«Há no mundo esfomeados e obesos. Os esfomeados alimentam-se de lixo nas lixeiras enquanto os obesos alimentam-se de lixo nos McDonalds»
1. Metade dos brasileiros é pobre ou muito pobre, mas o Brasil é também o segundo mercado mundial das canetas Montblanc, o país que está em nono lugar nas compras dos automóveis Ferrari, e em que as boutiques Armani de S.Paulo vendem mais que as de New York
2. Pinochet, o carrasco que matou o presidente socialista do Chile, presta homenagem à sua vítima cada vez que se refere ao «milagre chileno». Com efeito, ele nunca confessou, nem sequer os governos que lhe sucederam, que um tal «milagre» se deve ao cobre, a peça-mestra da economia chilena, que Allende nacionalizou e que até á data nunca mais foi privatizada.
3. Os nossos índios nasceram na América e não na Índia, tal como, de resto, a dormideira. O milho também nasceu na América e não na Turquia.Porém, a língua inglesa chama «turkey» à dormideira e os italianos chamam «granturco» ao milho.
4. O Banco Mundial cobriu de elogios a privatização da saúde publica na Zâmbia: «Trata-se de um modelo para a África. Agora não há filas de espera nos hospitais». O jornal The Zambian Post completou a ideia: «Agora não há filas de espera nos hospitais porque as pessoas passaram a morrer em casa»
5. Há quatro anos o jornalista Richard Swift foi aos campos do oeste do Ghana onde se produz cacau barato que é vendido para a Suiça. Na sua mochila, o jornalista tinha barras de chocolate. Os agricultores de cacau nunca tinham provado chocolate, e quando o saborearam ficaram encantados.
6. Os países ricos, que subsidiam a sua agricultura a um ritmo de 1 bilião de dólares por dia, proíbem no entanto os subsídios agrícolas aos países pobres.
7. Colheita record nas margens do Mississipi: o algodão norte-americano inunda o mercado e provoca a descida generalizado dos preços.Colheita record nas margens do Níger: o algodão africano é de tal forma pouco rentável que nem vale a pena ser colhido.As vacas do países do hemisfério norte ganham duas vezes mais que os agricultores do hemisfério sul. O montante de subsídios para cada vaca na Europa e nos EUA é duas vezes superior à soma de dinheiro que um agricultor dos países pobres ganha ao longo de um ano de trabalho.Os produtores do sul estão desunidos face ao mercado mundial, ao passo que os compradores do norte impõem preços monopolistas. Desde o desaparecimento da Organização Internacional do Café em 1989, e com ela o sistema de quotas de produção, o preço do café caiu a pique. Na América Central, inclusivamente, quem quer que semeie café recolhe invariavelmente a fome. No entanto, não consta que, quem quer que beba café, tenha pago menos por isso.
8. Carlos Magno, criador da primeira grande biblioteca da Europa, era analfabeto
9. Joshua Slocum, o primeiro homem que deu a volta ao mundo à vela sozinho, não sabia nadar.
10. Há no mundo esfomeados e obesos. Os esfomeados alimentam-se de lixo nas lixeiras enquanto os obesos alimentam-se de lixo nos McDonalds. O progresso não pára. Rarotonga é a mais próspera das ilhas Cook, no Pacífico Sul com índices invejáveis de crescimento económico. Não obstante, mais saliente é ainda o crescimento da obesidade entre os jovens. Há 40 anos atrás, 11% do total de jovens eram gordos. Presentemente, são todos.Similarmente a China, desde que aderiu àquilo que se chama de economia de mercado, viu o seu menu tradicional de arroz e legumes a ser substituído por hamburgers. O governo chinês, perante tais factos, não teve outra solução senão declarar guerra contra a obesidade que se tornou, entretanto, em autêntica epidemia nacional.
11. A mais famosa frase atribuída a D.Quixote ("Ladran, Sancho, la marque que nous montons") não consta na famosa obra literária de Cervantes; também não é Humphrey Bogart que diz a célebre frase que é associada ao filme Casablanca ("Play it again, Sam"); do mesmo modo, e ao contrário do que se julga, Ali Baba não é o chefe dos 40 ladrões, mas antes o seu inimigo; finalmente, Frankenstein não é o monstro que estamos habituados, mas sim o seu inventor involuntário.
12. À primeira vista, parece incompreensível; à segunda, também: onde o progresso é maior, mais horas as pessoas trabalham. A doença resultante do excesso de trabalho leva à morte. Em japonês é chamada a Haroshi. Entretanto, os japoneses estão prestes a incorporar uma outra palavra no dicionário da civilização tecnológica: karojsatsu é o nome dado aos suicidas por hiperactividade, que são cada vez mais frequentes. (…)Legitimamente perguntar-se-á: para que servem as máquinas se elas não servem para reduzir o trabalho humano? (…)
13. Segundo os evangelhos, o Cristo nasceu quando Herodes era rei. Ora como Herodes morreu 4 anos antes da era cristã, Cristo terá nascido pelo menos 4 anos antes de Cristo. A noite de Natal é celebrada em muitos países com material bélico. Noite de paz, noite de amor: os petardos enlouquecem os cães e deixam surdos os homens e as mulheres de boa vontade. A cruz suástica, que os nazis identificaram com a guerra e a morte, era um símbolo de vida na Mesopotâmia, na Índia e na América.
14. Quando George W. Bush propôs cortar árvores para acabar com os incêndios florestais, ele não foi bem compreendido. O presidente parecia um pouco mais incoerente que o habitual. Mas de facto ele estava a ser consequente com as suas ideias. Existem remédios santos: para acabar com as dores de cabeça, é necessário decapitar o doente, tal como para salvar o povo iraquiano é preciso bombardeá-lo.
15. O mundo é um grande paradoxo que roda no universo imenso. A esta cadência não faltará muito que os proprietários do planeta proíbam a fome e a sede para que o pão e a água não faltem!
por Eduardo Galeano
A Insubmissão como obra de arte
Uma bem nutrida plêiade de autores, desde Nietzsche até Adorno, passando por Heidegger, Marcuse e Benjamin, não se cansaram de anunciar ao logo dos últimos cento e cinquenta anos a morte da arte. Não admira pois que os especialistas opinem hoje que a instituição artística atravessa a fase final do seu esgotamento, contando já com um certificado oficial de morte, ou que, pelo menos, se encontra já em adiantado estado de decomposição, o que não impede obviamente de continuar a haver artistas, críticos, teóricos de arte, revistas de arte, páginas, notícias e anúncios sobre arte, e até mesmo a continuação do funcionamento de faculdade e departamentos universitários de arte, procurados como nunca por uma enorme clientela, facto este que, de resto, não está ainda devidamente esclarecido... O anúncio antecipado da morte da arte não impede igualmente o uso sistemático e altissonante do termo “arte”, tanto para efeitos políticos ( veja-se a impressionante máquina de fazer dinheiro em que se tornou a Cultura) como para efeitos especulativos ( o negócio da arte), ou ainda como simples objecto de teorização.Novidade marcante é, sem dúvida, utilizá-lo para efeitos de luta antimilitarista e crítica à guerra e ao complexo militar-industrial dominante. Na verdade, entre as novidades recentes do panorama artístico tem surgido um novo tipo de artista: o artista insubmisso militar. O caso mais conhecido foi o do estudante das Belas Artes que se declarou refractário e insubmisso ao Serviço Militar Obrigatório, ao Exército e a todo a máquina estatal de guerra invocando a favor da sua atitude motivos e razões do foro artístico, aproveitando até a ocasião para redigir um Manifesto Artístico Insubmisso, ao longo do qual argumentava e defendia a sua concepção da insubmissão à tropa e à guerra como obra de arte, recorrendo para tal a toda uma forte tradição artística insubmissa – Dada, Tzara, Duchamp, Beuys, Zaj,... – legitimada pela História da Arte, e ensinada inclusivamente nas Faculdades Estatais de Belas-Artes. Toda a sua alegação rematava com a invocação do Artigo 13º ( “É livre a criação intelectual, artística e científica”) e do Artigo 78º ( que dá ao Estado a incumbência de apoiar as iniciativas que estimulem a criação individual e colectiva), ambos da Constituição da República.Claro está que a estratégia jurídico-argumentativa apresentada sofre de não poucas fraquezas face ao conteúdo e espírito do texto constitucional que noutras partes consagra injunções de teor e fins opostos aos que foram invocados, pelo que não foi difícil rebatê-los na decisão que veio a ser proferida pouco tempo depois.Por outro lado a via escolhida para realizar a crítica antimilitarista não se nos afigura ter tido grande eficácia. Todos sabem a pouca receptividade dos militares e até do Estado a razões puramente artísticas para a fundamentação de atitudes e comportamentos. É certo que teve oportunidade para desmistificar certos preconceitos vulgares e muito comuns que estão na origem do Exército e do Estado ao recorrer a razões de ordem artística. Todavia, a luta antimilitarista só se mostrará consequente se tiver impacto junto de conjuntos significativos da população, o que nunca veio realmente a acontecerAlém do mais enveredar por uma “estratégia artística antimilitarista” envolve algum perigo na medida em que o raciocínio que aí se convoca é muito semelhante ao utilizado nas operações militares ( e já agora, o mesmo pensamento se poderá aplicar ao de “vanguarda artística”), se bem que dúvidas não subsistem que os inimigos mais persistentes dos militares não são propriamente os militares adversários mas sim os antimilitaristas.Acerca do acto em si enquanto atitude que releva do foro artístico será necessário, como ponto prévio, elucidarmo-nos sobre se a arte existe, sobre o que é a arte, e ainda se é possível uma definição institucional da mesma.Sustentar a insubmissão à tropa e à guerra em nome da arte sugere logo uma perspectivação da prática artística como desobediência, transgressão de normas e até de delito. E não há dúvidas que a arte do século XX nos oferece uma grande parentesco entre o impulso criativo e anticonvencional, antagónico à dimensão burguesa convencional estabelecida. Este parentesco encontra-se inclusivamente corroborado na moderna ideia segundo a qual a atitude não conformista é a condição prévia e indispensável para a criação artística.Porém não nos iludamos: o anticonvencionalismo, o inconformismo, a desobediência, a insubmissão, o delito,etc, são sempre conceitos relativos a um determinado grupo de referência que, por consenso, define socialmente o conteúdo da norma e do desvio, pelo que uma desobediência relativamente a um grupo social ( dominante, por exemplo) poderá ser vista também como de obediência a outro grupo social ( dominado).De qualquer forma o certo é que existem na História da arte sólidas referências, isto é, precedentes reconhecidos, que permitem encarar a criação artística não tanto como uma habilidade especial para gerir certos materiais e formas, mas como antinomia de toda e qualquer restrição e limitação. Nas palavras de Beuys “o artista e o delinquente são companheiros de caminhada, dispõem ambos de uma louca criatividade, e ambos carecem de moral...”Evidentemente que não se trata aqui de atribuir a categoria artística a alguns bem conhecidos delitos ( como os crimes perfeitos, o dos colarinhos brancos, as falsificações refinadíssimas, as fugas de prisão...), nem é sequer intenção nossa parte trazer à colação os numerosos artistas que foram delinquentes ( Caravaggio foi um criminoso, Rimbaud e Verlaine são conhecidos pelas rixas em que se envolveram, e os primeiros dadaístas de Zurich famosos desertores da I Grande Guerra), trata-se sim de apurar se a arte supõe em si mesma alguma forma de insubmissão ou de delito. O caso de Egon Schiele, preso por ser considerado pornógrafo, a acção dos primeiros graffiters novaiorquinos alvo da perseguição da polícia, as galerias de arte processadas por imoralidade após as exposições de Mapplethorpe, as provocadoras exibições públicas da Action and Body Art na década de sessenta, o happening político de Maio 68, o Accionismo vienense e a sua luta anarquista por uma liberdade dionisíaca sem limites, o movimento Fluxus, a Anti-Arte, Zaj e o não-Zaj, e em grande medida de toda a corrente conceptualista ( desenvolvida desde Duchamp), representam todos eles o questionar da própria ideia de arte.Reinstauradora do vínculo platónico entre moral e estética, será que a arte deve abandonar a complacência administrativa e avançar no caminho da crítica institucional tal como faz Hans Haacke que denuncia a experiência quotidiana capitalista, lançando as suas obras contra as instituições artísticas estabelecidas, e indústrias congéneres?Inspirados nesta ideia numerosos artistas optaram por esta via ( bastará lembrar o caso de Wolf Vostell, Julien Blaine, Joel Hubaut, Patrice Loubier...) e que acabam justamente por reconhecer a natureza artística a uma acto como o de insubmissão antimilitarista.Reticentes a uma concepção destas serão certamente as instituições estabelecidas como as academias, universidades, associações de críticos, museus, etc , circunstância essa que só dará razão a Gomez de la Serna quando este escreve “...as academias não têm nada a ver com a arte; constituem-se acima de tudo como recintos tétricos, repletos de chefes de língua de negócio”.Chegamos assim a este ponto do problema: se as faculdades de arte não têm capacidade para dizer o que é a arte, então quem o pode fazer? A resposta óbvia é remeter para o próprio foro de cada indivíduo na hipótese de se considerar a arte como uma experiência eminentemente subjectiva e intransferível, e que dura enquanto acontece num determinado sujeito criador. Mas nesse sentido qualquer um pode ser artista, quer seja militar ou civil, oprimido ou opressor. Mas se se busca uma resposta mais elaborada então as coisas complicam-se. E torna-se hoje ainda mais difícil descortinar alguma saída para esta questão depois de tantas evoluções a que se assistiu neste domínio no último século.Novos enfoques sobre o assunto ( o que é a arte?) não vão faltar com o passar do tempo, mas hoje desgraçadamente temos de reconhecer que a arte é definida institucionalmente pelos...media! São estes, mais o dinheiro investido ( ou a investir) que definem institucionalmente a natureza artística de uma obra.Por isso, um artista insubmisso militar que queira elevar o seu acto à categoria de arte não tem outro solução que não seja comprar um bom e apelativo anúncio televisivo, ou em algum outro meio audiovisual de massas...Podemos concluir assim que a Arte a a Justiça têm algo de comum entre si : ambas são instituições fraudulentas.A Arte por dissimular uma existência improvável ( quase impossível) nas actuais condições demotecnocráticas e hipertecnologizadas em que a própria realidade acabou por sucumbir às mãos de ficções tornadas realidade.A Justiça não somente pelas disfuncionalidades congénitas de qualquer aparelho ou máquina judicial mas sobretudo pela contradição que se revela entre as suas leis e os fundamentos morais que pretensamente aquelas se apoiam, como ainda por sancionar justamente os indivíduos que ao avaliar criticamente a actuação do Estado, qual máquina de poder em potência e em acto, mais longe levam o seu direito de cidadania (1) ao exigir que o Direito Penal deste corresponda ao seu próprio fundamento originário , que é o de se constituir como um conjunto normativo que garanta tão só os requisitos mínimos para a convivência social, (2) assim como à recusa de se aglutinar a uma massa informe de indivíduos através da activa participação cívica e social.
José Saborit Viguer
Toda a pessoa que crê no crescimento exponencial infinito num mundo de recursos finitos ou é um louco ou é um economista
por Eduardo Galeano
A Insubmissão como obra de arte
Uma bem nutrida plêiade de autores, desde Nietzsche até Adorno, passando por Heidegger, Marcuse e Benjamin, não se cansaram de anunciar ao logo dos últimos cento e cinquenta anos a morte da arte. Não admira pois que os especialistas opinem hoje que a instituição artística atravessa a fase final do seu esgotamento, contando já com um certificado oficial de morte, ou que, pelo menos, se encontra já em adiantado estado de decomposição, o que não impede obviamente de continuar a haver artistas, críticos, teóricos de arte, revistas de arte, páginas, notícias e anúncios sobre arte, e até mesmo a continuação do funcionamento de faculdade e departamentos universitários de arte, procurados como nunca por uma enorme clientela, facto este que, de resto, não está ainda devidamente esclarecido... O anúncio antecipado da morte da arte não impede igualmente o uso sistemático e altissonante do termo “arte”, tanto para efeitos políticos ( veja-se a impressionante máquina de fazer dinheiro em que se tornou a Cultura) como para efeitos especulativos ( o negócio da arte), ou ainda como simples objecto de teorização.Novidade marcante é, sem dúvida, utilizá-lo para efeitos de luta antimilitarista e crítica à guerra e ao complexo militar-industrial dominante. Na verdade, entre as novidades recentes do panorama artístico tem surgido um novo tipo de artista: o artista insubmisso militar. O caso mais conhecido foi o do estudante das Belas Artes que se declarou refractário e insubmisso ao Serviço Militar Obrigatório, ao Exército e a todo a máquina estatal de guerra invocando a favor da sua atitude motivos e razões do foro artístico, aproveitando até a ocasião para redigir um Manifesto Artístico Insubmisso, ao longo do qual argumentava e defendia a sua concepção da insubmissão à tropa e à guerra como obra de arte, recorrendo para tal a toda uma forte tradição artística insubmissa – Dada, Tzara, Duchamp, Beuys, Zaj,... – legitimada pela História da Arte, e ensinada inclusivamente nas Faculdades Estatais de Belas-Artes. Toda a sua alegação rematava com a invocação do Artigo 13º ( “É livre a criação intelectual, artística e científica”) e do Artigo 78º ( que dá ao Estado a incumbência de apoiar as iniciativas que estimulem a criação individual e colectiva), ambos da Constituição da República.Claro está que a estratégia jurídico-argumentativa apresentada sofre de não poucas fraquezas face ao conteúdo e espírito do texto constitucional que noutras partes consagra injunções de teor e fins opostos aos que foram invocados, pelo que não foi difícil rebatê-los na decisão que veio a ser proferida pouco tempo depois.Por outro lado a via escolhida para realizar a crítica antimilitarista não se nos afigura ter tido grande eficácia. Todos sabem a pouca receptividade dos militares e até do Estado a razões puramente artísticas para a fundamentação de atitudes e comportamentos. É certo que teve oportunidade para desmistificar certos preconceitos vulgares e muito comuns que estão na origem do Exército e do Estado ao recorrer a razões de ordem artística. Todavia, a luta antimilitarista só se mostrará consequente se tiver impacto junto de conjuntos significativos da população, o que nunca veio realmente a acontecerAlém do mais enveredar por uma “estratégia artística antimilitarista” envolve algum perigo na medida em que o raciocínio que aí se convoca é muito semelhante ao utilizado nas operações militares ( e já agora, o mesmo pensamento se poderá aplicar ao de “vanguarda artística”), se bem que dúvidas não subsistem que os inimigos mais persistentes dos militares não são propriamente os militares adversários mas sim os antimilitaristas.Acerca do acto em si enquanto atitude que releva do foro artístico será necessário, como ponto prévio, elucidarmo-nos sobre se a arte existe, sobre o que é a arte, e ainda se é possível uma definição institucional da mesma.Sustentar a insubmissão à tropa e à guerra em nome da arte sugere logo uma perspectivação da prática artística como desobediência, transgressão de normas e até de delito. E não há dúvidas que a arte do século XX nos oferece uma grande parentesco entre o impulso criativo e anticonvencional, antagónico à dimensão burguesa convencional estabelecida. Este parentesco encontra-se inclusivamente corroborado na moderna ideia segundo a qual a atitude não conformista é a condição prévia e indispensável para a criação artística.Porém não nos iludamos: o anticonvencionalismo, o inconformismo, a desobediência, a insubmissão, o delito,etc, são sempre conceitos relativos a um determinado grupo de referência que, por consenso, define socialmente o conteúdo da norma e do desvio, pelo que uma desobediência relativamente a um grupo social ( dominante, por exemplo) poderá ser vista também como de obediência a outro grupo social ( dominado).De qualquer forma o certo é que existem na História da arte sólidas referências, isto é, precedentes reconhecidos, que permitem encarar a criação artística não tanto como uma habilidade especial para gerir certos materiais e formas, mas como antinomia de toda e qualquer restrição e limitação. Nas palavras de Beuys “o artista e o delinquente são companheiros de caminhada, dispõem ambos de uma louca criatividade, e ambos carecem de moral...”Evidentemente que não se trata aqui de atribuir a categoria artística a alguns bem conhecidos delitos ( como os crimes perfeitos, o dos colarinhos brancos, as falsificações refinadíssimas, as fugas de prisão...), nem é sequer intenção nossa parte trazer à colação os numerosos artistas que foram delinquentes ( Caravaggio foi um criminoso, Rimbaud e Verlaine são conhecidos pelas rixas em que se envolveram, e os primeiros dadaístas de Zurich famosos desertores da I Grande Guerra), trata-se sim de apurar se a arte supõe em si mesma alguma forma de insubmissão ou de delito. O caso de Egon Schiele, preso por ser considerado pornógrafo, a acção dos primeiros graffiters novaiorquinos alvo da perseguição da polícia, as galerias de arte processadas por imoralidade após as exposições de Mapplethorpe, as provocadoras exibições públicas da Action and Body Art na década de sessenta, o happening político de Maio 68, o Accionismo vienense e a sua luta anarquista por uma liberdade dionisíaca sem limites, o movimento Fluxus, a Anti-Arte, Zaj e o não-Zaj, e em grande medida de toda a corrente conceptualista ( desenvolvida desde Duchamp), representam todos eles o questionar da própria ideia de arte.Reinstauradora do vínculo platónico entre moral e estética, será que a arte deve abandonar a complacência administrativa e avançar no caminho da crítica institucional tal como faz Hans Haacke que denuncia a experiência quotidiana capitalista, lançando as suas obras contra as instituições artísticas estabelecidas, e indústrias congéneres?Inspirados nesta ideia numerosos artistas optaram por esta via ( bastará lembrar o caso de Wolf Vostell, Julien Blaine, Joel Hubaut, Patrice Loubier...) e que acabam justamente por reconhecer a natureza artística a uma acto como o de insubmissão antimilitarista.Reticentes a uma concepção destas serão certamente as instituições estabelecidas como as academias, universidades, associações de críticos, museus, etc , circunstância essa que só dará razão a Gomez de la Serna quando este escreve “...as academias não têm nada a ver com a arte; constituem-se acima de tudo como recintos tétricos, repletos de chefes de língua de negócio”.Chegamos assim a este ponto do problema: se as faculdades de arte não têm capacidade para dizer o que é a arte, então quem o pode fazer? A resposta óbvia é remeter para o próprio foro de cada indivíduo na hipótese de se considerar a arte como uma experiência eminentemente subjectiva e intransferível, e que dura enquanto acontece num determinado sujeito criador. Mas nesse sentido qualquer um pode ser artista, quer seja militar ou civil, oprimido ou opressor. Mas se se busca uma resposta mais elaborada então as coisas complicam-se. E torna-se hoje ainda mais difícil descortinar alguma saída para esta questão depois de tantas evoluções a que se assistiu neste domínio no último século.Novos enfoques sobre o assunto ( o que é a arte?) não vão faltar com o passar do tempo, mas hoje desgraçadamente temos de reconhecer que a arte é definida institucionalmente pelos...media! São estes, mais o dinheiro investido ( ou a investir) que definem institucionalmente a natureza artística de uma obra.Por isso, um artista insubmisso militar que queira elevar o seu acto à categoria de arte não tem outro solução que não seja comprar um bom e apelativo anúncio televisivo, ou em algum outro meio audiovisual de massas...Podemos concluir assim que a Arte a a Justiça têm algo de comum entre si : ambas são instituições fraudulentas.A Arte por dissimular uma existência improvável ( quase impossível) nas actuais condições demotecnocráticas e hipertecnologizadas em que a própria realidade acabou por sucumbir às mãos de ficções tornadas realidade.A Justiça não somente pelas disfuncionalidades congénitas de qualquer aparelho ou máquina judicial mas sobretudo pela contradição que se revela entre as suas leis e os fundamentos morais que pretensamente aquelas se apoiam, como ainda por sancionar justamente os indivíduos que ao avaliar criticamente a actuação do Estado, qual máquina de poder em potência e em acto, mais longe levam o seu direito de cidadania (1) ao exigir que o Direito Penal deste corresponda ao seu próprio fundamento originário , que é o de se constituir como um conjunto normativo que garanta tão só os requisitos mínimos para a convivência social, (2) assim como à recusa de se aglutinar a uma massa informe de indivíduos através da activa participação cívica e social.
José Saborit Viguer
Toda a pessoa que crê no crescimento exponencial infinito num mundo de recursos finitos ou é um louco ou é um economista
Kenneth Boulding
A Arte da Pontuação
Colocar uma vírgula antes ou depois de uma palavra pode ser uma questão de vida ou de morte. Em Perdón Imposible, José Antonio Millán relata-nos um episódio em que o imperador Carlos V, na iminência de assinar uma sentença de morte que dizia «Perdão impossível, cumprir a condenação», viu-se acometido por um ataque de magnanimidade e, antes de rubricar, resolveu corrigir a frase: «Perdão, impossível cumprir a condenação». Bastou mudar uma vírgula e salvou-se, assim, a vida de um homem.
A Arte da Pontuação
Colocar uma vírgula antes ou depois de uma palavra pode ser uma questão de vida ou de morte. Em Perdón Imposible, José Antonio Millán relata-nos um episódio em que o imperador Carlos V, na iminência de assinar uma sentença de morte que dizia «Perdão impossível, cumprir a condenação», viu-se acometido por um ataque de magnanimidade e, antes de rubricar, resolveu corrigir a frase: «Perdão, impossível cumprir a condenação». Bastou mudar uma vírgula e salvou-se, assim, a vida de um homem.
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