sexta-feira, setembro 22, 2006

O número de ataques da resistência duplicou em 2006

As notícias sobre a violência sectária que assola o Iraque [1] ocultam um facto que um recente relatório secreto de nove páginas da Agência de Inteligência Militar (DIA, do seu nome em inglês: Defense Intelligence Agency) do Pentágono reconhece abertamente: que a actividade da resistência está a aumentar [2]. Os números sobre baixas mortais e feridos em combate, e sobre o número de ataques, assim o confirmam. A realidade no terreno é contumaz: contra o anunciado, os EUA continuam a aumentar o número dos seus efectivos no Iraque, até 140.000 nestes dias, 13.000 mais que há apenas um mês atrás, o número mais alto em 2006 [3].

O BALANÇO DE AGOSTO

Agosto foi o segundo mês mais mortífero para as forças de ocupação no que vai de ano, depois de Abril. No passado mês morreram em combate 58 soldados estadunidenses (além de mais sete falecidos por «causas não hostis»), face aos 38 caídos em acção em Julho [4]. A média diária de baixas estadunidenses por ataques da resistência situa-se assim de novo acima de dois soldados. Em Agosto, também morreu um soldado britânico em Bassora no dia 1 de Agosto como consequência de um ataque com morteiros.
A tónica nos primeiros dias de Setembro é a mesma, com até oito soldados dos EUA mortos numa só jornada, a do dia 3, em ataques em Bagdade, Baquba (Diyala), al-Anbar e Mossul. Dois britânicos morriam igualmente no dia 4 numa emboscada na localidade de ad-Dayr, ao norte de Bassora, segundo informa o ministério britânico da Defesa.Nas primeiras semanas do mês de Agosto e últimas do mês anterior, o aumento de ataques da resistência contra as forças de ocupação associou-se à ofensiva da ofensiva de Israel contra Líbano [5]. Efectivamente, segundo afirmava a Frente Patriótica Nacionalista e Islâmica (FPNI), num comunicado difundido a 3 de Agosto [6], este aumento de acções armadas da resistência iraquiana seria «[...] a plasmação do [seu] apoio efectivo e operacional à resistência libanesa na luta contra os seus agressores sionistas». A FPNI, plataforma política das organizações armadas iraquianas [7], informava então que desde a data de início do ataque de Israel contra o Líbano, 11 de Junho, e até à difusão do seu comunicado, a resistência iraquiana tinha levado a cabo mais de 2.650 acções armadas em todo o Iraque. Segundo a FPNI, às acções da resistência contra as forças de ocupação uniram-se ataques contra centros ligados a Israel e aos seus serviços secretos no Iraque.
A resistência afirmava em Agosto que os EUA estava descer o número das suas baixas em combate no Iraque como consequência da situação regional criada pela agressão militar de Israel contra o Líbano, e que o número de veículos blindados estadunidenses destruídos em Julho atingia a meia centena [8]. Certamente, por exemplo, o Pentágono não incluiu como mortos em combate dois tripulantes falecidos no dia 9 de Agosto na queda de um helicóptero Black Hawk em al-Anbar, incidente que os EUA não quiseram reconhecer como um derrube por parte da resistência. Além disso, 30% dos membros das forças armadas dos EUA são soldados – a maioria latino­‑americanos – que ainda não têm a nacionalidade estadunidense, e que quando morrem em combate não são contabilizados pelo Pentágono como baixas. Desconhece-se o seu número no Iraque e só ocasionalmente se informa da concessão da nacionalidade a algum deles em cerimónias celebradas no próprio Iraque, às vezes depois de serem feridos em combate ou com carácter póstumo [9].
Em qualquer caso, uma vez aprovada a resolução sobre o Líbano no Conselho de Segurança e atingido o cessar­‑fogo, a actividade da resistência iraquiana contra os ocupantes, ao invés de se reduzir, manteve­‑se, com jornadas particularmente sangrentas para os EUA, como a do dia 27, data em que morreram pelo menos 10 soldados estadunidenses em ataques em várias províncias do país, sempre segundo dados oficiais do Pentágono.

AL-ANBAR: NOVAS TÁCTICAS

O aumento da actividade armada deixou-se notar sobretudo na província de al-Anbar. Esta é a província ocidental do Iraque, fronteiriça com a Síria e a Jordânia, que alberga ao longo do rio Eufrates cidades onde nestes anos se registaram fortes confrontos entre tropas de ocupação e resistentes: Faluja, al-Qaim e Haditha, além de Ramadi, a capital. Comandos militares do Corpo de Marines em al-Anbar confirmam este incremento de ataques da resistência na zona [10]. No passado mês de Junho, as tropas dos EUA lançaram contra Ramadi uma nova operação militar para tentar recuperar o controle desta capital provincial, de meio milhão de habitantes. Ramadi está situada a 100 quilómetros a oeste de Bagdade. O Pentágono anunciava a sua reocupação no passado dia 26 de Junho [11]. Apesar disso, das baixas estadunidenses que o Pentágono reconhece ter tido em Agosto, a maioria delas produziram­‑se como consequência de ataques na província de al-Anbar, muitos deles em Ramadi e seus arredores [12]. O número de ataques diários reconhecidos pelo Pentágono na zona é agora de 50 [13]: «Como no resto do Iraque, neste momento o número de ataques [da resistência] é maior», reconhecia no passado dia 2 de Agosto o general Richard C. Zilmer, máximo comando militar do Corpo de Marines no Iraque [14].
A resistência estaria além disso a adoptar novas tácticas de combate em al-Anbar [15], numa tendência para o incremento de ataques e confrontos sustentados com os ocupantes, um ensaio que se teria iniciado nesta província e extensível a outras tal e como confirmavam recentemente interlocutores da resistência à Campanha Estatal contra a Ocupação e pela Soberania do Iraque (CEOSI). Oficiais estadunidenses assinalam que a resistência está a modificar as suas tácticas de ataque em al-Anbar, recorrendo a unidades guerrilheiras integradas por “exploradores” e combatentes providos de armas ligeiras e lança­‑granadas, que coordenam os seus ataques contra as patrulhas e comboios de marines, operativos que combinam a explosão de bombas caseiras e emboscadas. «Nós mudámos as nossas tácticas, eles mudam as suas. Nós observámo­‑los e eles observam­‑nos a nós. É um grande jogo do gato e do rato», comenta um sargento [16].
Por isso, os marines (também devido às altas temperaturas) estão a limitar os seus deslocamentos e patrulhas ao cair da noite, quando podem fazer uso dos seus sistemas de visão nocturna, de que carece a resistência iraquiana e que pelo contrário dotaram (juntamente com novas gerações de mísseis terra-terra) os combatentes do Hezbollah de uma grande eficácia operativa frente às tropas israelenses no sul do Líbano.

MAIS ATAQUES E MAIS SOFISTICADOS

A evolução do número de baixas mortais em combate entre os soldados estadunidenses no Iraque não é necessariamente um indicador fiável da actividade da resistência, devido às medidas de auto­protecção postas em marcha pelo Pentágono, que teriam estabilizado o número de caídos em acção. Um indicador mais fiável é o próprio número de ataques sofridos pelos ocupantes, particularmente por meio dos denominados “artefactos de fabricação caseira”, os IED (do seu nome em inglês, Improvised Explosive Devices), a arma mais característica da resistência iraquiana [17], que os instala nas estradas e auto­‑estradas para serem explodidos por controle remoto (utilizando qualquer comando à distância – de televisão, garagem, etc. – ou telemóveis como activadores) à passo de comboios militares. Segundo o Pentágono, o número de IED colocados pela resistência em Julho foi o mais alto desde o início da ocupação, enquanto o número de ataques em geral – não só com IED – contra os ocupantes e as novas forças de segurança iraquianas duplicou desde Janeiro deste ano no conjunto do país [18]. 70% das bombas de qualquer tipo explodidas no Iraque em Julho de 2006 tiveram por alvo as tropas estrangeiras de ocupação e 20% os novos corpos de segurança iraquianos; os 10% restantes corresponderam a ataques indiscriminados ou sectários contra civis, dos quais a resistência não se considera responsável.
No que respeita só aos IED e segundo o mencionado relatório da DIA (que tem por título Iraq Update), enquanto a resistência colocou, em Janeiro de 2006, 1.454 artefactos deste tipo, em Julho foram 2.625, dos quais 1.666 foram explodidos à passagem de comboios ou patrulhas militares dos ocupantes e forças iraquianas associadas a estes, enquanto os restantes foram detectados antes de serem activados pelos combatentes iraquianos. Desde mediados de Junho até mediados de Julho, sempre segundo o Pentágono, a resistência teria colocado mais de 240 bombas só nas estradas em torno de Ramadi, das quais metade foram detonadas pelos guerrilheiros à passagem de comboios militares estadunidenses antes de serem descobertas pelos ocupantes [19].
Os números de ataques avançados no relatório da DIA, que é de 3 de Agosto, são muitos mais altos que os previamente dados a conhecer pelo Pentágono, e indicam que «[...] a insurgência [resistência] chegou a ser bem mais mortífera segundo todos os indicadores, com um número de ataques que atingiu níveis históricos. A insurgência tem mais apoio popular e está a demonstrar mais capacidade em número de activistas e na sua capacidade para dirigir a sua actividade armada como nunca até agora», segundo um responsável de inteligência militar dos EUA citado por The New York Times [20].

3.300 MILHÕES DE DÓLARES CONTRA OS “IED”

Embora estejam a aumentar todo o tipo de acções armadas contra os ocupantes e os corpos de segurança iraquianos, os IED preocupam particularmente o Pentágono, dado que demonstram que a resistência dispõe de uma notável e permanente capacidade de inovação técnica e de uma rede tanto de abastecimento de explosivos como de informação. A resistência aperfeiçoa e torna mais mortíferos os IED à medida que os ocupantes melhoram as suas tácticas de detecção dos artefactos e de protecção dos seus veículos, e as suas inovações difundem-se rapidamente entre os grupos armados locais em todo o país.
Isto explica que, embora o número de soldados mortos pela explosão dos IED se pudesse estabilizar, continua a aumentar o de soldados gravemente feridos que não podem voltar ao serviço, pelo menos 8.000 desde o início da ocupação. Certamente, como indicávamos antes, uma redisposição no terreno e medidas de autoprotecção explicam que o número de baixas mortais entre as tropas de ocupação se mantenha estável em torno de dois soldados caídos por dia em combate. Mas o número de feridos em aumento confirma que os ataques da resistência não diminuem, antes pelo contrário: só em Julho resultaram gravemente feridos 518 militares dos EUA, face aos 287 de Janeiro deste mesmo ano. Segundo estimativas dos ocupantes, 10% dos IED que atingem um comboio causam alguma baixa entre os soldados estadunidenses.
Devido à seu letalidade, o Pentágono orçou, para combater os IED, 3.300 milhões de dólares para 2006 [21].

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[1] Ver Carlos Varea, La violencia sectaria en Iraq y la nueva guerra en Oriente Medio. EEUU incrementa el número de tropas en Iraq y “reocupa” Bagdad, IraqSolidaridad, 09/08/2006.
[2] The New York Times, 17/08/2006.
[3] Reuters, 31/08/2006.
[4] http://icasualties.org. Em Julho morreram também em combate dois soldados salvadorenhos, nos dias 19 e 27, baixas que coincidiram com a decisão do presidente de El Salvador de renovar pela sétima vez a presença do contingente deste país, 380 soldados mobilizados em províncias do centro e do sul do Iraque. El Salvador é o único país latino­‑americano com tropas no Iraque.
[5] Islam Online, 02/08/2006.
[6] Ver Comunicado del FPNI en Iraq sobre la agresión sionista contra Líbano. La resistencia iraquí incrementa sus acciones armadas en solidaridad con Líbano y Palestina, IraqSolidaridad, 04/08/2006.
[7] Ver La resistencia armada se coordina bajo la dirección del Consejo Militar Supremo de los ‘Muyahidines’. Creado el Frente Patriótico Nacionalista e Islámico de Iraq, IraqSolidaridad, 18/11/2005.
[8] Islam Online, 02/08/2006.
[9] USA Today, 24/07/2006.
[10] Associated Press, 02/08/2006 e The Washington Post, 03/082006.
[11] Ver Dahr Jamail e Ali Fadhil, Os habitantes lutam para sobreviver, dentro e fora de Ramadi, 20/06/2006; Mohamed Tareq al-Darraji, Ramadi: Crímenes de Guerra. Los marines han forzado la salida de 1.500 familias de la ciudad / Ad-Duluiyah, ocupada por tropas estadounidenses, IraqSolidaridad, 17 e 20/06/2006; Noticias relacionadas con las tropas de ocupación en Iraq, IraqSolidaridad.
[12] http://icasualties.org
[13] Associated Press, 02/08/2006.
[14] Los Angeles Times, 06/08/2006.
[15] Los Angeles Times, 06/08/2006.
[16] The Washington Post, 03/08/2006.
[17] Ver Carlos Varea, La resistencia perfecciona los IED, la más característica de sus armas, IraqSolidaridad, 25/10/2005 e Amir Orem, El SOS de Estados Unidos a Israel – Secuencia de explosión de un IED en Faluya, IraqSolidaridad, 12/11/2005.
[18] The New York Times, 17/08/2006.
[19] Canon S., “U.S. bomb hunters warily eye Iraq roads”, McClatchy Newspapers, 25/07/2006.
[20] The New York Times, 17/08/2006.
[21] Canon, ob. cit.

Carlos Varea
http://www.infoalternativa.org/iraque/iraque068.htm

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