Hoje li mais uns comentários de artistas Portugueses no site Pro-Music. É deprimente ver como a situação é distorcida e mal compreendida. Por exemplo, a Mafalda Arnauth comenta:«Por favor, façam de um disco um amigo, escutem-no onde é possível, deixem-se seduzir por ele, descubram-no e se ele merecer, comprem-no, ofereçam-no a outros ou esperem que alguém faça o mesmo por vós… porque só assim é que nós podemos garantir que vamos ter a possibilidade de continuar a fazer mais!»Mafalda: estão-te a enganar. Convenceram-te que os músicos têm que viver das migalhas das editoras, e que sem vender discos não há música. É treta, e vou tentar mostrar que ser músico não é assim tão diferente de outras profissões.Um artista como a Mafalda tem que ter uma longa formação especializada, o que exige muito tempo e dedicação. Um investigador também; no meu caso foram cerca de 14 anos desde que comecei a licenciatura até que terminei o pós-doutoramento. Um artista tem que ser criativo no seu trabalho. Um investigador também; não se publica um artigo científico a nível internacional sem inovar, sem criar algo que não existia até então. Um artista tem que ser dedicado, pois compor e gravar um álbum dá muito trabalho. Um investigador e professor também; as aulas não se preparam sozinhas, e atrás de cada artigo de uma dúzia de páginas podem estar meses de trabalho e criatividade.Claro que há muitas diferenças entre a mim e a Mafalda (basta ver as nossas fotografias... os meus alunos prefeririam de certeza que fosse a Mafalda a dar-lhes aulas). Mas a diferença mais relevante é que eu sou pago pelo trabalho que faço, enquanto que a Mafalda recebe uma parte do lucro da editora. E é aqui que estás a ser enganada, Mafalda.Todo o trabalho criativo que eu faço é livre. O software que escrevo pode ser descarregado da minha página, não cobro aos meus alunos quando usam o conhecimento que lhes transmiti, nem recebo dinheiro quando outros usam os métodos que desenvolvo ou os resultados que publico. Mas isto é óptimo para mim, porque ninguém me pode privar do fruto do meu trabalho. A maioria dos artistas como a Mafalda não tem tanta sorte, por causa dos direitos de autor.Apesar do nome, raramente são do autor. É a editora que detém os direitos sobre o que o artista cria, e é isto que torna o artista dependente dos lucros da editora. Em vez de pagarem à Mafalda pelo trabalho que faz, privam-na dos direitos sobre o que cria em troca duma parte do dinheiro das vendas, e assim sem vendas a Mafalda não se safa. E se fosse há uns anos a Mafalda não tinha alternativa. Não seria prático ter a sua fábrica de discos ou CDs, e carrinha para os levar às lojas.Mas agora a Mafalda pode fazer chegar a sua música a milhões de pessoas. E numa audiência tão grande há certamente muitos dispostos a pagar à Mafalda pelo seu trabalho: por concertos, para gravar um álbum, para compor. Assim a Mafalda pode começar a ganhar a vida como qualquer outro profissional que é pago pelo trabalho que faz.Mafalda, compreendo que a Universal fique alarmada quando milhões de pessoas podem ouvir a tua música sem pagar. Mas para ti é bom que não tenham que pagar à tua editora para ouvir a tua música. É bom porque a maioria dos teus admiradores prefere pagar-te a ti pelo teu trabalho do que à Universal pelos direitos que te tiraram.A tecnologia no século XX tornou artistas como tu dependentes de uma infra-estrutura dispendiosa que tinha que ser subsidiada. Mas essa dependência acabou. A bem dos músicos e da música, tentem compreender isso.
http://ktreta.blogspot.com/
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