terça-feira, novembro 29, 2005

A TEORIA DAS CLASSES DE MARX E ENGELS E O DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO DO PENSAMENTO SOCIAL.

Tem sido dito que toda a sociologia moderna é um debate com o pensamento de Marx. Em muitos aspectos, esta afirmação écorrecta, e um elemento fundamental na sociologia de Marx é a função que atribui às classes sociais. Para ele, as classes são o motor do desenvolvimento social. Na verdade, de acordo com Marx, houve um período de comunismo primitivo, e haverá uma sociedade sem classes no futuro, mas a maior parte da história humana conhecida, tal como o declara o Manifesto Comunista nas suas palavras iniciais, tem sido a história da luta de classes. Mais concretamente, a luta de classes em si é apenas uma manifestação de transformação e de conflitos que são edémicos na sociedade. A sociedade está continuamente em desenvolvimento e os diferentes grupos de indivíduos têm interesses diferentes em jogo, que procuram promover e defender; os mais importantes desses grupos são aqueles que ocupam uma posição semelhante num sistema de produção-classes.
Porque ocupam posições diferentes no sistema produtivo, as classes entram em conflito umas com as outras. A classe que possui os meios de produção está apta a apossar-se do excedente e a manter as outras classes em posição de sujeição. Contudo, a classe explorada não resiste inevitavelmente, nem mesmo põe em questão o direito de classe dominante para governar. Nas fases iniciais de desenvolvimento de um novo sistema produtivo elas podem mesmo assegurar certos benefícios aliando-se com uma nova classe em ascensão que derruba uma classe dominante mais antiga e que se opunha a ambas.
Isto é, apesar da divisão da sociedade em classes que estão, pelo menos potencialmente, em conflito (na medida em que o excedente social produzido pelos camponeses ou pelos operários é apropriado pelos que possuem os meios de produção - terras, máquinas, capital), as classes antagónicas não estão, necessariamente, sempre em conflito aberto e directo. Os explorados, na verdade, nem sequer se tornam necessariamente conscientes de que são uma classe. Assim, em virtude da sua situação, os indivíduos podem estar "objectivamente" em conflito, se bem que subjectivamente lhes falta esta "consciência de classe".
Marx, seguindo a teoria económica clássica deveras ortodoxa, distinguiu três classes fundamentais, cada uma das quais era caracterizada na sua função dentro do sistema produtivo pelo "factor de produção" que controlava -os latifundiários, obviamente, por possuírem terras; os capitalistas ("burguesia") por possuírem capital; e os proletariados (classe operariada) por "possuirem" a sua força de trabalho. Para a economia clássica, cada uma destas classes era necessária e também uma componente economicamente criadora no processo produtivo, cada uma desempenhando uma actividade funcionalmente útil ao fornecer os "factores" necessários: terra, capital e trabalho. Contudo, Marx considerava as relações entre as classes não como sendo de complementaridade funcional e muito menos de harmonia, mas sim como relação de desigualdade social, de exploração económica e do domínio político dos operários pela burguesia. Assim, a retribuição ao capitalista pelo seu capital - lucro - e a retribuição ao latifundiário pelas suas terras - renda - eram de um tipo diferente do da retribuição obtida pelo operário pelo trabalho que efectuava. Efectivamente, o operário era o único destes três agentes económicos, que era um verdadeiro produtor. Mesmo o capital do capitalista não era uma coisa que ele tivesse produzido. Era simplesmente o resultado do trabalho anterior dos operários - produtores "congelado" ou incorporado sob a forma de capital. Na medida em que o trabalhador produzia mais do que aquilo que recebia em troca, sob a forma de salários, esta "mais valia" ia para o possuidor dos meios de produção. O capital do capitalista vinha inicialmente deste excedente extraído ao operário - e daí o conflito intrínseco entre eles. A classe explorada não era inevitavelmente revolucionária. Os operários industriais, ao defender os seus interesses lutando por aumentos de salários ou por melhores condições de trabalho, restringiam normalmente as suas reivindicações a questões estritamente económicas e limitavam as suas exigências ao seu emprego particular, ao seu estabelecimento, fábrica ou sector industrial. Não se associavam nem colaboravam expontaneamente com outros operários para formar organizações "da classe operária", nem mesmo para fins estritamente económicas. Muito menos se movimentariam, necessariamente, para além das questões económicas, enquadrando-as em questões políticas mais amplas. Podiam, assim, ter aquilo que Lenine viria a chamar mais tarde uma "consciência sindicalista", mas não uma "consciência política". Porém, os operários podiam até não chegar a possuir uma simples "consciência sindicalista" de si próprios como classe, especialmente quando trabalhavam em oficinas debaixo das ordens de um patrão que os controlava directa e pessoalmente, quer através de métodos repressivos quer recorrendo a métodos paternalistas. Podiam, assim, constituir uma classe na medida em que ocupavam uma situação comum num sistema produtivo, mas, muito embora o investigador pudesse ver que todos eles se encontravam nas mesmas condições e eram explorados de modo semelhante, e embora cada homem individualmente pudesse sentir ou mesmo compreender que estava a ser explorado, os operários não se consideravam como sendo, e muito menos como agindo em termos de classe. Eles eram, na definição clássica de Marx, uma "classe em si" mas ainda não uma "classe para si". À situação objectiva de uma posição comum no sistema de produção necessitava de ser acrescentada a consciência subjectiva de classe, ou seja, dos seus interesses comuns, antes de se poderem tornar uma classe em sentido estrito. A teoria de Marx não é, portanto, apenas um "determinismo económico", como se afirma vulgar e frequentemente, nem é sequer uma teoria "objectiva" das classes porque, para ele, uma classe nunca o poderia ser completamente sem esta interligação entre a consciência subjectiva dos operários e as suas condições de vida objectivas, a que chamava interligação "dialéctica". A consciência subjectiva para Marx não era, pois, uma consequência automática da exploração, mas sim algo que se desenvolve e emerge com o decorrer do tempo. Na verdade, os pobres têm sido muito passivos ao longo da história. A consciência de classe desenvolve-se, em parte, porque as facções antagónicas se digladiam e acabam por fazer alianças com grupos diferentes das diversas facções. Ficam a saber quem é o inimigo e quem é o amigo, mas apenas ao longo do processo de actuação na sociedade.
Todavia, os indivíduos também pensam, e alguns têm tempo e capacidade para o fazer de forma elaborada: a chefia política e intelectual é frequentemente garantida por "intelectuais" cujo papel é o de fomentar ideias, fazer análises, consciencializar e comunicar essas ideias aos outros.
Como vimos, para Marx, o poder económico dava aos ricos os recursos e o controle autoritário sobre os indivíduos, o que lhes permitia exercer também o poder político, pois que se a produção era uma actividade social fortemente cooperativa, a apropriação do excedente era um acto altamente anti-social, resultante da propriedade privada. Em consequência, cada classe de pessoas tendia a associar-se com aqueles com quem tinham afinidades e a ter o seu conjunto de ideias e a sua visão característica acerca do mundo em que viviam. As classes não eram, portanto, simplesmente um "fenómeno económico", mas tanbém social, penetrando em todas as áreas da vida social. Poder, riqueza, prestígio social e religioso, modos de vida culturalmente distintos, tendiam a estabelecer uma certa coesão e a formar um padrão diferente - "uma cultura de classe" - para cada classe social. Porém, o "peso" de cada um destes vários atributos não era igual, pois a posição de um indivíduo dentro de um sistema de produção era o factor que Marx considerava como o que fundamenta todas as suas restantes relações. O "modo de produção" numa sociedade - a maneira como essa sociedade organiza o trabalho e o capital, homens e instrumentos para produzir mercadorias - é o fundamental ou base sobre que se erguem todas as outras instituições importantes da vida social.
As principais instituições de uma sociedade reflectem os interesses da classe social dominante. Estas instituições estão em conformidade com os interesses daquela minoria que controla tanto a produção económica como a sociedade, ou pelo menos não os põem em perigo: por outras palavras, a complexa vida cultural da sociedade no seu conjunto assenta numa base económica.
Todas as restantes esferas da vida social - as ideias dominantes da época, a família, a religião, o direito -"reflectem" ou são moldadas pelas relações estabelecidas na produção - por exemplo, no direito, a importância do contrato reflecte a relação básica entre patrão e operário na sociedade capitalista - contrato segundo o qual o operário se compromete a trabalhar umas tantas horas e o patrão a pagar em troca um certo salário. A sua relação fora do trabalho não diz respeito legalmente a qualquer das partes; o patrão não tem qualquer responsabilidade pelo alojamento do seu operário, pela saúde dos seus filhos, etc. É uma relação económica na qual cada parte contratante aceita desempenhar certas tarefas, e não tem mais obrigações sociais para com a outra. O contraste entre esta estrutura de relações, simbolizada pelo contrato, que Marx pensou que tipificava a sociedade capitalista, na qual a única relação importante entre dois indivíduos era a relação estabelecida por aquilo a que ele chamava o "músculo monetário", e a estrutura de relações, por exemplo, na sociedade feudal, é muito nítido, pois numa sociedade feudal um indivíduo devia ao seu senhor uma longa série de obrigações sociais, e o senhor devia-lhe, em contrapartida, também vários serviços. As relações entre os dois não eram, pois, simplesmente uma relação económica unilateral, mas sim uma relação social muito mais ampla e que se pode mesmo considerar global, sendo não obstante uma relação de exploração. As relações legais do operário com o patrão, na sociedade capitalista, parecem, no entanto, definir-se entre duas partes formalmente iguais e que atingem livremente um acordo.
De facto, diz Marx, esta igualdade é falsa e a liberdade do operário ilusória. Formalmente, a lei parece tratar ambas as partes igualmente, porém isso é um engano. A lei funciona para proveito do poderoso, por vezes porque o operário está directamente privado de direitos legais (como quando os sindicatos são proíbidos) ou, mais indirectamente, porque o operário pode ser demitido em qualquer caso, ao passo que ele não pode, de modo semelhante, despedir ou punir o patrão. Apenas através da organização colectiva (sindicato, partido político) a posição do operário pode ser fortalecida; este fortalecimento do poder dos operários conduziria eventualmente à revolução. A revolução ocorreria nos países capitalistas mais desenvolvidos, onde a estrutura social da produção estava mais avançada, visto que milhares de operários cooperavam na produção de um produto, mas onde os patrões continuavam a apropriar-se do excedente segundo a lógica da propriedade privada. Em tais condições de produção "socializada", o apropriador privado era, claramente, um anacronismo, pelo que acabaria por ser banido, e o excedente posto à disposição de toda a sociedade; daqui decorre o termo "socialismo". Dali em diante, o sistema de produção dispensaria o capitalista e seria dirigido então pelos produtores efectivos no interesse geral de toda a sociedade.
Como fazemos notar, a teoria de Marx é essencialmente uma teoria do desenvolvimento. Ele considerou a história como uma sucessão de fases históricas, cada uma com as suas características próprias e com o seu modo de produção dominante: as fases antigas, asiática, feudal e capitalista, e - no futuro - a comunista. Em cada uma destas fases houve um período inicial no qual os proprietários dos recursos fundamentais (na época feudal, os proprietários da terra; na época capitalista, os proprietários do capital) foram agentes autênticos de expansão e progresso - desenvolvendo a produção até aos limites estabelecidos pelo estado da tecnologia. Contudo, mais tarde, quando a capacidade produtiva, de um dado sistema entra em contradição com os interesses dos proprietários, tornam-se agentes retrógrados. Esta contradição crescente entre o sistema de produção e as relações de produção não leva os dominadores a desistir facilmente da conservação do poder, do prestígio e da riqueza; resistirão à tentativa de os substituírem e têm de ser afastados pela violência revolucionária.
Para Marx, a relação entre o poder económico e o poder político era clara: os capitalistas não eram simplesmente uma classe proprietária, eram também uma classe dominante. O seu controle absoluto sobre o tipo fundamental da propriedade (o capital) era a base de controle da vida política da sociedade, quer existisse democracia parlamentar quer não.
Na medida em que o desenvolvimento tecnológico conduz àintensificação da concorrência, aqueles que detêm mais capital tendem a subir na hierarquia social. Como resultado, a burguesia diminui em número, e as classes intermédias - a pequena burguesia (isto é, os proprietários de pequenas fábricas e os pequenos comerciantes, retalhistas, etc.) e os membros de profissões liberais - apresentam uma mobilidade descendente, que os conduz tendencialmente à proletarização. A mesma espiral de concorrência aumenta o número e a miséria dos membros da classe operária. As diferenças de especialização entre as diferentes categorias de operários de que um sistema industrial desenvolvido necessita também diminuem; este processo leva a que um número cada vez maior de pessoas comece a perceber que existem interesses que lhes são comuns e a ser arrastado para a luta de classes. Descobrem também que não podem fazer progressos efectivos recorrendo a acções pessoais e isoladas. A compreensão do que é necessário fazer e da organização apropriada começam a aparecer, definindo uma teoria socialista "científica" e constituindo as organizações através das quais a luta de classes viria a ser levada às suas consequências. Portanto, Marx não era um simples determinista. No entanto, isso não significa que não haja elementos de determinismo no marxismo. Engels, procurou explicar, pelo menos em parte, o fracasso das revoluções de 1848, insistindo que processos económicos inexoráveis produziriam, em última análise, a queda do capitalismo, apesar daqueles reveses temporários. Ao mesmo tempo, Marx e Engels também responderam a este fracasso salientando a necessidade de organização e de direcção: a revolução não "aconteceria", teria sim de ser organizada cuidadosamente e seria necessário fazê-la acontecer quando as circunstâncias fossem propícias. O prof. Daniel de Sousa diz na página 34 da sua Introdução à Sociologia: "Marx (1818-1883) e Engels (1820-1895) desenvolvem o seu pensamento social, que tomou o nome de marxismo, não só a partir da sua análise do Iluminismo, principalmente do Enciclopedismo francês e dos acontecimentos da Revolução Francesa, mas sobretudo como crítica à filosofia alemã encabeçada por Engels, à economia política inglesa e ao socialismo utópico de França. Tal pensamento é essencial e deliberadamente revolucionário, mas a sua arma crítica necessitou penetrar tão profundamente e pormenorizadamente na natureza das coisas e no significado do homem que daí resultou uma teoria todo-inclusiva de orientação científica e filosófica que a partir de então passou a rodar àsua volta, quer para segui-la, quer para rejeitá-la, toda e qualquer manifestação de conhecimento humano". Comecei este trabalho com uma citação do prof. Daniel de Sousa e acabo-o com outra citação, acerca da importância do pensamento marxista para o estudo do pensamento social. Efectivamente a concepção marxista do social é uma teoria científica importante e deu um grande impulso para a constituição da ciência do social daí se justificando plenamente este trabalho.

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