terça-feira, junho 27, 2006

PANORAMA GLOBAL

De onde vem a riqueza socialmente produzida?
Seria fácil retomar as análises marxistas da economia para se concluir que toda a riqueza socialmente produzida advém do trabalho humano, em última análise. Porém, isso não nos satisfaz. Porque tal corresponde a uma verdade tão evidente, que não seria apropriado produzir longas explicações teóricas, apoiadas em estatísticas económicas para se chegar a tal conclusão.
Uma abordagem diferente, partindo dos conceitos ecológicos diria que as sociedades humanas utilizam os recursos do seu ambiente, criando os meios para, e efectivamente explorando tais recursos, sejam eles energéticos, matérias-primas alimentares ou outras, em seu proveito. A apropriação (e a depredação) dos recursos da Natureza pelas sociedades humanas é de todos os tempos.
O esgotamento e desequilíbrio causados ao ambiente natural pelas actividades humanas tem causado as mais sérias ameaças à sobrevivência dos humanos no passado, afectando populações localizadas, as quais se extinguiam ou migravam para outras paragens, tendo tais fenómenos repercussões dramáticas ao nível local ou de regiões inteiras, sem porém afectar o conjunto da ecosfera, havendo possibilidade de compensação dos desequilíbrios à escala global.
Pela primeira vez na história da humanidade, tal não é já assim, visto que estes desequilíbrios se traduzem a uma escala planetária, avolumando-se os efeitos em cascata decorrentes do aquecimento climático, da danificação da camada de ozono, da desertificação de vastas áreas, antes produtivas (quer em termos de economia agrícola, quer em termos de produção natural), da perda de biodiversidade, que não se traduz apenas no desaparecimento de determinadas espécies, mas igualmente num fraccionamento e estreitamento do seu território natural para níveis que as fragilizam e põem em causa a sua sobrevivência no longo prazo.
A todos estes problemas, as sociedades industrializadas, embora seus líderes disso estejam conscientes, não tem respondido senão através de discurso e belas medidas no papel, que têm mais efeito em “segurar” os súbditos-eleitores, do que a levarem a qualquer modificação estratégica significativa que pudesse travar e depois inverter tais tendências suicidas. Acresce que nos países em vias de “desenvolvimento”, este mesmo “desenvolvimento” é apenas medido em termos de acréscimo do consumo de bens e serviços aos que vigoram nos países industrializados, pelo que a hipótese de um desenvolvimento não assente nos mesmos pressupostos e com os mesmos efeitos dos que se registaram desde há duzentos anos atrás no mundo dito “desenvolvido” se esvaem literalmente em fumo.
Está portanto posto em causa um modelo de desenvolvimento que foi apanágio de sociedades regidas pelo mito do “progresso” querendo este significar maior quantidade de produtos oferecidos ao consumo, nem que para tanto houvesse destruição maciça dos
recursos naturais sobre cuja exploração assentava.
A necessidade de uma alteração drástica deste modelo de “crescimento” faz-se sentir com cada vez maior acuidade, havendo mais sérias e novas razões a cada decénio que passa, a somarem-se às preexistentes, para travar e inverter as tendências suicidas que estão a conduzir a uma cada vez maior soma de sofrimento à escala global, em benefício de uma ínfima minoria que pode satisfazer os seus apetites de consumo sumptuário, no desprezo total pelas necessidades básicas dos restantes seres humanos.
O nível de agressividade do imperialismo americano, removida a concorrência do bloco “comunista”, tornou-se efectivamente muito maior, observando-se o retomar de aventuras de cunho nitidamente colonial, isto é de guerra seguida de ocupação de territórios para deles extrair não apenas uma vantagem geo-estratégica, mas também o acesso e fácil exploração (extorsão, roubo) de matérias-primas estratégicas. Nos países mais pobres do planeta, avolumam-se os conflitos inter-étnicos, também eles insuflados ou inflacionados pelo comportamento criminoso dos mercadores de armamento, na passividade ou mesmo conivência das grandes potências, todas elas produtoras e exportadoras de armas e equipamentos bélicos. Surgem portanto as guerras pelo controlo de recursos petrolíferos, já despontando também os conflitos pelo controlo de recursos hídricos (sendo a água doce um bem raro e mal distribuído, a sua posse e controlo confere vantagem estratégica decisiva). A inoperância dos mecanismos, instituições (ONU, etc.) e leis internacionais, face a esta atitude agressiva da maior potência militar do planeta, faz desabar todo um optimismo na capacidade dos humanos resolverem os seus diferendos através de acordos, negociações, diplomacia, evitando o recurso à guerra. Esta, desde os finais da II Guerra Mundial, embora se tenha mantido a níveis locais ou regionais, tem aumentado exponencialmente em devastação, não apenas dos combatentes, mas sobretudo de populações indefesas, chacinadas e utilizadas das maneiras mais horrendas por todos os lados em contenda, sem os mínimos escrúpulos.

Retomando a pergunta inicial (de onde vem a riqueza socialmente produzida) diríamos então que ela provém essencialmente da conjugação do trabalho humano com utilização dos recursos naturais, sendo que o desenvolvimento tecnológico acelerado nos últimos duzentos anos, veio potenciar a capacidade destruidora dos “mais avançados” tecnologicamente. Essa destruição tem afectado directamente as populações das mais variadas maneiras, desde os genocídios causados pelas guerras à paulatina mas inexorável extinção das condições de equilíbrio ecológico locais, regionais
e do planeta inteiro, pondo em grave risco a sobrevivência das sociedades e da capacidade de auto-regeneração dos ecossistemas naturais.

A BASE DA ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES CONTEMPORÂNEAS TEM DE MUDAR

Quando nos apercebemos da realidade presente (guerras pelo petróleo, etc.), por outras palavras, quando compreendemos que subjaza a estas realidades um determinado modelo de "desenvolvimento", baseado na delapidação dos recursos (e não apenas dos recursos fósseis - petróleo, gás, carvão - como também do ar, água, minerais, espécies biológicas, etc...), vemos que inevitavelmente ele se esgota, se destruí a si próprio, havendo apenas a incógnita de ser ou não ser à custa de um retrocesso dramático e generalizado do que costumamos designar por "civilização".

A incógnita reside em saber se ainda será possível - in extremis , mediante uma tomada de consciência generalizada dos perigos- uma mudança de rumo da dita "civilização" por forma a que se perpetuem as condições de habitabilidade planetária (e não apenas dos homens, mas também das outras espécies, nos seus respectivos habitats e ecossistemas).

Estamos realmente num ponto dramático de viragem da história da humanidade, pois nunca antes esteve esta espécie tão munida de instrumentos para a sua autodestruição, nunca teve tanto acesso a uma acumulação tão impressionante de saberes científicos nas mais diversas áreas... no entanto, o seu nível de consciência colectiva não acompanhou devidamente o aumento dos meios de agressão ao seu próprio ambiente e espécie.

Que níveis de destruição, de caos, de miséria, será preciso alcançar para que os detentores dos poderes de hoje adoptem uma nova óptica, não vinculada à manutenção da "ordem" (desordem) neo-liberal, mas sim à satisfação das necessidades colectivas?

A produção e funcionamento das sociedades contemporâneas é assegurada de forma eminentemente colectiva; com efeito, é completamente impossível dissociar os anos de formação dos trabalhadores (tendencialmente mais longos) do seu nível de produtividade quando acedam à esfera produtiva "directa" ou seja a trabalho remunerado. É impossível negar o papel social (e na economia) de muitas pessoas -ditas "inactivas"- na manutenção e funcionamento dos seus lares, na educação não-escolar dos seus filhos, no seu trabalho doméstico: um sem-número de pessoas (quase sempre do sexo feminino) estão a contribuir assim, de forma decisiva, para as condições de produção dos elementos ditos "activos" do seu agregado familiar. O mesmo se passa com idosos (tomando conta dos netos, ou participando em regime de voluntariado em trabalhos socialmente úteis e relevantes, etc.).

Vemos portanto que o acesso da generalidade os cidadãos às condições mínimas de existência (pensões de reforma ou subsídios de desemprego, prestações sociais, múltiplos serviços de acesso público não remunerados, etc.) mais não é, na verdade, do que a redestribuição dos frutos do trabalho social "difuso", que - de uma forma ou de outra - acaba por ser realizado pelos elementos ditos "não-produtivos". Este acesso a condições mínimas de existência, não apenas deveria ser universal, como também incondicional, ou seja não depender da prestação prévia de "trabalho remunerado e com descontos para as estruturas de segurança social", ao contrário do que acontece hoje em dia.

A redestribuição colectiva e para benefício e usufruto da colectividade torna-se assim, não apenas um imperativo ético (pois isso já o era desde há longo tempo) como uma condição 'sine qua non' de funcionamento equilibrado do tecido social.

A classe possidente, as castas privilegiadas, que se apropriam desse excedente, produzido socialmente, negando em simultâneo a justeza e necessidade da mais lata redestribuição dos frutos desse trabalho colectivo, são - na realidade- as que mais fazem pelo advento de uma nova era de convulsões (revolucionárias ou não - por exemplo, guerras inter-imperialistas) . São essas castas que detêm o poder (ou poderes... visto que existem mais instâncias de poder além do político-económico) que estão levando as sociedades e a humanidade no seu conjunto a uma série de becos-sem-saída.

Com efeito vão acentuando-se a agravando-se de fora dramática os ciclos viciosos,
"miséria- sub-desenvolvimento -dependência-miséria" e
"precaridade - marginalidade - miséria - precaridade".
Não existe qualquer perspectiva de ultrapassagem destes ciclos dentro das fronteiras estreitas da "teologia do mercado", "do paradigma da livre empresa" ou do "pensamento único".

As sociedades serão (por quanto tempo mais?) arrastadas para situações próximas da ruptura ou para a ruptura mesmo, pela acumulação e conjunção de factores sociais e ecológicos disruptivos.

Disrupção social:

A ausência ou inadequação total das estruturas que permitem o funcionamento das sociedades modernas. O aviltamento constante do preço da 'força de trabalho', a única "mercadoria" que os explorados e oprimidos podem "colocar" no famigerado "mercado", em paralelo com a desarticulação de todos os serviços de interesse público(transportes, serviços de saúde, de educação, etc.) e a sua entrega (as suas partes rentáveis ou rentabilizáveis) a sectores capitalistas, ávidos de extrair os máximos lucros, sem dúvida à custa do menor investimento possível na qualidade, tanto mais que têm uma "clientela" forçada a recorrer aos seus préstimos, dada a ausência ou clamorosa insuficiência de serviços estatais correspondentes.

A conjugação do factor "precarização do vínculo laboral" com a "liberalização-privatização de serviços de relevância para a comunidade" traz consigo a total desafectação das massas em relação ao sistema político dito "democrático".
Este desapego traduz-se numa indiferença ao discurso e engajamento políticos muito para além daquilo que convinha aos detentores dos poderes. Sendo que o sistema "democrático" funciona principalmente como "máquina de validação" do sistema desigualitário e base necessária para as condições de exploração, é óbvio que esta validação é cada vez mais posta em causa pelo radical afastamento de cada vez maior número de cidadãos em relação à "coisa política".

A possibilidade de rupturas é portanto contida a muito custo:

(a) fazendo recair sobre os assalariados os custos dessas operações de privatização selvagem de fatias inteiras da máquina estatal;

(b)através da cada vez mais brutal e insidiosa repressão exercida selectivamente sobre os grupos de dissidentes em relação ao sistema.

(c) com a ocultação sistemática, tanto de (a) como de (b), ao comum dos mortais, ou seja por obra e graça de média totalmente a serviço do sistema, controlada e controladora por sua vez das mentes, desejos, pulsões, medos e crenças ... isto através de uma multiplicação e iteração constante de imagens de propaganda (com ou sem o "label" de "publicidade", pouco importa), cada qual subjectiva e subliminarmente reenviando (e reforçando) ao (no) espectador-presa os estereótipos através dos quais ele é "seduzido" a conformar-se ("configurar-se" e "formatar-se").

Disrupção ecológica:

Mais do que o esgotamento dos combustíveis fósseis, deve temer-se os seus efeitos como poluidores globais, num tempo em que estes são considerados ainda como "exploráveis", "rentáveis", não apenas pelos grandes cartéis petrolíferos, como pela maior parte da indústria. Não apenas a automóvel e aeronáutica, pois todos os sectores produtivos estão tributários em elevado grau de máquinas movidas a combustíveis fósseis.

Realmente, a situação criada com o efeito de estufa, já é irreversível. Isto não significa que uma redução significativa da emissão de gases poluentes para a atmosfera não servisse de nada. Significa que - mesmo com uma redução enérgica dessas emissões- o efeito de estufa continuaria a verificar-se, provavelmente contido numa escala que tornaria menos penosa para as sociedades a adaptação e dando TEMPO a que se encontrassem formas de minorar suas consequências piores.

Temos em marcha o modelo da "catástrofe lenta".
Uma catástrofe é - por definição- uma ocorrência súbita (imprevisível ou não), porém o conceito de duração é muito relativo, subjectivo mesmo... [ qual é o conceito de duração da vida aplicado a insectos cujo ciclo de vida se efectua em poucas semanas.. e a bactérias que o perfazem em menos de uma hora?]
Em termos de escala geológica ou da evolução das espécies já se pode afirmar HOJE que a extinção de espécies (quer as descritas pela ciência, quer as que permaneceram desconhecidas até se extinguirem) ocorrida desde a revolução industrial, é de ordem catastrófica.

Calcula-se que se situe entre 2-5% de todas as espécies. É impossível conhecer a contabilidade exacta do fenómeno. Apenas se podem realizar projecções com base em grupos de espécies de uma dada região, num dado intervalo de tempo, generalizando depois a intervalos de espaço e tempo maiores.

À perda de biodiversidade absoluta (uma espécie extinta é irreversivelmente perdida), deve somar-se (potenciar-se) a perda de biodiversidade pela estrangulação, fraccionamento e degradação de habitats naturais em muitos ecossistemas.

É certo que já não há ecossistema completamente não perturbado pelas consequências das actividades da "civilização" industrial: é bem conhecido o caso do DDT amolecendo e inviabilizando os ovos de aves no Pacífico sul e da Antárctida bem longe dos locais onde se deram as aplicações directas do mesmo DDT, de forma maciça sobretudo nos anos de 1960.

Existem ecossistemas com ainda relativa capacidade de auto-sustentação e renovação, ricos em espécies de todos os níveis da cadeia alimentar (produtores, consumidores de primeira ordem, de 2ª, de 3ª, etc. e decompositores). Porém, mesmo estes estão em risco de eminente ruptura ou seja de degradação irreversível: nomeadamente o ecossistema Oceânico e as Florestas Tropicais-Equatoriais Húmidas, onde se acumula mais de 2/3 da biodiversidade existente em terras emersas.

Portanto, contrariamente ao catastrofismo-milenarista ou messianismo social ou ecológico, é com a base sólida de conhecimentos científicos, seja das ciências naturais, seja das ciências sociais e económicas, que se pode hoje encarar a situação do planeta como a de uma "catástrofe lenta" em marcha.

Seria absurdo ou no mínimo ingénuo pensar-se que apenas um grupo de pessoas, dotadas dos instrumentos do conhecimento e análise do mesmo (uma espécie de "conselho mundial de sábios"), tivesse alguma capacidade para desviar o planeta do seu curso...

Não! As consequências destes fenómenos vão se tornar cada vez mais patentes, cada vez mais tendo influência directa em maior quantidade de pessoas, já não apenas nas longínquas paragens do "3º ou 4º Mundos" (como se o Mundo não fosse uno e único!!!), mas que irão também bater à porta, e das mais diversas maneiras, no quotidiano das sociedades afogadas no consumo hedonístico e egoísta, ditas do "Ocidente".


Em vista do que acima se expôs como é que pessoas que se auto-definem como revolucionárias deverão agir?

Para já, ser revolucionário não é acreditar (ter "fé") numa "revolução". Ser revolucionário é combater pelo advento de soluções praticáveis no imediato ou no próximo futuro que propiciem o melhor destino possível da humanidade face as todas as condicionantes do sistema presente.

Ou seja, ser revolucionário, hoje, significa:

(a) ter a coragem de analisar da mole de dados relativas aos sistemas complexos, daí extraindo as linhas de força principais que condicionam o evoluir desses mesmos sistemas complexos.

(b) não nos ficarmos pela análise mais ou menos sofisticada dessas evoluções, mas também agir constantemente, de forma esclarecida, para que se criem as condições para a transição melhor possível, em termos locais, regionais e mundiais, à inevitável mudança do sistema.

A dizermos que a mudança do sistema é inevitável, não estamos a cair em nenhum fatalismo ou determinismo, embora possa parecer isso à primeira vista.

Com efeito, não consideramos que esteja no horizonte, INEVITAVELMENTE, uma transição para uma sociedade globalizada, mundializada, mais justa, mais igualitária, mais livre... em suma, para uma forma ainda por desenvolver de socialismo ou comunismo (nada que se assemelhe aos capitalismos de estado que se auto-designaram desse modo e surgidos ao longo do século XX).

Não há, infelizmente, inevitabilidade nenhuma de tal sistema mundial evoluir (seja de forma abrupta ou não) para uma forma MELHOR de sociedade. Pode muito bem haver INVOLUÇÃO. Ou seja, recuo, em todos os padrões de desenvolvimento humano, à escala global.
Será esse o risco maior no curto/médio prazo, neste período de transição.

Podem as modalidades de intervenção face a problemas de índole tão geral parecerem fora do nosso alcance.
Porém, é impossível que tal intervenção não passe primeiro e primordialmente por uma tomada de consciência global dos problemas.
Seja qual for o caminho ou caminhos a seguir, temos de saber o melhor possível que terreno pisamos. Se compararmos a nossa caminhada à de um grupo numeroso de pessoas, tanto mais eficiente e menos penosa essa caminhada será, quanto melhor for a GENERALIZAÇÃO do conhecimento acerca dos obstáculos ou perigos que esse tal grupo de pessoas enfrenta.

Assim, a difusão horizontal deste conhecimento poderá ser o primeiro passo metodológico desse mesmo percurso, assim como se começa por avaliar um terreno que se tem em frente, antes mesmo de atravessá-lo.
Claro que ao longo do percurso, inúmeras opções e dificuldades várias se irão apresentar. Também por isto, é muito melhor marcharmos "em colunas paralelas" em vez de irmos todos atrás de um (ou de uns poucos) líder carismático.

Na verdade, se caminhando é que se traça o caminho, também é certo que recusando usar o que outros já caminharam ou desprezando informações colhidas por "batedores" diversos, o referido caminho se pode tornar numa caminhada para lado nenhum...

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