"Il n'y a pas de littérature,il n'y a pas que des expérimentations".
DELEUZE - GUATTARI
É o poder que a obra literária tem de dizer e não a sua forma, que é fundamento do nosso encontro significativo com ela. O amor à obra não pode ser suscitado pelo prazer da pura forma.
Não é o intérprete que capta o significado do texto; o significado do texto é que possui o intérprete. Portanto ler uma obra não é adquirir conhecimento conceptual por meio da observação ou da reflexão; é uma experiência, uma ruptura e um alargamento do nosso antigo modo de ver as coisas.
Não foi o intérprete que manipulou a obra, pois esta mantém-se fixa; foi antes a obra que o marcou, mudando-o de tal modo que ele nunca mais pode recuperar a inocência que perdeu com a experiência.
1- Toda a Literatura é um acto provisório e apenas dura enquanto permanece o que no tempo ou em mim a condiciona.
Sobre o silêncio da página as palavras dispôem-se dentro da sua própria hierarquia. É aí que elas brilham definitivamente encerradas na sua natureza de signos. Nada significam, porém, presas a esse espaço em que apenas são objectos de um discurso que sob elas se oculta. Discurso inacabado, de sentido sempre iniciático, nunca totalmente entendido.
2- Só através da minha leitura as palavras de novo significam, me reenviam a um universo conhecido ou me aludem a outro de que essa mesma leitura poderá ser a possível demarcação.
Sem mim, sem o discurso paralelo que sobre elas eu farei incidir, as palavras não serão mais do que símbolos possíveis na expectativa de uma leitura que os ordene ou recomponha.
3- A leitura é assim, sobretudo, um gesto de interpretação descoberta da multiplicidade de sentidos que na "obra" se ocultam e relacionação desses sentidos com o espaço onde se significam e a que eles concedem também uma possível significação.
Sem a leitura, sem o comentário, a "obra" não existe a não ser como objecto. É no discurso interpretativo da crítica que ela reaparece como sujeito potencial. É nas múltiplas relações que entre si mesmos estabelecem estes dois tipos de discurso que a obra se relê e simultaneamente se abisma perante a sua própria impossibilidade.
4- Assim como a fala das coisas ou das outras "obras" poderão ter sido o sujeito da criação inicial (ela própria também, como é evidente, uma forma de leitura), é a "obra" acabada, a "obra" sempre a refazer-se através das múltiplas leituras que consente, o sujeito possível a que alude o discurso paralelo da crítica.
Se, como diz Foucault, a "obra" se nos revela, em todos os seus fragmentos, mesmos os mais minúsculos e os menos essenciais, como expressão de um pensamento, ou de uma experiência, da imaginação ou do inconsciente do seu "autor", ou ainda das determinações históricas em que ele se encontra envolvido, compete pois à crítica e definição e o esclarecimento desses diversos níveis de representação, de modo a inseri-los no complexo sistema de relacionações em que a "obra" fatalmente se acaba por articular.
5- É pois através da leitura que verdadeiramente se completa o processo de produção iniciado pela escrita.
Mas para aceder a essa compreensão terá a crítica de conhecer e definir esse largo espaço em que se insere o texto a analisar, qual o seu jogo de semelhanças e de diferenças, quais as suas regras de formação e funcionamento, qual a unidade que, enfim, sob isso não deixa por certo de se ocultar. Isto porque as margens de um livro se não reduzem apenas à frágil unidade com que ele nos aparece.
6- Essa unidade é quase sempre o resultado de um feixe de ligações que nos reenviam sempre a outras "obras", a outros textos, a outras frases, que o inserem na totalidade de um discurso, de uma cultura ou de um tempo.
E é precisamente nessa ligações, no jogo de diferenças que a "obra" aí institui, na articulação dos seus elementos com os outros elementos que a esse sistema organizam, que a sua significação verdadeiramente significa. Não existem obras em si - como alguma crítica supostamente considerada científica às vezes nos refere.
7- A "obra" é sempre o resultado de uma relação fundamental, o produto de um específico trabalho ( que é sobretudo um trabalho sobre a linguagem), com os seus modos de produção, os seu sistema de referências, mas que não deixa nunca de relacionar-se com as estruturas que organizam o campo social onde nasceu e sobre o qual ela irá com certeza exercer-se.
Nela se manifesta um modo de leitura que a própria escrita simultâneamente recobre e explicita. Nela se revela também um modo de fazer (e de pensar esse fazer) que a crítica, através de um outro discurso, de um outro tipo de leitura, intenta incessantemente pôr a claro.
DELEUZE - GUATTARI
É o poder que a obra literária tem de dizer e não a sua forma, que é fundamento do nosso encontro significativo com ela. O amor à obra não pode ser suscitado pelo prazer da pura forma.
Não é o intérprete que capta o significado do texto; o significado do texto é que possui o intérprete. Portanto ler uma obra não é adquirir conhecimento conceptual por meio da observação ou da reflexão; é uma experiência, uma ruptura e um alargamento do nosso antigo modo de ver as coisas.
Não foi o intérprete que manipulou a obra, pois esta mantém-se fixa; foi antes a obra que o marcou, mudando-o de tal modo que ele nunca mais pode recuperar a inocência que perdeu com a experiência.
1- Toda a Literatura é um acto provisório e apenas dura enquanto permanece o que no tempo ou em mim a condiciona.
Sobre o silêncio da página as palavras dispôem-se dentro da sua própria hierarquia. É aí que elas brilham definitivamente encerradas na sua natureza de signos. Nada significam, porém, presas a esse espaço em que apenas são objectos de um discurso que sob elas se oculta. Discurso inacabado, de sentido sempre iniciático, nunca totalmente entendido.
2- Só através da minha leitura as palavras de novo significam, me reenviam a um universo conhecido ou me aludem a outro de que essa mesma leitura poderá ser a possível demarcação.
Sem mim, sem o discurso paralelo que sobre elas eu farei incidir, as palavras não serão mais do que símbolos possíveis na expectativa de uma leitura que os ordene ou recomponha.
3- A leitura é assim, sobretudo, um gesto de interpretação descoberta da multiplicidade de sentidos que na "obra" se ocultam e relacionação desses sentidos com o espaço onde se significam e a que eles concedem também uma possível significação.
Sem a leitura, sem o comentário, a "obra" não existe a não ser como objecto. É no discurso interpretativo da crítica que ela reaparece como sujeito potencial. É nas múltiplas relações que entre si mesmos estabelecem estes dois tipos de discurso que a obra se relê e simultaneamente se abisma perante a sua própria impossibilidade.
4- Assim como a fala das coisas ou das outras "obras" poderão ter sido o sujeito da criação inicial (ela própria também, como é evidente, uma forma de leitura), é a "obra" acabada, a "obra" sempre a refazer-se através das múltiplas leituras que consente, o sujeito possível a que alude o discurso paralelo da crítica.
Se, como diz Foucault, a "obra" se nos revela, em todos os seus fragmentos, mesmos os mais minúsculos e os menos essenciais, como expressão de um pensamento, ou de uma experiência, da imaginação ou do inconsciente do seu "autor", ou ainda das determinações históricas em que ele se encontra envolvido, compete pois à crítica e definição e o esclarecimento desses diversos níveis de representação, de modo a inseri-los no complexo sistema de relacionações em que a "obra" fatalmente se acaba por articular.
5- É pois através da leitura que verdadeiramente se completa o processo de produção iniciado pela escrita.
Mas para aceder a essa compreensão terá a crítica de conhecer e definir esse largo espaço em que se insere o texto a analisar, qual o seu jogo de semelhanças e de diferenças, quais as suas regras de formação e funcionamento, qual a unidade que, enfim, sob isso não deixa por certo de se ocultar. Isto porque as margens de um livro se não reduzem apenas à frágil unidade com que ele nos aparece.
6- Essa unidade é quase sempre o resultado de um feixe de ligações que nos reenviam sempre a outras "obras", a outros textos, a outras frases, que o inserem na totalidade de um discurso, de uma cultura ou de um tempo.
E é precisamente nessa ligações, no jogo de diferenças que a "obra" aí institui, na articulação dos seus elementos com os outros elementos que a esse sistema organizam, que a sua significação verdadeiramente significa. Não existem obras em si - como alguma crítica supostamente considerada científica às vezes nos refere.
7- A "obra" é sempre o resultado de uma relação fundamental, o produto de um específico trabalho ( que é sobretudo um trabalho sobre a linguagem), com os seus modos de produção, os seu sistema de referências, mas que não deixa nunca de relacionar-se com as estruturas que organizam o campo social onde nasceu e sobre o qual ela irá com certeza exercer-se.
Nela se manifesta um modo de leitura que a própria escrita simultâneamente recobre e explicita. Nela se revela também um modo de fazer (e de pensar esse fazer) que a crítica, através de um outro discurso, de um outro tipo de leitura, intenta incessantemente pôr a claro.
Sem comentários:
Enviar um comentário