quinta-feira, agosto 24, 2006

A decadência da classe política III

As bases teóricas para as conclusões sobre a tendência irreversível da classe política para a irrelevância são as mesmas que embasaram minhas conclusões sobre a decadência da classe trabalhadora.
A propósito de meus dois artigos anteriores sobre o assunto da tendência à irrelevância das classes políticas, muitos leitores pensaram logo identificar a fonte teórica de minhas reflexões: Seria a obra de Francis Fukuyama (“O Fim da História e o Último Homem”).
Alguns comentários sugeriam outras influências como por exemplo Manuel Castells (“Sociedade em Rede”), Robert Kurtz (“O Colapso da Modernização”) e István Mészáros (“Para Além do Capital”).
Os leitores estão perfeitamente corretos, em todas essas obras, existe de alguma forma essa conclusão embutida, mesmo que o autor não a torne explícita. Mas são necessárias algumas observações importantes.
Fukuyama nos inspira de fato a idéia de que o “fim da história” torna a política, no sentido de embate de ideologias diferentes, como o socialismo, o fascismo e o liberalismo, uma atividade essencialmente supérflua. A história terminou com a vitória da democracia liberal. Ponto final.
Castells demonstra que o poder não flui mais através de um sistema linear, tento os governos nacionais como focos privilegiados. Na verdade o poder flui através de uma vasta rede de interconexões global e seria essa mudança fundamental, uma das razões do enfraquecimento da política tradicional.
Kurz por sua vez, detecta que a “morte do trabalho” significa simultaneamente a “morte da política”. Mészáros adverte para o fato de que o domínio completo do capital global, que por sua vez é impossível de ser controlado, torna qualquer iniciativa política inócua.
Creio que todas essas abordagens são válidas. Algumas são complementares outras se contradizem. Fukuyama vê o fim da política como um triunfo definitivo dos novos tempos. Kurz vê o mesmo cenário como uma crise global de proporções apocalípticas. Está claro que ambos exageraram bastante.
O mundo de hoje não pode ser descrito como um paraíso da democracia representativa e da economia de mercado e nem o capitalismo entrou em um profundo e desastroso colapso. Mas é indiscutível que a política em si caminha para a mais completa irrelevância.
Os autores que citamos, e mais um bom número de outros, concordam em um ponto essencial: A globalização é um processo essencialmente econômico que submete o poder político dos Estados nacionais aos imperativos das estratégias empresariais.
Os mercados financeiros, por exemplo, tornaram-se completamente independentes do poder de regulamentação das autoridades monetárias nacionais. Os mercados de trabalho tendem a se submeter completamente aos ditames da produção globalizada.
Exigências de natureza nacional, cultural, ideológica ou religiosa, são solenemente ignorados. Hoje em dia, tornar-se “competitivo” para um país é dobrar-se sem reservas aos ditames do capital global.
Isso explica que a política tradicional esteja em vias de desaparecer. As únicas organizações capazes de confrontar o capital global são as organizações não governamentais, as ONG. Sua importância cresce na medida em que qualquer questão, por menor que seja, transcende as fronteiras dos Estados nacionais.
Nesse aspecto, devemos concordar com Castells em que a política do futuro deverá se desenvolver ao longo de redes globais, completamente fora do controle dos Estados. Também devemos dar crédito a Mészáros em sua demonstração sobre a impossibilidade do capital ser controlado, inclusive pelas suas próprias “personificações”.

Qualquer partido político deverá doravante, ser visto como nada alem de uma “escola de administração”. O partido “A” possui bons quadros na gestão da Saúde, enquanto o partido “B” se destaca por uma boa administração na área de transportes. As eleições do futuro serão apenas um processo de “seleção de pessoal” adequado a tarefas gerenciais. As “grandes questões” do futuro só poderão ser discutidas ao nível global. O problema do meio ambiente é paradigmático nesse ponto. Não é sem razão que as grandes “batalhas” ecológicas tenham seus atores distribuídos por redes de ONG “verdes” de um lado contra outras redes de interesses corporativos.
O mundo do trabalho, com seus sindicatos de nível local e por categoria profissional são anacronismos absurdos. Mesmos as “centrais” de nível nacional não passam de peças de museus. Apenas para dar um exemplo: A Microsoft emprega hoje 60 mil pessoas, só que elas estão espalhadas por nada menos que 80 países.
Como poderia um sindicado de “Trabalhadores na Industria de Software” de “São José dos Campos e Região”, negociar a sério salários e condições de trabalho com a direção da empresa? É óbvio que a Microsoft pode impor as condições que quiser em qualquer dos países onde atua. Nenhum sindicato ou qualquer “regulamentação” nacional tem a menor chance de influenciar suas decisões.
É por isso que o sindicalismo, um dos pilares da política tradicional, tornou-se apenas uma peça de museu na composição de forças atual. Por outro lado, as “leis trabalhistas”, outro ponto crucial da atividade política, torno-se apenas “letra morta” que todos os governos tratam de revogar o mais rápido que podem.

Esse é o quadro real, o resto é discurso e marketing...
http://lauromonteclaro.sites.uol.com.br/

Sem comentários: