Tratado do qual já foi dito que ilegaliza o keynesianismo na Europa  e que constitui, no fundo, uma versão mais restritiva e punitiva do Pacto de Estabilidade e Crescimento (para além de um acto de vassalagem relativamente à Alemanha).
No essencial, o Tratado Orçamental institui a obrigação da austeridade para os países deficitários, a despeito da recessão em que estes possam encontrar-se e sem que sejam estabelecidas obrigações expansionistas simétricas para os países excedentários. É uma síntese perfeita de tudo o que está errado com a zona Euro: viés recessivo, ajustamento assimétrico entre devedores e credores, agenda de classe, restrição da margem de escolha política e tentativa vã de ocultar a inviabilidade fundamental sob sucessivas camadas de irreversibilidade. E é também um Tratado destinado a ser constantemente quebrado, dado o irrealismo das obrigações que impõe aos países deficitários (veja-se o historial de incumprimento desde a sua entrada em vigor ) - ainda que isso não o torne inofensivo, dada a forma como constrange os parâmetros do debate e das decisões políticas.