Os Homens são iguais por natureza; quer dizer que têm todos o mesmo porte, a mesma beleza, o mesmo génio, a mesma virtude? Não: é então a igualdade política e civil que se quer designar. Neste caso bastava dizer-se: Todos os homens são iguais à face da lei.
Mas o que é a igualdade perante a lei? Nem a Constituição de 1790, nem a de 93, nem a carta outorgada, nem a carta aceite a souberam definir. Todas nos legavam uma desigualdade de riqueza e casta ao lado da qual era impossível encontrar a sombra de uma igualdade de direitos. Sob este ponto de vista pode dizer-se que todas as nossas constituições foram a expressão fiel da vontade popular: vou prová-lo.
Outrora o povo estava excluído dos empregos civis e militares: acreditou-se numa maravilha inserindo este artigo pomposo na Declaração dos direitos: «Todos os cidadãos são igualmente admitidos nos empregos; os povos livres só conhecem como motivo de preferência para as suas escolhas as virtudes e os talentos.»
Alguns com certeza que admiraram coisa tão bonita: admiraram um disparate. Quê! o povo soberano, legislador e reformador, não vê nos empregos públicos mais que gratificações, passe a palavra, esmolas! E é porque os olha como fonte de proveito que estatui sobre a admissibilidade dos cidadãos. Para quê esta precaução se nada houvesse a ganhar? Ninguém se lembra de proibir a carreira de piloto a quem não tiver sido astrónomo e geógrafo, ou impedir um gago de ser actor de teatro e ópera. Também aqui o povo foi o imitador dos reis: quis dispor de lugares lucrativos em favor dos amigos e aduladores; infelizmente, e este último traço completa a semelhança, o povo não está à cabeça dos benefícios mas estão-no sim os mandatários e representantes. Também não tiveram o cuidado de contrariar a vontade do bondoso soberano.
Este artigo edificante da Declaração dos direitos, conservado pelas Cartas de 1814 e 1830, supõe várias espécies de desigualdades civis, o que significa desigualdades perante a lei: desigualdade de castas, visto que as funções públicas não são procuradas senão pela consideração e proventos que conferem; desigualdade de riqueza, pois se se tivesse querido que as fortunas fossem iguais, os empregos públicos teriam sido deveres, não recompensas; desigualdade de merecimento, não definindo a lei o que entende por talento e virtudes. Sob o Império, a virtude e o talento não eram mais que a coragem militar e a devoção pelo imperador:
isso viu-se quando Napoleão criou a sua nobreza e tentou uni-Ia à antiga. Hoje o homem que paga duzentos francos de impostos é virtuoso: o homem hábil é um ratoneiro honesto, aliás estas verdades são triviais.
Por fim o povo consagrou a propriedade... Deus lhe perdoe, porque ele não sabia o que fazia. Eis que expia há cinquenta anos um miserável equívoco. Mas como é que o povo, cuja voz é a de Deus e cuja consciência não saberia desfalecer, se pôde enganar? como é que caiu no privilégio e servidão ao procurar a liberdade e a igualdade? Sempre por imitação do regime antigo.
Outrora a nobreza e o clero não contribuíam para as despesas do Estado senão a título de ajuda voluntária e doações; os seus bens eram inacessíveis mesmo para pagamento de dívidas: enquanto o plebeu, sobrecarregado de tributos e impostos era incomodado sem descanso, tanto pelos cobradores do rei como pelos dos nobres e do clero. O intransmissível, colocado no lugar de coisa, não podia testar nem herdar; era como os animais, cujos serviços pertencem ao senhor por direito de acessão. O povo quis que a condição de proprietãrio fosse igual para todos; que cada um pudesse gozar o dispor livremente dos seus bens e lucros, do fruto do seu trabalho e indústria. O povo não inventou a propriedade; mas como ela não existia para ele da mesma forma que para os nobres e tonsurados, decretou a uniformidade desse direito. As formas acerbas da propriedade, a corveia, a intransmissibilidade, o despotismo, a exclusão dos empregos, desapareceram; o modo de gozo foi modificado: conservou-se o fundo. Houve progresso na atribuição do direito; não houve revolução.
Eis três princípios fundamentais da sociedade moderna que os movimentos de 1789 e 1830 consagraram: 1.º - Soberania da vontade do homem e, reduzindo a expressão, despotismo; 2.º - Desigualdade de riquezas e castas; 3.º - Propriedade: acima da Justiça, invocada sempre e por todos como o génio tutelar dos soberanos, nobres e proprietários; a Justiça, lei geral, primitiva e categórica de toda a sociedade.
Ter-se-á de saber se os conceitos de despotismo, desigualdade civil e propriedade estão; ou não em conformidade com a noção primitiva do justo, se são uma dedução necessária dela, manifestada de forma diversa segundo o caso, o lugar e a relação entre as pessoas;
Quando a injustiça se torna lei, a resistência torna-se um dever! I write the verse and I find the rhyme I listen to the rhythm but the heartbeat`s mine. Por trás de uma grande fortuna está um grande crime-Honoré de Balzac. Este blog é a continuação de www.franciscotrindade.com que foi criado em 11/2000.35000 posts em 10 anos. Contacto: franciscotrindade4@gmail.com ACTUALIZADO TODOS OS DIAS ACTUALIZADO TODOS OS DIAS ACTUALIZADO TODOS OS DIAS ACTUALIZADO TODOS OS DIAS ACTUALIZADO TODOS OS DIAS
domingo, janeiro 31, 2010
HAITI: APÓS A INVASÃO, A PILHAGEM
A directora-geral da UNESCO, Irina Bokova, pediu dia 29 ao Conselho de Segurança da ONU que faça uma resolução a proibir provisoriamente o comércio de objectos de arte haitianos "a fim de não encontrá-los amanhã à venda em leilões da Christie". A sra. Bokova pediu também ao secretário-geral da ONU que as suas forças no terreno vigiem sítios culturais a fim de evitar pilhagens.
A história repete-se: após a criminosa invasão do Iraque, as riquezas culturais do seu Museu Nacional e de sítios arqueológicos da Mesopotamia e Babilónia foram saqueadas a fim de serem vendidas no ocidente. Atrás da tropa estado-unidense chegam os saqueadores de tesouros.
A história repete-se: após a criminosa invasão do Iraque, as riquezas culturais do seu Museu Nacional e de sítios arqueológicos da Mesopotamia e Babilónia foram saqueadas a fim de serem vendidas no ocidente. Atrás da tropa estado-unidense chegam os saqueadores de tesouros.
O NEGRO E O VERMELHO
isso bastou para demonstrar .que a ordem que substituiu a antiga, nada teve de metódico e reflectido; que, nascida da cólera e do ódio, não podia ter o efeito de uma ciência formada na observação e no estudo; numa palavra, que as bases não eram deduzidas do conhecimento profundo das leis da natureza e da sociedade. Vê-se, assim, que nas instituições ditas novas, a república se serviu dos mesmos princípios contra os quais combatera, e sofreu a influência de todos os preconceitos que tivera intenção de banir. Fala-se com um entusiasmo irreflectido da gloriosa Revolução Francesa, da regeneração de 1789, das grandes reformas operadas, da modificação das instituições: mentira! mentira!
Logo que as nossas ideias se modificam completamente, em consequência de certas observações, diante de uma realidade física, intelectual ou social, chamo revolução a esse movimento do espírito. Se só há ampliação ou simples modificação de ideias é o progresso. Assim, o sistema de Ptolomeu foi um progresso em astronomia, o de Copérnico foi revolucionário. Da mesma maneira em 1789 houve luta e progresso; não houve revolução. A análise das reformas experimentadas assim o demonstra.
O povo, tanto tempo vítima do egoísmo monárquico, julgou libertar-se definitivamente ao declarar que só ele era soberano. Mas o que era a monarquia? A soberania de um homem. O que é a democracia? A soberania do povo ou, melhor dizendo, da maioria nacional. Mas é sempre a soberania do homem posta no lugar da soberania da lei, a soberania da vontade em vez da soberania da razão, numa palavra, as paixões substituindo o direito. Sem dúvida que há progresso sempre que um povo passa do estado monárquico ao democrático porque, fraccionando o poder, oferecem-se maiores oportunidades de a razão se substituir à vontade; mas afinal não há revolução no governo visto que o principio continua a ser o mesmo. Ora hoje mesmo temos a prova de que não se pode ser livre na mais perfeita democracia (').
(1) Ver Tocqueville, De Ia Démocratie aux Êtats-Unis e Michel Chevalier, Lettres sur I'Amérique du Nord. Vê em Plutarco, Vie de Péricles, que as pessoas honestas de Atenas eram obrigadas a esconder-se para se Instruírem, receando que por tal facto as julgassem desejar a tirania.
Não é tudo: o povo-rei não pode exercer a soberania por si próprio; é obrigado a delegá-la nos fundamentos do poder: é o que não se cansam de lhe repetir os que procuram captar as suas boas graças. Que esses fundamentos do poder sejam cinco, dez, cem, mil, que importa o número e o nome? é sempre o governo do homem, o reino da vontade e do belo prazer. Pergunto: que inovação nos trouxe a pretensa revolução?
De resto sabe-se como foi esta soberania exercida, primeiro pela Convenção, depois pelo Directório, mais tarde confiscado pelo cónsul. Quanto ao imperador, o homem forte tão adorado e lamentado pelo povo, nunca quis sair dele; mas como se quisesse desafiá-lo na soberania ousou pedir-lhe o sufrágio, quer dizer, a abdicação dessa soberania inalienável, e obteve-o.
Mas afinal o que é a soberania? Diz-se que é o poder de fazer leis (1), portanto outro absurdo derivado do despotismo. O povo tinha visto os reis justificarem as suas ordens pela fórmula: porque é ela a nossa vontade; quis, por sua vez, experimentar o prazer de fazer leis. Desde há cinquenta anos que cria miríades, sempre, bem entendido, pela operação dos representantes. O divertimento está longe de chegar ao fim.
De resto a definição de soberania deriva, ela própria, da definição da lei. A lei, dizia-se, é a expressão da vontade do soberano: portanto, sob uma monarquia, a lei é a expressão da vontade do rei; numa república a lei é a expressão da vontade do povo. A parte a diferença do número de vontades os dois sistemas são perfeitamente idênticos: num e noutro o erro é igual: fazer da lei a expressão de uma vontade enquanto deve ser a expressão de um facto. Contudo seguiam-se bons guias: tomara-se por profeta o cidadão de Genebra e o Contrato Social por Alcorão.
A preocupação e o preconceito revelam-se a cada passo na retórica dos novos legisladores. O povo tinha sofrido grande quantidade de privações de privilégios; os seus representantes fizeram para ele a declaração seguinte: Todos os homens são iguais por natureza e à face da lei; declaração ambígua e redundante.
(1) «A soberania, segundo Toullier, é a omnipotência humana.» Definição materialista: se a soberania um direito, não uma força ou faculdade. E o que é a omnipotência humana?
Logo que as nossas ideias se modificam completamente, em consequência de certas observações, diante de uma realidade física, intelectual ou social, chamo revolução a esse movimento do espírito. Se só há ampliação ou simples modificação de ideias é o progresso. Assim, o sistema de Ptolomeu foi um progresso em astronomia, o de Copérnico foi revolucionário. Da mesma maneira em 1789 houve luta e progresso; não houve revolução. A análise das reformas experimentadas assim o demonstra.
O povo, tanto tempo vítima do egoísmo monárquico, julgou libertar-se definitivamente ao declarar que só ele era soberano. Mas o que era a monarquia? A soberania de um homem. O que é a democracia? A soberania do povo ou, melhor dizendo, da maioria nacional. Mas é sempre a soberania do homem posta no lugar da soberania da lei, a soberania da vontade em vez da soberania da razão, numa palavra, as paixões substituindo o direito. Sem dúvida que há progresso sempre que um povo passa do estado monárquico ao democrático porque, fraccionando o poder, oferecem-se maiores oportunidades de a razão se substituir à vontade; mas afinal não há revolução no governo visto que o principio continua a ser o mesmo. Ora hoje mesmo temos a prova de que não se pode ser livre na mais perfeita democracia (').
(1) Ver Tocqueville, De Ia Démocratie aux Êtats-Unis e Michel Chevalier, Lettres sur I'Amérique du Nord. Vê em Plutarco, Vie de Péricles, que as pessoas honestas de Atenas eram obrigadas a esconder-se para se Instruírem, receando que por tal facto as julgassem desejar a tirania.
Não é tudo: o povo-rei não pode exercer a soberania por si próprio; é obrigado a delegá-la nos fundamentos do poder: é o que não se cansam de lhe repetir os que procuram captar as suas boas graças. Que esses fundamentos do poder sejam cinco, dez, cem, mil, que importa o número e o nome? é sempre o governo do homem, o reino da vontade e do belo prazer. Pergunto: que inovação nos trouxe a pretensa revolução?
De resto sabe-se como foi esta soberania exercida, primeiro pela Convenção, depois pelo Directório, mais tarde confiscado pelo cónsul. Quanto ao imperador, o homem forte tão adorado e lamentado pelo povo, nunca quis sair dele; mas como se quisesse desafiá-lo na soberania ousou pedir-lhe o sufrágio, quer dizer, a abdicação dessa soberania inalienável, e obteve-o.
Mas afinal o que é a soberania? Diz-se que é o poder de fazer leis (1), portanto outro absurdo derivado do despotismo. O povo tinha visto os reis justificarem as suas ordens pela fórmula: porque é ela a nossa vontade; quis, por sua vez, experimentar o prazer de fazer leis. Desde há cinquenta anos que cria miríades, sempre, bem entendido, pela operação dos representantes. O divertimento está longe de chegar ao fim.
De resto a definição de soberania deriva, ela própria, da definição da lei. A lei, dizia-se, é a expressão da vontade do soberano: portanto, sob uma monarquia, a lei é a expressão da vontade do rei; numa república a lei é a expressão da vontade do povo. A parte a diferença do número de vontades os dois sistemas são perfeitamente idênticos: num e noutro o erro é igual: fazer da lei a expressão de uma vontade enquanto deve ser a expressão de um facto. Contudo seguiam-se bons guias: tomara-se por profeta o cidadão de Genebra e o Contrato Social por Alcorão.
A preocupação e o preconceito revelam-se a cada passo na retórica dos novos legisladores. O povo tinha sofrido grande quantidade de privações de privilégios; os seus representantes fizeram para ele a declaração seguinte: Todos os homens são iguais por natureza e à face da lei; declaração ambígua e redundante.
(1) «A soberania, segundo Toullier, é a omnipotência humana.» Definição materialista: se a soberania um direito, não uma força ou faculdade. E o que é a omnipotência humana?
sábado, janeiro 30, 2010
Desemprego continuou a subir em Dezembro, para 10,4 por cento
Então eles não dizem que o capitalismo é o melhor sistema organizativo da sociedade? Ora aí está mais uma vez a prova de que é necessário dizer estas e outras balelas para que o poder não possa ser fragmentado, capice?
Então eles não dizem que o capitalismo é o melhor sistema organizativo da sociedade? Ora aí está mais uma vez a prova de que é necessário dizer estas e outras balelas para que o poder não possa ser fragmentado, capice?
Indymedia Portugal relançado
Em 30 de Novembro de 1999, reunia em Seattle, nos EUA, a Organização Mundial de Comércio, numa procura de regulação das transacções mundiais em proveito do grande capital. Aí, no decorrer das manifestações de rua contra a globalização capitalista, surgiu a ideia de uma informação alternativa, independente, face aos meios de comunicação do sistema capitalista. E hoje são numerosos os centros, a nível mundial, que seguem esta orientação. Dez anos após a revolta de Seattle, foi relançado o Indymedia Portugal (http://pt.indymedia.org). É de saudar o seu reaparecimento e desejar que venha a dar um bom contributo para uma informação diversificada e não subordinada às regras do poder.
O NEGRO E O VERMELHO
A justiça tinha existido apenas para os senhores (1); começou, desde então, a existir para os servos.
No entanto, a nova religião esteve longe de dar todos os seus frutos. Houve um melhoramento nos costumes públicos, um abrandamento da opressão: mas, quanto ao resto, a semente do Filho do homem, caída em corações idolátras, produziu apenas uma mitologia, quase poética e inúmeras discórdias. Em vez de se agarrarem às consequências práticas dos princípios de moral e de governo que a Palavra de Deus trouxera, entregaram-se a especulações sobre a sua nascença, a sua origem, a sua pessoa e os seus actos; fizeram-se epílogos sobre as suas parábolas e, do conflito das opiniões mais extravagantes sobre problemas insolúveis, sobre textos não compreendidos, nasceu a teologia, que se pode definir como ciência do lnfinitamente absurdo.
A verdade cristã não ultrapassou a idade dos apóstolos; o Evangelho comentado e simbolizado por Gregos e Romanos, repleto de fábulas pagãs, tornou-se um sinal de contradição; e até hoje o reinado da Igreja infalível apenas engendrou um grande obscurecimento. Diz-se que as portas do Inferno não prevalecerão sempre, que a Palavra de Deus voltará e os homens conhecerão enfim a verdade e a justiça; mas então findará o catolicismo grego e romano, assim como os fantasmas da opinião que desaparecerão à luz da ciência.
Os monstros que os sucessores dos apóstolos tinham por missão destruir reapareceram pouco a pouco, graças ao fanatismo imbecil e, algumas vezes também, à conivência dos padres e teólogos. A história da queda das comunas, em França, apresenta constantemente a justiça e a liberdade determinando-se no povo, apesar dos esforços conjugados dos reis, nobreza e clero. No ano de 1789 depois de Cristo, a nação francesa, dividida por castas, pobre e oprimida, debatia-se sob o absolutismo real, a tirania dos senhores e dos parlamentos e a intolerância sacerdotal. Havia o direito do rei e o direito do padre, o direito do nobre e o direito do plebeu;
______________
(1) A religião, as leis o o casamento eram privilégios dos homens livres e, ao princípio, unicamente dos nobres. Dil majorum gentium, deuses de famílias patrícias; jus gontium, direito das pessoas, quer dizer das famílias ou dos nobres. O escravo e o plebeu não constituíam família; os seus filhos eram considerados como componentes de um rebanho. Nasciam animais, deviam viver como animais.
havia previlégios de nascença, de província, de comunas, de corporacões e de ofícios: no fundo de tudo isto a vigência, a imoralidade e a miséria. Já há algum tempo que se falava de reforma; os que mais a desejavam para se aproveitar dela e o povo, que tinha tudo a ganhar, não esperavam grande coisa nem se manifestavam. Durante muito tempo esse pobre povo hesitou sobre os seus direitos quer por incredulidade, desconfiança ou desespero: dir-se-ia que o hábito de servir tinha roubado a coragem às velhas comunas, tão orgulhosas na Idade Média.
Apareceu por fim um livro que se resumia a duas proposições: O que é o terceiro estado? nada. O que devia sert? tudo. Alguém acrescentou, em forma de comentário: O que é o rei? é o mandatário do povo.
Foi como uma revelação súbita: rasgou-se um véu imenso, de todos os olhos caiu uma venda espessa. O povo pôs-se a raciocinar:
Se o rei é nosso mandatário deve prestar contas;
Se deve prestar contas está sujeito a ser fiscalizado;
Se pode ser fiscalizado é responsável;
Se é responsável, é punível;
Se é punível, é-o segundo os seus méritos;
Se deve ser punido segundo os seus méritos pode ser punido com a morte.
Cinco anos depois da publicação da brochura de Sieyès, o terceiro estado era tudo; o rei, a nobreza e o clero já nada valiam; Em 1793 o povo, sem se prender com a ficção constitucional da inviolabilidade do soberano, conduziu Luís XVI ao cadafalso; em 1830 acompanhou Carlos X a Chesburgo. Se se tivesse enganado na avaliação dos delitos teria cometido na realidade um erro; mas, em direito, a Lógica que o fez agir é irrepreensível. O povo, ao punir o soberano, fez precisamente o que tanto se reprovou ao governo de Julho não ter feito, depois da execução de Luís Bonaparte em Estrasburgo: atingiu o verdadeiro culpado. É uma aplicação de direito comum, uma determinação solene da justiça em matéria penal (').
O espírito que originou o movimento de 89 foi um espírito de contradição;
_____________
(1) Se o chefe do Poder executivo é responsável, os deputados também o devem ser. É espantoso que nunca ninguém se tenha lembrado disto; seria assunto para uma tese interessante. Mas afirmo que por nada deste mundo eu a quereria defender: o povo tem ainda lógica suficiente para não precisar que eu lhe forneça a matéria para tirar certas conclusões.
No entanto, a nova religião esteve longe de dar todos os seus frutos. Houve um melhoramento nos costumes públicos, um abrandamento da opressão: mas, quanto ao resto, a semente do Filho do homem, caída em corações idolátras, produziu apenas uma mitologia, quase poética e inúmeras discórdias. Em vez de se agarrarem às consequências práticas dos princípios de moral e de governo que a Palavra de Deus trouxera, entregaram-se a especulações sobre a sua nascença, a sua origem, a sua pessoa e os seus actos; fizeram-se epílogos sobre as suas parábolas e, do conflito das opiniões mais extravagantes sobre problemas insolúveis, sobre textos não compreendidos, nasceu a teologia, que se pode definir como ciência do lnfinitamente absurdo.
A verdade cristã não ultrapassou a idade dos apóstolos; o Evangelho comentado e simbolizado por Gregos e Romanos, repleto de fábulas pagãs, tornou-se um sinal de contradição; e até hoje o reinado da Igreja infalível apenas engendrou um grande obscurecimento. Diz-se que as portas do Inferno não prevalecerão sempre, que a Palavra de Deus voltará e os homens conhecerão enfim a verdade e a justiça; mas então findará o catolicismo grego e romano, assim como os fantasmas da opinião que desaparecerão à luz da ciência.
Os monstros que os sucessores dos apóstolos tinham por missão destruir reapareceram pouco a pouco, graças ao fanatismo imbecil e, algumas vezes também, à conivência dos padres e teólogos. A história da queda das comunas, em França, apresenta constantemente a justiça e a liberdade determinando-se no povo, apesar dos esforços conjugados dos reis, nobreza e clero. No ano de 1789 depois de Cristo, a nação francesa, dividida por castas, pobre e oprimida, debatia-se sob o absolutismo real, a tirania dos senhores e dos parlamentos e a intolerância sacerdotal. Havia o direito do rei e o direito do padre, o direito do nobre e o direito do plebeu;
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(1) A religião, as leis o o casamento eram privilégios dos homens livres e, ao princípio, unicamente dos nobres. Dil majorum gentium, deuses de famílias patrícias; jus gontium, direito das pessoas, quer dizer das famílias ou dos nobres. O escravo e o plebeu não constituíam família; os seus filhos eram considerados como componentes de um rebanho. Nasciam animais, deviam viver como animais.
havia previlégios de nascença, de província, de comunas, de corporacões e de ofícios: no fundo de tudo isto a vigência, a imoralidade e a miséria. Já há algum tempo que se falava de reforma; os que mais a desejavam para se aproveitar dela e o povo, que tinha tudo a ganhar, não esperavam grande coisa nem se manifestavam. Durante muito tempo esse pobre povo hesitou sobre os seus direitos quer por incredulidade, desconfiança ou desespero: dir-se-ia que o hábito de servir tinha roubado a coragem às velhas comunas, tão orgulhosas na Idade Média.
Apareceu por fim um livro que se resumia a duas proposições: O que é o terceiro estado? nada. O que devia sert? tudo. Alguém acrescentou, em forma de comentário: O que é o rei? é o mandatário do povo.
Foi como uma revelação súbita: rasgou-se um véu imenso, de todos os olhos caiu uma venda espessa. O povo pôs-se a raciocinar:
Se o rei é nosso mandatário deve prestar contas;
Se deve prestar contas está sujeito a ser fiscalizado;
Se pode ser fiscalizado é responsável;
Se é responsável, é punível;
Se é punível, é-o segundo os seus méritos;
Se deve ser punido segundo os seus méritos pode ser punido com a morte.
Cinco anos depois da publicação da brochura de Sieyès, o terceiro estado era tudo; o rei, a nobreza e o clero já nada valiam; Em 1793 o povo, sem se prender com a ficção constitucional da inviolabilidade do soberano, conduziu Luís XVI ao cadafalso; em 1830 acompanhou Carlos X a Chesburgo. Se se tivesse enganado na avaliação dos delitos teria cometido na realidade um erro; mas, em direito, a Lógica que o fez agir é irrepreensível. O povo, ao punir o soberano, fez precisamente o que tanto se reprovou ao governo de Julho não ter feito, depois da execução de Luís Bonaparte em Estrasburgo: atingiu o verdadeiro culpado. É uma aplicação de direito comum, uma determinação solene da justiça em matéria penal (').
O espírito que originou o movimento de 89 foi um espírito de contradição;
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(1) Se o chefe do Poder executivo é responsável, os deputados também o devem ser. É espantoso que nunca ninguém se tenha lembrado disto; seria assunto para uma tese interessante. Mas afirmo que por nada deste mundo eu a quereria defender: o povo tem ainda lógica suficiente para não precisar que eu lhe forneça a matéria para tirar certas conclusões.
sexta-feira, janeiro 29, 2010
O presidente francês Nicolas Sarkozy na sua intervenção no Fórum Económico Mundial, em Davos, afirmou que "Não estamos a perguntar o que vai substituir o capitalismo mas que tipo de capitalismo queremos", acrescentou. "Devemos repensar o capitalismo e repor a sua dimensão moral e a sua consciência".
Mas desde quando é que o capitalismo tem uma dimensão moral e sobretudo uma consciência se a sua falta é o cerne do próprio capitalismo?
Mas desde quando é que o capitalismo tem uma dimensão moral e sobretudo uma consciência se a sua falta é o cerne do próprio capitalismo?
TRISTE ESPECTÁCULO
Triste espectáculo é ver o ministro das Finanças de um país soberano a pedinchar às agências de classificação (rating) para que não lhe rebaixem a avaliação e a implorar o "benefício da dúvida". Foi o que fez ontem o ministro Teixeira dos Santos após ameaças da agência Fitch . Mas nem sequer lhe passa pela cabeça propor o cancelamento de projectos ruinosos para a economia do país – como a construção de um novo aeroporto, ligações ferroviárias de alta velocidade, triplicação de rodovias já existentes, destruição de hospitais existentes para que empreiteiros construam outros e por aí afora. A ferocidade orçamental do ministro Teixeira dos Santos é só contra os trabalhadores, para com o capital tem dedos de pelica.
Responsabilidades
Faz hoje 14 anos e 3 meses que tomou posse o XIII Governo Constitucional, presidido por António Guterres, do PS.
Desde essa data, três partidos estiveram no Governo: PS, PSD e CDS.
Neste período de tempo, o CDS e o PSD, coligados, governaram Portugal durante dois anos, oito meses e uns dias; o PS governou durante 11 anos, 4 meses e uns dias.
No próximo dia 12 de Março, Sócrates completa 5 anos ininterruptos de chefe de Governo, e, no próximo mês de Setembro, o PS totalizará 12 anos de governação, desde 1995, os mesmos que José Sócrates terá de governante.
No final de 2010, PS e PSD registarão idêntico período acumulado de exercício do poder, nos últimos 25 anos.
Agora, temos de olhar para o estado deplorável a que este país chegou, em quase todos os domínios: Educação, Justiça, Economia, Finanças, Agricultura, Indústria, Pescas, Planeamento e Organização do Território... E exigir que a inimputabilidade política termine.
Quatro homens são particularmente responsáveis pelo estado a que Portugal chegou:
- Cavaco Silva: dez anos primeiro-ministro e cinco presidente da República;
- António Guterres: seis anos primeiro-ministro. Fugiu do Governo e das consequências da sua governação;
- Durão Barroso: dois anos primeiro-ministro e doze anos de governante. Fugiu do Governo e das consequências da sua governação;
- José Sócrates: quatro anos e oito meses como primeiro ministro e quase 12 anos de governante. Nunca tinha havido um primeiro-ministro envolvido em tantos casos de investigação policial ou de suspeição. Nunca tinha havido um primeiro-ministro tão irresponsável, arrogante e aventureiro. Nunca tinha havido um primeiro-ministro que faltasse tanto a promessas feitas. Nunca tinha havido um primeiro-ministro que tivesse levado o país a um endividamento do nível do actual, e que tivesse provocado a degradação da Educação e da Justiça até ao ponto em que nos encontramos.
De tudo isto têm de ser exigidas responsabilidades.
Desde essa data, três partidos estiveram no Governo: PS, PSD e CDS.
Neste período de tempo, o CDS e o PSD, coligados, governaram Portugal durante dois anos, oito meses e uns dias; o PS governou durante 11 anos, 4 meses e uns dias.
No próximo dia 12 de Março, Sócrates completa 5 anos ininterruptos de chefe de Governo, e, no próximo mês de Setembro, o PS totalizará 12 anos de governação, desde 1995, os mesmos que José Sócrates terá de governante.
No final de 2010, PS e PSD registarão idêntico período acumulado de exercício do poder, nos últimos 25 anos.
Agora, temos de olhar para o estado deplorável a que este país chegou, em quase todos os domínios: Educação, Justiça, Economia, Finanças, Agricultura, Indústria, Pescas, Planeamento e Organização do Território... E exigir que a inimputabilidade política termine.
Quatro homens são particularmente responsáveis pelo estado a que Portugal chegou:
- Cavaco Silva: dez anos primeiro-ministro e cinco presidente da República;
- António Guterres: seis anos primeiro-ministro. Fugiu do Governo e das consequências da sua governação;
- Durão Barroso: dois anos primeiro-ministro e doze anos de governante. Fugiu do Governo e das consequências da sua governação;
- José Sócrates: quatro anos e oito meses como primeiro ministro e quase 12 anos de governante. Nunca tinha havido um primeiro-ministro envolvido em tantos casos de investigação policial ou de suspeição. Nunca tinha havido um primeiro-ministro tão irresponsável, arrogante e aventureiro. Nunca tinha havido um primeiro-ministro que faltasse tanto a promessas feitas. Nunca tinha havido um primeiro-ministro que tivesse levado o país a um endividamento do nível do actual, e que tivesse provocado a degradação da Educação e da Justiça até ao ponto em que nos encontramos.
De tudo isto têm de ser exigidas responsabilidades.
O NEGRO E O VERMELHO
Mas esta regra de moral prática é nula para a ciência: que direito tenho eu de exigir dos outros que cumpram com esse preceito? Nada significa dizer que dever e direito se equivalem, a menos que se defina a natureza desse direito.
Tentemos atingir algo de mais preciso e positivo.
A justiça é o astro central que governa as sociedades, o pólo sobre que o mundo político gira, o princípio e regra de todas as transacções. Entre os homens nada se faz que não seja valorizar o direito invocando a justiça. A justiça não é obra da lei: pelo contrário, a lei é apenas a declaração e a aplicação do justo, em todas as circunstâncias em que os homens se possam encontrar relacionados. Portanto, se a ideia que nós fazemos do justo e do direito estivesse mal determinada, se fosse incompleta ou mesmo falsa, é evidente que todas as nossas aplicações legislativas seriam más, as instituições viciosas, a política errada: daí advirta desordem o mal social.
Esta hipótese da perversão da justiça no nosso entendimento e consequentemente nos nossos actos seria um facto demonstrado se as opiniões dos homens, relativamente ao conceito de justiça e suas aplicações, não tivessem sido constantes; se, em épocas diversas, tivessem sofrido modificações; numa palavra, se tivesse havido progresso nas ideias. Ora é o que a história nos prova pelos testemunhos mais surpreendentes.
Há mil e oitocentos anos, o mundo, sob a protecção dos Césares, consumia-se na escravatura, superstição e volúpia. O povo, embriagado por longos bacanais, tinha perdido as noções do direito e do dever: a guerra e a orgia dizimavam-no; o gasto e o trabalho das máquinas, quer dizer, dos escravos, impediam-no de se reproduzir, tirando-lhe os meios de subsistência. O barbarismo renascia desta corrupção imensa e espalhava-se, como lepra galopante, pelas provincias despovoadas. Os sábios previam o fim do império mas como evitar esse fim? Que poderiam fazer para salvar a sociedade envelhecida? Seria necessário mudar os objectos da estima o veneração pública, abolindo direitos consagrados por uma justiça dez vezes secular. Dizia-se: «Roma venceu pela sua política e pelos seus deuses; qualquer reforma no culto e no espírito público seria loucura e sacrilégio.
Roma, indulgente para com as nações vencidas, conserva a vida dos povos mas oprime-os; os escravos são a fonte mais fecunda das suas riquezas; o enfraquecimento dos povos era negação de direitos e ruína de finanças. Roma, mergulhada em delícias e empanturrada com os despojos do universo, abusa da vitória e do poder; o luxo e as volúpias são o preço das conquistas: não pode abdicar nem despojar-se deles.» Roma era assim apoiada pelo facto e pelo direito. As suas pretensões eram justificados por todos os costumes e pelo direito dos povos. A idolatria na religião, a escravatura no Estado, o epicurismo na vida privada eram a base das instituições. Tocar-lhes seria abalar os fundamentos da sociedade e, segundo a expressão moderna, abrir caminho às revoluções. Ninguém se lembrou disso; e, no entanto, a humanidade morria no sangue e na luxúria.
De repente apareceu um homem trazendo a Palavra de Deus: ainda hoje não se sabe quem era nem donde vinha ou quem lhe teria sugerido tais ideias. Anunciava por toda a parte que o mundo ia ser renovado; que os padres eram víboras, os advogados ignorantes, os filósofos hipócritas e mentirosos; que o senhor e o escravo eram iguais, que a usura e tudo o que se lhe assemelhasse era um roubo, que os proprietários e os homens de prazer arderiam um dia, enquanto os pobres de espírito e os puros habitariam num lugar de repouso. Acrescentava muitas outras coisas não menos extraordinárias.
Este homem, Palavra de Deus, foi denunciado e preso como inimigo público pelos: padres e juristas, conseguindo que o povo pedisse a sua morte. Mas este assassínio jurídico, fazendo aumentar os seus crimes, não abafou a doutrina que a Palavra de Deus semeara. Depois os primeiros apóstolos espalharam-se por toda a parte, pregando o que chamavam de boa-nova, agrupando à sua volta milhões de fiéis, morrendo sob a justiça romana quando terminada a tarefa. Esta propaganda obstinada, guerra de carrascos e mártires, durou perto de trezentos anos, após os quais o mundo se achou convertido. A idolatria foi destruída, a escravatura abolida, a dissolução deu lugar a costumes mais austeros, o desprezo pelas riquezas foi levado, algumas vezes, ao extremo da renúncia completa. A sociedade foi salva pela negação dos seus princípios, pelo agitar da religião e pela violação dos direitos mais sagrados. A ideia do justo alcançou, nesta revolução, uma dimensão não imaginada até aí!
Tentemos atingir algo de mais preciso e positivo.
A justiça é o astro central que governa as sociedades, o pólo sobre que o mundo político gira, o princípio e regra de todas as transacções. Entre os homens nada se faz que não seja valorizar o direito invocando a justiça. A justiça não é obra da lei: pelo contrário, a lei é apenas a declaração e a aplicação do justo, em todas as circunstâncias em que os homens se possam encontrar relacionados. Portanto, se a ideia que nós fazemos do justo e do direito estivesse mal determinada, se fosse incompleta ou mesmo falsa, é evidente que todas as nossas aplicações legislativas seriam más, as instituições viciosas, a política errada: daí advirta desordem o mal social.
Esta hipótese da perversão da justiça no nosso entendimento e consequentemente nos nossos actos seria um facto demonstrado se as opiniões dos homens, relativamente ao conceito de justiça e suas aplicações, não tivessem sido constantes; se, em épocas diversas, tivessem sofrido modificações; numa palavra, se tivesse havido progresso nas ideias. Ora é o que a história nos prova pelos testemunhos mais surpreendentes.
Há mil e oitocentos anos, o mundo, sob a protecção dos Césares, consumia-se na escravatura, superstição e volúpia. O povo, embriagado por longos bacanais, tinha perdido as noções do direito e do dever: a guerra e a orgia dizimavam-no; o gasto e o trabalho das máquinas, quer dizer, dos escravos, impediam-no de se reproduzir, tirando-lhe os meios de subsistência. O barbarismo renascia desta corrupção imensa e espalhava-se, como lepra galopante, pelas provincias despovoadas. Os sábios previam o fim do império mas como evitar esse fim? Que poderiam fazer para salvar a sociedade envelhecida? Seria necessário mudar os objectos da estima o veneração pública, abolindo direitos consagrados por uma justiça dez vezes secular. Dizia-se: «Roma venceu pela sua política e pelos seus deuses; qualquer reforma no culto e no espírito público seria loucura e sacrilégio.
Roma, indulgente para com as nações vencidas, conserva a vida dos povos mas oprime-os; os escravos são a fonte mais fecunda das suas riquezas; o enfraquecimento dos povos era negação de direitos e ruína de finanças. Roma, mergulhada em delícias e empanturrada com os despojos do universo, abusa da vitória e do poder; o luxo e as volúpias são o preço das conquistas: não pode abdicar nem despojar-se deles.» Roma era assim apoiada pelo facto e pelo direito. As suas pretensões eram justificados por todos os costumes e pelo direito dos povos. A idolatria na religião, a escravatura no Estado, o epicurismo na vida privada eram a base das instituições. Tocar-lhes seria abalar os fundamentos da sociedade e, segundo a expressão moderna, abrir caminho às revoluções. Ninguém se lembrou disso; e, no entanto, a humanidade morria no sangue e na luxúria.
De repente apareceu um homem trazendo a Palavra de Deus: ainda hoje não se sabe quem era nem donde vinha ou quem lhe teria sugerido tais ideias. Anunciava por toda a parte que o mundo ia ser renovado; que os padres eram víboras, os advogados ignorantes, os filósofos hipócritas e mentirosos; que o senhor e o escravo eram iguais, que a usura e tudo o que se lhe assemelhasse era um roubo, que os proprietários e os homens de prazer arderiam um dia, enquanto os pobres de espírito e os puros habitariam num lugar de repouso. Acrescentava muitas outras coisas não menos extraordinárias.
Este homem, Palavra de Deus, foi denunciado e preso como inimigo público pelos: padres e juristas, conseguindo que o povo pedisse a sua morte. Mas este assassínio jurídico, fazendo aumentar os seus crimes, não abafou a doutrina que a Palavra de Deus semeara. Depois os primeiros apóstolos espalharam-se por toda a parte, pregando o que chamavam de boa-nova, agrupando à sua volta milhões de fiéis, morrendo sob a justiça romana quando terminada a tarefa. Esta propaganda obstinada, guerra de carrascos e mártires, durou perto de trezentos anos, após os quais o mundo se achou convertido. A idolatria foi destruída, a escravatura abolida, a dissolução deu lugar a costumes mais austeros, o desprezo pelas riquezas foi levado, algumas vezes, ao extremo da renúncia completa. A sociedade foi salva pela negação dos seus princípios, pelo agitar da religião e pela violação dos direitos mais sagrados. A ideia do justo alcançou, nesta revolução, uma dimensão não imaginada até aí!
quinta-feira, janeiro 28, 2010
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