Em poucos dias, foram homenageadas duas figuras públicas com
responsabilidades muito diretas na asfixia social em que vivemos. A Câmara
Municipal da Covilhã decidiu homenagear José Sócrates em “merecido e singelo”
reconhecimento pelo trabalho desenvolvido “a favor da cidade”. Eu ainda não
tinha fechado a boca do espanto quando se noticiou que, na mesma cidade, a
Universidade da Beira Interior (UBI) concedia um DoutoramentoHonoris Causa a
Zeinal Bava, o homem que foi decisivo a desfazer em fumo anos de trabalho da
Portugal Telecom!
E lembrei-me que, há um ano, o ISEG, de Lisboa, decidira
homenagear da mesma forma Ricardo Salgado, o homem que, segundo João Duque, “é
um exemplo de liderança (...), tem as relações nacionais e internacionais
certas, que delas faz a gestão sensata, e zela pelo ativo mais preciso da
atividade bancária: a confiança”, com as “qualidades de liderança em
tranquilidade, (…) de decisão em serenidade” (discurso do padrinho do candidato
a Doutor, 11.7.2013).
Seria bom momento para discutir a função simbólica (e económica?)
dos doutoramentos Honoris Causa, estes rituais que tantas vezes
mostram falta de independência e elogio babado aos poderosos, com os quais as
sociedades pós-aristocráticas em que vivemos procuram saciar a nostalgia que as
elites sempre sentiram pela nobilitação – mas não é o que farei. O que me
indigna é a vontade deliberada, acintosa, de reescrever a História, de procurar
uma glória totalmente imerecida para encobrir precisamente o contrário daquilo
por que se homenageia!