Este artigo retoma uma questão levantada aqui há seis anos –em Monthly Review,
Maio 2000. Constitui uma tentativa de actualizar e alargar essa análise anterior. Embora os quadros inseridos abaixo sejam semelhantes aos do artigo anterior, foram feitas algumas mudanças na apresentação dos dados devido a alterações nas fontes estatísticas governamentais.
É uma verdade incontornável da economia capitalista que a distribuição desigual dos rendimentos, com base nas classes, é um factor determinante do consumo e do investimento. A quantidade dos gastos em bens de consumo depende dos rendimentos da classe trabalhadora. Os trabalhadores gastam necessariamente todo ou quase todo o
seu rendimentos em bens consumo. Assim, para as famílias que estão nos 60 por cento mais baixos da distribuição de rendimentos nos Estados Unidos, as despesas médias com consumo pessoal equivaleram ou ultrapassaram o rendimento médio antes de impostos em 2003; enquanto que o quinto da população imediatamente acima delas gastou em consumo cinco sextos dos seus rendimentos antes de impostos (a maior parte do excedente foi sem dúvida levada pelos impostos). [1] Em contrapartida, os que se situam no topo da pirâmide dos rendimentos – a classe capitalista e os seus parceiros relativamente ricos – gastam uma percentagem muito menor dos seus rendimentos em consumo pessoal. A maior parte dos rendimentos dos capitalistas (que a este nível tem que ser estendida a fim de incluir ganhos de capital não realizados) é dedicada ao investimento.Daí que se possa esperar que uma desigualdade cada vez maior nos rendimentos e na riqueza venha a criar o velho quebra-cabeças do capitalismo: um processo de acumulação (poupança-e-investimento) que depende da manutenção de salários baixos enquanto se confia no consumo baseado nesses mesmos salários para sustentar o crescimento económico e o investimento. É impossível fazer o que foi sugerido no princípio do século XX pelo economista americano J.B. Clark – "construir mais fábricas que produzam mais fábricas eternamente" – quando não existe procura suficiente dos consumidores para os produtos criados nessas fábricas. [2] Nestas circunstâncias, em que o consumo e portanto o investimento estão fortemente dependentes dos gastos daqueles que estão no ponto mais baixo do fluxo do consumo, seria natural supor que uma estagnação ou decréscimo dos salários reais gerasse uma tendência de crise para a economia, restringindo os gastos gerais com o consumo. Não há dúvidas quanto à crescente compressão das rendimentos baseados nos salários. Excepto no que se refere a uma pequena subida nos anos 90, há décadas que os salários reais estão a marcar passo. Uma família típica (de rendimento mediano) tenta compensar isso aumentando o número de empregos e trabalhando horas extras. Apesar disso, o rendimento real (com ajustamento da inflação) duma família típica baixou durante cinco anos seguidos até 2004. Em 2003-2004, os 95 por cento de famílias que se encontram no grupo inferior de rendimentos, sofreram uma redução dos rendimentos médios reais por agregado familiar (tendo os 5 por cento do topo, claro, feito lucros maiores). Em 2005 os salários reais cairam em 0,8 por cento. [3] Apesar disso, em vez de sofrer um decréscimo, o consumo global continuou a aumentar. Com efeito, o crescimento económico dos EUA está cada vez mais dependente do que à primeira vista parece ser uma subida imparável do consumo. Entre 1994 e 2004, o consumo cresceu mais depressa do que a rendimento nacional, com a fatia dos gastos em consumo pessoal no PIB subindo de 67 para 70 por cento. [4] Como é que se explica este paradoxo – decréscimo dos salários reais e disparo do consumo?Quando, neste mesmo local, em Maio de 2000 (perto do final da anterior expansão do ciclo de negócios), comentámos o mesmo problema, perguntávamos:
Mas se é esse o caso [estagnação de salários], donde vem todo este consumo? Será que o capital conseguiu por qualquer forma a quadratura do círculo – aumentar o consumo rapidamente enquanto simultaneamente mantém os salários baixos? A resposta óbvia – ou pelo menos grande parte dela – é que num período de estagnação de salários, os trabalhadores vivem cada vez mais acima das suas posses, contraindo empréstimos para conseguir juntar as pontas (ou, nalguns casos, para tentar desesperadamente melhorar um pouco o seu nível de vida). Em grande medida, a actual expansão económica foi comprada à custa da dívida do consumo.
Se era esse o caso há seis anos, pouco antes da última recessão económica, ainda o é mais hoje e as possíveis consequências são piores. Como os gastos com o consumo têm vindo a aumentar nos Estados Unidos muito mais depressa do que os rendimentos, o resultado tem sido um aumento no rácio da dívida global do consumo em relação à rendimento disponível. Como se mostra na Tabela 1,ver o original) o rácio entre a considerável dívida do consumidor e o rendimento disponível do consumidor mais que duplicou nas últimas três décadas, de 62 por cento em 1975 para 127 por cento em 2005. Isto foi possível, em parte, devido às taxas de juro historicamente baixas, que tornaram mais fácil contrair dívidas nos últimos anos (embora as taxas de juro estejam agora a subir).Assim, um melhor indicador do real impacto financeiro do endividamento familiar é fornecido pelo rácio do serviço da dívida – pagamentos do consumidor de juros e prestações, contra rendimento disponível do consumidor. O Gráfico 1 mostra o rápido aumento na relação do serviço da dívida durante o último quarto de século, desde 1980 até aos dias de hoje, com uma subida acentuada a começar nos meados dos anos 90 e que continua até hoje apenas com ligeiras interrupções.Porém, os dados agregados desta forma não nos dizem muito sobre o impacto de tal endividamento nos diversos grupos (classes) de rendimentos. Para esse tipo de informações é necessário recorrer à Análise das Finanças do Consumidor do Conselho da Reserva Federal, que é realizado de três em três anos.A Tabela 2 apresenta dados sobre o que se chama a "carga do endividamento familiar" (percentagem dos pagamentos do serviço da dívida em relação à rendimento disponível) por percentagens de rendimentos. Embora a carga do endividamento familiar tenha descido em quase todos os níveis de rendimentos durante a recessão mais recente (assinalada no relatório de 2001), aumentou subitamente durante a última vagarosa expansão. Para as famílias nas percentagens de rendimentos medianos (40.0-59.9), a carga do endividamento atingiu agora o seu nível mais alto de todo o período de 1995-2004. Estas famílias viram os pagamentos do serviço de dívida aumentarem, em percentagem do rendimento disponível, cerca de 4 pontos percentuais desde 1995, atingindo quase os 20 por cento – valor mais alto do que em qualquer outro grupo de rendimentos. A carga de endividamento mais baixo encontra-se naturalmente nas famílias das percentagens de rendimentos mais altos (90-100), onde baixa para menos de 10 por cento do rendimento disponível.Tudo isto aponta para a natureza de classe da distribuição do endividamento familiar. Isto é ainda mais óbvio quando se olha para as famílias endividadas que suportam cargas de endividamento extremamente altas e para as que estão com mais de sessenta dias de atraso nos pagamentos dos seus compromissos de dívida. A Tabela 3 mostra a percentagem de famílias endividadas, por percentis de rendimentos, que têm cargas de endividamento familiar acima dos 40 por cento. Este aperto financeiro é inversamente proporcional aos rendimentos. Mais de um quarto das famílias endividadas mais pobres – que constituem um quinto, o mais baixo, de todas as famílias – estão a suportar estas pesadas cargas de endividamento familiar. As famílias nos dois quintos acima, i.e. nos percentis de rendimento 20.0-59.9, sofreram aumentos na mesma percentagem das famílias endividadas que suportam esta excessiva carga de endividamento desde 1995 – sendo que o número de família endividadas apanhadas nesta ratoeira subiu para cerca de 19 por cento no segundo quinto mais baixo, e para cerca de 14 por cento no quinto do meio. Em contrapartida, para as famílias que se situam nos 40 por cento dos rendimentos mais altos, a percentagem dos lares que suportam tal aperto financeiro tem diminuído desde 1995. Assim, nesta rápida subida do endividamento em relação ao rendimento disponível, o aperto financeiro assenta ainda mais solidamente nas famílias da classe trabalhadora, de rendimentos mais baixos.O aumento da carga de endividamento familiar, claro, abre o caminho para incumprimentos e falências. Durante a primeira administração de G.W. Bush, houve quase cinco milhões de falências individuais, um recorde em qualquer mandato único na Casa Branca. Ultimamente diminuiu o número de falências – pelo menos a curto prazo – por causa da pesada legislação de falências aprovada pelo Congresso em 2005. Mas, ao tornar mais difícil para as famílias libertarem-se da pesada carga de endividamento, o efeito será certamente aumentar o número de trabalhadores que são essencialmente "escravos contratados dos tempos modernos". [5] A Tabela 4 mostra a percentagem de famílias endividadas em cada categoria de rendimentos que estão atrasadas em sessenta dias ou mais no pagamento dos seus compromissos. No que se refere às famílias abaixo do 80º percentil de rendimentos, a percentagem de famílias endividadas que cai nesta categoria aumentou fortemente desde 1995. Em contrapartida, as famílias no 80º percentil e acima dele, sofreram uma redução na percentagem de famílias endividadas que estão atrasadas nos pagamentos dos seus compromissos. De novo, verifica-se que o crescimento do aperto financeiro nos Estados Unidos está hoje concentrado nos agregados familiares da classe trabalhadora.A maior parte do endividamento é provocada pela residência primária, o património principal da grande maioria das famílias. A dívida das casas hipotecadas continuou a subir fortemente. Entre 1998 e 2001 o valor mediano da dívida hipotecário aumentou 3,8 por cento, enquanto que, de 2001 a 2004, atingiu uns fenomenais 27,3 por cento! Cerca de 45 por cento de proprietários de casas com uma primeira hipoteca refinanciaram as suas casas em 2001-04 (comparando com 21 por cento nos três anos anteriores), sendo que mais de um terço destes contraíram empréstimos para além do valor refinanciado. O valor mediano do capital adicional conseguido por estes devedores foi de 20 mil dólares. [6] Apesar do aumento em espiral dos preços das casas nos últimos anos, o rácio entre capital/valor dos bens imobiliários familiares dos proprietários de casas continuou a diminuir de 68 por cento em 1980-89, para 59 por cento em 1990-99, para 57 por cento em 2000-05. [7] Como os preços das casas subiram em espiral, apareceram outras formas de hipoteca mais perigosas. O editor do Left Business Observer, Doug Henwood, assinalou em The Nation (27/Março/2006),
Tempos houve em que era preciso entrar com um pesado pagamento inicial para comprar uma casa. Agora não: em 2005 um primeiro comprador mediano entrava apenas com 2 por cento do preço de compra, e 43 por cento não fazia qualquer pagamento. E cerca de um terço das novas hipotecas em 2004 e 2005 foram feitas a taxas flutuantes (porque os pagamentos iniciais são mais baixos do que os empréstimos a taxa fixa). Em picos anteriores as taxas de juro atingiram alturas cíclicas, mas nos últimos anos tem-se assistido às taxas de juro mais baixas em toda uma geração. Assim as hipotecas com taxas flutuantes provavelmente só flutuam num sentido: para cima. [8]
A família típica também está atolada no endividamento por cartão de crédito. Actualmente cerca de dois terços de todos os possuidores de cartões têm saldos e pagam encargos financeiros todos os meses – sendo que o saldo negativo médio por possuidor de cartão subiu para 4 956 dólares no final de 2005. Nos últimos anos, houve uma mudança de cartões de taxa fixa para taxa variável, quando as taxas de juro começaram a subir, havendo neste momento cerca de dois terços de todos os cartões com taxas variáveis – um pouco mais do que há meio ano. As taxas de juro sobre cartões estão a subir rapidamente – o que o Wall Street Journal chamou "A Catapulta do Cartão de Crédito" (25/Março/2006). A taxa média de juros dos cartões de taxa variável saltou de 12,8 por cento em 2005 para 15,8 por cento em Fevereiro de 2006. Entretanto, a parte dos lucros dos emissores de cartões de crédito correspondentes às taxas subiu de 28 por cento em 2000 para uns 39 por cento em 2004. No seu conjunto, os saldos não pagos de cartões de crédito no final de 2005 totalizaram 838 mil milhões de dólares. [9] Os efeitos disto recaem mais pesadamente nas classes trabalhadoras e nas famílias de rendimentos médios. Segundo o Survey of Consumer Finances, a percentagem de agregados familiares que têm saldos de cartões de crédito aumenta nas de rendimentos até ao 90º percentil, e depois cai na vertical.Outra esfera crescente de empréstimos é o crédito a prestações, juntamente com empréstimos que têm pagamentos fixos e prazo fixo, como o crédito para automóveis e o crédito para estudos – que constituem as duas maiores áreas de créditos a prestações. Em 2001-04 o valor médio destes empréstimos aumentou em 18,2 por cento. [10] As famílias de baixos rendimentos estão cada vez mais sujeitas ao crédito predatório: prestações diárias, prestações de automóveis, segundas hipotecas, etc. – todas elas crescendo rapidamente no actual clima de aperto financeiro. Segundo o Center for Responsible Lending (Centro para o Crédito Responsável),
Um empréstimo típico para automóvel tem uma taxa de juro anual de três dígitos, exige reembolso no prazo de um mês, e é feito por muito menos do que o valor do carro... Como os empréstimos estão estruturados para serem reembolsados num único pagamento e a um prazo muito curto, muitas vezes os devedores não conseguem pagar o valor total devido na data de vencimento e ficam na situação de estender ou "adiar" a dívida repetidamente. Desta forma, muitos devedores pagam encargos muito para além da quantia que inicialmente pediram emprestado. Se o credor falha no cumprimento destes pagamentos recorrentes, o credor pode retomar a posse do carro sumariamente. [11]
O aperto financeiro crescente dos agregados familiares levou ao aparecimento de um exército de cobradores de dívidas, tendo o número de empresas especializadas em comprar e cobrar dívidas não pagas subido de cerca de 12 em 1996 para mais de 500 em 2005. Segundo o Washington Post, isto levou a: "Chamadas embaraçosas para o local de trabalho. Ameaças de cadeia e mesmo violência. Levantamentos indevidos de contas bancárias. Um número cada vez maior de consumidores queixa-se das técnicas abusivas destas empresas que constituem uma nova geração de cobradores de dívidas". [12] Neste contexto geral de endividamento familiar crescente, é evidentemente o rápido crescimento do empréstimo garantido pela casa que tem maior significado macroeconómico, e que permitiu que este sistema de expansão do endividamento inflacionasse tão rapidamente. Os proprietários de imóveis estão cada vez mais a desvalorizar o capital das suas casas a fim de satisfazer as suas necessidades de consumo e pagar os saldos do seu cartão de crédito. Em consequência, "no período de Outubro a Dezembro [2005], o volume de empréstimos por novas hipotecas líquidas de residências subiu US$1,11 milhões de milhões, elevando o nível da hipoteca global para US$8,66 milhões de milhões – uma quantia que equivale a 69,4 por cento do PIB dos EUA". [13] O facto de isto estar a acontecer numa altura de crescente desigualdade de rendimentos e riqueza ou de salários reais estagnados e rendimentos reais em declínio para a maioria das pessoas deixa poucas dúvidas de que isto se deve, em grande medida, à necessidade de as famílias tentarem manter os seus padrões de vida.A bolha da habitação, associada à alta dos preços das casas e aos associados aumentos no refinanciamento e gastos com a casa, que se desenvolvem há décadas, foi um factor importante para permitir a recuperação da economia desde o afundamento do mercado de acções e da recessão no ano seguinte. Dois anos apenas após o declínio do mercado de acções, a irreverente analista económica e financeira Stephanie Pomboy, da MacroMavens, já estava a escrever sobre "A grande transferência da bolha", em que a expansão prolongada da bolha da habitação compensava milagrosamente o declínio da bolha do mercado de acções, estimulando o crescimento em sua substituição . No entanto, "tal como a bolha nos bens financeiros", escreveu Pomboy.
A nova bolha dos bens imobiliários tem características claramente perturbadoras. Por exemplo, pode argumentar-se, e de forma convincente, que a casa passou a ser a nova "conta aberta" pois os consumidores – através de programas populares como "cash-out Refi" (refinanciamento) – recorrem ao seu maior activo único devido a ganhos não realizados. Talvez a marca mais perturbadora desta mania Refi seja o correspondente afundamento da liquidez dos proprietários das casas ... Os números do "cash-out Refi" revelam uma "febre especulativa" que faz empalidecer a loucura Nasdaq [NT] Segundo estimativas de Fannie Mae, a saída de caixa média da Refi é de 34 mil dólares. Isto parece-me imenso, principalmente se considerarmos que o preço mediano duma casa é de apenas 150 mil dólares... ou seja, a média é que o Zé está a extrair 20% o valor da sua casa! [14]
A surpreendente intensidade dos gastos com o consumo, crescendo mais rapidamente do que o rendimento disponível, tem sido frequentemente atribuída ao efeito de enriquecimento no mercado de acções (a noção de que o valor de alguns pontos na subida de riqueza no mercado de acções são empregues pelos ricos em maiores gastos de consumo – visto que são eles que possuem a maior parte das acções do país) [15] Pomboy argumenta, no entanto, que "há indícios que sugerem que o efeito do enriquecimento no imobiliário pode ser significativamente maior do que o efeito do enriquecimento no mercado de acções... Segundo um recente estudo de Robert Schiller (o conhecido "Exuberância Irracional"), a habitação foi sempre para os consumidores um motor mais importante do que o mercado de acções. Na sua rigorosa análise, estado a estado, e em 14 análises de países, Schiller concluiu que a correlação da habitação com o consumo era o dobro da do mercado de acções". Para Pomboy, isto sugeria que estava escrito nas paredes: "Como o capital dos proprietários de casas está sempre a baixar, qualquer pequeno abaixamento dos preços das casas poderá provocar o risco de uma cascata em direcção a uma situação líquida negativa. Mas, de forma ainda mais imediata, o aumento do serviço da dívida de hipotecas (mais uma vez, apesar de novas baixas nas taxas de hipoteca) não prenuncia nada de bom para o consumo quando o Fed se prepara para inverter caminho" – e aumentar as taxas de juro. A diminuição do capital próprio da casa e o aumento no serviço da dívida da hipoteca (e o rácio do serviço da dívida como um todo) indica quão grande é hoje na verdade a "febre especulativa" que está na base do crescimento do consumo. A bolha da habitação e o peso do consumo na economia estão ligados ao que se poderá designar por "bolha do endividamento familiar", que poderá rebentar facilmente em resultado da subida das taxas de juro e da estagnação ou declínio dos preços das casas. Com efeito, o preço mediano de uma nova casa tem descido de há quatro meses para cá, com vendas de casas novas unifamiliares caindo em 10,5 por cento em Fevereiro, a maior descida em quase uma década, assinalando possivelmente o rebentamento da bolha da habitação. Numa recente entrevista, "Handling the Truth" ("Falando Verdade") na revista Barron's, Stephanie Pomboy argumentou que a economia dos EUA se encaminhava para "um ambiente de estagflação [crescimento fraco aliado a um alto desemprego e preços em alta]". Entre as razões para tal, afirmou, estavam as deficientes rendimentos salariais e a incapacidade de os consumidores continuarem a suportar a bolha da dívida da habitação. "O poder de compra do consumidor já está limitado pelo... crescimento esbatido dos rendimentos, em especial dos salários". Para Pomboy, as empresas têm vindo a concentrar-se cada vez mais no segmento alto do mercado de consumo nos últimos anos, enquanto que o segmento baixo (a parte suportada pelos consumidores com base apenas nos seus salários) está em perigo de se desmoronar. Até a Wal-Mart, bastião dos preços baixos, que fornece principalmente a classe trabalhadora, está a começar a oferecer produtos adequados a famílias de rendimentos mais altos. [16] A fragilidade dos rendimentos mais baixos, e a compressão no consumo da classe trabalhadora – o chamado "consumo do segmento baixo" – é uma grave preocupação para a economia que se tornou cada vez mais dependente do consumo para alimentar o crescimento, dada a estagnação do investimento. Com poucas expectativas de lucros em novos investimentos, as empresas têm estado sentadas sobre enormes lucros corporativos não distribuídos, que chegaram, diz Pomboy, a 500 mil milhões de dólares e se situam agora à volta de 440 mil milhões. O dinheiro total disponível das empresas, que estavam "dentro da gaveta" no final de 2005 era, segundo a Barron's, um recorde de 2 milhões de milhões de dólares. "O chocante, obviamente", afirma Pomboy, "é que eles têm estado sentados sobre este dinheiro e não estão a fazer nada com ele apesar dos incríveis incentivos para o gastar, não só fiscalmente mas do ponto de vista das taxas de juros. Não parece que guardar e sentar sobre o dinheiro na gaveta seja agora uma ideia de investimento particularmente convincente. Ela revela muito acerca do ambiente que os administradores de empresas vêm lá fora, com a potencialmente contínua oferta excessiva [de capital] a que chegámos no período pós-bolha". [17] A verdade é que, sem uma intensificação do investimento nos negócios a economia dos EUA estagnará – uma realidade que as bolhas especulativas podem adiar e disfarçar de diversas maneiras, mas não conseguem ultrapassar totalmente. Mas o investimento está bloqueado pela super-acumulação e pela super-capacidade. Portanto, o resultado provável será o crescimento lento continuado, mais endividamento, e potencial para desastres financeiros. Não há milagre de crescimento pelo qual uma economia capitalista madura orientada para a alta exploração e com oportunidades de investimento evanescentes (e incapaz de expandir as exportações líquidas para o resto do mundo) possa continuar a crescer rapidamente – a não ser por meio da acção de bolhas que ameaçam finalmente acabar por rebentar.A tragédia da economia dos EUA não é o consumo excessivo mas o facto de uns poucos procurarem desenfreadamente a riqueza à custa de toda a população. Como única resposta resta a reconstrução verdadeiramente revolucionária de toda a sociedade. Essa reconstrução radical obviamente não se encontra de momento em cima da mesa. No entanto, chegou a altura de uma renovada luta de classes a partir de baixo – não só para indicar o caminho para um eventual novo sistema, mas também, mais no imediato, para proteger os trabalhadores dos piores fracassos do velho sistema. Não está em causa onde tais lutas devam começar: o trabalho deve renascer das suas cinzas.
Notas 1- Ver U.S. Department of Labor, Bureau of Labor Statistics, Consumer Expenditures in 2003, June 2005, table 1. 2- Clark citado em Paul M. Sweezy, The Theory of Capitalist Development (New York: Monthly Review Press, 1970), 168–69. 3- "Economy Up, People Down," August 31, 2005, e "Real Compensation Down as Wage Squeeze Continues," January 31, 2006, Economic Policy Institute. As quotas de investimento, governo e exportação mantiveram-se as mesmas em 1994 e 2004 em 16, 19, e 10 por cento, respectivamente, enquanto que a quota de importações (deduzida do PIB) passou de –12 para –15 por cento. U.S. Department of Labor, Bureau of Labor Statistics, Occupational Outlook Quarterly 49, no. 4 (Winter 2005–06): 42. 5- Kevin Phillips, American Theocracy (New York: Viking, 2006), 324–25. 6- "Recent Changes in U.S. Family Finances" (ver nota na Tabela 2 deste artigo), A28–A29. 7- "Household Financial Indicators," Board of Governors, Federal Reserve System, Flow of Funds, 2006. 8- Doug Henwood, "Leaking Bubble," The Nation, March 27, 2006. 9- "The Credit-Cart Catapult," Wall Street Journal, March 25, 2006; Phillips, American Theocracy, 327. 10- "Recent Changes in U.S. Family Finances" (ver nota da Tabela 2 neste artigo), A28. 11- The Center for Responsible Lending and the Consumer Federation of America, Car Title Lending (April 14, 2005). 12- "As Debt Collectors Multiply, So Do Consumer Complaints," Washington Post, July 28, 2005. 13- "Household Financial Conditions: Q4 2005," Financial Markets Center, March 19, 2006 . 14- Stephanie Pomboy, "The Great Bubble Transfer," MacroMavens, April 3, 2002. 15- Ver por exemplo o tratamento sobre isto em Council of Economic Advisors, The Economic Report of the President, 2006, 29–30. 16- Stephanie Pomboy, "Handling the Truth," Barron's, February 7, 2005, www.macromavens.com/reports/barron's_interview.pdf; "Wal-Mart Fishes Upstream," Business Week Online, March 24, 2006. 17- Pomboy, "Handling the Truth"; "Too Much Cash," Barron's, November 7, 2005. Ver também "Long on Cash, Short on Ideas," New York Times, December 5, 2004. N.T.- NASDAQ - National Association of Securities Dealers Automated Quotation System (Sistema Electrónico de Cotação da Associação Nacional de Intermediários de Valores). John Bellamy Foster
http://resistir.info/
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