terça-feira, junho 23, 2015

Gréxit: série "adiamentos por consenso"

Mais um impasse, mais berros e bocas, mais um adiamento. Também já não será hoje que haverá decisão. Não o que se lê em toda a parte, se a Grécia sai ou não do euro. O que poderia ser hoje decidido seria se a Grécia sairia do euro agora. Porque sairá sempre. Com as condições impostas pelos credores a dívida irá continuar a aumentar, quem fez as contas diz que para 200% do PIB nos próximos quatro anos, o PIB acumulará uma quebra de 40% no final dos mesmos quatro e as “reformas” requeridas pela tropa de Bruxelas voltarão a não servir para mais nada do que tornar o país ainda mais inviável à custa de sacrifícios humanos que já excederam largamente todos os limites da indecência.
A Grécia tem hoje quase metade da sua população (44%) a viver abaixo do limiar da pobreza e, pior ainda, sem condições para conseguir sair dessa situação. O desemprego jovem ultrapassa os 50%. Um terço da população não tem acesso a cuidados de saúde ou a qualquer protecção social. As pensões de reforma acumulam cortes de45%. Os salários encolheram 38%. Mais de 17% da população é incapaz de suprir as despesas com alimentação. A mortalidade infantil aumentou 40%. O que a troika de credores tem dito aos gregos é que se quiserem ficar no euro têm que continuar a permitir que esta calamidade aumente ainda mais. O que os Governos socialistas europeus lhes disseram com o seu silêncio foi que não estão para levar com a porta na cara em Bruxelas por causa deles. O que o Governo grego lhes tem dito, eesperemos que não ceda no essencial, é que finalmente existe um país na Europa que tem um Governo que representa os interesses do seu povo e que, como tal, negoceia em seu nome e não em nome do consenso europeu que até há cinco meses, com a Grécia nas mãos de capachos, estava perfeitamente à vontade para pôr os gregos a pagar com fome os negócios ruinosos que esse sindicato de moralistas foi promovendo para enriquecer os seus protegidos.
E o que todos eles nos mostram, não só aos gregos, a todos, sobretudo a nós portugueses e espanhóis, ambos com eleições marcadas para o final do ano, é que espécie de Europa é esta que arrisca fazer implodir a zona euro e desintegrar a própria UE ao insistir na imposição anti-democrática de uma solução com provas dadas de fracasso para a dívida de um país cuja economia não representa nem 2% do PIB europeu, uma Europa de mandantes e mandaretes que não abdicam de rentabilizar até onde lhes for possível os desequilíbrios macroeconómicos que eles mesmos se encarregaram de impor nos nossos países em seu proveito próprio e da agenda de reconfiguração social que mais lhes convém.
A Grécia abriu-nos as portas da esperança ao proporcionar-nos a nitidez de como o que nos resta é livrar-nos de uma vez por todas de todos eles. Sair do euro será mau e terá custos, permanecer no euro será pior ainda, fará aumentar todos os dias o preço a pagar para ficar. Mas obrigar um país a sair do euro também terá o seu preço a pagar por quem fica. Até aqui a narrativa que andaram a vender foi a de que o “Grexit” seria praticamente indolor para a grande Europa. A Grécia não cedeu e obrigou os valentões a mostrarem o que valem. Na hora de decidir, é ver como os adiamentos se sucedem e todos se encolhem – a senhora Merkel desapareceu das fotos de família – à espera que o tempo se encarregue de acabar de secar a liquidez que cortaram à Grécia. Nenhum se atreve a chegar-se à frente e arrisca ficar na História como o primeiro a assumir que o naufrágio europeu entrou na fase seguinte. Um dia teremos que explicar aos nossos netos como é que nos deixámos pilhar por cobardolas deste calibre.


Sem comentários: