terça-feira, janeiro 13, 2015

O fosso


As fotos da manifestação de ontem em Paris com o ângulo de visão da que ilustra este post mostram duas coisas. A primeira decorre do local onde aparecem publicadas, as redes sociais, e o local onde não aparecem publicadas, a imprensa. Aquilo de ontem supostamente era para ser também uma manifestação pela liberdade de imprensa e, fantástico, a “grande imprensa” censurou-as. É que a outra coisa que estas fotografias demonstram, e que esta imprensa com donos que se preocupam em filtrar o que podemos e o que não podemos saber não quis que soubéssemos, é que houve não uma mas sim duas manifestações com um fosso ao meio a separar os donos do mundo e respectivo exército de seguranças, que não perdem uma tragédia para produzirem o seu número mediático, e, a duas ou três centenas de metros, encabeçada pelos sobreviventes do atentado de Charlie Hebdo, a manifestação das pessoas das quais os primeiros se distanciam cada vez mais. Mas a imagem que ficou, vendida em milhões de fotografias publicadas nos jornais de todo o mundo, foi a de que ontem estiveram com as pessoas e de que as pessoas estiveram com eles. Ou seja, o tal fosso não existe. A imagem dará imenso jeito quando decidirem bombardear o próximo Iraque, quando invadam o Afeganistão seguinte ou, o bandido Netanyahu também lá esteve, quando Israel decida outra vez bombardear o campo de concentração da Faixa de Gaza, que esta mesma imprensa não descreve como tal. O certo é que o mundo ficou convencido que ontem os dirigentes mundiais estiveram de mão dada com o povo a que são alérgicos. Amanhã, hoje mesmo, seremos todos terroristas em potência a vigiar ainda mais minuciosamente e a manter ainda mais longe de segredos que não nos dizem respeito – prisões arbitrárias, inquéritos sob tortura, limitação da liberdade de circulação de pessoas, informações que deveriam ser públicas classificadas como segredo de Estado como regra e não como excepção – que os senhores do mundo necessitam para nos protegerem de nós mesmos. Esta manhã, na televisão do café onde tomei o pequeno-almoço, também falavam destas “medidas de segurança”. Numa mesa atrás de mim, alguém comentava que “sim, o Sr. Capitão também morreu de gripe”. Não tinha morrido de gripe, atenção, TAMBÉM tinha morrido de gripe, e isto dito com toda a naturalidade. O Norte da Europa é incomparavelmente mais frio do que o Sul, mas é aqui que se morre de gripe. Deram cabo do nosso Serviço Nacional de Saúde para o nosso bem. Os terroristas de Estado são nossos amigos.

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