sábado, abril 18, 2015

Uma sexta-feira, à hora do telejornal da noite

Com a saída da Grécia da zona euro à vista, o debate sobre quem será o seguinte é inevitável. Mais tarde ou mais cedo, a nossa saída acabará por ocorrer. Para que tal aconteça, o povo português e algumas elites políticas da esquerda ainda têm de fazer a aprendizagem que a liderança do Syriza fez nos últimos dois meses: perder a ilusão de que a UE pode ser resgatada ao ordoliberalismo germânico.
Só com um governo apoiado maioritariamente no parlamento, e eleito com um programa que explicitamente considere a saída do euro como o caminho para a saída da crise, Portugal tem condições para tomar em mãos o seu destino. Sendo impraticável um referendo - criaria o caos no sistema financeiro através da fuga dos depósitos, como está à vista na Grécia - , uma das primeiras medidas do novo governo seria a introdução de um forte controlo dos movimentos de capitais, com supervisão apertada de um BdP com nova direcção. Para tanto, deverá obter previamente algum apoio técnico na Islândia, Chipre ou outro país com experiência prática nesse domínio. Quanto à execução das novas notas e moedas, a capacidade técnica para fazer a reconversão do fabrico de euros para novos escudos está disponível e deverá iniciar-se de imediato.
Assim, após algumas semanas de negociação dos detalhes em Bruxelas, numa sexta-feira, à hora do telejornal da noite, invocando o estado de emergência em que o país se encontra, o primeiro-ministro falará à nação para dizer aos portugueses que chegou a hora de recuperarmos a dignidade e a soberania. Avisará que a saída do euro implica custos transitórios, suportáveis, que terão de ser pagos sobretudo pelos que mais têm. A saída deve ser apresentada como condição necessária, mas não suficiente, para que o país tenha futuro. Nesse discurso, o primeiro-ministro mobilizará os cidadãos para uma estratégia de desenvolvimento, acompanhada de transformações institucionais que revitalizem a democracia portuguesa e concretizem os valores do preâmbulo da Constituição da República.
Mais ainda, informará o país de que nessa noite será aprovada e promulgada a legislação que institui o "novo escudo". Por isso, os contratos realizados sob legislação nacional passam automaticamente à nova moeda, o que inclui salários e pensões, depósitos, créditos bancários e a dívida pública e privada detida por não residentes que cumpra essa condição. A dívida pública às entidades da troika, contraída ao abrigo de legislação estrangeira, manter-se-á em euros e será renegociada criteriosamente. O país será informado de que estão garantidos empréstimos externos que cobrem as necessidades imediatas de divisas, mas será prevenido para a necessidade de um racionamento na importação de bens e serviços supérfluos. Anunciar-se-ão também dois dias de encerramento dos bancos para que procedam aos acertos informáticos exigidos pela mudança de moeda. Os que, neste processo, ficarem insolventes serão nacionalizados, pelo menos até que se proceda a uma grande reestruturação do sistema financeiro para o colocar ao serviço da economia.
O principal custo a suportar nos primeiros dois anos será a inflação. Para um conteúdo médio de 25% de importações no consumo das famílias, uma desvalorização de cerca de 30% da nova moeda poderá gerar uma inflação à volta dos 10%, numa estimativa grosseira. O governo anunciará a reposição nos salários públicos e pensões dos níveis anteriores à crise, a financiar pelo Banco de Portugal (BdP), e promoverá acordos de concertação social sobre rendimentos e preços no sector privado.
Finalmente, o primeiro-ministro anunciará um plano de criação de empregos socialmente úteis, com salários previamente fixados, a financiar por crédito do BdP e pela redução de despesas com subsídios de desemprego. As autarquias, em cooperação com instituições privadas, serão envolvidas no levantamento das necessidades a satisfazer. O governo assumirá um compromisso com o objectivo do pleno emprego para o país.
Caro leitor, se não gosta deste cenário, pode começar a imaginar um outro em que Portugal aceita tornar-se uma província pobre de uma Europa que a Alemanha, após duas derrotas trágicas, acabou por conquistar sem disparar um tiro.