Como Hegel, Proudhon pensa que existe no espírito como em todo o real um princípio dinâmico, uma espécie de alma motriz, graças a que tudo vive e tudo avança, tudo está em perpétua evolução:
O verdadeiro em todas as coisas, o real, o positivo, o praticável, é o que muda, ou pelo menos o que é susceptível de progresso, conciliação, transformação, enquanto que o falso, o ficticio, o impossível, o abstracto, é tudo o que se apresenta como fixo, inteiro, completo, inalterável, infalível, não susceptível de modificação, conversão, aumento ou diminuição infractário, por conseguinte, toda uma combinação superior, toda uma síntese 1 .
Mas lá cinge-se pouco a pouco a semelhança entre os nossos dois pensadores. A dialética na qual Proudhon procura dar conta deste movimento interno e reencontrar, a mimar por assim dizer o ritmo universal, não é nada a que Hegel descreveu e colocou na sua obra. A filosofia hegeliana é, saber-se, uma “vasta alquimia 2 ”, que se opera segundo um ritmo triadíco. O ser, que se procura, altera-se primeiramente no seu oposto (a tese opõe-se à sua própria anti-tese), para se reencontrar numa forma superior mais rica e mais concreta (Síntese), ela própria no princípio de um novo movimento análogo. Cada coisa à sua maneira encontra-se portanto uma vez completa, absorvida e ultrapassada, e sem deter o ser progressivo da espécie, até à síntese definitiva, que é realidade total e saber absoluto. É assim que Max tinha cumprido o seu mestre, no qual ele conservava a dialética repudiando toda a sua ontologia. Para ele também, “o que constitui o movimento dialético” é a luta de dois elementos contraditórios, até “à sua fusão numa categoria nova 3 ”.Ora, bastante deliberadamente, a dialética proudhoniana procede seguindo todas as outras vias. Ela separa-se eda dialética hegeliana em três pontos essenciais. Em primeiro lugar, enquanto que se produzem sucessivamente, só existem dois junto de Proudhon, mas em contra partida estes dois últimos termos mantém-se face a um do outro do princípio ao fim; ou seja, enquanto Hegel coloca a contradição para a “superar” em seguida, Proudhon constata a antinomia, e não pretende resolvê-la. Disso resulta, em segundo lugar, que junto de Hegel o ponto final do ritmo é a “Síntese”, enquanto que junto de Proudhon tudo se termina - tanto que se possa falar de um fim - pelo “equilibrio”. Enfim, observação capital, enquanto que junto de Hegel a Ideia está puramente imanente no processo dialético através do qual ela se procura e realiza-se, Proudhon, ele, admite um princípio de espécie transcendente, que escapa á dialética e domina todo o futuro, e que lhe é indespensável. Antinomia persistente, - transformando-se em equilibrio, - graças à acção de um princípio superior : tal são os três pontos que é preciso ver um pouco mais detalhado.
Antinomia persistente: é a primeira grande aproximação que os marxistas hegelianos fiéis, fazem a Proudhon4. Tal, por exemplo, M. Cuvillier: “Proudhon renuncia resolver as contradicções. Ele não procura superá-las… Renunciando à síntese, (ele confessa) assim o seu poder em ultrapassar os antagonismos da sociedade actual 5 ”. M. Gurwitch, pelo contrário, aluga-lhe, mas a sua constatação é a mesma: “A dialéctica de Proudhon, escreve ele, é desde o início hóstil à dissolução das qualidades e à dialéctica emanista de Hegel 6”. Ele está certo que não é lá, da parte do nosso autor a cópia desajeitada do filósofo alemão que ele teria mal compreendido (nós tinhamos visto o que ele precisava pensar de uma tal explicação). Não é mais, como o acusa Marx, poder operar uma síntese que ele teria que ter procurado primeiro. É em plena consciência que ele forja, com algumas tentativas, o seu método, modelando a sua própria dialéctica sobre a realidade do ser e do pensamento tal como ele lhe surge. Acerca disto, ele não crê criticar Hegel de uma forma explícita. Ele escreve por exemplo, na Criação da Ordem, que “a natureza, quando se abraça o seu conjunto, empresta-se também a uma classificação quaternária e a uma classificação ternária”, e que ela “emprestaria provavelmente a muitos outros, se a nossa intuição era compreensiva”, uma espécie que “a criação evolutiva de Hegel se reduzia à descrição de um ponto de vista escolhido entre mil 7”. Mais tarde, a crítica precisa-se, ao mesmo tempo que se afirma a doutrina contrária, por exemplo, neste Programa de uma filosofia popular na qual Proudhon faz preceder a sua re-edição da Justiça.
Os efeitos ternários, emprestados à natureza, são de puro empirismo… A fórmula hegeliana é uma tríade mas também o bom prazer ou erro do mestre, que conta três termos lá onde não existe verdadeiramente mais que dois, a que não viu a antinomia não se resolve mesmo, mas indica uma oscilação ou antagonismo susceptíveis somente de equilibrio. Neste ponto de vista, o sistema de Hegel inteiro seria refeito8.
Eis o nítido. A fórmula decisiva foi encontrada. Ela era cara a Proudhon, pois ele retomara-a muitas vezes, na Teoria da Propriedade 9 e na Pornocracia. Ela vinha desde já no mesmo livro da Justiça, para motivar a mesma condenação de Hegel: “A antinomia não se resolve. Lá está o vício de toda a filosofia hegeliana. Os dois termos na qual ela se compõe, balançam-se, seja entre eles, seja com outras antinomias; o que conduz ao resultado procurado.” Estes “termos antinómicos”, ou categorias opostas, não são pois chamados a se fundirem; eles “não se reduzem só aos polos opostos que uma pilha eléctrica se destruíria10”. “Qualquer transformação que eles teriam que fazer”, eles formam tantos elementos que “subsistirão sempre, pelo menos na sua virtualidade, afim de imprimir sem parar o mundo, pela sua contradicção essencial, o movimento11”. Também eles não são primeiramente, produzidos uns com os outros. Pode-se compará-los a muitos corpos simples e irredutíveis: o metafísico encontra-se diante deles como o químico diante destes corpos, e se a lógica ensina a “reduzi-los”, ele não pode agitar-se aí, só “numa operação fantástica”. Os hegelianos, com a sua “exclusiva facilidade para criar laços de parentesco entre as coisas heterógenas”, são os “alquimistas” movidos por uma quimera, como os que inventaram a pedra filosofal12. Bom para um Pierre Leroux ou um Engantin segui-los. A sua dialéctica é uma caricatura da de Hegel, ela conserva os defeitos e aumenta o ridículo. Proudhon não gosta destas “inteligências zarolhas”, “fanáticas pela unidade13”. Ele mantém energeticamente até ao fim que “os termos opostos só fazem se balançar um ao outro, já que o equilíbrio não nasce entre eles, da invenção de um terceiro termo, mas da sua acção recíproca”; breve, uma vez mais, “que a antinomia não se resolve14”.
É o mesmo que dizer que não existia só um movimento vão, um choque estéril, todo o desempenho do filósofo seria de registar? Absolutamente. O feito que a antinomia subsiste sempre não deve produzir nem cepticismo, nem desespero em todo o progresso. Com Proudhon, nós não temos o caso, como pretendia Fournière15, uma “dialéctica imobilista”, ou, como o dizia Saisset, uma “dialéctica negativa e estéril, que divide tudo por tudo, dissolve e nega por negar16”, não mais temos caso, assim como o pretendia Marx, uma espécie de hesitação ou de balanço perpétuo entre as duas teses. É interpretar o bem pelo falso, ou pelo menos o bem à superfície, antes de pensar que ele preconiza afinal de contas um ideal do justo meio “pequeno-burguês”. Na realidade, ele vê sobretudo duas espécies de movimentos se combinarem para assegurar o caminho do mundo ou do pensamento e dar-lhe o seu carácter progressivo: um produz-se no interior de cada antinomia, o outro resulta da ordenação das diversas antinomias em série contínua. “Tirai a antinomia, o progresso dos seres é inexplicável; pois onde está a força que produziria o progresso? Tirai a série, o mundo não é só uma mistura de oposições estéreis, uma ebulição universal, sem princípio e sem ideia 17.” Mas o espectáculo que oferece o universo a quem sabe investigar o enigma é justamente aquele de uma luta fecunda, é aquele de uma estimulação recíproca, de um montado em espiral. Por um fluxo e um re-fluxo incessantes, tudo avança, ou antes, tudo sobe. Nenhum valor se perde, nenhuma força é eliminada do combate; cada um demora por si e toma à sua maneira sobre a outra sua vingança; cada qual engana-se, transformando-se tudo, pela sua luta com a força contrária. Uma e outra, em vez de limpar-se ou dissolver-se, exaltam-se recíprocamente.
Num só sentido portanto,”está tudo por recomeçar”.”O povo escreve Proudhon, queria acabá-lo; ora, eu repito-vos, não existe fim18.” Mas num outro sentido, existe progresso real. Ele teria podido dizer com Blake: “Sem contrários, não existe progresso; atracção e repulsão, razão e energia, amor e ódio, são igualmente necessários à existência humana19.” A guerra não é somente um facto social, exterior, que se observa sobre os campos de batalha ou também na “arena da indústria”; ela é um facto interior, que é necessário estudar “na consciência da humanidade20.” Se, como o facto exterior, ela deve ser suprimida, como o facto interior ela é “uma das principais categorias da nossa razão”, e da nossa razão especulativa assim como da nossa razão prática. Ela é uma categoria permanente. Não chegamos portanto de um estado absoluto de paz, que seria o fim do mundo e a morte do pensamento21. Mas se a guerra, neste sentido, não pode ser “abolida”, ela pode entretanto, e deve ser “transformada22”. Uma paz deve estabelecer-se na permanência do antagonismo. Este, que é preciso aceitar “como lei da humanidade e da natureza”, não é necessariamente destruição recíproca, mas “tem como objectivo a produção de uma ordem sempre superior, de um perfeccionismo sem fim23”. É preciso que ele se mude na “recíprocidade24”. Numa alma mestra de si mesma, numa sociedade bem ordenada, as forças não lutam só um momento para reconhecerem-se, controlarem-se, confirmarem-se e classificarem-se25, e “existe neste conflito de pensamentos humanos”, como naqueles elementos do mundo, “uma força organizadora26”.
Tal deveria ser também a dialéctica social, se o homem usava razoavelmente a sua liberdade. Proudhon qualifica o seu método de “método de invenção revolucionária 27”. Segundo o que está para um e para outro dos dois momentos do seu ritmo, - destes dois momentos nos quais, diz ele, coloca-se “todo o verdadeiro pensamento 27”, - ele aparece destruidor, ou edificador; subversivo, ou conservador. Ele parecia contradizer-se constantemente. Na controversia que ele mantém com ele em 1849, Bastiat troçava. “Crê em mim, Senhor, responde-lhe ele, existe sempre pouca glória a adquirir, para um homem de inteligência, rir das coisas que ele não entende 28”. É bem verdade que os seus excessos de linguagem, num ou noutro sentido, dariam pretexto a este rir. Mas na realidade, todavia, ele é conciliador. “Toda a minha filosofia, diz ele não sem justiça, não é só uma perpétua reconciliação 29”. E diante do supremo tribunal de justiça, a 28 Março 1849, ele declara: “O socialismo é a doutrina da conciliação universal 30”. Junto dele, os termos antitéticos, empurrados um depois do outro como absolutos, são seguidamente re-integrados e reconhecidos igualmente necessários, provido para que eles se limitem e se corrijam. A sua oposição tornava-se mesmo a sua justificação. Para emprestar alguns exemplos ao mundo económico, o “monopólio” e a “concorrência”, o “trabalho” e o “consumo”, a “propriedade” e a “sociedade”. Tais “actividades individuais” e a “autoridade social”. “o que a concorrência está ocupada a fazer sem parar, o monopólio está ocupado a desfazê-lo sem parar; o que o trabalho produz, a consumação devora-o; o que a propriedade se atribui, a sociedade apara; e daí resulta o movimento contínuo, a vida infalível da humanidade”. “Não é um princípio, uma força na sociedade, que não produz mais miséria do que riqueza, se ela não é balançada por uma outra força do qual lado útil neutraliza o efeito destruidor da primeira 31”. Se uma das duas forças antagónicas está entravada, a actividade individual, por exemplo, socumbe sob a autoridade social, a organização degenera no comunismo e termina no nada. “Se, por outro lado, a iniciativa individual vem marcar o equilibrio, o organismo colectivo corrompe-se, e a civilização arrasta-se sob um regime de raça, de vício e de miséria 32”. Ordem e liberdade, socialismo e ciência económica, Estado e propriedade: outros exemplos destes pares dos quais Proudhon nos diz que “a acção recíproca” - e, acrescenta, “eu diria quase a ameaça mútua” - assegura o equilibrio vivo da sociedade 33. O Estado e a propriedade são alternadamente o objecto das sentenças de condenação mais radicais; mas eles tornam-se correlativos, então, não podem ser mais definidos pela “soma dos seus abusos 34”, mas sobretudo pelo desempenho moderador recíproco, e mesmo o que ele tem de abusivo neles pode tornar-se alguma espécie legítima se é necessário para este desempenho. A propriedade, nomeadamente, aparecia então no seu “destino altamente civilizador”; se o Estado é “o regulador da sociedade”, ela é a “grande mola”; penhora à sua origem, ela é um principio “vicioso e antisocial”, mas ela não pode tornar menos, com o concurso de outras instituições, “o eixo e a grande mola de todo o sistema social” e o “equilibrio” salutar que impede o Estado em tornar-se tirânico 35…
Os significados que traduzem esta conciliação que é o verdadeiro ideal proudhoniano, segundo os pontos de vista diversos, são “justiça, igualdade, equação, equilibrio, acordo, harmonia 36”. Em cada um destes sinónimos “ encontram-se unidos a consciência e o entendimento, razão prática e razão especulativa, o real e o ideal, a lei do universo e a lei da humanidade 37”. Na Criação da Ordem, Proudhon, que já previa o seu método, dizia: “o balanço 38”, e retomará a expressão nas suas obras posteriores 39. É a Fourier que ele deve o significado de harmonia, a Fourier, ele diz, "artista, místico e profeta 40”. Ele próprio fala também da “melodia dos seres 41”. Mas o significado mais geral é o do equilibrio. Na Celebração do domingo, Proudhon evocava terminando “o equilibrio geral” que devia enfim, suceder “ao mais furioso antagonismo 42”. Mais tarde, ele escrevia que estas Contradicções económicas não são outra coisa que uma “operação de equilibrio 43”, e é ainda um “equilibrio geral dos Estados” que ele proposera como “sistema político da humanidade 44”. Somente, anotaremos bem, um tal equilibrio não é realizado uma vez por todas, não é uma “ordem” morta, esta ordem na qual “os nossos burgueses” são “amorosos até à raiva 45”. É um “equilibrio na diversidade 46”, e é um “equilibrio incessante 47”, isso, não tanto porque está sempre em vias de melhor se estabelecer. Verdadeiramente, sobretudo “equilibrio 48 ”, ou seja, equilibrio activo, dinâmico, onde a contradicção se torna em tensão. Como os nossos corpos materiais, o organismo espiritual e o organismo social têm necessidade de certos elementos que, em estado puro, seriam as poções, mas que, se corrigem e se unem um ao outro, conservando o movimento da vida 49 .
Mesmo que ele se agite no mundo social, o nome por excelência do equilibrio assim realizado (ou sobretudo realizando-se) pela dialéctica será a justiça. Só nele, este significado introduz-nos numa esfera nova. Pois a justiça talvez considerada sob dois aspectos. Ela é o próprio benefício ao qual se deve chegar, e é neste sentido que ela é também, ou acima de tudo, ela é desde já, o principio que assegura a realização deste beneficio. Dizemos, servindo-nos de uma fórmula que não é a de Proudhon mas que se assemelha be traduzida, ao seu pensamento, que ele tem uma “justiça justificante” e uma “justiça justificada”, ou, para empregar um sentido diferente dos termos de M. Lalande, uma “justiça constituinte” e uma “ justiça constituída 50 ”. Ora a segunda só é possível pela intervenção da primeira. Além, ou debaixo das suas agitações antinómicas, existe a consciência, lugar destas agitações, que não pode melhor definir-se como uma exigência da justiça. No objecto, tudo é antinómico: também Proudhon pode declarar de boa fé que ele rejeita todo o absoluto, todo o elemento que seria então sério, não submisso à engrenagem dialéctica, toda a realidade transcendente. Não é menos verdade que a este complexo objecto e inquieto de contradicções é necessário, como para uma matéria, impõe-se uma forma, para tirar uma harmonia. Esta forma, é a justiça. Ora la não pode ser um simples resultado. A dialéctica é um processo que deve ser colocado na obra e orientado. Ele é-o porque nós o nomeamos a “justiça justificante”, e é assim que a justiça, antes de aparecer como o equilibrio obtido, revela-se como o mesmo principio deste equilibrio.
Nas suas obras, Proudhon nunca expôs esta doutrina; só de uma forma confusa. Que tal seja bem entretanto a ideia que, mais ou menos obscoramente, o guia, não saberia duvidar apesar de ele reler o conjunto dos textos. É explicar, por outro lado, um dia, na carta ao seu amigo Langlois. Este tinha acreditado poder falar depois dele, ao longo de um artigo que o consagrara, de “antinomia da justiça”. Proudhon responde-lhe, a 30 de Dezembro de 1861, que ele encontra acerca deste ponto a sua redação , e talvez o seu pensamento incorrecto:
Ele está bem seguro que a ciência do direito, como o da economia política, como a metafísica, etc., papel sobre as perpétuas antinomias; neste sentido, a vossa expressão justifica-se, e o vosso artigo faz muito bem compreender em que consiste, no direito da guerra e das gentes, a antinomia. Mais fundo, esta antinomia não vem da mesma justiça; a consciência não é a antinomia da sua natureza, como o entendimento. Não existirá nada de moral positiva se assim fôr, e nós deveríamos afastarmo-nos ou deixar fazer os Maltusianos. A Justiça, em si, é a balança das antinomias, isto é, a redução ao equilibrio das forças em luta, a equação, num só significado, das suas pretenções respectivas. É por isso que eu nada tomei como divisa da liberdade, que é uma força indefinida, absorvente, que se pode apagar mas não convencer; eu coloquei debaixo dela a Justiça, que julga, regula e distribui. A liberdade é a força da colectividade soberana; a Justiça é a sua lei 51.
Neste reconhecimento de uma moral absoluta, de uma norma não dialéctica que se impõe à liberdade, nós temos o último tratado que diferencia radicalmente o método, e do mesmo lado, a doutrina proudhoniana, das de um Hegel ou de um Marx. Proudhon não pode admitir esta teoria hegeliana da guerra e do direito da força, que, diz ele, desonra a filosofia ao misturar o bem e o mal, o verdadeiro e o falso 52. Ele fala, também, de um certo “direito da força”, mas não é com o mesmo sentido. Ele aborda Hegel de não ter sabido dar “uma teoria forte e verdadeira da liberdade e da justiça, sem a qual existe vergonha e degradação para o homem 53“. Num progresso que não seria mais que um processo fatal e não “o efeito do nosso livre arbitrio”, ele recusa-se a ver um progresso real 54. A sua moral não quer ser nem relativista, nem oportunista. Permanece um sistema com termos do qual “a distinção do bem e do mal não tem nada de absoluto” e ele não deixa impôr reflexões sobre a evolução universal e sobre a história do mundo para abdicar da dignidade do homem individual. É ainda lá um aspecto desta personalidade, que aparece a Kierkgaard no Post-Scriptum 55.
Uma segunda carta a Langlois faz-nos fazer um pouco mais. Respondendo a Proudhon, o seu amigo tinha afluído no seu sentido e desejado até a ir mais longe” que ele. Parecia-lhe, no fundo, dizia ele, “que o entendimento não é mais antinómico, no fundo, a consciência”. Está lá, diz Proudhon, o meu próprio pensamento: “o principio da Justiça, para a consciência, e o mesmo que o principio da igualdade ou da equação para o entendimento”, e é neste principio que se restabelecem todas as operações intelectuais. Assim a antinomia e a equação são bem duas formas do entendimento, mas a primeira tem por fim a segunda, e esta não tem portanto mais nada de antinómico; “aliás não existiria certeza, verdade, e o pensamento não seria mais que uma eterna balança”. É necessário pois admitir afinal de contas “que o entendimento, como a consciência, bem compreendida, abraça todas as antinomias, não pode nem deve ser dita antinómica 56”.
Este esboço improvisado de uma teoria de inteligência não é de nenhuma clareza. Pelo menos, a intenção está nela manifestada. Depois da consciência moral, e pela mesma razão, é a própria inteligência que emerge da dialéctica. Estão do mesmo lado, todas as categorias essenciais, todas as grandes ideias, “forças puras, primeiras faculdades e criadoras”, que constituem por assim dizer, a base. “Elas estão, por natureza, sem sistema e fora de série 57.” Elas são o próprio espírito, na sua unidade.
Proudhon tem visto portanto, que o Uno, princípio de toda a união como de todo o equilibrio, príncipio de harmonia universal, está fora do género. É necessariamente, dizia o ancião filósofo, “um transcendental”. Ele não saberia encontrar-se numa síntese, obter uma síntese. Ele não é o objecto nem o resultado: ele é o príncipio e a forma. “Nisso, conclui proudhon, consiste a pessoa humana 58”.
Se ainda nós atirarmos um olhar ao conjunto sobre a dialéctica proudhoniana e à visão do mundo que ela supõe, nós seremos conduzidos antes em reconhecer que, tanto e mais que uma dialéctica, ela é uma fenomenologia. Para ela, efectivamente, as antinomias “são todas as contemporâneas, mesmo que elas se primem e se subalternem alternadamente 59”. Ela visa reduzir menos as oposições aparentes ou momentâneas, do que colocar em destaque tudo, transformando-as e organizando-as entre si, as originalidades irreductiveis e contrastantes. Pressente-se a ideia husserlina de uma série de valores heterógeneos, impossíveis de hierarquizar, na qual a coexistência é uma fonte de conflitos indefinidos. Mais, em todo o caso, naquele de um Hegel, esta filosofia é dramática. Sobretudo aquela de inúmeros hegelianos, junto dos quais as intuições do mestre tornam-se em fórmulas, e a sua dialéctica, um procedimento. Enquanto que estes “escamoteiam os conflitos ao ritmo ternário de uma valsa dialéctica 60 “. proudhon olha face a um undo que nenhuma operação de alguma espécie não pode reduzir a uma fórmula definitiva, e ele traduz a sua intuição pela palavra biblíca: “O Eterno é um guerreiro 61”. Contra todos os sistemas que mecanizam o progresso e negam a iniciativa humana no seio de um imenso desenvolvimento racional, ele conserva “o sentimento inextirpável da actualidade criadora 62”. Comparámo-la a Leibniz, cuja doutrina monádica despertava efectivamente as suas simpatias 63. Aproximou-se a sua dialéctica da de Fichte, concebendo um e a outro como uma “via ascendente contra a intuição de uma totalidade de elementos irreductíveis 64”. Sublinhou-se o paralelismo do seu papel com o de Kiekegaard perante Hegel e com o de Bakounine perante Marx 65. A seguir a Sainte-Beuve 66, chamou-se o seu parente de espírito com Pascal 67. Outras aproximações poderiam ser esboçadas. Todos têm a sua verdade. A todos eles, (eles) mostram que se teria injusta, sobre o mesmo plano da filosofia, de nigligenciar o pensamento de Proudhon.
Não mais que toda uma outra, as obscuridades, as dificuldadesinternas não faltam a este pensamento. Pode-se pedir, por exemplo, em que consiste o benefício do “equilibrio” à “série" ou o da consciência às antinomias. Pode-se procurar como se juntam numa mesma explicação o ritmo necessário do universo físico ou do pensamento, e o ritmo do universo moral e social, onde a liberdade intervêm 68; como “o sistema das leis da Justiça é a mesma coisa que o sistema das leis do mundo 69”; de que “ponto de vista superior” “o homem e a natureza, o mundo da liberdade e o mundo da fatalidade”, “apesar de algumas dissonâncias, mais aparentes que reais”, “formam um todo harmónico 70”. Pode-se estimar também que Proudhon abusa do recurso à ideia dialéctica para permitir muitos exageros sucessivos e opostos 71; existe nas suas explicações um paradoxo verbal, como também existe no procedimento nos territórios hegelianos. É inegável, enfim, que este pensamento todo ele concreto, repugna habitualmente, no seu vigor, as análises pacientes e bem delimitadas, numa espécie em que a maior parte das noções que ela emprega, sobretudo a da justiça, cobrem um campo tão vasto e tão movimentado que é por vezes penoso reconhecer-se na confusão das suas significações analógicas. Se se quiser continuar a discussão até ao fim, talvez seria necessário examinar ainda se a ideia de “conciliação”, a que Proudhon expõe e coloca na obra, não contém qualquer equívoco, inclinando ora para a síntese e ora para o compromisso; examinar, por outros termos, se esta dialéctica triunfa plenamente em “resolver o conflito sem suprimir a tensão 72”; se esta filosofia que nós chamamos dramática triunfa ao escapar ao trágico puro 73 tanto que ela descança num optimismo a bom caminho e recusa igualmente considerar uma última solução onde a oposição superada; se ela não pretendia servir de justificação dialéctica a uma “revolução permanente” concedida como uma série sem fim destas “agitações” que Proudhon nunca tinha aprovado 74… sobretudo, como acordar a rejeição tantas vezes professada em toda a transcendência, ao inicio como o termo do movimento dialéctico, com a pretensão de impôr a este movimento uma norma e assinalar-lhe um fim?
Mas estas dificuldades e, se se desejar, estas contradicções não devem, entretanto, fazer-nos concluir o “completo insucesso” nem, na mais forte razão, o “nada completo” do método proudhoniano, como o fez F. Pillon com muita injustiça 75. Elas não autorizam a confundir a sua dialéctica com os “procedimentos de sofista 76” ou a tratá-la de “mistificação 77”. Elas constituem sobre tudo, diremos, resgate de um pensamento que não se resigna em encerrar, apesar das suas ilusões, no futuro e na imanência. Marx pode bem ridicularizar Proudhon de ter feito das categorias económicas, essencialmente transitórias, “expressões teóricas das condições de produção material de uma certa época”, as “ideias que teriam pré-existido em toda a eternidade”; ele pode bem, alargando a sua crítica, ver no seu adversário uma “vítima da ilusão especulativa”, incapaz de compreender “o movimento histórico que pertuba o mundo actual”, e o lamenta de ter penetrado pouco “no mistério da dialéctica 78”. Por mais desprezador que ele se revele, este julgamento é-nos precioso. Constatando os mesmos factos, nós podemos pelo contrário estimar que Proudhon, se ele não tem grave poder de Marx, não foi no mínimo como ele, victima de ilusão dialéctica, que ele soube reconhecer a espécie da eternidade de todo o que este homem tem de essencial no seu entendimento e na sua consciência, e que assim, sem penetrá-lo, ele pressentiu mesmo o mistério ontológico. As suas soluções, na medida onde elas existem, não nos satisfazem nada, mas pelo menos com ele, como nós veremos mais detalhadamente no último capítulo, os problemas essenciais são e permanecem colocados. As suas negações nunca são definitivas. Os seus julgamentos mais peremptórios não acarretam toda a retomada. No momento que nos vem chocar, a sua dialéctica faz de si o nosso aliado contra si mesmo, não talvez a mais verdadeira. Sempre, consigo, a discussão permanece aberta.
NOTAS
1 Filosofia do progresso, p.21.
2 Émile Bréhier, História da filosofia, t.2, p.746.
3 Miséria da filosofia, tr. fr.(1896),p.155.
4 Cf. Marx, loc.cit.: “Proudhon está atónito de esterilidade quando ele se agita em produzir o trabalho de produção dialéctica na categoria nova”. E p. 150: “M. Proudhon, apesar da grande pena que ele tomou em escalar a altura do sistema das contradicções, nunca pode elevar-se debaixo dos dos primeiros escalões da tese e da antitese siples, e ainda os transpôs duas vezes, e, estas duas vezes, ele caiu uma vez para trás…”
5 À luz do marxismo, t. 1, p. 181 e 182.
6 A ideia do direito social, p. 333.
7 Criação da ordem, p. 162.
8 Justiça, t. 1, p. 211. Comparar a sátira de Renouvier sobre “este método desastroso dos agrupamentos, das aproximações e dos encadeamentos de termos ternários, por meio daquela, substitui-se tudo o que o vulgar apela definição e prova, uma combinação artificial e sempre artificial de vocábulos, determinados em aparência uns pelos outros, e portanto bastante vagas para se sujeitar a todas as necessidades. Quantos investigadores improvisados do verdadeiro dogma são imperfeitos os Orfeus da religião e da filosofia do futuro, porque eles sabiam jogar, sem nunca ter aprendido este instrumento fácil e agradável, e eles não se metiam em pena de sons todos diferentes como eles os entendiam dar entre as mãos dos seus rivais! O inventor Hegel havia tirado as melodias mais sábias, etc.” Introdução à filosofia analítica da história (1864), p. 154-155.
9 Teoria da propriedade (1866), p. 206.
10 Teoria da propriedade, p. 52.
11 Confissões, p. 316. Capacidade política, p. 200. Cf. R.Aron e A.Dandieu, A revolução necessária (1933), p. 163: “A síntese, é o fim do movimento, é, pensá-lo bem, a forma social da morte.”
12 A Monard, 31 Dezembro 63 (t. 13, p. 213-214).
13 Teoria da propriedade, p. 212.
14 Pornocracia, p. 122-123.
15 As teorias em França no séc. XIX, p. 375.
16 As escolas filosóficas em França. Revista dos Dois Mundos, Agosto 1850, p. 675.
17 Miséria, t. 2, p. 396.
18 A Langlois, Dezembro 51 (t. 4, p. 157).
19 Blake, Casamento do Céu e Inferno, debate.
20 A. M. X., 5 Junho 61 (t. 11, p. 112).
21 Guerra e Paz, p. 33, 341 e 486.
22 Op. cit., p. 49 e 56.
23 Op. cit., p. 482-483.
24 Cf. solução do problema social, Programa, 31 Março 1848: “Mesmo que a vida suponha a contradicção, a contradicção por seu lado, apela à justiça: daí a segunda lei da criação e da humanidade, a penetração mútua dos elementos antagonistas, a Reciprocidade.” (p. 92).
25 Guerra e Paz, p. 134.
26 Justiça, t. 3, p. 256.
27 Confissões, p. 177.
27 Miséria, t. 2, p. 396.
28 Carta a M. Bastiat, 3 Dezembro 49 (na Bastiat, Obras, t. 5, p. 147).
29 Miséria, t. 1, p. 368. Cf. p. 72: “A verdade encontra-se, não na exclusão de um dos contrários, mas na conciliação dos dois”. Proudhon acrescenta, em linguagem hegeliana, que eles deviam ser “absorvidos” um e outro “numa fórmula mais complexa”. É o caso de nos lembrar da nota de M. Gurwitch, A ideia do direito social, p. 331: “Quanto ao fundo do seu pensamento, aqui como algures, ele serve exclusivamente o seu próprio caminho e considera as antinomias como irredutiveis.”
30 Cf. Berthod, na Ideia da Revolução, p. 29. No primeiro capítulo da Miséria, a propósito da oposição da economia política e do socialismo, a ideia e o significado de conciliação surgem muitas vezes. Mas o que “ele se agita para descobrir”, é “uma lei superior”, é “uma fórmula de conciliação superior às utopias socialistas e às teorias mutiladas da economia política”, não existe portanto “o parar num meio arbitrário justo, insassiável, impossível”. (t. 1, p. 78, 79, 81).
31 Justiça, t. 2, p. 131.
32 Miséria, t. 2, p. 396.
33 Guerra e Paz, p. 498. Cf. Miséria, t. 2, p. 391: “O socialismo tem razão em protestar contra a economia política e dizer-lhe mesmo: Vós não sois mais que uma rotina que vós mesmos não entendeis. E a economia política tem razão em dizer ao socialismo: Vós não sois mais que uma utopia sem realidade nem aplicação possível. Mas um e outro negam sucessivamente, o socialismo, a experiência da humanidade, a economia política, a razão da humanidade, todos os dois faltam às condições essenciais da verdade humana.”
34 Cf. O que é a propriedade? p. 128: “M. Blanqui reconhecia que existe na propriedade uma loucura de abusos, e de odiosos abusos; do meu lado, eu chamo exclusivamente propriedade à soma destes abusos.” (Prefácio à 2ª Edição, 1841). Sabia-se, da propriedade assim entendida, Proudhon distingue expressamente a possessão.
35 Teoria da propriedade, p. 173 e 208. “Se se estuda nas suas consequências politicas, económicas e morais o poder essencialmente abusador da propriedade, desfaz-se nesta união de abuso uma funcionalidade energética, que acorda imediatamente no espírito da ideia de um destino altamente civilizador, também favorável, mais ao direito do que à liberdade.” Cf. Justiça, t. 3, p. 264: “Eu entendo não suprimir nada do que eu tinha feito decididamente a crítica”, (mas eu desejo) “colocar cada coisa no seu lugar, após ter censurado o absoluto e balançado com as outras coisas”. E Capacidade política, p. 200, a propósito da liberdade e da unidade ou ordem, etc.: “Não se pode nem separá-los, nem absorvê-los um ao outro; é preciso resignar-se para viver com os dois, equilibrando-os”.
36 A Bergmann, 15 Novembro 61 (t. 11, p. 286). Teoria da propriedade, p. 217. 37 A Bergmann, 15 de Novembro de 61 (ibid.)
38 Criação da Ordem, p. 213.
39 Justiça, t. 2, p. 60, 95, 131, t.4, p. 432. Teoria da propriedade, p. 206. Pornocracia, p. 232, etc.
40 Capacidade política, p. 193. Cf. Guerra e Paz, p. 134: “A oposição das forças tem pois como fim a sua harmonia.”
41 Miséria, t. 2, p. 396.
42 Domingo, p. 96. Nesta página, Proudhon sonha ainda um dia onde “o problema social será absoluto”, onde “da mistura de todas as doutrinas nascerá a ciência una e indivisível”, onde o homem poderá exclamar: “os tempos de prova são finitos, a idade de ouro está diante de nós”. Mas talvez não é necessário ver que um pedaço de bravura, mais ou menos imposto pela lei do género. Nesta dissertação apesar de académica, ela é uma espécie de analogia da “vida eterna” dos predicados.
43 Teoria da propriedade, p. 217.
44 Guerra e Paz, p. 497-498.
45 Justiça, t. 3, p. 256.
46 Domingo, A Criação da Ordem falará igualmente da “intuição sintéctica na diversidade”, da “totalização na divisão” (ed. Lacroix, p. 210-15).
47 Teoria da propriedade, p. 52.
48 Op. cit., p. 206.
49 É o que Proudhon explica ao cardial Mathieu, Jutiça, t. 2, p. 94-95: “Dizei-me, Meu Senhor, o que vós fuméis ou respiréis no tabaco, que cós prováis no Kirsch, que vós coméis no vinagre, não são os peixes, e os mais violentos de todos os peixes? Bem, ele é assim em alguns principios que a natureza tem misturado em nossas almas, e que são essenciais á constituição da sociedade: nós não poderíamos existir sem les; mas por pouco nós entendemos ou concentramos a dose, alterámos a economia, nós morremos infalivelmente por eles. De outro modo, no regime de balança e de falsos pesos onde nós vivemos, a divisão do trabalho é funesta ao operário, a concorrência desastrosa, a especulação vergonhosa, a centralização humilhante, eu acrescento que a propriedade é imoral e funesta. Como a amêndoa amarga, reduzida pela análise química à pureza do seu elemento, tornando-se ácido prússico, assim a propriedade, reduzida à pureza da sua noção, é a mesma coisa que o roubo. Toda a questão, para o emprego deste elemento temível, é, repito-o, encontrar a fórmula, num estilo economista, a balança…”.
50 Comparar com a doutrina platónica da alma como “harmonizante” ou como “harmonizante” ou como “harmonia aplicada”: Cf. P. Lachière-Rey; As ideias morais, sociais e políticas de Platão, p. 62.
51 T. 11, P. 308.
52 Guerra e Paz, p. 107.
53 Justiça, t. 3, p. 504.
54 Ibid. “Diz-me enfim… que ideia eu posso ter do progresso, quando de todas as vossas palavras resulta que eu não sou mais que uma marioneta?” (P. 502). Sem dúvida Hegel pretende que a história da liberdade; mas a sua liberdade não difere no fundo da necessidade; ela é a força obstinada que possui o organismo intelectual, ela é o movimento orgânico do espírito. Hegel não admite mais a liberdade do que Spinoza. (P. 499-501).
55 Cf. Kierkgaard, Post-Scriptum (trad. Paul Petit).
56 17 Janeiro 62 (t. 11, p. 349-350). E já lá, diz ele, o “pensamento fundamental” do novo prefácio que ele vem colocar na Justiça (re-edição de Bruxelas).
57 Revolução social, p. 55. Desde já, na conclusão da Miséria, t. 2, p. 388, Proudhon escrevia: “A profundeza dos céus não iguala a profundeza da nossa inteligência, no seio da qual se movem maravilhosos sistemas… Lá pressente-se, chocam-se, balançam-se forças eternas…”: e p. 395: “ As ideias, iguais entre si, contemporâneas e coordenadas no espírito, parecem atiradas para a confusão, dispersas, localizadas, subordinadas e consecutivas na humanidade e na natureza, formando quadros e histórias sem igual com este desenho primitivo; e toda a ciência humana consiste em reconhecer nesta concepção o sistema abstracto do pensamento eterno: “Assim, escrevia ele a Paul Armenkov a 28 Dezembro de 1848, a força da subtilidade, o rapaz adere a descobrir o pensamento de Deus…”
58 Loc. cit.
59 A M. Clerc, 4 Novembro 63 (t. 13, p. 343).
60 Aron e Dandieu, A revolução necessária, p. 160.
61 Exôdo, 15, 3. Colocado no exergo na Guerra e Paz.
62 Aron e Dandieu, op. cit., p. 161.
63 G. Gurwitch, A ideia do direito social, p. 334.
64 Gurwitch, op. cit., p. 333. Sobre a forma na qual Proudhon teria podido subir a influência de Fichte por intermédio de Krause e d’Ahrens: ibid., p. 336-337.
65 Aron e Dandieu, op. cit., p. 155-156 e p. 161. Cf.Torsten Bohlin, Kiekegaard: “Kiekegaard acentua muito e sem deixar o carácter combativo da vida da personalidade. A tese de Herades sobre a discórdia produzindo todas as coisas passa na concepção kiekegardiana da transformação e das condições vitais da personalidade.” (P: 87).
66 P.-J. Proudhon, p. 223.
67 Roger Picard, na Miséria, t. 1, p. 28-29. Jean Lacroix, Itenerário espiritual, p. 81. Miguel de Unamuno, A agonia do cristianismo, tr. fr., p. 117.
68 Cf. Justiça, t. 4, p. 431-432: “Então, a ideia de uma harmonia universal entra na minha alma; eu digo a mim mesmo que entre o mundo da natureza e o da Justiça, lei, força, substância, tudo é idêntico; que assim, como a ordem é perfeita entre as esferas que percorrem o espaço; a proporção imutável entre os elementos nos quais se compõem toda a criação, ele deve estar mesmo entre os homens. E o facto vem em seguida confirmar a hipótese. A economia, a política, a organização do atelier, a Razão pública, resolvem-se num sistema de ponderações ou de balanços; nesta analogia de legislação entre o Cosmos e o Anthrôpos aparece a identidade de espírito que os anima, latente no primeiro, livre no segundo.”
69 Ibid., p. 433: “O universo está estabelecido sobre as leis da Justiça; a Justiça é organizada após as leis do universo, etc.” A Chaudey, 15 Janeiro59: “Lei do homem e da natureza” (t. 8, p. 350): Justiça, Notas e esclarecimentos: “A Justiça é a lei fundamental do univeso”. (t. 2, p. 298).
70 Justiça, t. 2, p. 389.
71 A sua dialéctica surgia aqui como a transpiração abstracta do seu temperamento. É o caso de nos lembrar o que ele escrevia um dia, a 15 de Abril 61, a Rolland: “Comigo, é sempre necessário corrigir, interpretar uma excentricidade por uma outra, se quiser ter o verdadeiro pensamento e o verdadeiro carácter do homem.”
72 A expressão é de M. Jean Lacroix, Pessoa e Amor, p. 44.
73 Sobre a noção do trágico: Georges Didier, Valores trágicos e valores cristãos, na Cidade Nova, 10 Outubro 1942.
74 Que o espírito proudhoniano seja elogiado de todo o “trotskismo”, é também o que resulta do desprezo que sufoca Trotsky no seu percurso. (Cf. Trotsky, Defesa do Território, tr. fr., p. 53-54.
75 A Crítica filosófica, t. 2 (1872-73), p. 379. A propósito da “grande síntese” revista e anunciada por proudhon, o autor fala ainda de uma “nuance do ridiculo” e de uma “nuance de charlatanismo”, no que não devem dissimular-nos o sério esforço proudhoniano.
76 Renouvier, Filosofia do século XIX, no Ano Filosófico, 1867, p. 74.
77 Edmond Scherer, cruzamento da crítica religiosa, p. 510. Talvez se aproximasse a Proudhon com mais justiça em não ser sempre fiel a si mesmo, a alma do seu método. Porquê, por exemplo, metia-se ele no reboque de Machiavel e de Rousseau, como nós o tinhamos visto no capítulo precedente, para impelir da distinção evangélica do temporal e do espiritual na sociedade? Como é que ele não viu que existe, “nesta mesma tensão” entre os dois poderes, ”uma salvaguarda preciosa da pessoa humana e dos seus interesses superiores”, bem mais ainda na tensão que ele destinava a este mesmo fim entre governo e propriedade? O problema não deve ser em procurar qual poder asseguraria o outro ou o absorverá para lhe acrescentar as prerrogativas aos seus próprios, mas como a “guerra” entre eles poderá transformar-se em “harmonia” para uma colaboração fecunda. Cf. Joseph Lecler, A Igreja e a soberania do Estado, na Construcção, 1942.
78 Marx, comentando a sua própria obra contra Proudhon (citado por Otto Ruhle, Karl Marx, p. 117-118). Cf. a carta desde já citada a Paul Armenkov: “As categorias económicas… são para M. Proudhon as fórmulas eternas que não têm nem origem nem progresso, etc.”; o antagonismo que ele crê descobrir não é só mais que a sua própria “incapacidade em compreender a origem e a história profana das categorias que ele diviniza”. Reconhcer-se-ia de outro modo facilmente o método marxista, com todos os seus partidos tomados, permanece um instrumento mais eficaz que o método proudhoniano para a análise de evolução social. Mas esta análise não é tudo.
O verdadeiro em todas as coisas, o real, o positivo, o praticável, é o que muda, ou pelo menos o que é susceptível de progresso, conciliação, transformação, enquanto que o falso, o ficticio, o impossível, o abstracto, é tudo o que se apresenta como fixo, inteiro, completo, inalterável, infalível, não susceptível de modificação, conversão, aumento ou diminuição infractário, por conseguinte, toda uma combinação superior, toda uma síntese 1 .
Mas lá cinge-se pouco a pouco a semelhança entre os nossos dois pensadores. A dialética na qual Proudhon procura dar conta deste movimento interno e reencontrar, a mimar por assim dizer o ritmo universal, não é nada a que Hegel descreveu e colocou na sua obra. A filosofia hegeliana é, saber-se, uma “vasta alquimia 2 ”, que se opera segundo um ritmo triadíco. O ser, que se procura, altera-se primeiramente no seu oposto (a tese opõe-se à sua própria anti-tese), para se reencontrar numa forma superior mais rica e mais concreta (Síntese), ela própria no princípio de um novo movimento análogo. Cada coisa à sua maneira encontra-se portanto uma vez completa, absorvida e ultrapassada, e sem deter o ser progressivo da espécie, até à síntese definitiva, que é realidade total e saber absoluto. É assim que Max tinha cumprido o seu mestre, no qual ele conservava a dialética repudiando toda a sua ontologia. Para ele também, “o que constitui o movimento dialético” é a luta de dois elementos contraditórios, até “à sua fusão numa categoria nova 3 ”.Ora, bastante deliberadamente, a dialética proudhoniana procede seguindo todas as outras vias. Ela separa-se eda dialética hegeliana em três pontos essenciais. Em primeiro lugar, enquanto que se produzem sucessivamente, só existem dois junto de Proudhon, mas em contra partida estes dois últimos termos mantém-se face a um do outro do princípio ao fim; ou seja, enquanto Hegel coloca a contradição para a “superar” em seguida, Proudhon constata a antinomia, e não pretende resolvê-la. Disso resulta, em segundo lugar, que junto de Hegel o ponto final do ritmo é a “Síntese”, enquanto que junto de Proudhon tudo se termina - tanto que se possa falar de um fim - pelo “equilibrio”. Enfim, observação capital, enquanto que junto de Hegel a Ideia está puramente imanente no processo dialético através do qual ela se procura e realiza-se, Proudhon, ele, admite um princípio de espécie transcendente, que escapa á dialética e domina todo o futuro, e que lhe é indespensável. Antinomia persistente, - transformando-se em equilibrio, - graças à acção de um princípio superior : tal são os três pontos que é preciso ver um pouco mais detalhado.
Antinomia persistente: é a primeira grande aproximação que os marxistas hegelianos fiéis, fazem a Proudhon4. Tal, por exemplo, M. Cuvillier: “Proudhon renuncia resolver as contradicções. Ele não procura superá-las… Renunciando à síntese, (ele confessa) assim o seu poder em ultrapassar os antagonismos da sociedade actual 5 ”. M. Gurwitch, pelo contrário, aluga-lhe, mas a sua constatação é a mesma: “A dialéctica de Proudhon, escreve ele, é desde o início hóstil à dissolução das qualidades e à dialéctica emanista de Hegel 6”. Ele está certo que não é lá, da parte do nosso autor a cópia desajeitada do filósofo alemão que ele teria mal compreendido (nós tinhamos visto o que ele precisava pensar de uma tal explicação). Não é mais, como o acusa Marx, poder operar uma síntese que ele teria que ter procurado primeiro. É em plena consciência que ele forja, com algumas tentativas, o seu método, modelando a sua própria dialéctica sobre a realidade do ser e do pensamento tal como ele lhe surge. Acerca disto, ele não crê criticar Hegel de uma forma explícita. Ele escreve por exemplo, na Criação da Ordem, que “a natureza, quando se abraça o seu conjunto, empresta-se também a uma classificação quaternária e a uma classificação ternária”, e que ela “emprestaria provavelmente a muitos outros, se a nossa intuição era compreensiva”, uma espécie que “a criação evolutiva de Hegel se reduzia à descrição de um ponto de vista escolhido entre mil 7”. Mais tarde, a crítica precisa-se, ao mesmo tempo que se afirma a doutrina contrária, por exemplo, neste Programa de uma filosofia popular na qual Proudhon faz preceder a sua re-edição da Justiça.
Os efeitos ternários, emprestados à natureza, são de puro empirismo… A fórmula hegeliana é uma tríade mas também o bom prazer ou erro do mestre, que conta três termos lá onde não existe verdadeiramente mais que dois, a que não viu a antinomia não se resolve mesmo, mas indica uma oscilação ou antagonismo susceptíveis somente de equilibrio. Neste ponto de vista, o sistema de Hegel inteiro seria refeito8.
Eis o nítido. A fórmula decisiva foi encontrada. Ela era cara a Proudhon, pois ele retomara-a muitas vezes, na Teoria da Propriedade 9 e na Pornocracia. Ela vinha desde já no mesmo livro da Justiça, para motivar a mesma condenação de Hegel: “A antinomia não se resolve. Lá está o vício de toda a filosofia hegeliana. Os dois termos na qual ela se compõe, balançam-se, seja entre eles, seja com outras antinomias; o que conduz ao resultado procurado.” Estes “termos antinómicos”, ou categorias opostas, não são pois chamados a se fundirem; eles “não se reduzem só aos polos opostos que uma pilha eléctrica se destruíria10”. “Qualquer transformação que eles teriam que fazer”, eles formam tantos elementos que “subsistirão sempre, pelo menos na sua virtualidade, afim de imprimir sem parar o mundo, pela sua contradicção essencial, o movimento11”. Também eles não são primeiramente, produzidos uns com os outros. Pode-se compará-los a muitos corpos simples e irredutíveis: o metafísico encontra-se diante deles como o químico diante destes corpos, e se a lógica ensina a “reduzi-los”, ele não pode agitar-se aí, só “numa operação fantástica”. Os hegelianos, com a sua “exclusiva facilidade para criar laços de parentesco entre as coisas heterógenas”, são os “alquimistas” movidos por uma quimera, como os que inventaram a pedra filosofal12. Bom para um Pierre Leroux ou um Engantin segui-los. A sua dialéctica é uma caricatura da de Hegel, ela conserva os defeitos e aumenta o ridículo. Proudhon não gosta destas “inteligências zarolhas”, “fanáticas pela unidade13”. Ele mantém energeticamente até ao fim que “os termos opostos só fazem se balançar um ao outro, já que o equilíbrio não nasce entre eles, da invenção de um terceiro termo, mas da sua acção recíproca”; breve, uma vez mais, “que a antinomia não se resolve14”.
É o mesmo que dizer que não existia só um movimento vão, um choque estéril, todo o desempenho do filósofo seria de registar? Absolutamente. O feito que a antinomia subsiste sempre não deve produzir nem cepticismo, nem desespero em todo o progresso. Com Proudhon, nós não temos o caso, como pretendia Fournière15, uma “dialéctica imobilista”, ou, como o dizia Saisset, uma “dialéctica negativa e estéril, que divide tudo por tudo, dissolve e nega por negar16”, não mais temos caso, assim como o pretendia Marx, uma espécie de hesitação ou de balanço perpétuo entre as duas teses. É interpretar o bem pelo falso, ou pelo menos o bem à superfície, antes de pensar que ele preconiza afinal de contas um ideal do justo meio “pequeno-burguês”. Na realidade, ele vê sobretudo duas espécies de movimentos se combinarem para assegurar o caminho do mundo ou do pensamento e dar-lhe o seu carácter progressivo: um produz-se no interior de cada antinomia, o outro resulta da ordenação das diversas antinomias em série contínua. “Tirai a antinomia, o progresso dos seres é inexplicável; pois onde está a força que produziria o progresso? Tirai a série, o mundo não é só uma mistura de oposições estéreis, uma ebulição universal, sem princípio e sem ideia 17.” Mas o espectáculo que oferece o universo a quem sabe investigar o enigma é justamente aquele de uma luta fecunda, é aquele de uma estimulação recíproca, de um montado em espiral. Por um fluxo e um re-fluxo incessantes, tudo avança, ou antes, tudo sobe. Nenhum valor se perde, nenhuma força é eliminada do combate; cada um demora por si e toma à sua maneira sobre a outra sua vingança; cada qual engana-se, transformando-se tudo, pela sua luta com a força contrária. Uma e outra, em vez de limpar-se ou dissolver-se, exaltam-se recíprocamente.
Num só sentido portanto,”está tudo por recomeçar”.”O povo escreve Proudhon, queria acabá-lo; ora, eu repito-vos, não existe fim18.” Mas num outro sentido, existe progresso real. Ele teria podido dizer com Blake: “Sem contrários, não existe progresso; atracção e repulsão, razão e energia, amor e ódio, são igualmente necessários à existência humana19.” A guerra não é somente um facto social, exterior, que se observa sobre os campos de batalha ou também na “arena da indústria”; ela é um facto interior, que é necessário estudar “na consciência da humanidade20.” Se, como o facto exterior, ela deve ser suprimida, como o facto interior ela é “uma das principais categorias da nossa razão”, e da nossa razão especulativa assim como da nossa razão prática. Ela é uma categoria permanente. Não chegamos portanto de um estado absoluto de paz, que seria o fim do mundo e a morte do pensamento21. Mas se a guerra, neste sentido, não pode ser “abolida”, ela pode entretanto, e deve ser “transformada22”. Uma paz deve estabelecer-se na permanência do antagonismo. Este, que é preciso aceitar “como lei da humanidade e da natureza”, não é necessariamente destruição recíproca, mas “tem como objectivo a produção de uma ordem sempre superior, de um perfeccionismo sem fim23”. É preciso que ele se mude na “recíprocidade24”. Numa alma mestra de si mesma, numa sociedade bem ordenada, as forças não lutam só um momento para reconhecerem-se, controlarem-se, confirmarem-se e classificarem-se25, e “existe neste conflito de pensamentos humanos”, como naqueles elementos do mundo, “uma força organizadora26”.
Tal deveria ser também a dialéctica social, se o homem usava razoavelmente a sua liberdade. Proudhon qualifica o seu método de “método de invenção revolucionária 27”. Segundo o que está para um e para outro dos dois momentos do seu ritmo, - destes dois momentos nos quais, diz ele, coloca-se “todo o verdadeiro pensamento 27”, - ele aparece destruidor, ou edificador; subversivo, ou conservador. Ele parecia contradizer-se constantemente. Na controversia que ele mantém com ele em 1849, Bastiat troçava. “Crê em mim, Senhor, responde-lhe ele, existe sempre pouca glória a adquirir, para um homem de inteligência, rir das coisas que ele não entende 28”. É bem verdade que os seus excessos de linguagem, num ou noutro sentido, dariam pretexto a este rir. Mas na realidade, todavia, ele é conciliador. “Toda a minha filosofia, diz ele não sem justiça, não é só uma perpétua reconciliação 29”. E diante do supremo tribunal de justiça, a 28 Março 1849, ele declara: “O socialismo é a doutrina da conciliação universal 30”. Junto dele, os termos antitéticos, empurrados um depois do outro como absolutos, são seguidamente re-integrados e reconhecidos igualmente necessários, provido para que eles se limitem e se corrijam. A sua oposição tornava-se mesmo a sua justificação. Para emprestar alguns exemplos ao mundo económico, o “monopólio” e a “concorrência”, o “trabalho” e o “consumo”, a “propriedade” e a “sociedade”. Tais “actividades individuais” e a “autoridade social”. “o que a concorrência está ocupada a fazer sem parar, o monopólio está ocupado a desfazê-lo sem parar; o que o trabalho produz, a consumação devora-o; o que a propriedade se atribui, a sociedade apara; e daí resulta o movimento contínuo, a vida infalível da humanidade”. “Não é um princípio, uma força na sociedade, que não produz mais miséria do que riqueza, se ela não é balançada por uma outra força do qual lado útil neutraliza o efeito destruidor da primeira 31”. Se uma das duas forças antagónicas está entravada, a actividade individual, por exemplo, socumbe sob a autoridade social, a organização degenera no comunismo e termina no nada. “Se, por outro lado, a iniciativa individual vem marcar o equilibrio, o organismo colectivo corrompe-se, e a civilização arrasta-se sob um regime de raça, de vício e de miséria 32”. Ordem e liberdade, socialismo e ciência económica, Estado e propriedade: outros exemplos destes pares dos quais Proudhon nos diz que “a acção recíproca” - e, acrescenta, “eu diria quase a ameaça mútua” - assegura o equilibrio vivo da sociedade 33. O Estado e a propriedade são alternadamente o objecto das sentenças de condenação mais radicais; mas eles tornam-se correlativos, então, não podem ser mais definidos pela “soma dos seus abusos 34”, mas sobretudo pelo desempenho moderador recíproco, e mesmo o que ele tem de abusivo neles pode tornar-se alguma espécie legítima se é necessário para este desempenho. A propriedade, nomeadamente, aparecia então no seu “destino altamente civilizador”; se o Estado é “o regulador da sociedade”, ela é a “grande mola”; penhora à sua origem, ela é um principio “vicioso e antisocial”, mas ela não pode tornar menos, com o concurso de outras instituições, “o eixo e a grande mola de todo o sistema social” e o “equilibrio” salutar que impede o Estado em tornar-se tirânico 35…
Os significados que traduzem esta conciliação que é o verdadeiro ideal proudhoniano, segundo os pontos de vista diversos, são “justiça, igualdade, equação, equilibrio, acordo, harmonia 36”. Em cada um destes sinónimos “ encontram-se unidos a consciência e o entendimento, razão prática e razão especulativa, o real e o ideal, a lei do universo e a lei da humanidade 37”. Na Criação da Ordem, Proudhon, que já previa o seu método, dizia: “o balanço 38”, e retomará a expressão nas suas obras posteriores 39. É a Fourier que ele deve o significado de harmonia, a Fourier, ele diz, "artista, místico e profeta 40”. Ele próprio fala também da “melodia dos seres 41”. Mas o significado mais geral é o do equilibrio. Na Celebração do domingo, Proudhon evocava terminando “o equilibrio geral” que devia enfim, suceder “ao mais furioso antagonismo 42”. Mais tarde, ele escrevia que estas Contradicções económicas não são outra coisa que uma “operação de equilibrio 43”, e é ainda um “equilibrio geral dos Estados” que ele proposera como “sistema político da humanidade 44”. Somente, anotaremos bem, um tal equilibrio não é realizado uma vez por todas, não é uma “ordem” morta, esta ordem na qual “os nossos burgueses” são “amorosos até à raiva 45”. É um “equilibrio na diversidade 46”, e é um “equilibrio incessante 47”, isso, não tanto porque está sempre em vias de melhor se estabelecer. Verdadeiramente, sobretudo “equilibrio 48 ”, ou seja, equilibrio activo, dinâmico, onde a contradicção se torna em tensão. Como os nossos corpos materiais, o organismo espiritual e o organismo social têm necessidade de certos elementos que, em estado puro, seriam as poções, mas que, se corrigem e se unem um ao outro, conservando o movimento da vida 49 .
Mesmo que ele se agite no mundo social, o nome por excelência do equilibrio assim realizado (ou sobretudo realizando-se) pela dialéctica será a justiça. Só nele, este significado introduz-nos numa esfera nova. Pois a justiça talvez considerada sob dois aspectos. Ela é o próprio benefício ao qual se deve chegar, e é neste sentido que ela é também, ou acima de tudo, ela é desde já, o principio que assegura a realização deste beneficio. Dizemos, servindo-nos de uma fórmula que não é a de Proudhon mas que se assemelha be traduzida, ao seu pensamento, que ele tem uma “justiça justificante” e uma “justiça justificada”, ou, para empregar um sentido diferente dos termos de M. Lalande, uma “justiça constituinte” e uma “ justiça constituída 50 ”. Ora a segunda só é possível pela intervenção da primeira. Além, ou debaixo das suas agitações antinómicas, existe a consciência, lugar destas agitações, que não pode melhor definir-se como uma exigência da justiça. No objecto, tudo é antinómico: também Proudhon pode declarar de boa fé que ele rejeita todo o absoluto, todo o elemento que seria então sério, não submisso à engrenagem dialéctica, toda a realidade transcendente. Não é menos verdade que a este complexo objecto e inquieto de contradicções é necessário, como para uma matéria, impõe-se uma forma, para tirar uma harmonia. Esta forma, é a justiça. Ora la não pode ser um simples resultado. A dialéctica é um processo que deve ser colocado na obra e orientado. Ele é-o porque nós o nomeamos a “justiça justificante”, e é assim que a justiça, antes de aparecer como o equilibrio obtido, revela-se como o mesmo principio deste equilibrio.
Nas suas obras, Proudhon nunca expôs esta doutrina; só de uma forma confusa. Que tal seja bem entretanto a ideia que, mais ou menos obscoramente, o guia, não saberia duvidar apesar de ele reler o conjunto dos textos. É explicar, por outro lado, um dia, na carta ao seu amigo Langlois. Este tinha acreditado poder falar depois dele, ao longo de um artigo que o consagrara, de “antinomia da justiça”. Proudhon responde-lhe, a 30 de Dezembro de 1861, que ele encontra acerca deste ponto a sua redação , e talvez o seu pensamento incorrecto:
Ele está bem seguro que a ciência do direito, como o da economia política, como a metafísica, etc., papel sobre as perpétuas antinomias; neste sentido, a vossa expressão justifica-se, e o vosso artigo faz muito bem compreender em que consiste, no direito da guerra e das gentes, a antinomia. Mais fundo, esta antinomia não vem da mesma justiça; a consciência não é a antinomia da sua natureza, como o entendimento. Não existirá nada de moral positiva se assim fôr, e nós deveríamos afastarmo-nos ou deixar fazer os Maltusianos. A Justiça, em si, é a balança das antinomias, isto é, a redução ao equilibrio das forças em luta, a equação, num só significado, das suas pretenções respectivas. É por isso que eu nada tomei como divisa da liberdade, que é uma força indefinida, absorvente, que se pode apagar mas não convencer; eu coloquei debaixo dela a Justiça, que julga, regula e distribui. A liberdade é a força da colectividade soberana; a Justiça é a sua lei 51.
Neste reconhecimento de uma moral absoluta, de uma norma não dialéctica que se impõe à liberdade, nós temos o último tratado que diferencia radicalmente o método, e do mesmo lado, a doutrina proudhoniana, das de um Hegel ou de um Marx. Proudhon não pode admitir esta teoria hegeliana da guerra e do direito da força, que, diz ele, desonra a filosofia ao misturar o bem e o mal, o verdadeiro e o falso 52. Ele fala, também, de um certo “direito da força”, mas não é com o mesmo sentido. Ele aborda Hegel de não ter sabido dar “uma teoria forte e verdadeira da liberdade e da justiça, sem a qual existe vergonha e degradação para o homem 53“. Num progresso que não seria mais que um processo fatal e não “o efeito do nosso livre arbitrio”, ele recusa-se a ver um progresso real 54. A sua moral não quer ser nem relativista, nem oportunista. Permanece um sistema com termos do qual “a distinção do bem e do mal não tem nada de absoluto” e ele não deixa impôr reflexões sobre a evolução universal e sobre a história do mundo para abdicar da dignidade do homem individual. É ainda lá um aspecto desta personalidade, que aparece a Kierkgaard no Post-Scriptum 55.
Uma segunda carta a Langlois faz-nos fazer um pouco mais. Respondendo a Proudhon, o seu amigo tinha afluído no seu sentido e desejado até a ir mais longe” que ele. Parecia-lhe, no fundo, dizia ele, “que o entendimento não é mais antinómico, no fundo, a consciência”. Está lá, diz Proudhon, o meu próprio pensamento: “o principio da Justiça, para a consciência, e o mesmo que o principio da igualdade ou da equação para o entendimento”, e é neste principio que se restabelecem todas as operações intelectuais. Assim a antinomia e a equação são bem duas formas do entendimento, mas a primeira tem por fim a segunda, e esta não tem portanto mais nada de antinómico; “aliás não existiria certeza, verdade, e o pensamento não seria mais que uma eterna balança”. É necessário pois admitir afinal de contas “que o entendimento, como a consciência, bem compreendida, abraça todas as antinomias, não pode nem deve ser dita antinómica 56”.
Este esboço improvisado de uma teoria de inteligência não é de nenhuma clareza. Pelo menos, a intenção está nela manifestada. Depois da consciência moral, e pela mesma razão, é a própria inteligência que emerge da dialéctica. Estão do mesmo lado, todas as categorias essenciais, todas as grandes ideias, “forças puras, primeiras faculdades e criadoras”, que constituem por assim dizer, a base. “Elas estão, por natureza, sem sistema e fora de série 57.” Elas são o próprio espírito, na sua unidade.
Proudhon tem visto portanto, que o Uno, princípio de toda a união como de todo o equilibrio, príncipio de harmonia universal, está fora do género. É necessariamente, dizia o ancião filósofo, “um transcendental”. Ele não saberia encontrar-se numa síntese, obter uma síntese. Ele não é o objecto nem o resultado: ele é o príncipio e a forma. “Nisso, conclui proudhon, consiste a pessoa humana 58”.
Se ainda nós atirarmos um olhar ao conjunto sobre a dialéctica proudhoniana e à visão do mundo que ela supõe, nós seremos conduzidos antes em reconhecer que, tanto e mais que uma dialéctica, ela é uma fenomenologia. Para ela, efectivamente, as antinomias “são todas as contemporâneas, mesmo que elas se primem e se subalternem alternadamente 59”. Ela visa reduzir menos as oposições aparentes ou momentâneas, do que colocar em destaque tudo, transformando-as e organizando-as entre si, as originalidades irreductiveis e contrastantes. Pressente-se a ideia husserlina de uma série de valores heterógeneos, impossíveis de hierarquizar, na qual a coexistência é uma fonte de conflitos indefinidos. Mais, em todo o caso, naquele de um Hegel, esta filosofia é dramática. Sobretudo aquela de inúmeros hegelianos, junto dos quais as intuições do mestre tornam-se em fórmulas, e a sua dialéctica, um procedimento. Enquanto que estes “escamoteiam os conflitos ao ritmo ternário de uma valsa dialéctica 60 “. proudhon olha face a um undo que nenhuma operação de alguma espécie não pode reduzir a uma fórmula definitiva, e ele traduz a sua intuição pela palavra biblíca: “O Eterno é um guerreiro 61”. Contra todos os sistemas que mecanizam o progresso e negam a iniciativa humana no seio de um imenso desenvolvimento racional, ele conserva “o sentimento inextirpável da actualidade criadora 62”. Comparámo-la a Leibniz, cuja doutrina monádica despertava efectivamente as suas simpatias 63. Aproximou-se a sua dialéctica da de Fichte, concebendo um e a outro como uma “via ascendente contra a intuição de uma totalidade de elementos irreductíveis 64”. Sublinhou-se o paralelismo do seu papel com o de Kiekegaard perante Hegel e com o de Bakounine perante Marx 65. A seguir a Sainte-Beuve 66, chamou-se o seu parente de espírito com Pascal 67. Outras aproximações poderiam ser esboçadas. Todos têm a sua verdade. A todos eles, (eles) mostram que se teria injusta, sobre o mesmo plano da filosofia, de nigligenciar o pensamento de Proudhon.
Não mais que toda uma outra, as obscuridades, as dificuldadesinternas não faltam a este pensamento. Pode-se pedir, por exemplo, em que consiste o benefício do “equilibrio” à “série" ou o da consciência às antinomias. Pode-se procurar como se juntam numa mesma explicação o ritmo necessário do universo físico ou do pensamento, e o ritmo do universo moral e social, onde a liberdade intervêm 68; como “o sistema das leis da Justiça é a mesma coisa que o sistema das leis do mundo 69”; de que “ponto de vista superior” “o homem e a natureza, o mundo da liberdade e o mundo da fatalidade”, “apesar de algumas dissonâncias, mais aparentes que reais”, “formam um todo harmónico 70”. Pode-se estimar também que Proudhon abusa do recurso à ideia dialéctica para permitir muitos exageros sucessivos e opostos 71; existe nas suas explicações um paradoxo verbal, como também existe no procedimento nos territórios hegelianos. É inegável, enfim, que este pensamento todo ele concreto, repugna habitualmente, no seu vigor, as análises pacientes e bem delimitadas, numa espécie em que a maior parte das noções que ela emprega, sobretudo a da justiça, cobrem um campo tão vasto e tão movimentado que é por vezes penoso reconhecer-se na confusão das suas significações analógicas. Se se quiser continuar a discussão até ao fim, talvez seria necessário examinar ainda se a ideia de “conciliação”, a que Proudhon expõe e coloca na obra, não contém qualquer equívoco, inclinando ora para a síntese e ora para o compromisso; examinar, por outros termos, se esta dialéctica triunfa plenamente em “resolver o conflito sem suprimir a tensão 72”; se esta filosofia que nós chamamos dramática triunfa ao escapar ao trágico puro 73 tanto que ela descança num optimismo a bom caminho e recusa igualmente considerar uma última solução onde a oposição superada; se ela não pretendia servir de justificação dialéctica a uma “revolução permanente” concedida como uma série sem fim destas “agitações” que Proudhon nunca tinha aprovado 74… sobretudo, como acordar a rejeição tantas vezes professada em toda a transcendência, ao inicio como o termo do movimento dialéctico, com a pretensão de impôr a este movimento uma norma e assinalar-lhe um fim?
Mas estas dificuldades e, se se desejar, estas contradicções não devem, entretanto, fazer-nos concluir o “completo insucesso” nem, na mais forte razão, o “nada completo” do método proudhoniano, como o fez F. Pillon com muita injustiça 75. Elas não autorizam a confundir a sua dialéctica com os “procedimentos de sofista 76” ou a tratá-la de “mistificação 77”. Elas constituem sobre tudo, diremos, resgate de um pensamento que não se resigna em encerrar, apesar das suas ilusões, no futuro e na imanência. Marx pode bem ridicularizar Proudhon de ter feito das categorias económicas, essencialmente transitórias, “expressões teóricas das condições de produção material de uma certa época”, as “ideias que teriam pré-existido em toda a eternidade”; ele pode bem, alargando a sua crítica, ver no seu adversário uma “vítima da ilusão especulativa”, incapaz de compreender “o movimento histórico que pertuba o mundo actual”, e o lamenta de ter penetrado pouco “no mistério da dialéctica 78”. Por mais desprezador que ele se revele, este julgamento é-nos precioso. Constatando os mesmos factos, nós podemos pelo contrário estimar que Proudhon, se ele não tem grave poder de Marx, não foi no mínimo como ele, victima de ilusão dialéctica, que ele soube reconhecer a espécie da eternidade de todo o que este homem tem de essencial no seu entendimento e na sua consciência, e que assim, sem penetrá-lo, ele pressentiu mesmo o mistério ontológico. As suas soluções, na medida onde elas existem, não nos satisfazem nada, mas pelo menos com ele, como nós veremos mais detalhadamente no último capítulo, os problemas essenciais são e permanecem colocados. As suas negações nunca são definitivas. Os seus julgamentos mais peremptórios não acarretam toda a retomada. No momento que nos vem chocar, a sua dialéctica faz de si o nosso aliado contra si mesmo, não talvez a mais verdadeira. Sempre, consigo, a discussão permanece aberta.
NOTAS
1 Filosofia do progresso, p.21.
2 Émile Bréhier, História da filosofia, t.2, p.746.
3 Miséria da filosofia, tr. fr.(1896),p.155.
4 Cf. Marx, loc.cit.: “Proudhon está atónito de esterilidade quando ele se agita em produzir o trabalho de produção dialéctica na categoria nova”. E p. 150: “M. Proudhon, apesar da grande pena que ele tomou em escalar a altura do sistema das contradicções, nunca pode elevar-se debaixo dos dos primeiros escalões da tese e da antitese siples, e ainda os transpôs duas vezes, e, estas duas vezes, ele caiu uma vez para trás…”
5 À luz do marxismo, t. 1, p. 181 e 182.
6 A ideia do direito social, p. 333.
7 Criação da ordem, p. 162.
8 Justiça, t. 1, p. 211. Comparar a sátira de Renouvier sobre “este método desastroso dos agrupamentos, das aproximações e dos encadeamentos de termos ternários, por meio daquela, substitui-se tudo o que o vulgar apela definição e prova, uma combinação artificial e sempre artificial de vocábulos, determinados em aparência uns pelos outros, e portanto bastante vagas para se sujeitar a todas as necessidades. Quantos investigadores improvisados do verdadeiro dogma são imperfeitos os Orfeus da religião e da filosofia do futuro, porque eles sabiam jogar, sem nunca ter aprendido este instrumento fácil e agradável, e eles não se metiam em pena de sons todos diferentes como eles os entendiam dar entre as mãos dos seus rivais! O inventor Hegel havia tirado as melodias mais sábias, etc.” Introdução à filosofia analítica da história (1864), p. 154-155.
9 Teoria da propriedade (1866), p. 206.
10 Teoria da propriedade, p. 52.
11 Confissões, p. 316. Capacidade política, p. 200. Cf. R.Aron e A.Dandieu, A revolução necessária (1933), p. 163: “A síntese, é o fim do movimento, é, pensá-lo bem, a forma social da morte.”
12 A Monard, 31 Dezembro 63 (t. 13, p. 213-214).
13 Teoria da propriedade, p. 212.
14 Pornocracia, p. 122-123.
15 As teorias em França no séc. XIX, p. 375.
16 As escolas filosóficas em França. Revista dos Dois Mundos, Agosto 1850, p. 675.
17 Miséria, t. 2, p. 396.
18 A Langlois, Dezembro 51 (t. 4, p. 157).
19 Blake, Casamento do Céu e Inferno, debate.
20 A. M. X., 5 Junho 61 (t. 11, p. 112).
21 Guerra e Paz, p. 33, 341 e 486.
22 Op. cit., p. 49 e 56.
23 Op. cit., p. 482-483.
24 Cf. solução do problema social, Programa, 31 Março 1848: “Mesmo que a vida suponha a contradicção, a contradicção por seu lado, apela à justiça: daí a segunda lei da criação e da humanidade, a penetração mútua dos elementos antagonistas, a Reciprocidade.” (p. 92).
25 Guerra e Paz, p. 134.
26 Justiça, t. 3, p. 256.
27 Confissões, p. 177.
27 Miséria, t. 2, p. 396.
28 Carta a M. Bastiat, 3 Dezembro 49 (na Bastiat, Obras, t. 5, p. 147).
29 Miséria, t. 1, p. 368. Cf. p. 72: “A verdade encontra-se, não na exclusão de um dos contrários, mas na conciliação dos dois”. Proudhon acrescenta, em linguagem hegeliana, que eles deviam ser “absorvidos” um e outro “numa fórmula mais complexa”. É o caso de nos lembrar da nota de M. Gurwitch, A ideia do direito social, p. 331: “Quanto ao fundo do seu pensamento, aqui como algures, ele serve exclusivamente o seu próprio caminho e considera as antinomias como irredutiveis.”
30 Cf. Berthod, na Ideia da Revolução, p. 29. No primeiro capítulo da Miséria, a propósito da oposição da economia política e do socialismo, a ideia e o significado de conciliação surgem muitas vezes. Mas o que “ele se agita para descobrir”, é “uma lei superior”, é “uma fórmula de conciliação superior às utopias socialistas e às teorias mutiladas da economia política”, não existe portanto “o parar num meio arbitrário justo, insassiável, impossível”. (t. 1, p. 78, 79, 81).
31 Justiça, t. 2, p. 131.
32 Miséria, t. 2, p. 396.
33 Guerra e Paz, p. 498. Cf. Miséria, t. 2, p. 391: “O socialismo tem razão em protestar contra a economia política e dizer-lhe mesmo: Vós não sois mais que uma rotina que vós mesmos não entendeis. E a economia política tem razão em dizer ao socialismo: Vós não sois mais que uma utopia sem realidade nem aplicação possível. Mas um e outro negam sucessivamente, o socialismo, a experiência da humanidade, a economia política, a razão da humanidade, todos os dois faltam às condições essenciais da verdade humana.”
34 Cf. O que é a propriedade? p. 128: “M. Blanqui reconhecia que existe na propriedade uma loucura de abusos, e de odiosos abusos; do meu lado, eu chamo exclusivamente propriedade à soma destes abusos.” (Prefácio à 2ª Edição, 1841). Sabia-se, da propriedade assim entendida, Proudhon distingue expressamente a possessão.
35 Teoria da propriedade, p. 173 e 208. “Se se estuda nas suas consequências politicas, económicas e morais o poder essencialmente abusador da propriedade, desfaz-se nesta união de abuso uma funcionalidade energética, que acorda imediatamente no espírito da ideia de um destino altamente civilizador, também favorável, mais ao direito do que à liberdade.” Cf. Justiça, t. 3, p. 264: “Eu entendo não suprimir nada do que eu tinha feito decididamente a crítica”, (mas eu desejo) “colocar cada coisa no seu lugar, após ter censurado o absoluto e balançado com as outras coisas”. E Capacidade política, p. 200, a propósito da liberdade e da unidade ou ordem, etc.: “Não se pode nem separá-los, nem absorvê-los um ao outro; é preciso resignar-se para viver com os dois, equilibrando-os”.
36 A Bergmann, 15 Novembro 61 (t. 11, p. 286). Teoria da propriedade, p. 217. 37 A Bergmann, 15 de Novembro de 61 (ibid.)
38 Criação da Ordem, p. 213.
39 Justiça, t. 2, p. 60, 95, 131, t.4, p. 432. Teoria da propriedade, p. 206. Pornocracia, p. 232, etc.
40 Capacidade política, p. 193. Cf. Guerra e Paz, p. 134: “A oposição das forças tem pois como fim a sua harmonia.”
41 Miséria, t. 2, p. 396.
42 Domingo, p. 96. Nesta página, Proudhon sonha ainda um dia onde “o problema social será absoluto”, onde “da mistura de todas as doutrinas nascerá a ciência una e indivisível”, onde o homem poderá exclamar: “os tempos de prova são finitos, a idade de ouro está diante de nós”. Mas talvez não é necessário ver que um pedaço de bravura, mais ou menos imposto pela lei do género. Nesta dissertação apesar de académica, ela é uma espécie de analogia da “vida eterna” dos predicados.
43 Teoria da propriedade, p. 217.
44 Guerra e Paz, p. 497-498.
45 Justiça, t. 3, p. 256.
46 Domingo, A Criação da Ordem falará igualmente da “intuição sintéctica na diversidade”, da “totalização na divisão” (ed. Lacroix, p. 210-15).
47 Teoria da propriedade, p. 52.
48 Op. cit., p. 206.
49 É o que Proudhon explica ao cardial Mathieu, Jutiça, t. 2, p. 94-95: “Dizei-me, Meu Senhor, o que vós fuméis ou respiréis no tabaco, que cós prováis no Kirsch, que vós coméis no vinagre, não são os peixes, e os mais violentos de todos os peixes? Bem, ele é assim em alguns principios que a natureza tem misturado em nossas almas, e que são essenciais á constituição da sociedade: nós não poderíamos existir sem les; mas por pouco nós entendemos ou concentramos a dose, alterámos a economia, nós morremos infalivelmente por eles. De outro modo, no regime de balança e de falsos pesos onde nós vivemos, a divisão do trabalho é funesta ao operário, a concorrência desastrosa, a especulação vergonhosa, a centralização humilhante, eu acrescento que a propriedade é imoral e funesta. Como a amêndoa amarga, reduzida pela análise química à pureza do seu elemento, tornando-se ácido prússico, assim a propriedade, reduzida à pureza da sua noção, é a mesma coisa que o roubo. Toda a questão, para o emprego deste elemento temível, é, repito-o, encontrar a fórmula, num estilo economista, a balança…”.
50 Comparar com a doutrina platónica da alma como “harmonizante” ou como “harmonizante” ou como “harmonia aplicada”: Cf. P. Lachière-Rey; As ideias morais, sociais e políticas de Platão, p. 62.
51 T. 11, P. 308.
52 Guerra e Paz, p. 107.
53 Justiça, t. 3, p. 504.
54 Ibid. “Diz-me enfim… que ideia eu posso ter do progresso, quando de todas as vossas palavras resulta que eu não sou mais que uma marioneta?” (P. 502). Sem dúvida Hegel pretende que a história da liberdade; mas a sua liberdade não difere no fundo da necessidade; ela é a força obstinada que possui o organismo intelectual, ela é o movimento orgânico do espírito. Hegel não admite mais a liberdade do que Spinoza. (P. 499-501).
55 Cf. Kierkgaard, Post-Scriptum (trad. Paul Petit).
56 17 Janeiro 62 (t. 11, p. 349-350). E já lá, diz ele, o “pensamento fundamental” do novo prefácio que ele vem colocar na Justiça (re-edição de Bruxelas).
57 Revolução social, p. 55. Desde já, na conclusão da Miséria, t. 2, p. 388, Proudhon escrevia: “A profundeza dos céus não iguala a profundeza da nossa inteligência, no seio da qual se movem maravilhosos sistemas… Lá pressente-se, chocam-se, balançam-se forças eternas…”: e p. 395: “ As ideias, iguais entre si, contemporâneas e coordenadas no espírito, parecem atiradas para a confusão, dispersas, localizadas, subordinadas e consecutivas na humanidade e na natureza, formando quadros e histórias sem igual com este desenho primitivo; e toda a ciência humana consiste em reconhecer nesta concepção o sistema abstracto do pensamento eterno: “Assim, escrevia ele a Paul Armenkov a 28 Dezembro de 1848, a força da subtilidade, o rapaz adere a descobrir o pensamento de Deus…”
58 Loc. cit.
59 A M. Clerc, 4 Novembro 63 (t. 13, p. 343).
60 Aron e Dandieu, A revolução necessária, p. 160.
61 Exôdo, 15, 3. Colocado no exergo na Guerra e Paz.
62 Aron e Dandieu, op. cit., p. 161.
63 G. Gurwitch, A ideia do direito social, p. 334.
64 Gurwitch, op. cit., p. 333. Sobre a forma na qual Proudhon teria podido subir a influência de Fichte por intermédio de Krause e d’Ahrens: ibid., p. 336-337.
65 Aron e Dandieu, op. cit., p. 155-156 e p. 161. Cf.Torsten Bohlin, Kiekegaard: “Kiekegaard acentua muito e sem deixar o carácter combativo da vida da personalidade. A tese de Herades sobre a discórdia produzindo todas as coisas passa na concepção kiekegardiana da transformação e das condições vitais da personalidade.” (P: 87).
66 P.-J. Proudhon, p. 223.
67 Roger Picard, na Miséria, t. 1, p. 28-29. Jean Lacroix, Itenerário espiritual, p. 81. Miguel de Unamuno, A agonia do cristianismo, tr. fr., p. 117.
68 Cf. Justiça, t. 4, p. 431-432: “Então, a ideia de uma harmonia universal entra na minha alma; eu digo a mim mesmo que entre o mundo da natureza e o da Justiça, lei, força, substância, tudo é idêntico; que assim, como a ordem é perfeita entre as esferas que percorrem o espaço; a proporção imutável entre os elementos nos quais se compõem toda a criação, ele deve estar mesmo entre os homens. E o facto vem em seguida confirmar a hipótese. A economia, a política, a organização do atelier, a Razão pública, resolvem-se num sistema de ponderações ou de balanços; nesta analogia de legislação entre o Cosmos e o Anthrôpos aparece a identidade de espírito que os anima, latente no primeiro, livre no segundo.”
69 Ibid., p. 433: “O universo está estabelecido sobre as leis da Justiça; a Justiça é organizada após as leis do universo, etc.” A Chaudey, 15 Janeiro59: “Lei do homem e da natureza” (t. 8, p. 350): Justiça, Notas e esclarecimentos: “A Justiça é a lei fundamental do univeso”. (t. 2, p. 298).
70 Justiça, t. 2, p. 389.
71 A sua dialéctica surgia aqui como a transpiração abstracta do seu temperamento. É o caso de nos lembrar o que ele escrevia um dia, a 15 de Abril 61, a Rolland: “Comigo, é sempre necessário corrigir, interpretar uma excentricidade por uma outra, se quiser ter o verdadeiro pensamento e o verdadeiro carácter do homem.”
72 A expressão é de M. Jean Lacroix, Pessoa e Amor, p. 44.
73 Sobre a noção do trágico: Georges Didier, Valores trágicos e valores cristãos, na Cidade Nova, 10 Outubro 1942.
74 Que o espírito proudhoniano seja elogiado de todo o “trotskismo”, é também o que resulta do desprezo que sufoca Trotsky no seu percurso. (Cf. Trotsky, Defesa do Território, tr. fr., p. 53-54.
75 A Crítica filosófica, t. 2 (1872-73), p. 379. A propósito da “grande síntese” revista e anunciada por proudhon, o autor fala ainda de uma “nuance do ridiculo” e de uma “nuance de charlatanismo”, no que não devem dissimular-nos o sério esforço proudhoniano.
76 Renouvier, Filosofia do século XIX, no Ano Filosófico, 1867, p. 74.
77 Edmond Scherer, cruzamento da crítica religiosa, p. 510. Talvez se aproximasse a Proudhon com mais justiça em não ser sempre fiel a si mesmo, a alma do seu método. Porquê, por exemplo, metia-se ele no reboque de Machiavel e de Rousseau, como nós o tinhamos visto no capítulo precedente, para impelir da distinção evangélica do temporal e do espiritual na sociedade? Como é que ele não viu que existe, “nesta mesma tensão” entre os dois poderes, ”uma salvaguarda preciosa da pessoa humana e dos seus interesses superiores”, bem mais ainda na tensão que ele destinava a este mesmo fim entre governo e propriedade? O problema não deve ser em procurar qual poder asseguraria o outro ou o absorverá para lhe acrescentar as prerrogativas aos seus próprios, mas como a “guerra” entre eles poderá transformar-se em “harmonia” para uma colaboração fecunda. Cf. Joseph Lecler, A Igreja e a soberania do Estado, na Construcção, 1942.
78 Marx, comentando a sua própria obra contra Proudhon (citado por Otto Ruhle, Karl Marx, p. 117-118). Cf. a carta desde já citada a Paul Armenkov: “As categorias económicas… são para M. Proudhon as fórmulas eternas que não têm nem origem nem progresso, etc.”; o antagonismo que ele crê descobrir não é só mais que a sua própria “incapacidade em compreender a origem e a história profana das categorias que ele diviniza”. Reconhcer-se-ia de outro modo facilmente o método marxista, com todos os seus partidos tomados, permanece um instrumento mais eficaz que o método proudhoniano para a análise de evolução social. Mas esta análise não é tudo.
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