terça-feira, junho 06, 2006

Professor de 'Poetas' diz que o insulto ensina

Inspirador de 'Sociedades dos Poetas...' defende o atrito

Sam Pickering, o professor que inspirou o filme "Sociedade dos Poetas Mortos", é céptico com relação à maioria dos actuais modismos do ensino nos EUA, onde continua ensinando em universidades.

"O problema do multiculturalismo é que as pessoas deixam de falar umas com as outras por medo de ofender. Eu digo à minha classe que vou insultar todos antes do final da aula", diz Pickering, ex-professor do roteirista do filme de 1989, Tommy Schulman, que descreve relações professor-aluno em uma universidade americana conservadora nos anos 50.
Sua visão quanto à possibilidade de transformar a sociedade através da educação também é carregada de cepticismo: "Considere os alemães: eles eram provavelmente a sociedade mais instruída da época, e olhe o que eles fizeram, olhe para o que utilizaram a educação".
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World Media: O sr. acredita que o objectivo da educação deve ser dar às pessoas um sentimento mais forte de comunidade?
Sam Pickering: Vivo lendo artigos sobre como a educação forma o adulto e simplesmente não acredito nisso. Acho que mais educação é melhor do que menos, e que se você lê livros vai aprender coisas que vão enriquecer sua vida. Mas os livros não oferecem programas para viver, não resolvem os problemas do mundo. Se você é um ideólogo, sua literatura se transforma em um meio para atingir um fim. Eu incluo questões contemporâneas para tentar fazer a literatura adquirir vida, mas não utilizo a literatura como meio de falar sobre questões contemporâneas.
Recita-se livros para crianças baseados no que vai mal na sociedade, mas só para as crianças. Se realmente pensássemos que os livros são efectivos para acabar com os males da sociedade, nós os receitaríamos para os adultos. Se uma mulher estivesse envolvida em adultério, poderíamos receitar uma "Anna Karenina", mas não fazemos isso.
WM: E a ênfase difundida do multiculturalismo nas escolas, é importante para consciencializar as crianças da diversidade que existe na sociedade, para torná-las mais tolerantes?
Pickering: É reconfortante pensar assim, mas não acredito que funcione. O multiculturalismo é muito superficial. Não sei se ele existe e certamente não acredito que possa ser ensinado. Até que ponto realmente se aprende, quanto se aprende, quando a primeira história que você lê é escrita por um branco protestante de origem anglo-saxónica do Mississipi, a segunda, por uma lésbica americana, a história seguinte, por um sobrevivente do Holocausto e, outra, por um escritor sul-americano? É uma história depois da outra que as crianças não vão lembrar. É uma coisa totalmente superficial. Todos os anos, em todas as classes, meus alunos têm um monte de matérias sobre os americanos nativos. Eles estão fartos disso, eles desprezam os americanos nativos, não querem mais ouvir falar em índios. Em lugar de sensibilizá-los para a questão, essa abordagem lhes dá tédio.
WM: Mas o senhor acha que a educação desempenha algum papel superior no progresso da sociedade?
Pickering: Falamos muito sobre a educação ser capaz de curar a sociedade e sabemos que ela não é. Eu queria que ela consciencializasse as pessoas de suas responsabilidades em relação às outras pessoas, mas acho que ela não funciona para isso. A educação torna as pessoas conscientes das possibilidades. Mas será que ela nos torna melhores? Considere os alemães: eles eram provavelmente a sociedade mais instruída da época , e olhe o que eles fizeram, olhe para o que utilizaram a educação. É assustador.
WM: Ensinar as pessoas a ser "politicamente correctas" serve a algum objectivo social?
Pickering: Os ideólogos são perigosos. O problema do multiculturalismo é que ele não se torna multiculturalismo, ele se torna etnocentrismo. Hoje quando você conversa com uma pessoa de outra raça, sua conversa é tão estéril que você nunca fala sobre as coisas que realmente interessam devido ao temor de ofender.
Eu digo à minha classe que vou insultar todos os grupos étnicos e todas as religiões antes do final da aula. Não chego a fazê-lo, mas digo isso porque não quero que eles concordem com tudo que eu digo. Não me importo se eles me odiarem, quero que eles tenham alguém contra quem possam testar suas idéias. Falo para eles chegarem um passo além dos lugares-comuns.
Acho que há tantas outras coisas que são realmente importantes, este papo pode ser importante para a classe média alta mas não tem absolutamente nada a ver com uma sociedade na qual as drogas estão à solta, a violência corre solta, a Aids está se espalhando, as pessoas não têm emprego, as crianças não estão tendo o suficiente para comer.
WM: Muitas pessoas acham que são exactamente essas crianças originárias de famílias em desvantagem para as quais a educação nos Estados Unidos não funcionou. O que o sr. faz para resolver isso?
Pickering: A maioria das respostas sobre como educar alunos em desvantagem são receitas prontas. Ficar sentado aqui dando aula sobre o que é bom para os bairros pobres dos centros das grandes cidades seria a maior arrogância do mundo. Não sei o que a escola pode ensinar a crianças que vivem em bairros onde seus amigos estão sendo baleados. Elas não conseguem lidar com o aprendizado, e não tenho qualquer tipo de solução pronta para isso.
WM: Alguns reformadores acham que é preciso começar a ensinar crianças de origens sociais e étnicas diferentes na mesma classe. Eles defendem o aprendizado "colaborativo" e o distanciamento da abordagem centrada no professor.
Pickering: É uma grande frase, soa maravilhoso reunir pessoas que têm habilidades diferentes para trabalharem juntas. Mas meu filho está numa experiência desse tipo, e a verdade é que isso é óptimo para quem não é tão bom mas é péssimo para os alunos melhores, principalmente porque eles acabam fazendo tudo. Se fosse com desportos, por exemplo, você não ia querer os piores atletas em seu time, mesmo que eles tivessem talentos em outros campos. Eu acho que existem muitas maneiras de ser talentoso e que os programas educacionais deveriam se concentrar mais no reconhecimento da gama de talentos que um aluno pode ter.
Shoshana Gilbert

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