sábado, julho 08, 2006

Estética Literária Realista. Antecedentes

Na segunda metade do século XIX, a Europa vê-se sacudida de lés a lés por novos ventos políticos, científicos, sociais e religiosos.
A Espanha proclama a república em 1868; a França imita-a pouco depois; Vítor Manuel destrói os Estados Pontifícios em 1870; anos atrás desfazia-se a Santa Aliança, último reduto contra a expansão do liberalismo.
Lamark insiste na evolução dos seres por influência do meio; Darwin apregoa a mesma evolução pela selecção natural; Huxley aplica as doutrinas transformistas ao próprio homem; Mendel descobre as leis da hereditariedade. Começa desta maneira a gerar-se uma visão materialista, pampsiquista e monista do Cosmos ao mesmo tempo que se abre o caminho para o estudo do homem sob os aspectos psíquico e fisiológico.
A Revolução Francesa tinha conduzido ao apogeu a burguesia capitalista. Para maior desequilíbrio económico, o motor de explosão e o eléctrico lançam agora no desemprego milhões de braços. O proletariado começa a ser um facto alarmante. Engels e Carlos Marx apontam a solução comunista para a «questão social». Saint Simon, Proudhon, Fourier e outros preferem o socialismo utópico. A luta de classes prepara-se para deixar na literatura o seu rasto de dor e sangue.
O criticismo histórico e racionalista curva-se sobre as fontes do cristianismo. Hamach, Renan, Reinach e outros, sem negarem o facto cristão, desvirtuam-no e procuram explicá-lo pela fé puramente idealista.
1. Os literatos reagem contra o idealismo romântico
Depois de 1850, os homens de letras constatam que a Química, a Física, a Biologia, a Zoologia, a Botânica, para não falarmos da Matemática, numa palavra, constatam que todas as ciências procuravam alicerçar-se em comprovadas certezas e que até os cultores de Arte se esforçavam por serem verídicos, objectivos.
Ora, sendo estas coisas assim, porque é que os literatos haviam de continuar presos

a um sentimentalismo doentio,
a um idealismo aéreo, divorciado da realidade,
a uma expressão hipócrita da paixão amorosa,
à idealização de um mundo irreal?

Sentindo que perdiam um comboio a correr vertiginosamente para o campo da verdade nua e crua, reagiram. Como as restantes actividades do espírito humano, a literatura começou a buscar a realidade, não a deformada pelos românticos, mas a autêntica, tal qual se apresenta, sem artifícios, sem retoques.
Ainda por analogia com a técnica e a indústria e a ciência, que não conhecem fronteiras mas são as mesmas em qualquer clima, a nova arte literária deixou de ser nacionalista e revestiu-se de carácter cosmopolita.
2. Esta reacção chega a Portugal
Portugal, nesta época, já não estava separado do resto da Europa. O caminho de ferro encurtara a distância Coimbra – Paris em meses.A barreira dos Pirenéus era ineficaz para suster o avanço rapidíssimo destas novas ideias. Por isso, a sua influência entre nós não se fez esperar.
No primeiro período do Romantismo, como dissemos, os escritores portugueses sofreram influências do romance histórico de Walter Scott e Vítor Hugo (Nossa Senhora de Paris sobretudo), da poesia sentimental e tradicionalista de Lamartine, da evocação histórico-religiosa de Chateaubriand, do espiritualismo filosófico de Vítor Cousin, da teoria da literatura de Madame de Staël e de Schlegel.
Agora, novas influências vão entrar em acção. De França, sobretudo, chegam a Coimbra livros onde se aponta à literatura uma orientação muito diferente da seguida nas décadas anteriores. E todas as especializações do pensamento humano e da cultura vão ser afectadas em Portugal por doutrinas inovadoras nascidas no estrangeiro.
Barreiros, António José, HISTÓRIA DA LITERATURA PORTUGUESA, vol. II, 13ª edição, Braga, Livraria Editora Pax, Lda, 1992

Numa conferência proferida no «Casino», disse Eça de Queirós a respeito do Realismo (reconstituição de Antônio Salgado Júnior, História das Conferências do Casino, Lisboa, 1930J páginas 55-56):

«É a negação da arte pela arte; é a proscrição do convencional, do enfático e do piegas. É a abolição da retórica considerada arte de promover a emoção, usando da inchação do período, da epilepsia da palavra, da congestão dos tropos. É a análise com o fito na verdade absoluta. Por outro lado, o realismo é uma reacção contra o romantismo: o romantismo era a apoteose do sentimento; o realismo é a anatomia do carácter, é a crítica do homem. É a arte que nos pinta a nossos próprios olhos – para condenar o que houver de mau na nossa sociedade.»

E, sobre os preceitos a seguir na nova escola, acrescentou o mesmo romancista:

«A norma agora são as narrativas a frio, deslizando como as imagens na superfície de um espelho, sem intromissão do narrador. O romance tem de nos transmitir a natureza em quadros exactíssimos, flagrantes, reais.»

Estas frases do autor d'Os Maias são elucidativas. Aí se encontram as principais características do Realismo, que podemos resumir nas alíneas que seguem.

a) Conteúdo ideológico profundo.

A carga ideológica transportada nas obras românticas não era grande, nem mesmo bem definida. A este vazio se quiseram opor, logo de início, os realistas. O problema aparece bem enunciado na «Questão Coimbrã» por Antero, que pergunta na carta Bom Senso e Bom Gosto : «Será possível viver sem ideias ? Esta é que é a grande questão». E tal problema foi trabalhado, ou pelo menos começou a sê-lo, nas «Conferências do Casino», que, no entender dos seus promotores, deviam expor ao público português «as grandes questões contemporâneas, religiosas, literárias, políticas, sociais e científicas». Proibidas as «Conferências», o aprofundamento ideológico da obra de arte foi ainda a finalidade de muitos artigos d'As Farpas, da poesia de Antero, das obras de Oliveira Martins, etc.
A literatura – era convencimento geral dos realistas – devia inspirar-se nas correntes filosóficas e sociológicas modernas (hegelianismo, positivismo, socialismo) para exprimir a real problemática do homem da época. Só a expressão dessa problemática lhe ofereceria conteúdo ideológico válido.

b) Impassibilidade na análise do real.

Reage a escola realista contra o idealismo e as atitudes emocionais enfáticas e hiperbólicas dos românticos e advoga a análise, síntese e exposição da realidade com verdade e com neutralidade do coração. O «eu» pensante ficará indiferente diante da Natureza, que deve ser recriada com exactidão, com pormenor, em retratos fidelíssimos.
Perante o bem e o mal, o vício e a virtude, o belo e o feio, o coração do escritor realista não deixará transparecer quaisquer emoções. Também não dará nomes belos ao que é imoral e baixo, nem encobrirá as reais consequências do crime, por mais perfeita e apaixonante que tenha sido a sua execução.

c) Crítica social e de costumes.

Cedo se comprometeram os realistas portugueses com a reforma da sociedade. O passado olhavam-no como estéril; o presente sem nada que se lhe aproveitasse. Daí os ataques que começaram a ser lançados d’As Farpas, das Odes Modernas de Antero, dos romances de Eça de Queirós, das obras e Oliveira Martins contra a alta e média burguesia e o clero, contra a política e a literatura do tempo, contra a educação e a economia, etc.
Paralelamente, os realistas descobrem e atacam a imoralidade, os maus costumes. Analisam corajosamente os aspectos baixos da vida, sobretudo os vícios e as taras, não ocultando essas mazelas por mais asquerosas e degradantes que sejam. E, para que a obra literária se revista de cariz científico, esforçam-se por relacionar as causas (biológias e/ou sociais) do comportamento das personagens do romance com o tipo desse mesmo comportamento.
Às vezes, os processos desta crítica moral acabam eles próprios paradoxalmente por fomentar também a imoralidade. Nem sempre são tão inofensivos e construtivos como pretendiam os seus autores. Mas o que desejavam com essa crítica era, sem dúvida, corrigir as pessoas que por ela se viam atingidas como se se olhassem num espelho. Não se lê em Stendhal que «o romance é um espelho que se passeia ao longo de uma estrada»?

d) Técnica narrativa e descritiva perfeita.

Em oposição à retórica e ao hiperbolismo dos românticos, os realistas procuram ver as coisas e os factos dentro dos seus limites naturais e depois recriá-los, narrando ou descrevendo, de maneira que a obra literária não seja mais que um puro reflexo da realidade.
Por isso, usam os escritores a expressão simples, o tom desafectado. São então mestres no desenho, no colorido, na inserção oportuna e significativa do tempo da narração. Deste modo, os lugares, os acontecimentos, as ideias transparecem das suas criações literárias sem esforço, sem convencionalismos, com naturalidade. Simultaneamente cuidam com esmero o aspecto formal da escrita.

Lembramos que o romance romântico é, por vezes, absolutamente verosímil e pode mesmo propugnar uma tese. Mas, na sua base, é todo fruto da imaginação e do sentimentalismo do autor, que, por isso, lança mão de lugares comuns arredados da objectividade: o quimérico e o prodigioso, o ideal e o sentimento, o monstro e o super-homem. Nisto se afasta do romance realista.
Barreiros, António José, HISTÓRIA DA LITERATURA PORTUGUESA, vol. II, 13ª edição, Braga, Livraria Editora Pax, Lda, 1992

Estética Literária Realista

Numa conferência proferida no «Casino», disse Eça de Queirós a respeito do Realismo (reconstituição de Antônio Salgado Júnior, História das Conferências do Casino, Lisboa, 1930J páginas 55-56):

«É a negação da arte pela arte; é a proscrição do convencional, do enfático e do piegas. É a abolição da retórica considerada arte de promover a emoção, usando da inchação do período, da epilepsia da palavra, da congestão dos tropos. É a análise com o fito na verdade absoluta. Por outro lado, o realismo é uma reacção contra o romantismo: o romantismo era a apoteose do sentimento; o realismo é a anatomia do carácter, é a crítica do homem. É a arte que nos pinta a nossos próprios olhos – para condenar o que houver de mau na nossa sociedade.»

E, sobre os preceitos a seguir na nova escola, acrescentou o mesmo romancista:

«A norma agora são as narrativas a frio, deslizando como as imagens na superfície de um espelho, sem intromissão do narrador. O romance tem de nos transmitir a natureza em quadros exactíssimos, flagrantes, reais.»

Estas frases do autor d'Os Maias são elucidativas. Aí se encontram as principais características do Realismo, que podemos resumir nas alíneas que seguem.

a) Conteúdo ideológico profundo.

A carga ideológica transportada nas obras românticas não era grande, nem mesmo bem definida. A este vazio se quiseram opor, logo de início, os realistas. O problema aparece bem enunciado na «Questão Coimbrã» por Antero, que pergunta na carta Bom Senso e Bom Gosto : «Será possível viver sem ideias ? Esta é que é a grande questão». E tal problema foi trabalhado, ou pelo menos começou a sê-lo, nas «Conferências do Casino», que, no entender dos seus promotores, deviam expor ao público português «as grandes questões contemporâneas, religiosas, literárias, políticas, sociais e científicas». Proibidas as «Conferências», o aprofundamento ideológico da obra de arte foi ainda a finalidade de muitos artigos d'As Farpas, da poesia de Antero, das obras de Oliveira Martins, etc.
A literatura – era convencimento geral dos realistas – devia inspirar-se nas correntes filosóficas e sociológicas modernas (hegelianismo, positivismo, socialismo) para exprimir a real problemática do homem da época. Só a expressão dessa problemática lhe ofereceria conteúdo ideológico válido.

b) Impassibilidade na análise do real.

Reage a escola realista contra o idealismo e as atitudes emocionais enfáticas e hiperbólicas dos românticos e advoga a análise, síntese e exposição da realidade com verdade e com neutralidade do coração. O «eu» pensante ficará indiferente diante da Natureza, que deve ser recriada com exactidão, com pormenor, em retratos fidelíssimos.
Perante o bem e o mal, o vício e a virtude, o belo e o feio, o coração do escritor realista não deixará transparecer quaisquer emoções. Também não dará nomes belos ao que é imoral e baixo, nem encobrirá as reais consequências do crime, por mais perfeita e apaixonante que tenha sido a sua execução.

c) Crítica social e de costumes.

Cedo se comprometeram os realistas portugueses com a reforma da sociedade. O passado olhavam-no como estéril; o presente sem nada que se lhe aproveitasse. Daí os ataques que começaram a ser lançados d’As Farpas, das Odes Modernas de Antero, dos romances de Eça de Queirós, das obras e Oliveira Martins contra a alta e média burguesia e o clero, contra a política e a literatura do tempo, contra a educação e a economia, etc.
Paralelamente, os realistas descobrem e atacam a imoralidade, os maus costumes. Analisam corajosamente os aspectos baixos da vida, sobretudo os vícios e as taras, não ocultando essas mazelas por mais asquerosas e degradantes que sejam. E, para que a obra literária se revista de cariz científico, esforçam-se por relacionar as causas (biológias e/ou sociais) do comportamento das personagens do romance com o tipo desse mesmo comportamento.
Às vezes, os processos desta crítica moral acabam eles próprios paradoxalmente por fomentar também a imoralidade. Nem sempre são tão inofensivos e construtivos como pretendiam os seus autores. Mas o que desejavam com essa crítica era, sem dúvida, corrigir as pessoas que por ela se viam atingidas como se se olhassem num espelho. Não se lê em Stendhal que «o romance é um espelho que se passeia ao longo de uma estrada»?

d) Técnica narrativa e descritiva perfeita.

Em oposição à retórica e ao hiperbolismo dos românticos, os realistas procuram ver as coisas e os factos dentro dos seus limites naturais e depois recriá-los, narrando ou descrevendo, de maneira que a obra literária não seja mais que um puro reflexo da realidade.
Por isso, usam os escritores a expressão simples, o tom desafectado. São então mestres no desenho, no colorido, na inserção oportuna e significativa do tempo da narração. Deste modo, os lugares, os acontecimentos, as ideias transparecem das suas criações literárias sem esforço, sem convencionalismos, com naturalidade. Simultaneamente cuidam com esmero o aspecto formal da escrita.

Lembramos que o romance romântico é, por vezes, absolutamente verosímil e pode mesmo propugnar uma tese. Mas, na sua base, é todo fruto da imaginação e do sentimentalismo do autor, que, por isso, lança mão de lugares comuns arredados da objectividade: o quimérico e o prodigioso, o ideal e o sentimento, o monstro e o super-homem. Nisto se afasta do romance realista.
Barreiros, António José, HISTÓRIA DA LITERATURA PORTUGUESA, vol. II, 13ª edição, Braga, Livraria Editora Pax, Lda, 1992


Ideologia Subjacente ao Realismo

a) Irreligiosismo.

Os novos de Coimbra comentam asserções de Loisy e de Renan, que no seu criticismo bíblico separavam o Cristo da história do Cristo da fé. Agrada-lhes sobretudo uma religião sem dogmas, de cunho panteísta. Assumem atitudes vincadamente anticlericais.

b) Inconformismo com a tradição.

Graças ao avanço da ciência e da técnica, os nossos como os de fora convencem-se de que o homem pode superar muitas limitações que paralisaram os antigos; e, conseguido o nivelamento de classes, acreditam que a consciência humana não mais se importará com os entraves que lhe opunha outrora a sociedade absolutista, burguesa e feudal.
Sobre traçado de Michelet, muitos escritores nossos (Eça, Antero, Oliveira Martins) tentam desmontar peça por peça a sociedade lusa, apeá-la do pedestal da tradição e alicerçá-la em novos princípios de justiça e dinamismo.

c) Supremacia da verdade física.

As ciências exactas e experimentais, secundadas pelo avanço da técnica, levaram os estudiosos a considerar a verdade física como a única válida. Facto que não se demonstre empiricamente, será de facto para arrumar. As verdades metafísicas e morais são relegadas para o mundo das conjecturas.

d) Novas teorias filosóficas.

A geração coimbrã de 70 estuda com avidez

o idealismo de Hegel,
o socialismo de Proudhon,
o positivismo de Comte,
o evolucionismo de Darwin e Lamarck.

e) Materialismo optimista.

Ao mesmo tempo, todos se deixam contaminar por uma esperança firme no bem-estar material dos tempos futuros, devido ao auxílio da técnica e da máquina. E explicam o atraso do passado por os homens se terem deixado conduzir por forças espirituais, sobretudo pela religião. Daí o manifestarem-se contra todos os cultos revelados.

Estas doutrinas iriam fermentar depressa e ficariam na base do Realismo cujas características vamos indicar.
Barreiros, António José, HISTÓRIA DA LITERATURA PORTUGUESA, vol. II, 13ª edição, Braga, Livraria Editora Pax, Lda, 1992

Estética Naturalista

A filosofia positivista de Comte, as doutrinas de Taine, afirmando que a «virtude e o vício são produtos como o vitríolo e o açúcar», as teorias de Darwin e Haeckel sobre a hereditariedade, a adaptação ao meio e a luta pela vida levaram Zola a uma concepção determinista da existência humana.
Por causa disso, o citado escritor entendeu que o romancista não devia limitar-se a observar os acontecimentos e expô-los, como faziam os realistas; teria de mostrar, com rigor próprio da ciência, que os factos psíquicos estão sujeitos a leis rígidas como os fenómenos físicos. Então o romance adquirirá valor social e científico.
Assim, como ideologia fermentadora da estética naturalista deveremos ver o positivismo, um certo cientismo fanático de meados do século XIX e ainda fortes desejos de uma modificação da sociedade inspirados nas doutrinas de Proudhon.
Júlio Lourenço Pinto publicou na revista Estudos Livres (dirigida por Teófilo Braga e Teixeira Bastos) uma série de artigos sobre esta matéria, os quais depois reuniu em volume com o título de Estética Naturalista (1885). Alguns dos princípios que aí defende podem considerar-se características da corrente naturalista, que o autor praticamente não distingue do Realismo:

a literatura naturalista é a expressão dos progressos da ciência (Fisiologia, Sociologia, estudo dos caracteres, da evolução, da influência do meio, etc.);
o romance naturalista inspira-se na vida quotidiana, comum;
o Naturalismo deve usar o método fisiológico, isto é, deve descrever as emoções através das suas manifestações físicas, com base no estudo dos fisiologistas.

Já muito antes de meados do século XIX se falava em Naturalismo. Designava então esse termo o interesse predominante de filósofos e artistas pela substância material deste mundo e pelas suas manifestações naturais e leis físicas que as regem. Preceituava consequentemente a imitação estética das formas reais da Natureza, com repúdio das imaginativas, concretizadas na Mitologia.
Com o advento da Geração de 70, o Naturalismo surge para muitos críticos como o movimento estético idêntico ao Realismo. Para outros, porém, as coisas não são assim tão simples. Vêem em ambas as estéticas aspectos comuns:

a arte como representação mimética objectiva da realidade exterior (em contraste com a transfiguração imaginativa, impregnada de subjectivismo, praticada pelos românticos);
a objectividade dos temas;
a técnica impessoal de narrar.

Mas vêem nelas também elementos diferentes.
O Naturalismo pretende fazer-se acreditar pelo menos como séria tentativa de aplicar à obra literária as descobertas e métodos das ciências do século XIX (Biologia, Positivismo filosófico, Psicopatologia sobretudo). Propõe-se então arrastar a ciência para o plano da obra literária. A obra literária ficará assim a funcionar como meio de demonstração de teses científicas.
O Realismo, mais estetizante, ignora a Patologia ou qualquer outra ciência: como meio de explicar e ilustrar a obra de arte, nem desce às profundezas de análise do Naturalismo. Limita-se a «fotografar» com isenção a realidade circundante. E, ao contrário dos naturalistas, que chafurdam nos males sociais e neles mexem com notória insensibilidade, os realistas, ao contactar com os aludidos males, que mostram e criticam, sentem profunda náusea, que nem sequer ocultam (cfr. Lilian R. Furst e Peter N. Skrine – O Naturalismo, Lisboa, 1975, págs. 9-20 e 98-100).
Barreiros, António José, HISTÓRIA DA LITERATURA PORTUGUESA, vol. II, 13ª edição, Braga, Livraria Editora Pax, Lda, 1992

Cenáculo

Designação por que é geralmente conhecido o grupo formado por alguns escritores e intelectuais pertencentes à chamada geração de 1865, que se reuniam em Lisboa, passados anos dos seus estudos em Coimbra, para discutir livremente os assuntos que apaixonavam essa mocidade atenta ao movimento de ideias do seu tempo. Alguns nomes do Cenáculo: J. Batalha Reis, Eça de Queirós, Antero de Quental, Germano Vieira de Meireles, Salomão Sáraga e Manuel de Arriaga. Ramalho Ortigão e Guerra Junqueiro frequentaram ainda o grupo, que também mantinha relações com João de Deus. O Cenáculo, que, segundo Batalha Reis, começava por não ter consciência clara da sua existência como grupo constituído, tentava um pouco prolongar em Lisboa os tempos de Coimbra - anos de apaixonante iniciação na cultura europeia, de fervor revolucionário, de romanesca efervescência intelectual e sentimental.
As discussões do Cenáculo começaram na Travessa do Guarda-Mor, onde Batalha Reis tinha um quarto alugado; passaram depois para S. Pedro de Alcântara e para a R. da Cruz de Pau, e acabaram por se instalar numa casa da Rua dos Prazeres. Eram, de princípio, tumultuosas invectivas contra todos os sistemas e todas as instituições: contra a sociedade portuguesa da Regeneração - os seus bacharéis, os seus ministros, os seus poetas - mas também contra a ordem do mundo, contra Deus e o Universo («Revolução, Metafísica, Satanismo, Anarquia, Boémia feroz»). Eram ainda reminiscências da fase coimbrã dos poemas cíclicos de exaltação da Humanidade. Foi nessa época que Eça resolveu coleccionar em volume os contos publicados na Gazeta de Portugal, as Prosas Bárbaras, embora encarasse já com ironia esse esforço de arte pela arte e meditasse um romance realista, a História dum lindo corpo. Foi também na mesma altura que o grupo inventou os Poemas do Macadame, do imaginário Carlos Fradique Mendes, à maneira dos igualmente imaginários Satânicos do Norte; tratava-se duma paródia do Satanismo, destinada a escandalizar e agitar a sociedade lisboeta. A figura de Fradique, dandy, culto, viajado, orientalista, sempre a par das últimas novidades da ciência, excêntrico e irreverente, encarna em certos aspectos o espírito do Cenáculo.
A chegada de Antero veio pôr certa ordem naquela boémia de tiradas líricas, ditos de espírito e noitadas ruidosas; Antero trouxe a paixão de Proudhon, da Sociologia e da discussão metafísica. A inquietação inconformista do grupo achou alguém capaz de a encaminhar, lhe dar forma e fim. Assim surgiu a ideia das «Conferências do Casino», realização em que, por assim dizer, se materializou o espírito de vanguarda, combativo, irreverente, que animava os homens do Cenáculo.
O nome de «Cenáculo» parece não ter sido contemporâneo das reuniões: anos mais tarde, aparece nos escritos de alguns dos componentes para designar esse grupo que nada teve dum clube, e muito menos dum clube político, como depois se pretendeu insinuar - grupo flutuante na composição e instável na localização, que foi apenas a aproximação espontânea e natural de espíritos ligados por formação semelhante, por verdadeira amizade, e por interesses e ansiedades comuns.
Lemos, Ester de, DICIONÁRIO DE LITERATURA, 3ª edição, 1.º volume, Porto, Figueirinhas, 1979

Sem comentários: