Na madrugada de quarta feira dia 27 de Abril, enquanto o editor libertário dormia soturnamente, a blogger levou a cabo um pérfido ataque contra o Anovis Anophelis deixando-o incapacitado durante três longos e macambúzios dias...
Este podia ser o início do romance que o editor do Anovis poderia, mas não vai, escrever...
Mas a verdade é que o Anovis esteve fora de circulação, mais uma vez, durante três dias devido à incúria e à incompetência desta empresa que dá pelo nome de blogger e que é pertença da google, para quem não souber...
O blogue Anovis foi literalmente removido sem autorização do autor, sem aviso prévio e sem justificação!...
Grandessíssimos filhos duma pequena mãe!!!...
Segue-se para conhecimento de quem de direito, que são obviamente os leitores do Anovis, os mails trocados entre o editor do Anovis e a blogger durante este período de tempo...
Mails trocados uma ova! Que os responsáveis da blogger, como de costume, não deram cavaco...
(cavaco, de cavaco silva que significa - não sei, não me comprometa, não quero saber, não tenho nada a ver com isso...)
Eis os mails por ordem cronológica:
27/04/11
1.
O meu blogue http://franciscotrindade.blogspot.com/ de nome Anovis Anophelis desapareceu outra vez!
Não é a primeira vez que isto acontece!
Não é a segunda vez que isto acontece!
Não é a terceira vez que isto acontece!
Quantas mais vezes é que isto tem que acontecer?
Na minha terra chama-se a isto incompetência!!!
Estou farto de vocês terem esta atitude!!!
A blogger não é uma entidade de confiança!
Francisco Trindade
2.
Durante quanto tempo é que vou ter que aturar a vossa incompetência???!!!
Ou é uma questão política ou trata-se de incompetência!
Estou decididamente a apostar na segunda!
E vou ter que esperar mais quanto tempo?
Francisco Trindade
3.
Continuo à espera que o meu blogue ressuscite!...
http://franciscotrindade.blogspot.com/ de nome Anovis Anophelis
Francisco Trindade
28/04/11
1.
Continuo à espera que a blogger ultrapasse a sua incompetência e que coloque o meu blogue no ar rapidamente!
Francisco Trindade
2.
Continuo à espera e não vou desistir!
Francisco Trindade
3.
Há 36 horas que os meus blogues foram removidos pelo blogger sem motivo nem justificação!!!
Vou ter que esperar durante mais quanto tempo?
A incompetência vai durar mais quanto tempo??!!!
Francisco Trindade
4.
Continuo à espera!...
Francisco Trindade
29/04/11
1.
Há 3 dias que os meus blogues foram removidos pelo blogger sem motivo nem justificação!!!
Vou ter que esperar durante mais quanto tempo?
A incompetência vai durar mais quanto tempo??!!!
Francisco Trindade
30/04/11
1.
No quarto dia voltei a ter os meus blogues mas sem qualquer explicação para a incompetência da blogger...
Estou à espera duma justificação!
Dispenso o pedido de desculpas, porque não vai servir para nada!
Mas quero acautelar o futuro.
Daqui a uns dias, daqui a uma semana, daqui a quinze dias a blogger volta a remover os meus blogues sem mais nem menos?
Isso não pode acontecer...
Como não sou caso único, todos os bloggers afectados deviam concertar uma acção conjunta e que era levar a blogger a tribunal por danos patrimoniais e morais e exigir a esses incompetentes duma figa uma choruda indeminização! Se isso acontecesse para o futuro passariam a ter mais cuidado!
Estou à espera que os (ir)responsáveis da blogger dêm uma justificação cabal para este desatino que ciclicamente cai em cima dos bloggers que apostaram - irradamente - nestes miseráveis serviços!...
Francisco Trindade
E chega!...
A partir de amanhã o Anovis recomeça a "partir" a realidade...
Quando a injustiça se torna lei, a resistência torna-se um dever! I write the verse and I find the rhyme I listen to the rhythm but the heartbeat`s mine. Por trás de uma grande fortuna está um grande crime-Honoré de Balzac. Este blog é a continuação de www.franciscotrindade.com que foi criado em 11/2000.35000 posts em 10 anos. Contacto: franciscotrindade4@gmail.com ACTUALIZADO TODOS OS DIAS ACTUALIZADO TODOS OS DIAS ACTUALIZADO TODOS OS DIAS ACTUALIZADO TODOS OS DIAS ACTUALIZADO TODOS OS DIAS
sábado, abril 30, 2011
terça-feira, abril 26, 2011
O NEGRO E O VERMELHO
O PRINCÍPIO FEDERATIVO de PROUDHON
O Princípio Federativo teve uma primeira tradução em português em 1874, embora incompleta, pois só a primeira parte conheceu a língua de Camões. O tradutor, A. J. Nunes Junior, deu-lhe o título de "Do Princípio de Federação" e segue a tradução castelhana de 1872 de Pi y Margall , o grande responsável pela divulgação do pensamento de Proudhon no país da C.N.T. e tradutor de várias das suas obras.O Princípio Federativo, livro saído em Fevereiro de 1863 no editor Dentu de Paris, tem 324 páginas na edição original. Ignoramos a tiragem inicial, mas sabemos por uma carta de Proudhon que no dia 5 de Março de 1863, ou seja, somente uma quinzena de dias após a sua saída, o livro já estava no seu sexto milhar. Compreende um prefácio e uma conclusão e trinta e um capítulos agrupados em três partes: primeira parte - "Do Princípio de Federação" (onze capítulos); segunda parte - "Política Unitária" (onze capítulos); terceira parte; "A Imprensa Unitária" (nove capítulos). O subtitulo: Da necessidade de reconstruir o partido da Revolução é a sobrevivência da intenção inicial, que se queria essencialmente prática e mobilizadora; o título cobre, ao contrário, o tratado teórico resultante de modificações ulteriores.Também é igualmente verdade que o livro é importante porque é o primeiro - e permanece o principal - daqueles que trataram o Federalismo não somente, enquanto sistema de ultrapassagem das soberanias, mas como princípio geral de organização da sociedade. A esse título Proudhon tinha razão ao afirmar que tinha dado aí a "sua definição de República, definição que ficou no estado de desideratum , tão pouco conhecida ainda que os próprios Suíços e Americanos não tiveram até aqui senão uma consciência bastante imperfeita do seu próprio estado" .É esta íntima convicção de ter produzido uma obra profundamente original, ocupando o seu lugar no pequeno número das grandes teorias políticas, que o fará escrever "... acabo enfim de terminar uma verdadeira exposição filosófica do princípio federativo, uma das coisas mais fortes e novas que produzi" .IIA partir de 1858, mais consciente da importância das relações políticas internacionais, Proudhon prossegue a crítica do Estado centralizado (o que vem fazendo desde 1839) mas opõe-lhe, não mais a destruição dos governos, mas a sua limitação num sistema federal . Parece?lhe que a garantia das liberdades deve ser procurada, não somente na negação das autoridades, mas numa organização complexa onde se encontrarão limitadas e reciprocamente contrabalançadas as autoridades e as liberdades. O Federalismo responderia a esta complexidade das dialécticas desde que ele fosse concebido, não como um simples sistema político, mas como um sistema total sócio-económico, onde os múltiplos grupos seriam os livres criadores das suas relações económicas e políticas. O problema que se coloca a Proudhon, no momento em que se interroga sobre a constituição social dos grupos nacionais e sobre as relações internacionais, diz respeito simultaneamente à organização económica e à organização política. Na sociedade desigualitária do regime proprietário, o político constituía?se por oposição à sociedade económica e para dominar os conflitos de classe que a desigualdade suscitava. Pelo contrário, numa sociedade socialista, onde a livre solidariedade uniria os indivíduos e os grupos, o direito público, longe de se opor à sociedade económica, deveria admitir os princípios e não fazer mais que prolongar a organização económica. Os princípios económicos, contratualismo, mutualismo devem estar no fundamento do direito público e reproduzirem-se identicamente: o equilíbrio dinâmico instituído na organização económica deve reencontrar-se na organização política: a mutualidade económica transpõe?se na política sob o nome de Federalismo . A concepção federal dos grupos nacionais opõe ao unitarismo centralizador uma visão pluralista de sociedade: enquanto que a tradição monárquica ou jacobina não concebe o bem social que sob a forma de absorção das partes numa centralização única, o federalismo opõe-se a toda a centralização e respeita a autonomia dos agrupamentos particulares. Não se trata já de assegurar a unidade ao preço das liberdades mas assegurar ao mesmo tempo a unidade e as liberdades na unidade.IIIO federalismo implica não só uma identidade de forma entre a organização económica e a organização política mas também uma distinção entre uma e outra: supõe que os grupos produtores, longe de abandonarem os seus direitos a uma autoridade ávida de se desenvolver, conservariam os seus poderes de decisão económica e não encontrariam no Estado senão um meio de expressão ou de estímulo. O federalismo, colocando o princípio da limitação do poder central pelos poderes particulares e os agrupamentos locais, quebra o dogma da razão de Estado e a tendência comum dos Estados à concentração. Deixando de ser o único pólo de autoridade, o poder político deixa de ser o dono da sociedade, não é mais que um dos focos de acção social entre outros. As fórmulas que Proudhon empregava em relação a este assunto no seu período particularmente anarquista (anterior a 1858) permanecem aplicáveis ao federalismo: o Estado, organizado à imagem da sociedade económica e reproduzindo a sua forma essencial, encontra?se limitado nos seus poderes pelos produtores e agrupamentos de produção, mas mais exactamente subalternizado pela sociedade económica no seu conjunto. Longe de aparecer como o órgão central da sociedade e o seu único meio de coesão, as funções do Estado não são mais que sub?funções, duma sociedade de produtores. Proudhon esboça o plano destes centros autónomos que irão limitar o poder político ao nível dos agrupamentos profissionais e das soberanias locais. Segundo um projecto elaborado desde 1848 , as oficinas e as companhias industriais organizadas, por elas próprias democraticamente, seriam conduzidas a federarem-se por profissões e por indústrias para constituírem uma forma de centralização ao nível nacional. Esta federação de indústrias asseguraria as necessidades de independência dos agrupamentos visto que as relações ficariam fundadas sobre contratos entre grupos, e responderiam às exigências modernas da coordenação. Mas não é mais, no seio duma sociedade federada, que um tipo de agrupamento autónomo: considerando as relações entre os grupos locais, Proudhon insiste na independência relativa que devem conservar as comunas e as diferentes regiões. Contrariamente à tendência centralizadora que não cessa de reduzir a soberania das comunas, importa reconhecer esta forma de autonomia .No federalismo, a comuna, grupo local e natural, readquire a sua soberania; ela tem o direito de se governar, de se administrar, de dispor das suas propriedades, de fixar os impostos, de organizar a educação, de fazer a sua própria polícia. Deve reconstituir uma verdadeira vida colectiva, o que implica que os problemas sejam debatidos, que os interesses se pronunciem, que os regulamentos internos sejam discutidos e escolhidos. Este aspecto é, aos olhos de Proudhon, decisivo: não se trata somente de reconhecer uma certa limitação do Estado pela presença dos agrupamentos, mas afirmar a pluralidade das soberanias e por conseguinte a liberdade efectiva da comuna. Se não fazemos mais que reconhecer algumas liberdades municipais no interior de um sistema regido segundo as regras da centralização, os conflitos não deixarão de se produzir entre as comunas e o Estado e o poder mais forte não deixará de obter decisão favorável, prosseguindo a história da degradação das comunas. Só uma organização federativa afirmando o princípio da pluralidade das soberanias poderia respeitar a soberania da comuna e restituir deste modo a plenitude da vida colectiva aos fundamentos da sociedade .IVO federalismo implica, por outro lado, que seja restituída às regiões e às províncias uma parte da sua autonomia, quer dizer que os grupos naturais unidos por uma comunidade de dialecto, de costumes ou de religião readquirem esta autonomia relativa que a centralização absorvente lhes fez perder. O grupo natural formado pela comunidade local, identidade de costumes e a conexão dos interesses é, com efeito, uma realidade social mais viva que os grupos artificiais formados pelos Estados. Aí também, a teoria federativa do Estado se opõe totalmente à concepção unitarista; raciocina?se na concepção unitária, em termos de força e de redução das liberdades: partindo do princípio que a sociedade não subsiste por ela própria, mas pela autoridade, conclui?se que é necessário, antes de tudo, constituir um Estado que imporá a disciplina e a obediência. Toda a diversidade sendo interpretada como um sinal de insubordinação, é-se levado a pensar que a unidade só é assegurada pela destruição das particularidades e a constituição de um conjunto homogéneo e sem diferenciação. Se se souber ao contrário que um grupo social existe por ele próprio, assegura a sua coesão, vive e pensa como um ser orgânico, desenvolve as suas possibilidades à medida da sua liberdade, concluir-se?á que um conjunto nacional poderá estar mais certo da sua estabilidade se os grupos naturais forem mais autónomos. O agrupamento nacional não será, pois, mais uma unidade homogénea e dominada, mas uma federação ou mais exactamente uma confederação de Estados. Proudhon também iria desenvolver as mais rigorosas críticas contra o "príncipe des nationalités" que tinha, no entanto, o apoio quase unânime da opinião pública. Com efeito, o nacionalismo, pondo o acento tónico na independência nacional e portanto na unidade do Estado, pode ter, sob as aparências de um progresso, consequências contra?revolucionárias: reforçando o Estado e a centralização, tende?se a constituir nestas aglomerações artificiais cuja consequência será impedir a revolução económica segundo a lei várias vezes sublinhada que a centralização tende a impedir a mutação social .À reinvindicação nacionalista e unitária, Proudhon opõe uma confederação das regiões e das províncias, a única capaz de respeitar as nacionalidades locais. Em relação às perigosas discussões sobre o tema das fronteiras naturais, Proudhon será crítico, no seu princípio, mostrando que em geral as fronteiras não são mais que criações artificiais da política: os verdadeiros limites não são aqueles que se estabeleceu por qualquer decisão de um poder, mas aqueles que um grupo delineou e modificou à medida do seu desenvolvimento e da sua prática espontânea. O federalismo aplicar?se?ia enfim às relações entre os povos, e, do mesmo modo que o sistema unitário de inspiração monárquica transporta em si mesmo a necessidade de afrontamentos militares, uma organização confederal dos Estados conduziria ao estabelecimento da paz. Esta confederação seria possível se unisse estados de pequena dimensão, eles próprios federados interiormente: com efeito, um estado extenso, onde os laços reais são tanto mais frouxos quanto as dimensões são vastas, será sempre levado a reforçar os poderes centrais para compensar a ausência de unidade espontânea. Estes Estados demasiado vastos são, pela sua constituição social, levados à centralização e portanto à guerra. Entre as nações médias, pelo contrário, poderiam estabelecer?se relações comparáveis às relações mutualistas e portanto pacíficas.A evicção da guerra entre nações derivaria da instauração de um pacto federal entre nações, e, mais profundamente, da federação no interior de cada Estado: a distribuição dos poderes e a reciprocidade mutualista, tendo como efeito destruir as possibilidades de dominação. Assim, sem acreditar que a Europa pudesse constituir uma única confederação, Proudhon sublinha que o desaparecimento das guerras está subordinado ao advento de um Estado federal europeu .Esta teoria política releva muito mais do doutrinal que do sociológico. Proudhon não ignora como são poderosas as tendências económicas e ideológicas que empurram à centralização política e confessa que é necessário, neste domínio, inverter a tendência frequente. No entanto, e como em toda a sua obra, a doutrina funda?se sobre uma teoria social que convém precisar: é a este nível que podemos examinar se Proudhon não renegou em parte o seu anarquismo nos seus últimos escritos. Podemos com efeito perguntar se o federalismo não vem reintroduzir sob uma nova forma o que o anarquismo tinha radicalmente negado: a constituição política.VO federalismo funda?se sobre uma leitura essencialmente pluralista da sociedade e sobre as relações positivas estabelecidas entre a diversidade e a vitalidade, entre a unidade e a opressão. Quer se trate de actividade de produção, de circulação ou de vida política, Proudhon não cessa de pensar que se desenha uma relação constante entre a pluralidade e o movimento, o unificado e o imóvel. Assim é da essência do Estado centralizado de introduzir um obstáculo à mudança, um factor de reacção, do facto do seu carácter unitário. O federalismo aparece como uma técnica permitindo respeitar a pluralidade e logo a livre iniciativa dos grupos sociais e as suas liberdades. Mais exactamente, o pluralismo é essencial à realidade social desalienada: o federalismo não é uma técnica preferível, susceptível de trazer mais bem?estar ou liberdade aos produtores, ele é a expressão da realidade social. Proudhon não erra ao reconhecer que o unitarismo e o federalismo não cessam de se manifestar na história como duas possibilidades concretas, mas acrescenta que a centralização autoritária revestiu um carácter artificial que sublinha os seus defeitos. Considerada na sua realidade viva, a sociedade é ao mesmo tempo una e múltipla, mas é pela sua multiplicidade que ela vive e progride: a vitalidade social, com efeito, não vem de um centro director, faz?se da circunstância e por exemplo dos contratos entre produtores distintos que procuram livremente os seus interesses. O movimento social é resultante das próprias bases da sociedade e mais precisamente das múltiplas iniciativas tomadas pelos produtores e as companhias de produtores. Do mesmo modo que esta pluralidade de iniciativas seria respeitada e encontraria os órgãos da sua expressão, a sociedade poderia evitar os conflitos e os antagonismos que ela não cessou de encontrar no passado.A teoria federativa permanece fiel ao projecto proudhoniano de sublinhar a espontaneidade do Ser colectivo por oposição às teorias estatistas ou religiosas. Quer se trate de denunciar a improdutividade do capital, o conservatismo estatista ou a alienação religiosa, Proudhon esforça?se por encontrar o movimento social autónomo e emanante nas suas transformações e nas suas criações. Mas no seu período anarquista, sublinhando que a espontaneidade social vem inteira da organização das forças económicas, tende a tomar como modelo desta organização as relações interindividuais: os exemplos escolhidos para ilustrar o contrato económico sobressaem numa grande medida das trocas privadas. Ao descrever a organização federal, a federação agrícola?industrial, Proudhon insiste muito mais sobre as relações entre os grupos do mesmo modo que sublinha muito mais do que em 1848 a importância das companhias operárias encarregadas de gerir as grandes indústrias e os grandes trabalhos . Mas, sobretudo, Proudhon introduz a noção de "grupo natural" que vem completar a pluralidade dos agrupamentos espontâneos no plano geográfico. Assim, a concepção federativa acentua muito mais, que a realidade social é feita de múltiplos agrupamentos qualitativamente diferentes, geográficos, económicos, culturais, políticos, espontaneamente soberanos, onde o indivíduo se encontra empenhado. Desenvolvendo esta teoria das federações e das confederações, Proudhon fica fiel ao seu método dialéctico e particularmente à sua teoria dialéctica dos equilíbrios. A espontaneidade dos diferentes agrupamentos é assegurada se se estabelecer entre eles relações de equilibração ou as tendências expansivas de cada um se encontrarem travadas pela autonomia dos outros grupos. O federalismo deve confirmar esta realidade das lutas e das oposições procurando equilibrá?las: longe de impor à vida social uma síntese asfixiante, convém assegurar o pleno desenvolvimento das forças por um jogo de equilíbrios sem hierarquia. A dialéctica negativa do federalismo confirmaria o carácter pluralista e antigovernamental da espontaneidade social. No entanto, Proudhon introduz pela organização política uma dialéctica que repelia no seu período anarquista, a da autoridade e a da liberdade . Nesse caso, anteriormente exprimia uma recusa total das autoridades e afirmava que a actividade do trabalho era por si mesma um incessante protesto contra a autoridade, reconhece ao contrário aos fundamentos do federalismo uma antinomia onde a autoridade constitui um dos dois termos. A evolução do seu pensamento não pode ser aqui apresentada por falta manifesta de espaço: Parte de uma interpretação largamente polémica que nada concede a um poder político, Proudhon reintroduz pelo federalismo uma forma de autoridade local ou central. Todavia, a noção de autoridade possui na organização federal uma significação radicalmente diferente daquela que ele tinha nos Estados tradicionais: quando o contrato político que devia fundar os Estados fazia?se por um abandono da autonomia, o contrato federativo seria um contrato limitado no seu objecto, salvaguardando a soberania dos indivíduos e dos grupos excepto pelo objecto especial pelo qual ele é formado. Os grupos federados não se comprometeriam senão a governarem?se na base do mutualismo, a entenderem?se a respeito das suas actividades económicas, a prestar assistência nas dificuldades, a protegerem?se contra o inimigo de fora e a tirania de dentro .VIAssim concebido, o poder central nada teria de uma autoridade exterior à vida social, seria somente o órgão de coordenação dos interesses locais: os delegados não seriam investidos de um poder particular, não teriam por função senão confrontar os interesses e procurar a harmonização por via de concessões mutualistas. O conselho central deixa então de constituir um Estado, é o órgão da mutualidade e não constitui mais que um dos termos da actividade social. Proudhon prossegue desta maneira a constante preocupação de destruir tudo o que poderia revestir qualquer carácter de exterioridade em relação à totalidade social: destruindo o Estado, ou, não dando ao poder central senão uma função particular entre outras funções, restituir?se?ia à sociedade tudo o que ela é: a destruição das alienações devolveria à vida social tudo o que lhe tinha sido extorquido.O Estado não é mais, por conseguinte, nesta sociedade devolvida a ela própria, que o resultado dos interesses; retoma, apesar disso, um papel relativo de iniciador. Após ter afirmado no período anarquista que o Estado autoritário e centralizado era, por essência, imobilista e incapaz de participar na progressão social, Proudhon pensa agora que um Estado federal e pluralista teria a possibilidade de assumir um papel activo e relativamente criador. O Estado não saberia substituir?se às forças económicas e aos grupos de produção para a execução dos trabalhos, mas assume um papel de criação nas iniciativas, nas decisões económicas e nos projectos . Assim a dialéctica entre a sociedade e o Estado, que era, nas obras do período 1848?1852, a dialéctica contraditória da opressão e da submissão, cede lugar a uma dialéctica complementar, onde se encontra reconhecido o papel inovador de um conselho central. O Estado só intervém para promover e escolher, deve em seguida abster?se, mas tem bem um papel provisório de criação.Se esta evolução marca bem uma correcção trazida às teorias políticas anteriores, não implica uma revisão das teorias sociológicas. A denúncia do Estado centralizado num regime proprietário subsiste inteiramente assim como a análise dos seus determinismos de expansão e de concentração. Mas Proudhon opina que uma instituição vê os caracteres e as necessidades transformarem?se totalmente logo que ela é inserida numa estrutura global diferente. Que o Estado de uma sociedade desigualitária seja necessariamente alienante e opressiva não implica que um conselho central conserve as mesmas características numa totalidade diferente. As estruturas globais de uma totalidade impõem a sua necessidade particular às partes e às instituições. A antinomia das classes e a anarquia industrial tornam necessário um Estado forte e opressivo, como a organização federal das forças económicas e a pluralidade das entidades soberanas tornam necessário um poder central pacífico e sem superioridade de poder. Numa tal estrutura social, a própria noção de governo perde o seu sentido tradicional assim como o seu prestígio e os mitos que o rodeiam; não é mais que um dos maquinismos, uma das funções, duma sociedade igualitária. Esta relatividade histórica da instituição sublinha de novo como a reforma política está subordinada: a mutação revolucionária não consiste numa simples revisão constitucional, exige uma subversão da sociedade na sua forma geral, quer dizer nas suas relações sócio?económicas: a organização das forças sociais e das forças económicas imporão novas funções às instituições particulares, e determinará as características e o seu funcionamento.
O Princípio Federativo teve uma primeira tradução em português em 1874, embora incompleta, pois só a primeira parte conheceu a língua de Camões. O tradutor, A. J. Nunes Junior, deu-lhe o título de "Do Princípio de Federação" e segue a tradução castelhana de 1872 de Pi y Margall , o grande responsável pela divulgação do pensamento de Proudhon no país da C.N.T. e tradutor de várias das suas obras.O Princípio Federativo, livro saído em Fevereiro de 1863 no editor Dentu de Paris, tem 324 páginas na edição original. Ignoramos a tiragem inicial, mas sabemos por uma carta de Proudhon que no dia 5 de Março de 1863, ou seja, somente uma quinzena de dias após a sua saída, o livro já estava no seu sexto milhar. Compreende um prefácio e uma conclusão e trinta e um capítulos agrupados em três partes: primeira parte - "Do Princípio de Federação" (onze capítulos); segunda parte - "Política Unitária" (onze capítulos); terceira parte; "A Imprensa Unitária" (nove capítulos). O subtitulo: Da necessidade de reconstruir o partido da Revolução é a sobrevivência da intenção inicial, que se queria essencialmente prática e mobilizadora; o título cobre, ao contrário, o tratado teórico resultante de modificações ulteriores.Também é igualmente verdade que o livro é importante porque é o primeiro - e permanece o principal - daqueles que trataram o Federalismo não somente, enquanto sistema de ultrapassagem das soberanias, mas como princípio geral de organização da sociedade. A esse título Proudhon tinha razão ao afirmar que tinha dado aí a "sua definição de República, definição que ficou no estado de desideratum , tão pouco conhecida ainda que os próprios Suíços e Americanos não tiveram até aqui senão uma consciência bastante imperfeita do seu próprio estado" .É esta íntima convicção de ter produzido uma obra profundamente original, ocupando o seu lugar no pequeno número das grandes teorias políticas, que o fará escrever "... acabo enfim de terminar uma verdadeira exposição filosófica do princípio federativo, uma das coisas mais fortes e novas que produzi" .IIA partir de 1858, mais consciente da importância das relações políticas internacionais, Proudhon prossegue a crítica do Estado centralizado (o que vem fazendo desde 1839) mas opõe-lhe, não mais a destruição dos governos, mas a sua limitação num sistema federal . Parece?lhe que a garantia das liberdades deve ser procurada, não somente na negação das autoridades, mas numa organização complexa onde se encontrarão limitadas e reciprocamente contrabalançadas as autoridades e as liberdades. O Federalismo responderia a esta complexidade das dialécticas desde que ele fosse concebido, não como um simples sistema político, mas como um sistema total sócio-económico, onde os múltiplos grupos seriam os livres criadores das suas relações económicas e políticas. O problema que se coloca a Proudhon, no momento em que se interroga sobre a constituição social dos grupos nacionais e sobre as relações internacionais, diz respeito simultaneamente à organização económica e à organização política. Na sociedade desigualitária do regime proprietário, o político constituía?se por oposição à sociedade económica e para dominar os conflitos de classe que a desigualdade suscitava. Pelo contrário, numa sociedade socialista, onde a livre solidariedade uniria os indivíduos e os grupos, o direito público, longe de se opor à sociedade económica, deveria admitir os princípios e não fazer mais que prolongar a organização económica. Os princípios económicos, contratualismo, mutualismo devem estar no fundamento do direito público e reproduzirem-se identicamente: o equilíbrio dinâmico instituído na organização económica deve reencontrar-se na organização política: a mutualidade económica transpõe?se na política sob o nome de Federalismo . A concepção federal dos grupos nacionais opõe ao unitarismo centralizador uma visão pluralista de sociedade: enquanto que a tradição monárquica ou jacobina não concebe o bem social que sob a forma de absorção das partes numa centralização única, o federalismo opõe-se a toda a centralização e respeita a autonomia dos agrupamentos particulares. Não se trata já de assegurar a unidade ao preço das liberdades mas assegurar ao mesmo tempo a unidade e as liberdades na unidade.IIIO federalismo implica não só uma identidade de forma entre a organização económica e a organização política mas também uma distinção entre uma e outra: supõe que os grupos produtores, longe de abandonarem os seus direitos a uma autoridade ávida de se desenvolver, conservariam os seus poderes de decisão económica e não encontrariam no Estado senão um meio de expressão ou de estímulo. O federalismo, colocando o princípio da limitação do poder central pelos poderes particulares e os agrupamentos locais, quebra o dogma da razão de Estado e a tendência comum dos Estados à concentração. Deixando de ser o único pólo de autoridade, o poder político deixa de ser o dono da sociedade, não é mais que um dos focos de acção social entre outros. As fórmulas que Proudhon empregava em relação a este assunto no seu período particularmente anarquista (anterior a 1858) permanecem aplicáveis ao federalismo: o Estado, organizado à imagem da sociedade económica e reproduzindo a sua forma essencial, encontra?se limitado nos seus poderes pelos produtores e agrupamentos de produção, mas mais exactamente subalternizado pela sociedade económica no seu conjunto. Longe de aparecer como o órgão central da sociedade e o seu único meio de coesão, as funções do Estado não são mais que sub?funções, duma sociedade de produtores. Proudhon esboça o plano destes centros autónomos que irão limitar o poder político ao nível dos agrupamentos profissionais e das soberanias locais. Segundo um projecto elaborado desde 1848 , as oficinas e as companhias industriais organizadas, por elas próprias democraticamente, seriam conduzidas a federarem-se por profissões e por indústrias para constituírem uma forma de centralização ao nível nacional. Esta federação de indústrias asseguraria as necessidades de independência dos agrupamentos visto que as relações ficariam fundadas sobre contratos entre grupos, e responderiam às exigências modernas da coordenação. Mas não é mais, no seio duma sociedade federada, que um tipo de agrupamento autónomo: considerando as relações entre os grupos locais, Proudhon insiste na independência relativa que devem conservar as comunas e as diferentes regiões. Contrariamente à tendência centralizadora que não cessa de reduzir a soberania das comunas, importa reconhecer esta forma de autonomia .No federalismo, a comuna, grupo local e natural, readquire a sua soberania; ela tem o direito de se governar, de se administrar, de dispor das suas propriedades, de fixar os impostos, de organizar a educação, de fazer a sua própria polícia. Deve reconstituir uma verdadeira vida colectiva, o que implica que os problemas sejam debatidos, que os interesses se pronunciem, que os regulamentos internos sejam discutidos e escolhidos. Este aspecto é, aos olhos de Proudhon, decisivo: não se trata somente de reconhecer uma certa limitação do Estado pela presença dos agrupamentos, mas afirmar a pluralidade das soberanias e por conseguinte a liberdade efectiva da comuna. Se não fazemos mais que reconhecer algumas liberdades municipais no interior de um sistema regido segundo as regras da centralização, os conflitos não deixarão de se produzir entre as comunas e o Estado e o poder mais forte não deixará de obter decisão favorável, prosseguindo a história da degradação das comunas. Só uma organização federativa afirmando o princípio da pluralidade das soberanias poderia respeitar a soberania da comuna e restituir deste modo a plenitude da vida colectiva aos fundamentos da sociedade .IVO federalismo implica, por outro lado, que seja restituída às regiões e às províncias uma parte da sua autonomia, quer dizer que os grupos naturais unidos por uma comunidade de dialecto, de costumes ou de religião readquirem esta autonomia relativa que a centralização absorvente lhes fez perder. O grupo natural formado pela comunidade local, identidade de costumes e a conexão dos interesses é, com efeito, uma realidade social mais viva que os grupos artificiais formados pelos Estados. Aí também, a teoria federativa do Estado se opõe totalmente à concepção unitarista; raciocina?se na concepção unitária, em termos de força e de redução das liberdades: partindo do princípio que a sociedade não subsiste por ela própria, mas pela autoridade, conclui?se que é necessário, antes de tudo, constituir um Estado que imporá a disciplina e a obediência. Toda a diversidade sendo interpretada como um sinal de insubordinação, é-se levado a pensar que a unidade só é assegurada pela destruição das particularidades e a constituição de um conjunto homogéneo e sem diferenciação. Se se souber ao contrário que um grupo social existe por ele próprio, assegura a sua coesão, vive e pensa como um ser orgânico, desenvolve as suas possibilidades à medida da sua liberdade, concluir-se?á que um conjunto nacional poderá estar mais certo da sua estabilidade se os grupos naturais forem mais autónomos. O agrupamento nacional não será, pois, mais uma unidade homogénea e dominada, mas uma federação ou mais exactamente uma confederação de Estados. Proudhon também iria desenvolver as mais rigorosas críticas contra o "príncipe des nationalités" que tinha, no entanto, o apoio quase unânime da opinião pública. Com efeito, o nacionalismo, pondo o acento tónico na independência nacional e portanto na unidade do Estado, pode ter, sob as aparências de um progresso, consequências contra?revolucionárias: reforçando o Estado e a centralização, tende?se a constituir nestas aglomerações artificiais cuja consequência será impedir a revolução económica segundo a lei várias vezes sublinhada que a centralização tende a impedir a mutação social .À reinvindicação nacionalista e unitária, Proudhon opõe uma confederação das regiões e das províncias, a única capaz de respeitar as nacionalidades locais. Em relação às perigosas discussões sobre o tema das fronteiras naturais, Proudhon será crítico, no seu princípio, mostrando que em geral as fronteiras não são mais que criações artificiais da política: os verdadeiros limites não são aqueles que se estabeleceu por qualquer decisão de um poder, mas aqueles que um grupo delineou e modificou à medida do seu desenvolvimento e da sua prática espontânea. O federalismo aplicar?se?ia enfim às relações entre os povos, e, do mesmo modo que o sistema unitário de inspiração monárquica transporta em si mesmo a necessidade de afrontamentos militares, uma organização confederal dos Estados conduziria ao estabelecimento da paz. Esta confederação seria possível se unisse estados de pequena dimensão, eles próprios federados interiormente: com efeito, um estado extenso, onde os laços reais são tanto mais frouxos quanto as dimensões são vastas, será sempre levado a reforçar os poderes centrais para compensar a ausência de unidade espontânea. Estes Estados demasiado vastos são, pela sua constituição social, levados à centralização e portanto à guerra. Entre as nações médias, pelo contrário, poderiam estabelecer?se relações comparáveis às relações mutualistas e portanto pacíficas.A evicção da guerra entre nações derivaria da instauração de um pacto federal entre nações, e, mais profundamente, da federação no interior de cada Estado: a distribuição dos poderes e a reciprocidade mutualista, tendo como efeito destruir as possibilidades de dominação. Assim, sem acreditar que a Europa pudesse constituir uma única confederação, Proudhon sublinha que o desaparecimento das guerras está subordinado ao advento de um Estado federal europeu .Esta teoria política releva muito mais do doutrinal que do sociológico. Proudhon não ignora como são poderosas as tendências económicas e ideológicas que empurram à centralização política e confessa que é necessário, neste domínio, inverter a tendência frequente. No entanto, e como em toda a sua obra, a doutrina funda?se sobre uma teoria social que convém precisar: é a este nível que podemos examinar se Proudhon não renegou em parte o seu anarquismo nos seus últimos escritos. Podemos com efeito perguntar se o federalismo não vem reintroduzir sob uma nova forma o que o anarquismo tinha radicalmente negado: a constituição política.VO federalismo funda?se sobre uma leitura essencialmente pluralista da sociedade e sobre as relações positivas estabelecidas entre a diversidade e a vitalidade, entre a unidade e a opressão. Quer se trate de actividade de produção, de circulação ou de vida política, Proudhon não cessa de pensar que se desenha uma relação constante entre a pluralidade e o movimento, o unificado e o imóvel. Assim é da essência do Estado centralizado de introduzir um obstáculo à mudança, um factor de reacção, do facto do seu carácter unitário. O federalismo aparece como uma técnica permitindo respeitar a pluralidade e logo a livre iniciativa dos grupos sociais e as suas liberdades. Mais exactamente, o pluralismo é essencial à realidade social desalienada: o federalismo não é uma técnica preferível, susceptível de trazer mais bem?estar ou liberdade aos produtores, ele é a expressão da realidade social. Proudhon não erra ao reconhecer que o unitarismo e o federalismo não cessam de se manifestar na história como duas possibilidades concretas, mas acrescenta que a centralização autoritária revestiu um carácter artificial que sublinha os seus defeitos. Considerada na sua realidade viva, a sociedade é ao mesmo tempo una e múltipla, mas é pela sua multiplicidade que ela vive e progride: a vitalidade social, com efeito, não vem de um centro director, faz?se da circunstância e por exemplo dos contratos entre produtores distintos que procuram livremente os seus interesses. O movimento social é resultante das próprias bases da sociedade e mais precisamente das múltiplas iniciativas tomadas pelos produtores e as companhias de produtores. Do mesmo modo que esta pluralidade de iniciativas seria respeitada e encontraria os órgãos da sua expressão, a sociedade poderia evitar os conflitos e os antagonismos que ela não cessou de encontrar no passado.A teoria federativa permanece fiel ao projecto proudhoniano de sublinhar a espontaneidade do Ser colectivo por oposição às teorias estatistas ou religiosas. Quer se trate de denunciar a improdutividade do capital, o conservatismo estatista ou a alienação religiosa, Proudhon esforça?se por encontrar o movimento social autónomo e emanante nas suas transformações e nas suas criações. Mas no seu período anarquista, sublinhando que a espontaneidade social vem inteira da organização das forças económicas, tende a tomar como modelo desta organização as relações interindividuais: os exemplos escolhidos para ilustrar o contrato económico sobressaem numa grande medida das trocas privadas. Ao descrever a organização federal, a federação agrícola?industrial, Proudhon insiste muito mais sobre as relações entre os grupos do mesmo modo que sublinha muito mais do que em 1848 a importância das companhias operárias encarregadas de gerir as grandes indústrias e os grandes trabalhos . Mas, sobretudo, Proudhon introduz a noção de "grupo natural" que vem completar a pluralidade dos agrupamentos espontâneos no plano geográfico. Assim, a concepção federativa acentua muito mais, que a realidade social é feita de múltiplos agrupamentos qualitativamente diferentes, geográficos, económicos, culturais, políticos, espontaneamente soberanos, onde o indivíduo se encontra empenhado. Desenvolvendo esta teoria das federações e das confederações, Proudhon fica fiel ao seu método dialéctico e particularmente à sua teoria dialéctica dos equilíbrios. A espontaneidade dos diferentes agrupamentos é assegurada se se estabelecer entre eles relações de equilibração ou as tendências expansivas de cada um se encontrarem travadas pela autonomia dos outros grupos. O federalismo deve confirmar esta realidade das lutas e das oposições procurando equilibrá?las: longe de impor à vida social uma síntese asfixiante, convém assegurar o pleno desenvolvimento das forças por um jogo de equilíbrios sem hierarquia. A dialéctica negativa do federalismo confirmaria o carácter pluralista e antigovernamental da espontaneidade social. No entanto, Proudhon introduz pela organização política uma dialéctica que repelia no seu período anarquista, a da autoridade e a da liberdade . Nesse caso, anteriormente exprimia uma recusa total das autoridades e afirmava que a actividade do trabalho era por si mesma um incessante protesto contra a autoridade, reconhece ao contrário aos fundamentos do federalismo uma antinomia onde a autoridade constitui um dos dois termos. A evolução do seu pensamento não pode ser aqui apresentada por falta manifesta de espaço: Parte de uma interpretação largamente polémica que nada concede a um poder político, Proudhon reintroduz pelo federalismo uma forma de autoridade local ou central. Todavia, a noção de autoridade possui na organização federal uma significação radicalmente diferente daquela que ele tinha nos Estados tradicionais: quando o contrato político que devia fundar os Estados fazia?se por um abandono da autonomia, o contrato federativo seria um contrato limitado no seu objecto, salvaguardando a soberania dos indivíduos e dos grupos excepto pelo objecto especial pelo qual ele é formado. Os grupos federados não se comprometeriam senão a governarem?se na base do mutualismo, a entenderem?se a respeito das suas actividades económicas, a prestar assistência nas dificuldades, a protegerem?se contra o inimigo de fora e a tirania de dentro .VIAssim concebido, o poder central nada teria de uma autoridade exterior à vida social, seria somente o órgão de coordenação dos interesses locais: os delegados não seriam investidos de um poder particular, não teriam por função senão confrontar os interesses e procurar a harmonização por via de concessões mutualistas. O conselho central deixa então de constituir um Estado, é o órgão da mutualidade e não constitui mais que um dos termos da actividade social. Proudhon prossegue desta maneira a constante preocupação de destruir tudo o que poderia revestir qualquer carácter de exterioridade em relação à totalidade social: destruindo o Estado, ou, não dando ao poder central senão uma função particular entre outras funções, restituir?se?ia à sociedade tudo o que ela é: a destruição das alienações devolveria à vida social tudo o que lhe tinha sido extorquido.O Estado não é mais, por conseguinte, nesta sociedade devolvida a ela própria, que o resultado dos interesses; retoma, apesar disso, um papel relativo de iniciador. Após ter afirmado no período anarquista que o Estado autoritário e centralizado era, por essência, imobilista e incapaz de participar na progressão social, Proudhon pensa agora que um Estado federal e pluralista teria a possibilidade de assumir um papel activo e relativamente criador. O Estado não saberia substituir?se às forças económicas e aos grupos de produção para a execução dos trabalhos, mas assume um papel de criação nas iniciativas, nas decisões económicas e nos projectos . Assim a dialéctica entre a sociedade e o Estado, que era, nas obras do período 1848?1852, a dialéctica contraditória da opressão e da submissão, cede lugar a uma dialéctica complementar, onde se encontra reconhecido o papel inovador de um conselho central. O Estado só intervém para promover e escolher, deve em seguida abster?se, mas tem bem um papel provisório de criação.Se esta evolução marca bem uma correcção trazida às teorias políticas anteriores, não implica uma revisão das teorias sociológicas. A denúncia do Estado centralizado num regime proprietário subsiste inteiramente assim como a análise dos seus determinismos de expansão e de concentração. Mas Proudhon opina que uma instituição vê os caracteres e as necessidades transformarem?se totalmente logo que ela é inserida numa estrutura global diferente. Que o Estado de uma sociedade desigualitária seja necessariamente alienante e opressiva não implica que um conselho central conserve as mesmas características numa totalidade diferente. As estruturas globais de uma totalidade impõem a sua necessidade particular às partes e às instituições. A antinomia das classes e a anarquia industrial tornam necessário um Estado forte e opressivo, como a organização federal das forças económicas e a pluralidade das entidades soberanas tornam necessário um poder central pacífico e sem superioridade de poder. Numa tal estrutura social, a própria noção de governo perde o seu sentido tradicional assim como o seu prestígio e os mitos que o rodeiam; não é mais que um dos maquinismos, uma das funções, duma sociedade igualitária. Esta relatividade histórica da instituição sublinha de novo como a reforma política está subordinada: a mutação revolucionária não consiste numa simples revisão constitucional, exige uma subversão da sociedade na sua forma geral, quer dizer nas suas relações sócio?económicas: a organização das forças sociais e das forças económicas imporão novas funções às instituições particulares, e determinará as características e o seu funcionamento.
O que acontecerá nas próximas eleições
Navegavam há meses e os marujos não tomavam banho nem trocavam de roupa. O que não era novidade na Marinha Mercante britânica, mas o navio fedia!
O Capitão chama o Imediato:
– Mr. Simpson, o navio fede, mande os homens trocarem de roupa!
Responde o Imediato: - Aye, Aye, Sir, e parte para reunir os seus homens e diz:
- Sailors, o Capitão está se queixando do fedor a bordo e manda todos trocarem de roupa.
- David troque a camisa com John, John troque a sua com Peter, Peter troque a sua com Alfred, Alfred troque a sua com Jonathan ... e assim prosseguiu.
Quando todos tinham feito as devidas trocas, volta ao Capitão e diz:
– Sir, todos já trocaram de roupa.
O Capitão, visivelmente aliviado, manda prosseguir a viagem.
SERÁ MAIS OU MENOS ISSO QUE VAI ACONTECER EM PORTUGAL NAS PRÓXIMAS ELEIÇÕES
O Capitão chama o Imediato:
– Mr. Simpson, o navio fede, mande os homens trocarem de roupa!
Responde o Imediato: - Aye, Aye, Sir, e parte para reunir os seus homens e diz:
- Sailors, o Capitão está se queixando do fedor a bordo e manda todos trocarem de roupa.
- David troque a camisa com John, John troque a sua com Peter, Peter troque a sua com Alfred, Alfred troque a sua com Jonathan ... e assim prosseguiu.
Quando todos tinham feito as devidas trocas, volta ao Capitão e diz:
– Sir, todos já trocaram de roupa.
O Capitão, visivelmente aliviado, manda prosseguir a viagem.
SERÁ MAIS OU MENOS ISSO QUE VAI ACONTECER EM PORTUGAL NAS PRÓXIMAS ELEIÇÕES
Estranha forma de democracia
Muitos têm falado a favor da nomeação de um governo de Salvação Nacional patrocinado pelo Silva de Boliqueime que vai fazendo de conta que conta para alguma coisa chamando, "para ouvir" a Belém tudo quanto é gente. Dos partidos aos independentes, dos banqueiros aos industriais, dos patrões aos sindicatos, e até uma coisa chamada de "Compromisso Portugal" que se costuma reunir lá para os lados do Beato quando lhes cheira a possibilidade de darem mais uma dentada nos dinheiros do Estado. Este compromisso, que sempre se preocupou mais com o aumentar os lucros que com o país vem agora armado em defensor de Portugal e também eles apelar a um governo de inspiração cavaquista que junte toda a direita, do Ps ao CDS, num enorme desígnio nacional. Isto, mesmo estando marcadas eleições para Junho, retirando todo o valor à vontade nela expressa pelos portugueses. Até mesmo esta Democracia de fachada que temos os parece incomodar e não me posso deixar de lembrar das palavras da Manuela Ferreira Leite quando nos propôs uma suspensão da democracia. Assim, valeria sempre mais a palavra de um qualquer grupo de "Vampiros", que ninguém escolheu ou passou procuração que a escolha de qualquer eleição.
Sócrates bebeu a cicuta - mas as convulsões serão sentidas por toda a parte
No Teatro do Absurdo o dramaturgo utiliza o bizarro, um elemento de surpresa, ambiguidades copiosas e inconsistências frequentes, fundido com mudanças dramáticas no estado de espírito e algumas grandes confrontações, a fim de iluminar os nossos lugares comuns, as vidas correntes. Em contraste, a Europa está a escrever um roteiro diferente. Algo que tendo a pensar como o Ritual do Absurdo. Nesse ritual os actores não estão a personificar papéis. Ao invés disso, ele representam-nos no contexto de peças a que falta qualquer qualidade dramática mas são embrulhadas em bodes expiatórios e sacrifícios rituais que muitos antropólogos associam a comunidades degeneradas.
Tome-se por exemplo o infeliz primeiro-ministro português. Durante meses ele esteve a apostar a sua carreira política numa posição de desafio às perspectivas de um "salvamento" do EFSF. Pelo menos desde Janeiro, ficou claro que o "salvamento" era inevitável. O BCE de Trichet adiou o inevitável ao comprar activamente bastantes títulos portugueses a fim de prologar o acto de Sócrates enquanto houvesse possibilidade de uma solução abrangente da UE. Quando os nossos grandes líderes se conluiaram para sabotar qualquer esperança de uma tal solução, Trichet puxou a tomada. Aterrado pela infindável procura de liquidez por parte dos bancos da Europa, que é o resultado da crise em curso do euro, ele decidiu acelerar o ritmo. Com dois movimentos (paragem da compra de títulos portugueses por tempo suficiente para elevar as taxas de juro para além dos 7,5 por cento; e pré-anunciando uma alta da taxa de juro para a eurozona como um todo) ele empurrou Portugal borda fora. Era como gritar do telhado do BCE: "Deixem começar os jogos principais!".
Tome-se por exemplo o infeliz primeiro-ministro português. Durante meses ele esteve a apostar a sua carreira política numa posição de desafio às perspectivas de um "salvamento" do EFSF. Pelo menos desde Janeiro, ficou claro que o "salvamento" era inevitável. O BCE de Trichet adiou o inevitável ao comprar activamente bastantes títulos portugueses a fim de prologar o acto de Sócrates enquanto houvesse possibilidade de uma solução abrangente da UE. Quando os nossos grandes líderes se conluiaram para sabotar qualquer esperança de uma tal solução, Trichet puxou a tomada. Aterrado pela infindável procura de liquidez por parte dos bancos da Europa, que é o resultado da crise em curso do euro, ele decidiu acelerar o ritmo. Com dois movimentos (paragem da compra de títulos portugueses por tempo suficiente para elevar as taxas de juro para além dos 7,5 por cento; e pré-anunciando uma alta da taxa de juro para a eurozona como um todo) ele empurrou Portugal borda fora. Era como gritar do telhado do BCE: "Deixem começar os jogos principais!".
segunda-feira, abril 25, 2011
O NEGRO E O VERMELHO
FILOSOFIA DA MISÉRIA, MISÉRIA DA FILOSOFIA
“Recebi o libelo do sr. Marx, em resposta à Filosofia da Miséria:
é um composto de grosserias, falsificações, plágios...”
Pierre-Joseph Proudhon
Carta de 19 de setembro de 1847 ao sr. Guillaumin1
A Polêmica das duas “Misérias”
Sem pretender retomar a já longa história das relações complexas entre Proudhon e Marx, queria centrar a nossa atenção sobre a polêmica que se desenrolou em 1846-1847, e que deu lugar ao livro de Marx Miséria da Filosofia, respondendo à obra de Proudhon: Sistema das Contradições Econômicas ou Filosofia da Miséria.Relembremos rapidamente as circunstâncias e algumas datas.Proudhon era nove anos mais velho que Marx e, desde 1840, tinha adquirido um grande prestígio no debate político e no movimento de crítica social enquanto que Marx era ainda, nesta época, estudante, depois jornalista de inspiração liberal.Deste modo, logo que Marx chega a Paris em novembrode 1844, encontra em Proudhon um líder socialista reconhecido, e as numerosas noitadas que passa com ele são contemporâneas da sua rápida evolução ao encontro das posições socialistas e comunistas. A troca de cartas entre eles, em maio de 1846, situa-se neste diálogo: Marx propõe a Proudhon estabelecer uma correspondência confidencial entre líderes intelectuais; Proudhon responde exprimindo as suas reservas a respeito de um tal projeto e anuncia a Marx que prepara uma grande obra crítica: será o Sistema das Contradições Econômicas, que será publicado em outubro de 1846. A partir da recepção deste livro, Marx empreende a refutação polêmica sob o título irônico de Miséria da Filosofia, que será publicado em julho de 1847.Todos estes fatos são bem conhecidos, e podemos encontrar uma boa exposição no livro de Pierre Haubtmann: Proudhon, Marx et la pensée allemande. 2 Do mesmo modo são bem conhecidos os poucos textos de Proudhon que dizem respeito às suas relações com Marx e as páginas bastante numerosas de Marx sobre Proudhon, que vão desde os juízos de admiração dos anos de 1842 até aos textos constantemente críticos após 1847.Não irei retomar a totalidade deste grande dossiê que é rico em múltiplas implicações pessoais, sociais, científicas, políticas. Queria apenas reter o momento desta ruptura, e retomar a leitura paralela destes dois textos: Sistema da Contradições Econômicas e Miséria da Filosofia para tentar compreender melhor algumas dimensões essenciais deste diálogo entre Proudhon e Marx, e a sua interrupção.Estamos perante dois textos, ou melhor, três. Com efeito, possuímos as anotações feitas por Proudhonà margem do seu exemplar da obra de Marx.E estas reações, apesar de rápidas e pouco desenvolvidas, são extremamente ricas de ensinamentos.E quereria dar a estas respostas de Proudhon mais importância do que habitualmente se faz. Estas respostasprolongam, com efeito, a discussão, e estamos desta maneira em presença de três textos de inspiração e de status diferentes: o Sistema da Contradições Econômicas, em que Proudhon tem a iniciativa teórica, em seguida Miséria da Filosofia, no qual Marx se cola ao texto de Proudhon para criticálo, e também um terceiro texto, estas notas marginais nas quais Proudhon faz a crítica da crítica, e persegue, por assim dizer, o diálogo, em resposta às invectivas...Relembremos antes de tudo até onde vai a ambição de Proudhon nesta grande obra de cerca de 800 páginas que foi escrita durante mais de três anos. Trata-se de um verdadeiro somatório que visa construir uma síntese das dimensões econômicas, sociais e políticas do regime capitalista, do regime proprietário. Ambição que vai bem para além da Primeira Memória sobre a Propriedade, pois não se trata somente de denunciar a relação de propriedade, mas de desenvolver todas as conseqüências e mesmo abrir vias de reflexão em direção às posições políticas que Proudhon prolongará ulteriormente. Trata-se de demonstrar que o regime capitalista está atravessado por contradições sócio-econômicas, e mais abundantemente, mostrar que estas contradições formam um verdadeiro sistema, uma unidade dinâmica de forças antagônicas que provocam por sua vez a vitalidade do regime e os seus efeitos destruidores. Trata-se de pensar o regime capitalista como totalidade, sem pretender, naturalmente, fazer uma análise exaustiva, mas com a ambição de fazer aparecer as estruturas fundamentais e as atividades essenciais.A dialética será então o instrumento intelectual necessário para analisar e ligar estas oposições, estas antinomias, estas tensões. Coloca-se, então, a Proudhon, a questão da natureza destas dialéticas e a urgência para ele de precisar este método e de justificá-lo. Questão que não é completamente nova, pois, já no livro anterior, A Criação da Ordem, Proudhon tinha procurado respostas para esta questão.Tinha então procurado naquilo que chamava a “dialéticaserial” o instrumento de análise dos fenômenos humanos. O pensamento de Proudhon está, neste ponto, em evolução, em trabalho, com a preocupação essencial expressa em A Criação da Ordem, de descobrir a especificidade das relações sociais e, por isso, de fazer aparecer, como ele escreve então, o seu caráter “ideo-realista”.
3 Enfim, a ambição de Proudhon, neste grande livro do Sistema das Contradições, é tirar as conclusões políticas destas análises, e, em particular, debater os planos de reforma social que não cessam de ser propostos desde os anos de 1820. Proudhon continua o seu projeto, ilustrado desde 1840, de examinar de maneira crítica estes projetos de reforma e de opor uma crítica científica às utopias saint-simonianas e fourieristas em particular. Projeta, ou pelo menos sonha, em arrancar o pensamento socialista às suas utopias. Ora, estes pr ojetos ambiciosos são exatamente os de Marx, e particularmente nos anos de 1845- 46, no curso dos quais opera a crítica das suas posições anteriores, denuncia por sua vez a tradição filosófica alemã e as posições liberais. Abandona nesse momento a problemática econômico-filosófica dos manuscritos de 1844 pela qual se esforçava pensar a alienação operária a partir de uma dupla leitura econômica e filosófica. É precisamente nestes meses do ano de 1845, em que redige com Engels A Ideologia Alemã, que repensa esta problemática e planeja consagrar os seus esforços à análise econômica.É nesse momento que formula o projeto de uma crítica da economia política que se tornará O Capital. Interessa-lhe então repensar as suas relações com a filosofia de Hegel e redefinir a dialética.Como Proudhon, Marx associa estreitamente o projeto científico e o programa político. Propõe-se, como Proudhon, a denunciar as utopias sociais que interpreta como etapas que devem ser superadas, e ambiciona fundar a teoria política, a teoria revolucionária sobre uma ciência renovada da economia e sobre a teoria materialista da história. Em 1845-46, Proudhon e Marx têm, portanto, os mesmos projetos, as mesmas ambições, e há todos os motivos para pensar que os seus encontros e as suas discussões se alimentaram desta identidade de vistas. Sabemos pelos seus próprios testemunhos que discutiram abundantemente questões filosóficas, de Hegel, de Feuerbach, e de economia política.Numa das suas notas marginais ao livro de Marx, Proudhon escreve: “O verdadeiro sentido da obra de Marx é que ele lamenta que em toda parte pensei como ele, e que o disse antes dele”.
4 Fórmula naturalmente insuficiente, mas que contém uma larga parte de verdade, de tal modo os projetos de um e do outro estavam próximos. A irritação de Marx, a sua agressividade a respeito do livro de Proudhon, alimenta-se desta cumplicidade de irmãos inimigos na qual se misturam confusamente os pontos de desacordo e os entendimentos fundamentais.Marx, nos seus anti-Proudhon, retém três pontos de ataque que se situam a níveis diferentes: a análise econômica antes de tudo, o método dialético em seguida, as conclusões políticas por fim. Examinemo-las sucessivamente:1. A polêmica sobre a economia. É objeto das primeiras páginas do livro e que anuncia o título trocista do primeiro capítulo: “Uma descoberta científica”.Marx toma como objetivo as teorias do “valor constituído” e da “proporcionalidade dos produtos” que Proudhon tinha proposto no seu segundo capítulo.Esta polêmica desenrola-se a partir dos postulados de base que Proudhon tinha anunciado desde 1840 e que retomam as teses de Adam Smith e Ricardo sobre o valor trabalho.Marx e Proudhon partem do mesmo princípio fundamental segundo o qual, como o repete Marx: “... o valor relativo de um produto é determinado pelo tempo de trabalho necessário para produzi-lo”. Há bem uma “proporcionalidade”, um “ganho de proporcionalidade” como conseqüência do valor determinado pelo tempo de trabalho. E Marx discute sobretudo as formulações que os princípios. Do mesmo modo, Marx retoma como uma evidência, e sem insistir, a teoria do salário: teoria do salário-sustento da força de trabalho que Proudhon tinha exposto na Primeira Memória, retomando esta teoria de Ricardo ou de Eugène Buret, por exemplo. Por fim, Marx retoma, se não os termos, pelo menos a idéia fundamental da extorsão dos valores, a idéia do “roubo” proprietário, que elaborará mais rigorosamentena teoria da mais-valia. Marx vai discutir as formulações de Proudhon, reprovar-lhe negligenciar o “movimento constituído” que faz do trabalho a medida do valor, de negligenciar provisoriamente o “antagonismo das classes”, mas a discussão situa-se no interior do mesmo quadro teórico.Quais foram as reações de Proudhon a estas críticas relativas à análise econômica? Enquanto que o iremos ver reagir vigorosamente às discussões relativas à dialética, não escreve nada, nem uma frase, à margem deste capítulo! Como que, até parece, estas objeções poderiam fazer parte de uma discussão que importava continuar. Só encontramos aqui uma única palavra: Proudhon escreve um “Oui”, não na seqüência de uma análise de Marx, mas à margem de um excerto que Marx transcreve de uma obra do socialista inglês Bray, de 1839. O excerto é o seguinte: “Os produtores só têm que fazer um esforço — e é por eles que todo o esforço pela sua própria saúde deve ser feito — e as suas cadeias serão para sempre quebradas...Como fim, a igualdade política é um erro, ela é mesmo um erro como meio”.5 Esta única reação de Proudhon indica claramente que as seus olhos, uma tal afirmação é mais importante e significativa que as discussões de teoria econômica.2. Segunda polêmica: sobre a dialética. As reações de Proudhon, sobre os métodos e sobre a concepção da dialética, vão ser numerosas, precisas e vigorosas. Aqui também se trata de uma discussão que prossegue. Sabemos que Proudhon e Marx tinham longamente discutido o conjunto da dialética, e, mais tarde, Marx gabar-se-á de ter “injetado” hegelianismo em Proudhon: “Em longas discussões, muitas vezes durante toda a noite, injetava-o de hegelianismo — para seu prejuízo, visto que não sabendo alemão, não podia estudar a coisa a fundo”,6 escreverá Marx, bastante mais tarde, em janeiro de 1865.No entanto, desde 1847, faz a Proudhon a mesma censura, a de não ter compreendido a dialética hegeliana, o que é por sua vez exato e exterior ao debate pois que Proudhon não procurou ser um discípulo de Hegel: encontrou somente na filosofia de Hegel elementos de reflexão para as suas próprias análises, segundo o método intelectual que lhe era familiar.Estes debates interessam vivamente Proudhon como se vê, pelo número e pela vivacidade das suas notas marginais. Sobre diversos pontos, Proudhon nega que esteja em desacordo com o seu crítico. Por exemplo, logo que Marx escreve que ele deve “considerar a produção feudal como um modo de produção fundado sobre o antagonismo”,7 Proudhon mostra o seu espanto: “Será que Marx tem a pretensão de dar tudo isto como seu, em oposição com algo de contrário que eu teria dito?”;8 ou então, noutro lugar: “Eis, pois, que tenho o infortúnio de pensar como vós!”;9 ou então, ainda: “Digo precisamente tudo isso”;10 ou ainda: “Mentira: é precisamente o que digo”.11 E proudhon suspeita Marx de uma certa má fé:“Cabe unicamente ao leitor acreditar que é Marx que, após me ter lido, lamenta pensar como eu. Que homem!”.12 Mas, sobre o âmago, sobre a concepção da dialética, Proudhon não cede nada e apercebe-se bem do desacordo essencial. Marx coloca o princípio de que a dialética só pode ser histórica: o estudo das categorias econômicas não pode ser feito, diz ele, “segundo a ordem dos tempos”.13 Abandonar este método histórico é, necessariamente, voltar ao idealismo. Marx retoma os temas da Ideologia Alemã e as teses gerais do materialismo histórico: fazer “a história real”, é analisar como as relações sociais são “produzidas pelos homens”. “As relações sociais estão intimamente ligadas às forças produtivas”... e “os homens produzem também os princípios, as idéias, as categorias, conformes às suas relações sociais”.14Sobre este ponto fundamental que compromete por sua vez a concepção da dialética, a relação à história e o determinismo histórico, Proudhon reage violentamente. Em face desta crítica de Marx, escreve: “... é precisamente o que digo. A sociedade produz as Leis e os Materiais de sua experiência”.15 Estamos aqui no centro da oposição entre duas concepções da dialética: entre duas maneiras firmemente opostas de interpretar as contradições. Marx não pára de censurar a Proudhon o negligenciar as causalidades históricas, as anterioridades e as sucessões, as especificidades históricas. Ora, Proudhon tinha precisamente procurado uma outra via de reflexão (uma via que qualificaríamos hoje de estrutural ou estruturalista), consistindo pôr em relevo as contradições do sistema, os antagonismos sincrônicos entre — monopólio e concorrência, por exemplo — divisão do trabalho e recomposição do trabalho etc. Método que contrariamente ao que pensa Marx, não manifesta nenhuma ignorância da perspectiva histórica, mas que contém implícita uma crítica do modelo historicista da evolução concebido como necessário e previsível, quer dizer, do modelo do materialismo histórico que é o de Marx. E tocamos aqui um desacordo, com efeito insuperável, entre uma análise dos antagonismos e das contradições sócios-econômicos como propõe Proudhon, e o esquema histórico de Marx associando a análise do passado e uma representação da revolução necessária e inelutavelmente comunista.
E chegamos assim a um debate sem saída. Marx acusa Proudhon, por exemplo, de reduzir a dialética à oposição entre os bons e os maus lados das coisas... e Proudhon pode responder que ele próprio fez a crítica deste tipo de argumentação. 3. Terceiro aspecto da polêmica: o político. Chegamos às conclusões políticas onde a discussão dá lugar, podemos dizer, a um diálogo de surdos, e onde a parte do não dito, a parte dos subentendidos, torna-se essencial. Ainda aqui, a questão do devir histórico, a questão da revolução socialista ou comunista, tinham seguramente feito objeto de discussões, de vivos debates entre Proudhon, Bakunin, Marx, Karl Grün e ainda outros. Nestes anos de 1845-46, Proudhon acumula reflexões sobre “a Associação”, sobre a Associação progressiva, como se pode ver nos Carnês destes dois anos. Tem todo o sentido pensar que teria feito conhecer a Marx as suas reservas a respeito de uma visão simplista da revolução, reduzindo as mudanças sociais a uma ruptura breve e definitiva. Proudhon não tinha feito, no Sistema das Contradições, senão delinear a sua teoria anarquistada revolução social, de maneira rápida mas suficientemente explícita. Escreveu, por exemplo: “O problema consiste, pois, para as classes trabalhadoras, não a conquistar, mas a vencer... o poder, o que quer dizer... fazer surgir das entranhas do povo, das profundezas do trabalho, uma autoridade maior... que envolve o capital e o Estado, e que os subjuga”.16 Marx, a leste da discussão, rompe o debate com Proudhon, retoma sozinho a palavra e expõe, pela primeira vez, esta concepção da revolução política e necessariamente comunista que irá expor de novo no Manifesto do Partido Comunista, no ano seguinte, e que não deixará, doravante, de justificar e defender. É por conseqüência desta discussão que define a sua concepção definitiva. Entretanto, o debate não é mais só com Proudhon.Como Marx indica explicitamente, esta sucessão de afirmações sobre o devir necessário das lutas operárias em direção à revolução recusa largamente a visão política e histórica de Hegel. Hegel encontra-se ainda legitimado por sua contribuição à concepção da dialética, e exclui do debate o que diz respeito à concepção do devir histórico. Mais ainda, estas páginas constituem uma tomada de posição nas discussões entre os jovens hegelianos. Estas páginas, muito rápidas e dogmáticas, respondem do mesmo modo a todo um conjunto de discussões com múltiplas implicações. Marx visa aqui desmarcar-se simultaneamente do seu antigo mestre em filosofia, dos seus mais próximos amigos hegelianos, e do seu antigo mestre em crítica social, Proudhon. E faz uma autocrítica; condena vivamente as suas posições anteriores, liberais e românticas dos anos 1842 a 1844. Debate confuso, com múltiplos fins, no qual Marx procura muito mais definir-se que prosseguir um diálogo. É notável que em presença destas páginas, Proudhon não acrescente nenhuma anotação. As suas observações terminam em face da crítica de Marx sobre os seus capítulos “Concorrência e Monopólio”, e não exprime nenhuma outra reflexão na margem destas últimas páginas do panfleto de Marx. Poderíamos, certamente, interpretar de um modo diverso tal silêncio. Não obstante, a interpretação mais verossímil é que o desacordo é tão claro, aos olhos de Proudhon, o esquema histórico de Marx pouco razoável, e politicamente contestável, que não sente absolutamente a necessidade de reformular a crítica nas suas notas marginais. Proudhon já tinha expressado o seu ceticismo a respeito desta concepção simples da revolução na sua carta a Marx de maio de 1846. Já conhecia a concepção de Marx e suspeitava que iria preparar, eventualmente, um novo despotismo. Pensava, por conseguinte, que sobre este ponto, as posições estavam tomadas e eram definitivas, e não havia mais matéria a dialogar. A querela das duas Misérias termina deste modo por uma clara oposição das escolhas políticas. É necessário acrescentar que para além das expressões, para além dos conteúdos manifestos, existiam várias oposições que não fazem objeto de expressão. Como em toda a polêmica, existia um conteúdo latente cuja análise seria inesgotável, da qual não pretendemos fazer mais do que uma análise suficiente. Duas dimensões seriam, parece-me, a sublinhar e que se completam:A primeira diz respeito ao estranho silêncio deSISTEMA DAS CONTRADIÇÕES ECONÔMICASOU FILOSOFIA DA MISÉRIAPierre-Joseph ProudhonÍcone, 2003, 440 p.Marx sobre o ponto essencial que é a crítica proudhoniana do comunismo. É, com efeito, neste texto de 1846 que Proudhon faz, pela primeira vez, uma análise longa e detalhada da comunidade para demonstrar, segundo os seus termos, que: “A comunidade é impossível...”, que ela conduzirá a instaurar um novo estatismo sob o poder de um só, queela é, enfim, “a religião da miséria”.16 Marx leu bem este capítulo, como testemunham as citações que faz, embora evite evocar a argumentação de Proudhon e de fazer a crítica, como se o debate se apoiasse sobre um ponto tão decisivo que seria preferível não abordá-lo. Marx escolhe, deste modo, ignorar, ou finge ignorar, tudo o que o separa radicalmente de Proudhon, quer dizer, toda a crítica do comunismo e toda a orientação anarquista de Proudhon.Marx, podemos dizer, substitui aqui a discussão por troças, despropósitos e diferentes formas de injúrias. Proudhon encontra-se qualificado de “poeta incompreendido”, de tonto,17 e, desde as primeiras linhas, de ignorante em filosofia e em economia. É o sentido do exergo irônico pelo qual Marx se coloca como professor de filosofia e de economia. É o conteúdo do exergo datado de 15 de junho de 1847: “O sr. Proudhon tem a infelicidade de ser singularmente desconhecido na Europa. Na França, tem o direito de ser mau economista porque passa por ser bom filósofo alemão. Na Alemanha, tem o direito de ser mau filósofo porque passa por ser um dos melhores economistas franceses. Nós, na nossa qualidade de alemão e de economista ao mesmo tempo, quisemos protestar contra esse duplo erro”.18 Proudhon percebe bem esta estratégia polêmica de Marx quando nota à margem: “Troçais sempre antecipadamente: começais por ter razão”.19 A segunda dimensão que queria sublinhar fazaparecer uma oposição radical entre Proudhon e Marx. Este texto de 1847 inscreve-se numa estratégia de ruptura e numa concorrência pela conquista de autoridade no seio do movimento social. Marx coloca-se como detentor de competências filosóficas e econômicas que lhe permitiriam julgar e condenar.Trata-se praticamente de excluir Proudhon do movimento social, de demonstrar que ele não é um representante válido deste movimento. Daí o recurso a fórmulas que serão abundantemente repetidas nos conflitos ulteriores e que decretam simbolicamente a exclusão designando Proudhon como porta-voz da pequena burguesia.20 Fórmula que toma todo o seu sentido numa estratégia de conquista de autoridade contra os seus concorrentes. E, a este nível, a oposição é completa entre Proudhon e Marx, e o diálogo impossível. A discussão cessa porque Proudhon não se situa neste terreno. É capaz de polemizar vigorosamente (e mostrá-lo-á contra Pierre Leroux ou Louis Blanc, por exemplo), mas, para ele, a discussão é e deve ser prosseguida e permanente. Não se trata de eliminar os adversários para conquistar posições de poder, não se trata de reconstituir uma autoridade, mas de continuar debates que fazem parte da vida política e do seu pluralismo.E se Proudhon não respondeu à obra de Marx, é, seguramente por várias razões, mas, sem dúvida, também porque lhe repugnava entrar neste tipo de conflito: recusava confundir o debate político com as estratégias de conquista de poder.Conhecemos a seqüência dos acontecimentos: Proudhon não terá mais a ocasião de reencontrar ou discutir os trabalhos de Marx. Este, ao contrário, voltará múltiplas vezes sobre as teses de Proudhon para continuar a criticá-las.
Notas:1. Pierre Haubtmann, Proudhon, Marx et la pensée allemande,Grenoble, Presses Universitaires de Grenoble, 1981.2. Proudhon, De la Création de l’Ordre dans l’Humanité,1843, Paris, Nouvelle Edition, M. Rivière, p. 286.3. K. Marx, Misère de la philosophie, notas marginais deProudhon, Paris, Costes, 1950, p. 135.4. Ibid., p. 82.5. Ibid., p. 216.6. Ibid., p. 144.7. Id..8. Ibid., p. 135.9. Ibid., p. 128.10. Ibid., p. 127.11. Ibid., p. 135.12. Ibid., p. 126.13. Ibid., p. 127.14. Id..15. Proudhon, Système des Contradictions, Paris, M.Rivière, t. I, p. 345.16. Ibid., t. II, p. 302.17. Misère de la philosophie, op. cit., p. 101.18. Ibid., p. 25.19. Ibid., p. 137.20. Ibid., p. 150.O presente texto foi extraído da obra Proudhon Revisitado: Repensar o Federalismo, Universitária Editora, Lisboa, 2001, com a devida autorização do autor. A Editora Imaginário publicou na colecção Escritos Anarquistas, vol. 19O Essencial Proudhon, do mesmo autor.
“Recebi o libelo do sr. Marx, em resposta à Filosofia da Miséria:
é um composto de grosserias, falsificações, plágios...”
Pierre-Joseph Proudhon
Carta de 19 de setembro de 1847 ao sr. Guillaumin1
A Polêmica das duas “Misérias”
Sem pretender retomar a já longa história das relações complexas entre Proudhon e Marx, queria centrar a nossa atenção sobre a polêmica que se desenrolou em 1846-1847, e que deu lugar ao livro de Marx Miséria da Filosofia, respondendo à obra de Proudhon: Sistema das Contradições Econômicas ou Filosofia da Miséria.Relembremos rapidamente as circunstâncias e algumas datas.Proudhon era nove anos mais velho que Marx e, desde 1840, tinha adquirido um grande prestígio no debate político e no movimento de crítica social enquanto que Marx era ainda, nesta época, estudante, depois jornalista de inspiração liberal.Deste modo, logo que Marx chega a Paris em novembrode 1844, encontra em Proudhon um líder socialista reconhecido, e as numerosas noitadas que passa com ele são contemporâneas da sua rápida evolução ao encontro das posições socialistas e comunistas. A troca de cartas entre eles, em maio de 1846, situa-se neste diálogo: Marx propõe a Proudhon estabelecer uma correspondência confidencial entre líderes intelectuais; Proudhon responde exprimindo as suas reservas a respeito de um tal projeto e anuncia a Marx que prepara uma grande obra crítica: será o Sistema das Contradições Econômicas, que será publicado em outubro de 1846. A partir da recepção deste livro, Marx empreende a refutação polêmica sob o título irônico de Miséria da Filosofia, que será publicado em julho de 1847.Todos estes fatos são bem conhecidos, e podemos encontrar uma boa exposição no livro de Pierre Haubtmann: Proudhon, Marx et la pensée allemande. 2 Do mesmo modo são bem conhecidos os poucos textos de Proudhon que dizem respeito às suas relações com Marx e as páginas bastante numerosas de Marx sobre Proudhon, que vão desde os juízos de admiração dos anos de 1842 até aos textos constantemente críticos após 1847.Não irei retomar a totalidade deste grande dossiê que é rico em múltiplas implicações pessoais, sociais, científicas, políticas. Queria apenas reter o momento desta ruptura, e retomar a leitura paralela destes dois textos: Sistema da Contradições Econômicas e Miséria da Filosofia para tentar compreender melhor algumas dimensões essenciais deste diálogo entre Proudhon e Marx, e a sua interrupção.Estamos perante dois textos, ou melhor, três. Com efeito, possuímos as anotações feitas por Proudhonà margem do seu exemplar da obra de Marx.E estas reações, apesar de rápidas e pouco desenvolvidas, são extremamente ricas de ensinamentos.E quereria dar a estas respostas de Proudhon mais importância do que habitualmente se faz. Estas respostasprolongam, com efeito, a discussão, e estamos desta maneira em presença de três textos de inspiração e de status diferentes: o Sistema da Contradições Econômicas, em que Proudhon tem a iniciativa teórica, em seguida Miséria da Filosofia, no qual Marx se cola ao texto de Proudhon para criticálo, e também um terceiro texto, estas notas marginais nas quais Proudhon faz a crítica da crítica, e persegue, por assim dizer, o diálogo, em resposta às invectivas...Relembremos antes de tudo até onde vai a ambição de Proudhon nesta grande obra de cerca de 800 páginas que foi escrita durante mais de três anos. Trata-se de um verdadeiro somatório que visa construir uma síntese das dimensões econômicas, sociais e políticas do regime capitalista, do regime proprietário. Ambição que vai bem para além da Primeira Memória sobre a Propriedade, pois não se trata somente de denunciar a relação de propriedade, mas de desenvolver todas as conseqüências e mesmo abrir vias de reflexão em direção às posições políticas que Proudhon prolongará ulteriormente. Trata-se de demonstrar que o regime capitalista está atravessado por contradições sócio-econômicas, e mais abundantemente, mostrar que estas contradições formam um verdadeiro sistema, uma unidade dinâmica de forças antagônicas que provocam por sua vez a vitalidade do regime e os seus efeitos destruidores. Trata-se de pensar o regime capitalista como totalidade, sem pretender, naturalmente, fazer uma análise exaustiva, mas com a ambição de fazer aparecer as estruturas fundamentais e as atividades essenciais.A dialética será então o instrumento intelectual necessário para analisar e ligar estas oposições, estas antinomias, estas tensões. Coloca-se, então, a Proudhon, a questão da natureza destas dialéticas e a urgência para ele de precisar este método e de justificá-lo. Questão que não é completamente nova, pois, já no livro anterior, A Criação da Ordem, Proudhon tinha procurado respostas para esta questão.Tinha então procurado naquilo que chamava a “dialéticaserial” o instrumento de análise dos fenômenos humanos. O pensamento de Proudhon está, neste ponto, em evolução, em trabalho, com a preocupação essencial expressa em A Criação da Ordem, de descobrir a especificidade das relações sociais e, por isso, de fazer aparecer, como ele escreve então, o seu caráter “ideo-realista”.
3 Enfim, a ambição de Proudhon, neste grande livro do Sistema das Contradições, é tirar as conclusões políticas destas análises, e, em particular, debater os planos de reforma social que não cessam de ser propostos desde os anos de 1820. Proudhon continua o seu projeto, ilustrado desde 1840, de examinar de maneira crítica estes projetos de reforma e de opor uma crítica científica às utopias saint-simonianas e fourieristas em particular. Projeta, ou pelo menos sonha, em arrancar o pensamento socialista às suas utopias. Ora, estes pr ojetos ambiciosos são exatamente os de Marx, e particularmente nos anos de 1845- 46, no curso dos quais opera a crítica das suas posições anteriores, denuncia por sua vez a tradição filosófica alemã e as posições liberais. Abandona nesse momento a problemática econômico-filosófica dos manuscritos de 1844 pela qual se esforçava pensar a alienação operária a partir de uma dupla leitura econômica e filosófica. É precisamente nestes meses do ano de 1845, em que redige com Engels A Ideologia Alemã, que repensa esta problemática e planeja consagrar os seus esforços à análise econômica.É nesse momento que formula o projeto de uma crítica da economia política que se tornará O Capital. Interessa-lhe então repensar as suas relações com a filosofia de Hegel e redefinir a dialética.Como Proudhon, Marx associa estreitamente o projeto científico e o programa político. Propõe-se, como Proudhon, a denunciar as utopias sociais que interpreta como etapas que devem ser superadas, e ambiciona fundar a teoria política, a teoria revolucionária sobre uma ciência renovada da economia e sobre a teoria materialista da história. Em 1845-46, Proudhon e Marx têm, portanto, os mesmos projetos, as mesmas ambições, e há todos os motivos para pensar que os seus encontros e as suas discussões se alimentaram desta identidade de vistas. Sabemos pelos seus próprios testemunhos que discutiram abundantemente questões filosóficas, de Hegel, de Feuerbach, e de economia política.Numa das suas notas marginais ao livro de Marx, Proudhon escreve: “O verdadeiro sentido da obra de Marx é que ele lamenta que em toda parte pensei como ele, e que o disse antes dele”.
4 Fórmula naturalmente insuficiente, mas que contém uma larga parte de verdade, de tal modo os projetos de um e do outro estavam próximos. A irritação de Marx, a sua agressividade a respeito do livro de Proudhon, alimenta-se desta cumplicidade de irmãos inimigos na qual se misturam confusamente os pontos de desacordo e os entendimentos fundamentais.Marx, nos seus anti-Proudhon, retém três pontos de ataque que se situam a níveis diferentes: a análise econômica antes de tudo, o método dialético em seguida, as conclusões políticas por fim. Examinemo-las sucessivamente:1. A polêmica sobre a economia. É objeto das primeiras páginas do livro e que anuncia o título trocista do primeiro capítulo: “Uma descoberta científica”.Marx toma como objetivo as teorias do “valor constituído” e da “proporcionalidade dos produtos” que Proudhon tinha proposto no seu segundo capítulo.Esta polêmica desenrola-se a partir dos postulados de base que Proudhon tinha anunciado desde 1840 e que retomam as teses de Adam Smith e Ricardo sobre o valor trabalho.Marx e Proudhon partem do mesmo princípio fundamental segundo o qual, como o repete Marx: “... o valor relativo de um produto é determinado pelo tempo de trabalho necessário para produzi-lo”. Há bem uma “proporcionalidade”, um “ganho de proporcionalidade” como conseqüência do valor determinado pelo tempo de trabalho. E Marx discute sobretudo as formulações que os princípios. Do mesmo modo, Marx retoma como uma evidência, e sem insistir, a teoria do salário: teoria do salário-sustento da força de trabalho que Proudhon tinha exposto na Primeira Memória, retomando esta teoria de Ricardo ou de Eugène Buret, por exemplo. Por fim, Marx retoma, se não os termos, pelo menos a idéia fundamental da extorsão dos valores, a idéia do “roubo” proprietário, que elaborará mais rigorosamentena teoria da mais-valia. Marx vai discutir as formulações de Proudhon, reprovar-lhe negligenciar o “movimento constituído” que faz do trabalho a medida do valor, de negligenciar provisoriamente o “antagonismo das classes”, mas a discussão situa-se no interior do mesmo quadro teórico.Quais foram as reações de Proudhon a estas críticas relativas à análise econômica? Enquanto que o iremos ver reagir vigorosamente às discussões relativas à dialética, não escreve nada, nem uma frase, à margem deste capítulo! Como que, até parece, estas objeções poderiam fazer parte de uma discussão que importava continuar. Só encontramos aqui uma única palavra: Proudhon escreve um “Oui”, não na seqüência de uma análise de Marx, mas à margem de um excerto que Marx transcreve de uma obra do socialista inglês Bray, de 1839. O excerto é o seguinte: “Os produtores só têm que fazer um esforço — e é por eles que todo o esforço pela sua própria saúde deve ser feito — e as suas cadeias serão para sempre quebradas...Como fim, a igualdade política é um erro, ela é mesmo um erro como meio”.5 Esta única reação de Proudhon indica claramente que as seus olhos, uma tal afirmação é mais importante e significativa que as discussões de teoria econômica.2. Segunda polêmica: sobre a dialética. As reações de Proudhon, sobre os métodos e sobre a concepção da dialética, vão ser numerosas, precisas e vigorosas. Aqui também se trata de uma discussão que prossegue. Sabemos que Proudhon e Marx tinham longamente discutido o conjunto da dialética, e, mais tarde, Marx gabar-se-á de ter “injetado” hegelianismo em Proudhon: “Em longas discussões, muitas vezes durante toda a noite, injetava-o de hegelianismo — para seu prejuízo, visto que não sabendo alemão, não podia estudar a coisa a fundo”,6 escreverá Marx, bastante mais tarde, em janeiro de 1865.No entanto, desde 1847, faz a Proudhon a mesma censura, a de não ter compreendido a dialética hegeliana, o que é por sua vez exato e exterior ao debate pois que Proudhon não procurou ser um discípulo de Hegel: encontrou somente na filosofia de Hegel elementos de reflexão para as suas próprias análises, segundo o método intelectual que lhe era familiar.Estes debates interessam vivamente Proudhon como se vê, pelo número e pela vivacidade das suas notas marginais. Sobre diversos pontos, Proudhon nega que esteja em desacordo com o seu crítico. Por exemplo, logo que Marx escreve que ele deve “considerar a produção feudal como um modo de produção fundado sobre o antagonismo”,7 Proudhon mostra o seu espanto: “Será que Marx tem a pretensão de dar tudo isto como seu, em oposição com algo de contrário que eu teria dito?”;8 ou então, noutro lugar: “Eis, pois, que tenho o infortúnio de pensar como vós!”;9 ou então, ainda: “Digo precisamente tudo isso”;10 ou ainda: “Mentira: é precisamente o que digo”.11 E proudhon suspeita Marx de uma certa má fé:“Cabe unicamente ao leitor acreditar que é Marx que, após me ter lido, lamenta pensar como eu. Que homem!”.12 Mas, sobre o âmago, sobre a concepção da dialética, Proudhon não cede nada e apercebe-se bem do desacordo essencial. Marx coloca o princípio de que a dialética só pode ser histórica: o estudo das categorias econômicas não pode ser feito, diz ele, “segundo a ordem dos tempos”.13 Abandonar este método histórico é, necessariamente, voltar ao idealismo. Marx retoma os temas da Ideologia Alemã e as teses gerais do materialismo histórico: fazer “a história real”, é analisar como as relações sociais são “produzidas pelos homens”. “As relações sociais estão intimamente ligadas às forças produtivas”... e “os homens produzem também os princípios, as idéias, as categorias, conformes às suas relações sociais”.14Sobre este ponto fundamental que compromete por sua vez a concepção da dialética, a relação à história e o determinismo histórico, Proudhon reage violentamente. Em face desta crítica de Marx, escreve: “... é precisamente o que digo. A sociedade produz as Leis e os Materiais de sua experiência”.15 Estamos aqui no centro da oposição entre duas concepções da dialética: entre duas maneiras firmemente opostas de interpretar as contradições. Marx não pára de censurar a Proudhon o negligenciar as causalidades históricas, as anterioridades e as sucessões, as especificidades históricas. Ora, Proudhon tinha precisamente procurado uma outra via de reflexão (uma via que qualificaríamos hoje de estrutural ou estruturalista), consistindo pôr em relevo as contradições do sistema, os antagonismos sincrônicos entre — monopólio e concorrência, por exemplo — divisão do trabalho e recomposição do trabalho etc. Método que contrariamente ao que pensa Marx, não manifesta nenhuma ignorância da perspectiva histórica, mas que contém implícita uma crítica do modelo historicista da evolução concebido como necessário e previsível, quer dizer, do modelo do materialismo histórico que é o de Marx. E tocamos aqui um desacordo, com efeito insuperável, entre uma análise dos antagonismos e das contradições sócios-econômicos como propõe Proudhon, e o esquema histórico de Marx associando a análise do passado e uma representação da revolução necessária e inelutavelmente comunista.
E chegamos assim a um debate sem saída. Marx acusa Proudhon, por exemplo, de reduzir a dialética à oposição entre os bons e os maus lados das coisas... e Proudhon pode responder que ele próprio fez a crítica deste tipo de argumentação. 3. Terceiro aspecto da polêmica: o político. Chegamos às conclusões políticas onde a discussão dá lugar, podemos dizer, a um diálogo de surdos, e onde a parte do não dito, a parte dos subentendidos, torna-se essencial. Ainda aqui, a questão do devir histórico, a questão da revolução socialista ou comunista, tinham seguramente feito objeto de discussões, de vivos debates entre Proudhon, Bakunin, Marx, Karl Grün e ainda outros. Nestes anos de 1845-46, Proudhon acumula reflexões sobre “a Associação”, sobre a Associação progressiva, como se pode ver nos Carnês destes dois anos. Tem todo o sentido pensar que teria feito conhecer a Marx as suas reservas a respeito de uma visão simplista da revolução, reduzindo as mudanças sociais a uma ruptura breve e definitiva. Proudhon não tinha feito, no Sistema das Contradições, senão delinear a sua teoria anarquistada revolução social, de maneira rápida mas suficientemente explícita. Escreveu, por exemplo: “O problema consiste, pois, para as classes trabalhadoras, não a conquistar, mas a vencer... o poder, o que quer dizer... fazer surgir das entranhas do povo, das profundezas do trabalho, uma autoridade maior... que envolve o capital e o Estado, e que os subjuga”.16 Marx, a leste da discussão, rompe o debate com Proudhon, retoma sozinho a palavra e expõe, pela primeira vez, esta concepção da revolução política e necessariamente comunista que irá expor de novo no Manifesto do Partido Comunista, no ano seguinte, e que não deixará, doravante, de justificar e defender. É por conseqüência desta discussão que define a sua concepção definitiva. Entretanto, o debate não é mais só com Proudhon.Como Marx indica explicitamente, esta sucessão de afirmações sobre o devir necessário das lutas operárias em direção à revolução recusa largamente a visão política e histórica de Hegel. Hegel encontra-se ainda legitimado por sua contribuição à concepção da dialética, e exclui do debate o que diz respeito à concepção do devir histórico. Mais ainda, estas páginas constituem uma tomada de posição nas discussões entre os jovens hegelianos. Estas páginas, muito rápidas e dogmáticas, respondem do mesmo modo a todo um conjunto de discussões com múltiplas implicações. Marx visa aqui desmarcar-se simultaneamente do seu antigo mestre em filosofia, dos seus mais próximos amigos hegelianos, e do seu antigo mestre em crítica social, Proudhon. E faz uma autocrítica; condena vivamente as suas posições anteriores, liberais e românticas dos anos 1842 a 1844. Debate confuso, com múltiplos fins, no qual Marx procura muito mais definir-se que prosseguir um diálogo. É notável que em presença destas páginas, Proudhon não acrescente nenhuma anotação. As suas observações terminam em face da crítica de Marx sobre os seus capítulos “Concorrência e Monopólio”, e não exprime nenhuma outra reflexão na margem destas últimas páginas do panfleto de Marx. Poderíamos, certamente, interpretar de um modo diverso tal silêncio. Não obstante, a interpretação mais verossímil é que o desacordo é tão claro, aos olhos de Proudhon, o esquema histórico de Marx pouco razoável, e politicamente contestável, que não sente absolutamente a necessidade de reformular a crítica nas suas notas marginais. Proudhon já tinha expressado o seu ceticismo a respeito desta concepção simples da revolução na sua carta a Marx de maio de 1846. Já conhecia a concepção de Marx e suspeitava que iria preparar, eventualmente, um novo despotismo. Pensava, por conseguinte, que sobre este ponto, as posições estavam tomadas e eram definitivas, e não havia mais matéria a dialogar. A querela das duas Misérias termina deste modo por uma clara oposição das escolhas políticas. É necessário acrescentar que para além das expressões, para além dos conteúdos manifestos, existiam várias oposições que não fazem objeto de expressão. Como em toda a polêmica, existia um conteúdo latente cuja análise seria inesgotável, da qual não pretendemos fazer mais do que uma análise suficiente. Duas dimensões seriam, parece-me, a sublinhar e que se completam:A primeira diz respeito ao estranho silêncio deSISTEMA DAS CONTRADIÇÕES ECONÔMICASOU FILOSOFIA DA MISÉRIAPierre-Joseph ProudhonÍcone, 2003, 440 p.Marx sobre o ponto essencial que é a crítica proudhoniana do comunismo. É, com efeito, neste texto de 1846 que Proudhon faz, pela primeira vez, uma análise longa e detalhada da comunidade para demonstrar, segundo os seus termos, que: “A comunidade é impossível...”, que ela conduzirá a instaurar um novo estatismo sob o poder de um só, queela é, enfim, “a religião da miséria”.16 Marx leu bem este capítulo, como testemunham as citações que faz, embora evite evocar a argumentação de Proudhon e de fazer a crítica, como se o debate se apoiasse sobre um ponto tão decisivo que seria preferível não abordá-lo. Marx escolhe, deste modo, ignorar, ou finge ignorar, tudo o que o separa radicalmente de Proudhon, quer dizer, toda a crítica do comunismo e toda a orientação anarquista de Proudhon.Marx, podemos dizer, substitui aqui a discussão por troças, despropósitos e diferentes formas de injúrias. Proudhon encontra-se qualificado de “poeta incompreendido”, de tonto,17 e, desde as primeiras linhas, de ignorante em filosofia e em economia. É o sentido do exergo irônico pelo qual Marx se coloca como professor de filosofia e de economia. É o conteúdo do exergo datado de 15 de junho de 1847: “O sr. Proudhon tem a infelicidade de ser singularmente desconhecido na Europa. Na França, tem o direito de ser mau economista porque passa por ser bom filósofo alemão. Na Alemanha, tem o direito de ser mau filósofo porque passa por ser um dos melhores economistas franceses. Nós, na nossa qualidade de alemão e de economista ao mesmo tempo, quisemos protestar contra esse duplo erro”.18 Proudhon percebe bem esta estratégia polêmica de Marx quando nota à margem: “Troçais sempre antecipadamente: começais por ter razão”.19 A segunda dimensão que queria sublinhar fazaparecer uma oposição radical entre Proudhon e Marx. Este texto de 1847 inscreve-se numa estratégia de ruptura e numa concorrência pela conquista de autoridade no seio do movimento social. Marx coloca-se como detentor de competências filosóficas e econômicas que lhe permitiriam julgar e condenar.Trata-se praticamente de excluir Proudhon do movimento social, de demonstrar que ele não é um representante válido deste movimento. Daí o recurso a fórmulas que serão abundantemente repetidas nos conflitos ulteriores e que decretam simbolicamente a exclusão designando Proudhon como porta-voz da pequena burguesia.20 Fórmula que toma todo o seu sentido numa estratégia de conquista de autoridade contra os seus concorrentes. E, a este nível, a oposição é completa entre Proudhon e Marx, e o diálogo impossível. A discussão cessa porque Proudhon não se situa neste terreno. É capaz de polemizar vigorosamente (e mostrá-lo-á contra Pierre Leroux ou Louis Blanc, por exemplo), mas, para ele, a discussão é e deve ser prosseguida e permanente. Não se trata de eliminar os adversários para conquistar posições de poder, não se trata de reconstituir uma autoridade, mas de continuar debates que fazem parte da vida política e do seu pluralismo.E se Proudhon não respondeu à obra de Marx, é, seguramente por várias razões, mas, sem dúvida, também porque lhe repugnava entrar neste tipo de conflito: recusava confundir o debate político com as estratégias de conquista de poder.Conhecemos a seqüência dos acontecimentos: Proudhon não terá mais a ocasião de reencontrar ou discutir os trabalhos de Marx. Este, ao contrário, voltará múltiplas vezes sobre as teses de Proudhon para continuar a criticá-las.
Notas:1. Pierre Haubtmann, Proudhon, Marx et la pensée allemande,Grenoble, Presses Universitaires de Grenoble, 1981.2. Proudhon, De la Création de l’Ordre dans l’Humanité,1843, Paris, Nouvelle Edition, M. Rivière, p. 286.3. K. Marx, Misère de la philosophie, notas marginais deProudhon, Paris, Costes, 1950, p. 135.4. Ibid., p. 82.5. Ibid., p. 216.6. Ibid., p. 144.7. Id..8. Ibid., p. 135.9. Ibid., p. 128.10. Ibid., p. 127.11. Ibid., p. 135.12. Ibid., p. 126.13. Ibid., p. 127.14. Id..15. Proudhon, Système des Contradictions, Paris, M.Rivière, t. I, p. 345.16. Ibid., t. II, p. 302.17. Misère de la philosophie, op. cit., p. 101.18. Ibid., p. 25.19. Ibid., p. 137.20. Ibid., p. 150.O presente texto foi extraído da obra Proudhon Revisitado: Repensar o Federalismo, Universitária Editora, Lisboa, 2001, com a devida autorização do autor. A Editora Imaginário publicou na colecção Escritos Anarquistas, vol. 19O Essencial Proudhon, do mesmo autor.
A história dos Van Der Graaf Generator por Peter Hammill
Entrevista com Peter Hammill a propósito do novo cd dos Van Der Graaf Generator - A Grounding of Numbers publicado a 14 de Março...
Legítima resposta
Numa manifestação de precários em Espanha, um cartaz da “geração sem futuro” dizia: “Sem casa, sem reforma, sem medo”. Também em Lisboa, na manifestação da “geração à rasca”, um dístico perguntava: “Quando não tiveres nada a perder, o que serás capaz de fazer?”.
Estes dizeres revelam uma disposição de luta que é preciso incentivar. Indicam uma viragem possível e desejável para a resistência de massas, de resposta ao terror social imposto pelo patronato. O mesmo exemplo de destemor se pode tirar das revoltas populares nos países árabes.
Os sinais do que aí vem em resultado das medidas do FMI/FEEF, em cima de tudo o que já foi feito contra os assalariados, não deixam margem para hesitações: o capital leva a cabo uma política de esmagamento das classes trabalhadoras. É esse o único caminho do patronato para responder à crise dos negócios. E um tal processo só terá fim se deparar com uma resistência maciça da parte dos trabalhadores à altura da agressão de que são alvo.
Os que se mostram preocupados com a possibilidade de uma “convulsão social” escamoteiam o facto de estar em pleno curso uma luta de classes em que, até agora, só os de cima ditaram as regras. A convulsão social que temem é o nome que dão à legítima resposta das massas trabalhadoras à guerra de que estão a ser vítimas.
Tentar impedir que esta resposta venha ao de cima, em nome da ordem e da paz social, é dar mãos livres ao patronato para prosseguir a desordem social em que colocou o país e dar livre curso à guerra de classe que desencadeou contra os trabalhadores. Sob a bandeira da ordem, do sossego, da paz, o que as classes dominantes querem é assegurar condições para continuarem a esmagar os de baixo.
Contra isso, é preciso declarar a legitimidade da luta social sob todas as suas formas. Não baixar a cabeça. Não aceitar ser vítima fácil. Não excluir nenhuma forma de acção de massas. Sem medo.
Estes dizeres revelam uma disposição de luta que é preciso incentivar. Indicam uma viragem possível e desejável para a resistência de massas, de resposta ao terror social imposto pelo patronato. O mesmo exemplo de destemor se pode tirar das revoltas populares nos países árabes.
Os sinais do que aí vem em resultado das medidas do FMI/FEEF, em cima de tudo o que já foi feito contra os assalariados, não deixam margem para hesitações: o capital leva a cabo uma política de esmagamento das classes trabalhadoras. É esse o único caminho do patronato para responder à crise dos negócios. E um tal processo só terá fim se deparar com uma resistência maciça da parte dos trabalhadores à altura da agressão de que são alvo.
Os que se mostram preocupados com a possibilidade de uma “convulsão social” escamoteiam o facto de estar em pleno curso uma luta de classes em que, até agora, só os de cima ditaram as regras. A convulsão social que temem é o nome que dão à legítima resposta das massas trabalhadoras à guerra de que estão a ser vítimas.
Tentar impedir que esta resposta venha ao de cima, em nome da ordem e da paz social, é dar mãos livres ao patronato para prosseguir a desordem social em que colocou o país e dar livre curso à guerra de classe que desencadeou contra os trabalhadores. Sob a bandeira da ordem, do sossego, da paz, o que as classes dominantes querem é assegurar condições para continuarem a esmagar os de baixo.
Contra isso, é preciso declarar a legitimidade da luta social sob todas as suas formas. Não baixar a cabeça. Não aceitar ser vítima fácil. Não excluir nenhuma forma de acção de massas. Sem medo.
Uma questão de austeridade!...
Não é piada, não!
"Troika" receptiva à descida do IVA no golfe
Depois de terem convencido o Governo, empresários do turismo dizem ter também sensibilizado FMI, BCE e Comissão para a necessidade de redução do IVA sobre o golfe.
Os técnicos do FMI, BCE e Comissão Europeia estarão receptivos a uma descida da taxa de IVA para o golfe, os actuais 23% para os 6%.
A medida, que estava a ser tecnicamente recortada pela equipa do secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Sérgio Vasques, antes de o Governo cair, foi bem acolhida pela “troika”, garantiu ao “Diário de Notícias” o presidente da Confederação de Turismo de Portugal (CTP).
Não se esqueçam que o 25 de Abril foi feito para colmatar estas injustiças!
E viva o 25 de Abril!
"Troika" receptiva à descida do IVA no golfe
Depois de terem convencido o Governo, empresários do turismo dizem ter também sensibilizado FMI, BCE e Comissão para a necessidade de redução do IVA sobre o golfe.
Os técnicos do FMI, BCE e Comissão Europeia estarão receptivos a uma descida da taxa de IVA para o golfe, os actuais 23% para os 6%.
A medida, que estava a ser tecnicamente recortada pela equipa do secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Sérgio Vasques, antes de o Governo cair, foi bem acolhida pela “troika”, garantiu ao “Diário de Notícias” o presidente da Confederação de Turismo de Portugal (CTP).
Não se esqueçam que o 25 de Abril foi feito para colmatar estas injustiças!
E viva o 25 de Abril!
Rebelião na Amazónia brasileira
No mês de Março desencadeou-se o maior protesto social de trabalhadores que se recorda no Brasil desde há muitos anos. Mais de 80 mil operários de todo o país paralisaram as obras do "progresso": hidroeléctricas, refinarias e centrais termoeléctricas. O estopim do protesto foi aceso na selva amazónia, em Jirau, e foi aceso pela arbitrariedade, violência e autoritarismo.
Tudo começou com algo muito pequeno, tal como em Tunes, à semelhança do modo como começam os grandes factos sociais. A briga entre um operário e um condutor de autocarros, na tarde de 15 de Março, no acampamento onde milhares de peões chegados dos rincões mais pobres do Brasil constroem uma das maiores barragens hidroeléctricas do país, uma obra gigantesca sobre o Rio Madeira que custará 10 mil milhões de dólares.
Pouco após a briga, na qual um peão foi golpeado, centenas de operários começaram a incendiar os autocarros que os levam dos barracões até as obras. Algumas fontes falam de 45 autocarros e 15 veículos queimados, ainda que outras elevem o número a 80 autocarros incendiados em poucos minutos. Arderam também os escritórios da empresa construtora, Camargo Correa [1] , a metade dos dormitórios e pelo menos três caixas multibanco. Cerca de 8 mil trabalhadores internaram-se na selva para fugir à violência. A polícia foi impotente e apenas pôde proteger os depósitos de explosivos utilizados para desviar o leito do rio. A calma chegou quando o governo de Dilma Rousseff enviou 600 efectivos da polícia militar para controlar a situação. Mas os trabalhadores, cerca de 20 mil na central de Jirau, não voltaram ao trabalho e retornaram aos seus lugares de origem.
Tudo começou com algo muito pequeno, tal como em Tunes, à semelhança do modo como começam os grandes factos sociais. A briga entre um operário e um condutor de autocarros, na tarde de 15 de Março, no acampamento onde milhares de peões chegados dos rincões mais pobres do Brasil constroem uma das maiores barragens hidroeléctricas do país, uma obra gigantesca sobre o Rio Madeira que custará 10 mil milhões de dólares.
Pouco após a briga, na qual um peão foi golpeado, centenas de operários começaram a incendiar os autocarros que os levam dos barracões até as obras. Algumas fontes falam de 45 autocarros e 15 veículos queimados, ainda que outras elevem o número a 80 autocarros incendiados em poucos minutos. Arderam também os escritórios da empresa construtora, Camargo Correa [1] , a metade dos dormitórios e pelo menos três caixas multibanco. Cerca de 8 mil trabalhadores internaram-se na selva para fugir à violência. A polícia foi impotente e apenas pôde proteger os depósitos de explosivos utilizados para desviar o leito do rio. A calma chegou quando o governo de Dilma Rousseff enviou 600 efectivos da polícia militar para controlar a situação. Mas os trabalhadores, cerca de 20 mil na central de Jirau, não voltaram ao trabalho e retornaram aos seus lugares de origem.
Os 35 anos do golpe argentino
O golpe militar na Argentina fechou o cerco dos regimes de terror no cone sul latino-americano, que havia sido iniciado com o golpe brasileiro de 1964. Diante do governo nacionalista de Velasco Alvarado no Peru e do socialismo cubano, o Brasil era a expressão mais clara da Doutrina de Segurança Nacional, que combinava “ordem” – quando “desordem” era identificado com grupos guerrilheiros – com expansão económica – mesmo se concentrada de renda e marginalizadora socialmente.
A atração do modelo brasileiro era potencializada pela ação desestabilizadora dos EUA. Henri Kissinger tinha declarado que eles tinham «que salvar o povo chileno das suas próprias loucuras», quando Allende recém havia sido eleito. Socialismo era questão de “loucura” e devia ser extirpado como uma infecção, na concepção da Doutrina de Segurança Nacional, para a qual as divergências, os conflitos, eram quistos que tinham que ser extirpados.
A atração do modelo brasileiro era potencializada pela ação desestabilizadora dos EUA. Henri Kissinger tinha declarado que eles tinham «que salvar o povo chileno das suas próprias loucuras», quando Allende recém havia sido eleito. Socialismo era questão de “loucura” e devia ser extirpado como uma infecção, na concepção da Doutrina de Segurança Nacional, para a qual as divergências, os conflitos, eram quistos que tinham que ser extirpados.
domingo, abril 24, 2011
O NEGRO E O VERMELHO
Federalismo e Europa das Regiões
Numerosos pensadores viam no fim do bloco soviético o fim da História, enquanto remate duma sucessão de conflitos entre colectividades humanas e ponto de partida duma harmonização à escala mundial dos sistemas socio-políticos. Foi um erro. Ao “equilíbrio do terror” nascido da bipolarização do mundo, sucedeu um desequilíbrio que marca hoje a vida internacional e ameaça a paz mundial.
Com efeito nos Balcãs, em África e no Médio Oriente, os conflitos internacionais multiplicam-se e a guerra instala-se nestas regiões, o meio mais utilizado para a condução das relações entre Estados. As respostas das Organizações Internacionais que nasceram para impedir este tipo de explosões são insuficientes para impedir o aumento da violência no mundo. Por todo o lado pede-se a intervenção armada dos Estados mais poderosos para forçar os beligerantes a parar de lutar. As discussões multiplicam-se sobre as melhores formas de prevenção de conflitos mas não deixa de ser necessário uma análise profunda destas causas.
Os conflitos armados não dependem da concentração maior ou menor de armas que um Estado consegue realizar ou da potência das alianças que chega a assinar, mas são a consequência directa da supremacia da soberania do Estado nação e da sua lógica de acção na vida internacional. O “egoísmo estadista” que não tem em conta os interesses dos outros Estados e dos seus próprios cidadãos, perseguindo a supremacia sobre os outros Estados, mostra hoje os seus limites. A inconciliabilidade entre os interesses dos Estados, à excepção de momentos breves, contribui a criar uma tensão contínua que não encontrando saída através dos canais institucionais, acumulam-se até à explosão, como foi o caso aquando da primeira guerra mundial.
Mas hoje em dia, em relação ao fim do século XIX, período tão lucidamente analisado por Proudhon, há uma diferença importante: a crise do Estado nação. Este é actualmente submetido a uma dupla erosão dos seus poderes. Ao nível supra etático, a multiplicação das Organizações Internacionais limita as suas actividades em razão do princípio de supranacionalidade, mesmo se os Estados mantêm ainda um lugar central no seu funcionamento e se eles não dão os meios para agir eficazmente na vida internacional. Além disso, o desenvolvimento da mundialização retira aos estados o monopólio de utilização de instrumentos económicos e financeiros que hoje dependem largamente de factores exógenos. No que diz respeito ao nível infra- etático, assiste-se ao crescimento de formas de nacionalismo, de tipo micro nacionalismo, como consequência directa do mesmo internacionalismo pois todas as comunidades vêm na criação dum Estado nação, mesmo pequeno que seja, a única solução para os seus problemas.
A crise é portanto global. Toca todos os aspectos da vida internacional e por consequência para ser resolvida, necessita duma mudança radical.
É preciso ultrapassar o sistema onde a cultura de guerra é ganhadora como é o caso no sistema actual baseado no internacionalismo, e no destruir na base o monopólio da força detida pelo Estado nação que consente em utilizar a guerra para prosseguir os seus interesses. Hoje em dia esta passagem é porque a guerra, em virtude do actual desenvolvimento tecnológico, é um potencialmente destrutivo do género humano.
O individualismo dos Estados como o dos seres humanos é com efeito uma das causas da incapacidade de conceber um sistema onde a multiplicidade das formas humanas podem viver em harmonia e em paz, paz real e não somente uma ausência de conflito, valorizando as suas próprias diferenças. A aproximação personalista, ao contrário, dá-nos os instrumentos filosóficos para alcançar estes fins.
É com o direito que é necessário intervir para assegurar, como nos justamente demonstrou Proudhon nas suas obras, a predominância da justiça e da liberdade como garantia duma paz estável e durável que respeita as características das pessoas e das colectividades.
O desafio do nosso tempo é portanto de operar a passagem, radicalmente revolucionária, da cultura da guerra à cultura da paz e um método para aí chegar é o federalismo e em particular, o federalismo segundo a visão proudhoniana.
Somente uma federação pode constituir a estrutura política capaz de permitir um equilíbrio entre os elementos culturais, económicos e políticos das diferentes colectividades humanas, em Europa como no mundo. Segundo o mesmo Proudhon “ Todas as instituições sociais, finalmente marcadas por este carácter de transição e de substituição ou negação recíproca e permanente”.
Além disso, a federação poderá verificar-se possível, somente por um consenso social livremente obtido pelo pacto federativo do mutualismo proudhoniano. É o único método para construir um sistema capaz de absorver os empurrões desagregadores presentes em todo o organismo político composto de várias pessoas, no sentido mais nobre da palavra.
Hoje em dia mais que nunca, esta aproximação proudhoniana duma sociedade federalista é válida quando as células que compõem as diferentes comunidades têm um papel e um funcionamento por sua vez contratual e social no seio duma sociedade onde a nação não é mais que um elemento parcial.
É somente num sistema onde todos os componentes têm a possibilidade de exprimir a sua própria identidade em liberdade e sem constrangimentos externos, que não haverá tensões podendo desencadear conflitos.
Hoje em dia, graças às possibilidades novas da nossa época, parece possível ver o fim de toda a forma de constrição da liberdade do homem e de facilitar, em relação à situação na qual viveu Proudhon, a construção dum sistema federal.
Liberdade, solidariedade, mutualismo, harmonia entre as diversidades, cooperação são tantas palavras que adquiriram um sentido preciso com a obra proudhoniana e que hoje em dia são propostos de novo pelos especialistas em relações internacionais como palavras chaves para sair da situação de crise.
Sempre segundo Proudhon: “... se os progressos da humanidade se devem realizar no sentido da liberdade individual, corporativa, local, comunal, provincial, nacional, a primeira tendo como suporte as seguintes e a última servindo por assim dizer a todas as outras de base ou de suporte, chegará após um certo número de oscilações, que os grandes Estados perderão a insensibilidade do seu carácter centralizador, se aproximarão da forma federativa e só conservarão do absolutismo unitário que a mutualidade das garantias e a comunidade das leis.”
Desde logo, a federação, a solidariedade, a influência recíproca, o apoio mútuo, são os únicos meios para afirmar um sistema centrado na justiça, na ciência e na liberdade.
A Europa enquanto que continente tendo influenciado em grande parte – positivamente e negativamente – a situação mundial actual, tem uma necessidade e um dever de empreender novas vias para a gestão da vida política e dos outros domínios entre os seus próprios componentes culturais e identificativos.
A situação actual pode permitir uma mutação radical da sua estrutura no sentido federalista. Os espaços que se abrem com o fim de oposição bipolar, impõem com efeito aos Estados europeus de aceitar uma integração de tipo federal para poder fazer face aos desafios que se anunciam.
É portanto necessário dirigir esta propensão no sentido federalista e de a impelir na direcção da criação dum sistema federal europeu de base regional. O carácter regional é o único meio para obter um equilíbrio numa eventual federação com a presença de grandes Estados nacionais do ponto de vista demográfico e económica, tais como a França, a Alemanha, a Itália, a Grã-Bretanha, que têm uma tradição de poder e de nacionalismo que os torna particularmente inaptos a federarem-se. Só uma federação das regiões é por consequência possível e desejável, como o sublinham entre outros Alexandre Marc e Denis de Rougemont.
Esta tendência à descentralização não comporta uma transposição em direcção às novas regiões, mas uma redistribuição de competências de maneira mais articulada nos diferentes níveis de organização política para criar um sistema mais flexível mas num quadro único, respeitando os seis princípios do federalismo: autonomia, subsidiaridade, participação, cooperação, complementaridade, garantias. As recentes diligências em vários países de diversas formações políticas apelando ao federalismo visam a diminuir a importância da solidariedade entre os cidadãos de regiões do mesmo Estado aplicando uma política de divisão, contrasta com a base do federalismo. Com efeito, este tipo de regionalismo é mais próximo do micro nacionalismo que do federalismo, porque visa a criar uma nova dimensão política fechada que representa de maneira exclusiva a identidade daqueles que fazem parte.
As regiões deverão estruturar-se, como indicado por Proudhon, segundo uma livre decisão e uma autodeterminação duma população conveniente, o único método para extinguir o perigo de fricção e de conflitos que, com um sistema decisório centralizado, manter-se-ia para sempre.
A necessidade de dirigir o processo de integração europeu neste sentido é demonstrado em mais duma série de elementos que confirmem esta tendência tanto no domínio político como no domínio económico.
É na Europa que encontramos um crescente interesse por um desenvolvimento mais equilibrado dando uma dimensão mais local a numerosas políticas, particularmente da política de emprego às políticas económicas, e que seja capaz de permitir a aproximação das instituições locais às necessidades das suas próprias populações.
Neste sentido, é fundamental aplicar de maneira integral e completa o princípio de subsidiaridade que ao difundir o poder sobre o território, o torna mais próximo dos cidadãos e encoraja a participação à Res Publica.
Para atingir este objectivo, é necessário formular um modelo policêntrico que ultrapasse a actual dicotomia entre centre e periferia e que suporte a valorização das potencialidades locais em direcção a um processo de desenvolvimento durável e sustentado, duma responsabilização das autoridades locais e regionais em termos de desenvolvimento económico, social e territorial, duma valorização das diferenças e das diversidades como património de base para a integração europeia.
Este conceito encontra-se na antinomia proudhoniana, onde “... o lado negativo é útil, pois que ele é a destruição do efeito produzido pelo lado positivo, que é a essência do próprio do movimento perpétuo” e “ o erro é de acreditar que as antinomias se devem resolver”.
O modelo de integração regional deverá ser baseado sobre o conceito de coesão como finalidade política, contemplando os processos de convergência socio-económica e de integração político-institucional, onde o conceito de coesão suporta um processo através do qual as economias nacionais e regionais se tornam mais similares.
A primeira dimensão da convergência é económica, que tende a produzir níveis de riqueza sempre mais aproximados e a melhorar a distribuição desta mesma riqueza. A luta contra a marginalização económica das regiões mais pobres é com efeito uma das tarefas maiores a acabar para evitar efeitos desagregadores do espaço europeu. A este propósito, a criação dum espaço monetário único com o Euro contribuirá a criar condições favoráveis à harmonização económica com um melhor abono dos recursos. A dimensão social da convergência tende a reduzir o desemprego, as formas de exclusão social, o crescimento de novas pobrezas, a integração dos imigrados extra comunitários e enfim, o reconhecimento recíproco dos novos perfis educativos e ocupacionais. Nestes domínios a União Europeia pode agir duma maneira mais incisiva e a criação dos novos espaços de acção para ela, aumentando o lugar das regiões no processo decisório destes últimos, ajudará a melhorar situações de exclusão cada vez mais presentes nos países da União Europeia.
A este propósito Proudhon diz-nos que: “ A verdadeira questão é de saber, se a humanidade estando dividida não somente em unidades individuais, mas também em unidades colectivas, chamadas nações, reinos, repúblicas, pode ser útil a estes últimos independentemente do regime adoptado pelos indivíduos, estabelecer entre eles o deixar fazer mais absoluto”.
Mas a convergência é também política. O processo de convergência neste domínio deve ser sustentado por um desenvolvimento institucional interno à União Europeia, um reforço da presença política da Comissão do mesmo modo que os poderes do Parlamento Europeu e sobretudo, a modificação do sistema decisório actual do Conselho. Com estas reformas institucionais poderemos ter um aumento do papel e das responsabilidades ao nível comunitário e nacional, das regiões e das autoridades locais, valorizando o nível de democracia em Europa.
A integração regional económica e territorial a uma escala europeia será realizada através dum modelo de rede que deverá facilitar o desenvolvimento de novos mercados para os produtos regionais, aumentando a competitividade das regiões ao nível internacional.
A situação contemporânea exige uma decisão crucial para o nosso futuro. O desafio é importante como os perigos que estão hoje presentes. De todas as soluções que podemos conceber a sinergia entre federalismo, Europa e Região pode representar a solução mais válida para estes problemas, que estavam na base das reflexões de Proudhon: qual é o lugar das pessoas na organização política e como podemos estruturar o poder para maximizar a sua liberdade e a justiça?
Numerosos pensadores viam no fim do bloco soviético o fim da História, enquanto remate duma sucessão de conflitos entre colectividades humanas e ponto de partida duma harmonização à escala mundial dos sistemas socio-políticos. Foi um erro. Ao “equilíbrio do terror” nascido da bipolarização do mundo, sucedeu um desequilíbrio que marca hoje a vida internacional e ameaça a paz mundial.
Com efeito nos Balcãs, em África e no Médio Oriente, os conflitos internacionais multiplicam-se e a guerra instala-se nestas regiões, o meio mais utilizado para a condução das relações entre Estados. As respostas das Organizações Internacionais que nasceram para impedir este tipo de explosões são insuficientes para impedir o aumento da violência no mundo. Por todo o lado pede-se a intervenção armada dos Estados mais poderosos para forçar os beligerantes a parar de lutar. As discussões multiplicam-se sobre as melhores formas de prevenção de conflitos mas não deixa de ser necessário uma análise profunda destas causas.
Os conflitos armados não dependem da concentração maior ou menor de armas que um Estado consegue realizar ou da potência das alianças que chega a assinar, mas são a consequência directa da supremacia da soberania do Estado nação e da sua lógica de acção na vida internacional. O “egoísmo estadista” que não tem em conta os interesses dos outros Estados e dos seus próprios cidadãos, perseguindo a supremacia sobre os outros Estados, mostra hoje os seus limites. A inconciliabilidade entre os interesses dos Estados, à excepção de momentos breves, contribui a criar uma tensão contínua que não encontrando saída através dos canais institucionais, acumulam-se até à explosão, como foi o caso aquando da primeira guerra mundial.
Mas hoje em dia, em relação ao fim do século XIX, período tão lucidamente analisado por Proudhon, há uma diferença importante: a crise do Estado nação. Este é actualmente submetido a uma dupla erosão dos seus poderes. Ao nível supra etático, a multiplicação das Organizações Internacionais limita as suas actividades em razão do princípio de supranacionalidade, mesmo se os Estados mantêm ainda um lugar central no seu funcionamento e se eles não dão os meios para agir eficazmente na vida internacional. Além disso, o desenvolvimento da mundialização retira aos estados o monopólio de utilização de instrumentos económicos e financeiros que hoje dependem largamente de factores exógenos. No que diz respeito ao nível infra- etático, assiste-se ao crescimento de formas de nacionalismo, de tipo micro nacionalismo, como consequência directa do mesmo internacionalismo pois todas as comunidades vêm na criação dum Estado nação, mesmo pequeno que seja, a única solução para os seus problemas.
A crise é portanto global. Toca todos os aspectos da vida internacional e por consequência para ser resolvida, necessita duma mudança radical.
É preciso ultrapassar o sistema onde a cultura de guerra é ganhadora como é o caso no sistema actual baseado no internacionalismo, e no destruir na base o monopólio da força detida pelo Estado nação que consente em utilizar a guerra para prosseguir os seus interesses. Hoje em dia esta passagem é porque a guerra, em virtude do actual desenvolvimento tecnológico, é um potencialmente destrutivo do género humano.
O individualismo dos Estados como o dos seres humanos é com efeito uma das causas da incapacidade de conceber um sistema onde a multiplicidade das formas humanas podem viver em harmonia e em paz, paz real e não somente uma ausência de conflito, valorizando as suas próprias diferenças. A aproximação personalista, ao contrário, dá-nos os instrumentos filosóficos para alcançar estes fins.
É com o direito que é necessário intervir para assegurar, como nos justamente demonstrou Proudhon nas suas obras, a predominância da justiça e da liberdade como garantia duma paz estável e durável que respeita as características das pessoas e das colectividades.
O desafio do nosso tempo é portanto de operar a passagem, radicalmente revolucionária, da cultura da guerra à cultura da paz e um método para aí chegar é o federalismo e em particular, o federalismo segundo a visão proudhoniana.
Somente uma federação pode constituir a estrutura política capaz de permitir um equilíbrio entre os elementos culturais, económicos e políticos das diferentes colectividades humanas, em Europa como no mundo. Segundo o mesmo Proudhon “ Todas as instituições sociais, finalmente marcadas por este carácter de transição e de substituição ou negação recíproca e permanente”.
Além disso, a federação poderá verificar-se possível, somente por um consenso social livremente obtido pelo pacto federativo do mutualismo proudhoniano. É o único método para construir um sistema capaz de absorver os empurrões desagregadores presentes em todo o organismo político composto de várias pessoas, no sentido mais nobre da palavra.
Hoje em dia mais que nunca, esta aproximação proudhoniana duma sociedade federalista é válida quando as células que compõem as diferentes comunidades têm um papel e um funcionamento por sua vez contratual e social no seio duma sociedade onde a nação não é mais que um elemento parcial.
É somente num sistema onde todos os componentes têm a possibilidade de exprimir a sua própria identidade em liberdade e sem constrangimentos externos, que não haverá tensões podendo desencadear conflitos.
Hoje em dia, graças às possibilidades novas da nossa época, parece possível ver o fim de toda a forma de constrição da liberdade do homem e de facilitar, em relação à situação na qual viveu Proudhon, a construção dum sistema federal.
Liberdade, solidariedade, mutualismo, harmonia entre as diversidades, cooperação são tantas palavras que adquiriram um sentido preciso com a obra proudhoniana e que hoje em dia são propostos de novo pelos especialistas em relações internacionais como palavras chaves para sair da situação de crise.
Sempre segundo Proudhon: “... se os progressos da humanidade se devem realizar no sentido da liberdade individual, corporativa, local, comunal, provincial, nacional, a primeira tendo como suporte as seguintes e a última servindo por assim dizer a todas as outras de base ou de suporte, chegará após um certo número de oscilações, que os grandes Estados perderão a insensibilidade do seu carácter centralizador, se aproximarão da forma federativa e só conservarão do absolutismo unitário que a mutualidade das garantias e a comunidade das leis.”
Desde logo, a federação, a solidariedade, a influência recíproca, o apoio mútuo, são os únicos meios para afirmar um sistema centrado na justiça, na ciência e na liberdade.
A Europa enquanto que continente tendo influenciado em grande parte – positivamente e negativamente – a situação mundial actual, tem uma necessidade e um dever de empreender novas vias para a gestão da vida política e dos outros domínios entre os seus próprios componentes culturais e identificativos.
A situação actual pode permitir uma mutação radical da sua estrutura no sentido federalista. Os espaços que se abrem com o fim de oposição bipolar, impõem com efeito aos Estados europeus de aceitar uma integração de tipo federal para poder fazer face aos desafios que se anunciam.
É portanto necessário dirigir esta propensão no sentido federalista e de a impelir na direcção da criação dum sistema federal europeu de base regional. O carácter regional é o único meio para obter um equilíbrio numa eventual federação com a presença de grandes Estados nacionais do ponto de vista demográfico e económica, tais como a França, a Alemanha, a Itália, a Grã-Bretanha, que têm uma tradição de poder e de nacionalismo que os torna particularmente inaptos a federarem-se. Só uma federação das regiões é por consequência possível e desejável, como o sublinham entre outros Alexandre Marc e Denis de Rougemont.
Esta tendência à descentralização não comporta uma transposição em direcção às novas regiões, mas uma redistribuição de competências de maneira mais articulada nos diferentes níveis de organização política para criar um sistema mais flexível mas num quadro único, respeitando os seis princípios do federalismo: autonomia, subsidiaridade, participação, cooperação, complementaridade, garantias. As recentes diligências em vários países de diversas formações políticas apelando ao federalismo visam a diminuir a importância da solidariedade entre os cidadãos de regiões do mesmo Estado aplicando uma política de divisão, contrasta com a base do federalismo. Com efeito, este tipo de regionalismo é mais próximo do micro nacionalismo que do federalismo, porque visa a criar uma nova dimensão política fechada que representa de maneira exclusiva a identidade daqueles que fazem parte.
As regiões deverão estruturar-se, como indicado por Proudhon, segundo uma livre decisão e uma autodeterminação duma população conveniente, o único método para extinguir o perigo de fricção e de conflitos que, com um sistema decisório centralizado, manter-se-ia para sempre.
A necessidade de dirigir o processo de integração europeu neste sentido é demonstrado em mais duma série de elementos que confirmem esta tendência tanto no domínio político como no domínio económico.
É na Europa que encontramos um crescente interesse por um desenvolvimento mais equilibrado dando uma dimensão mais local a numerosas políticas, particularmente da política de emprego às políticas económicas, e que seja capaz de permitir a aproximação das instituições locais às necessidades das suas próprias populações.
Neste sentido, é fundamental aplicar de maneira integral e completa o princípio de subsidiaridade que ao difundir o poder sobre o território, o torna mais próximo dos cidadãos e encoraja a participação à Res Publica.
Para atingir este objectivo, é necessário formular um modelo policêntrico que ultrapasse a actual dicotomia entre centre e periferia e que suporte a valorização das potencialidades locais em direcção a um processo de desenvolvimento durável e sustentado, duma responsabilização das autoridades locais e regionais em termos de desenvolvimento económico, social e territorial, duma valorização das diferenças e das diversidades como património de base para a integração europeia.
Este conceito encontra-se na antinomia proudhoniana, onde “... o lado negativo é útil, pois que ele é a destruição do efeito produzido pelo lado positivo, que é a essência do próprio do movimento perpétuo” e “ o erro é de acreditar que as antinomias se devem resolver”.
O modelo de integração regional deverá ser baseado sobre o conceito de coesão como finalidade política, contemplando os processos de convergência socio-económica e de integração político-institucional, onde o conceito de coesão suporta um processo através do qual as economias nacionais e regionais se tornam mais similares.
A primeira dimensão da convergência é económica, que tende a produzir níveis de riqueza sempre mais aproximados e a melhorar a distribuição desta mesma riqueza. A luta contra a marginalização económica das regiões mais pobres é com efeito uma das tarefas maiores a acabar para evitar efeitos desagregadores do espaço europeu. A este propósito, a criação dum espaço monetário único com o Euro contribuirá a criar condições favoráveis à harmonização económica com um melhor abono dos recursos. A dimensão social da convergência tende a reduzir o desemprego, as formas de exclusão social, o crescimento de novas pobrezas, a integração dos imigrados extra comunitários e enfim, o reconhecimento recíproco dos novos perfis educativos e ocupacionais. Nestes domínios a União Europeia pode agir duma maneira mais incisiva e a criação dos novos espaços de acção para ela, aumentando o lugar das regiões no processo decisório destes últimos, ajudará a melhorar situações de exclusão cada vez mais presentes nos países da União Europeia.
A este propósito Proudhon diz-nos que: “ A verdadeira questão é de saber, se a humanidade estando dividida não somente em unidades individuais, mas também em unidades colectivas, chamadas nações, reinos, repúblicas, pode ser útil a estes últimos independentemente do regime adoptado pelos indivíduos, estabelecer entre eles o deixar fazer mais absoluto”.
Mas a convergência é também política. O processo de convergência neste domínio deve ser sustentado por um desenvolvimento institucional interno à União Europeia, um reforço da presença política da Comissão do mesmo modo que os poderes do Parlamento Europeu e sobretudo, a modificação do sistema decisório actual do Conselho. Com estas reformas institucionais poderemos ter um aumento do papel e das responsabilidades ao nível comunitário e nacional, das regiões e das autoridades locais, valorizando o nível de democracia em Europa.
A integração regional económica e territorial a uma escala europeia será realizada através dum modelo de rede que deverá facilitar o desenvolvimento de novos mercados para os produtos regionais, aumentando a competitividade das regiões ao nível internacional.
A situação contemporânea exige uma decisão crucial para o nosso futuro. O desafio é importante como os perigos que estão hoje presentes. De todas as soluções que podemos conceber a sinergia entre federalismo, Europa e Região pode representar a solução mais válida para estes problemas, que estavam na base das reflexões de Proudhon: qual é o lugar das pessoas na organização política e como podemos estruturar o poder para maximizar a sua liberdade e a justiça?
Um breve pano de fundo sobre a política europeia por trás do resgate português
As eleições finlandesas provocaram uma mudança tectónica não inteiramente inesperada, mas provavelmente não chega a ser uma revolução europeia. Suporíamos que o pior cenário a partir destas eleições seria um pedido para uma renegociação parcial dos termos de envolvimento da Finlândia com o Fundo Europeu de Estabilidade Financeira ( European Financial Stability Facility EFSF). Os conservadores finlandeses podem não tentar uma coligação com os Verdadeiros Finlandeses, mas sim com os social-democratas e um par de pequenos partidos. Juri Katainen disse que procurava uma coligação de partidos que partilhassem um consenso mínimo. Quer os Verdadeiros Finlandeses entrem ou não no parlamento, não veremos um Não finlandês.
Dito isto, o resgate português é no entanto problemático. Ministros das Finanças estavam absolutamente furiosos com o tardio pedido português e alguns, como Anders Borg da Suécia ou Jan Kees de Jager da Holanda não esconderam a sua intensa frustração no recente Ecofin informal na Hungria. Esperamos que tensão persista por um certo número de semanas. Isto parece como se a liquidez do país esteja para esgotar-se antes de qualquer [ajuda] oficial do FMI/UE possa ser vertida. E não há actualmente qualquer desejo de conceder um empréstimo a curto prazo. As duas declarações são certamente contraditórias, a menos que se aceite o princípio de um incumprimento (default), de modo que assumiríamos que haverá algum financiamento a muito curto prazo. Mas isto está longe de garantido.
Dito isto, o resgate português é no entanto problemático. Ministros das Finanças estavam absolutamente furiosos com o tardio pedido português e alguns, como Anders Borg da Suécia ou Jan Kees de Jager da Holanda não esconderam a sua intensa frustração no recente Ecofin informal na Hungria. Esperamos que tensão persista por um certo número de semanas. Isto parece como se a liquidez do país esteja para esgotar-se antes de qualquer [ajuda] oficial do FMI/UE possa ser vertida. E não há actualmente qualquer desejo de conceder um empréstimo a curto prazo. As duas declarações são certamente contraditórias, a menos que se aceite o princípio de um incumprimento (default), de modo que assumiríamos que haverá algum financiamento a muito curto prazo. Mas isto está longe de garantido.
"Portugal tem de sair da zona euro se quiser ser um país livre"
Markus Kerber é professor de Economia Política na Universidade Técnica de Berlim. Faz parte do grupo de 52 economistas e juristas alemães pertencentes ao grupo de pressão Europolis que apresentou uma providência cautelar no Tribunal Constitucional da Alemanha para travar a participação alemã no empréstimo a Portugal. O grupo já tentou o mesmo com a Grécia e a Irlanda.
Se esta acção tiver sucesso, não exercerá mais pressão sobre Portugal?
Não ser resgatado não criará mais pressão sobre Portugal. Esta acção não é contra Portugal. Se Lisboa não receber o resgate, será livre para abandonar a zona euro e conduzir a sua própria política. Se forem resgatados, receberão dinheiro da União Europeia e do FMI, o que tornará Portugal um protectorado .
A única solução para Portugal é sair do euro?
É óbvio que Portugal não conseguirá restabelecer o seu crescimento económico e a sua competitividade no quadro da zona euro. As taxas de juro e a paridade do euro são simplesmente demasiado elevadas para Portugal. As medidas de austeridade com que diferentes governos corajosamente avançaram vão criar mais recessão e não vão trazer Portugal para um caminho de crescimento. Estão a conduzir uma política económica pró-ciclíca, o que é um absurdo. Como querem voltar a crescer sem um sector público que gaste ou que, pelo menos, não corte tão severamente como tem feito? Portugal precisa de uma desvalorização competitiva e, como não o consegue fazer na zona euro, deve abandoná-la.
Portugal deve também reestruturar a sua dívida?
Claro que sim. Não existe alternativa quando a dívida deixa de ser suportável. Portugal tem uma boa razão para entrar em incumprimento. Ao contrário dos gregos e dos irlandeses, não se pode censurar os portugueses por terem cometido infracções estatísticas ou criado um sistema bancário com uma dimensão inadequada para o tamanho do país. A Grécia é um caso de falência criminosa e manipulação estatística. O verdadeiro problema de Portugal é a competitividade. E uma reestruturação seria viável.
A saída do euro seria permanente?
Portugal teria de sair da zona euro durante alguns anos. Se Portugal quiser continuar a ser um país livre e manter todos os instrumentos económicos de soberania, tem de sair da zona euro.
Mas isso é sequer possível com os actuais tratados? E não provocaria enormes fugas de capitais?
Sou advogado e estou a orientar várias teses de doutoramento que concluem que existem formas de sair. Uma consensual e outra compulsória. Proponho algo que devolverá a Portugal a sua liberdade. Não quero expulsar Lisboa do euro, mas acho que têm de pesar as vossas opções. Seria como um membro da família a abandoná-la durante alguns anos para reconquistar a sua independência.
Se esta acção tiver sucesso, não exercerá mais pressão sobre Portugal?
Não ser resgatado não criará mais pressão sobre Portugal. Esta acção não é contra Portugal. Se Lisboa não receber o resgate, será livre para abandonar a zona euro e conduzir a sua própria política. Se forem resgatados, receberão dinheiro da União Europeia e do FMI, o que tornará Portugal um protectorado .
A única solução para Portugal é sair do euro?
É óbvio que Portugal não conseguirá restabelecer o seu crescimento económico e a sua competitividade no quadro da zona euro. As taxas de juro e a paridade do euro são simplesmente demasiado elevadas para Portugal. As medidas de austeridade com que diferentes governos corajosamente avançaram vão criar mais recessão e não vão trazer Portugal para um caminho de crescimento. Estão a conduzir uma política económica pró-ciclíca, o que é um absurdo. Como querem voltar a crescer sem um sector público que gaste ou que, pelo menos, não corte tão severamente como tem feito? Portugal precisa de uma desvalorização competitiva e, como não o consegue fazer na zona euro, deve abandoná-la.
Portugal deve também reestruturar a sua dívida?
Claro que sim. Não existe alternativa quando a dívida deixa de ser suportável. Portugal tem uma boa razão para entrar em incumprimento. Ao contrário dos gregos e dos irlandeses, não se pode censurar os portugueses por terem cometido infracções estatísticas ou criado um sistema bancário com uma dimensão inadequada para o tamanho do país. A Grécia é um caso de falência criminosa e manipulação estatística. O verdadeiro problema de Portugal é a competitividade. E uma reestruturação seria viável.
A saída do euro seria permanente?
Portugal teria de sair da zona euro durante alguns anos. Se Portugal quiser continuar a ser um país livre e manter todos os instrumentos económicos de soberania, tem de sair da zona euro.
Mas isso é sequer possível com os actuais tratados? E não provocaria enormes fugas de capitais?
Sou advogado e estou a orientar várias teses de doutoramento que concluem que existem formas de sair. Uma consensual e outra compulsória. Proponho algo que devolverá a Portugal a sua liberdade. Não quero expulsar Lisboa do euro, mas acho que têm de pesar as vossas opções. Seria como um membro da família a abandoná-la durante alguns anos para reconquistar a sua independência.
Para sair da crise
Começo por descrever os próximos passos do aprofundamento da crise para de seguida propor uma estratégia de saída. O que neste momento se está a definir como solução para a crise que o país atravessa não fará mais que aprofundá-la. Eis o itinerário. A intervenção do FMI começará com declarações solenes de que a situação do país é muito mais grave do que se tem dito (o ventríloquo pode ser o líder do PSD, se ganhar as eleições).
Este itinerário não é difícil de prever porque tem sido esta a prática do FMI em todos os países onde tem intervindo. Rege-se pela ideia de que one size fits all, ou seja, que as receitas são sempre as mesmas, uma vez que as diferentes realidades sociais, culturais e políticas são irrelevantes ante a objectividade dos mercados financeiros.
Este itinerário não é difícil de prever porque tem sido esta a prática do FMI em todos os países onde tem intervindo. Rege-se pela ideia de que one size fits all, ou seja, que as receitas são sempre as mesmas, uma vez que as diferentes realidades sociais, culturais e políticas são irrelevantes ante a objectividade dos mercados financeiros.
O NEGRO E O VERMELHO
Fatalidade Económica e Capacidade Política em Proudhon
Todos os que conhecem um pouco de Proudhon sabem que a sua última obra, aquela que ele acabará de ditar no leito de morte, se intitula “Da Capacidade Política das Classes Operárias”. Este testamento intelectual e político foi justamente célebre, não somente porque apresentava o resumo do pensamento de Proudhon numa forma mais compacta e sintética que de costume, mas mais ainda porque exprimia um pensar operário autónomo. É deste modo que os seus contemporâneos o compreenderam e o leram. Edouard Bernstein e Jaurès consideravam no princípio do século seguinte este livro como emblemático do pensamento proudhoniano e duma forma de pensar político anti-autoritário no socialismo.
É de ter em conta para nós neste final de século que “capacidade política” é o estrito contrário de “fatalismo económico”. Encontramos a oposição do político e do económico, mas sobretudo o da fatalidade e da capacidade. O contexto contemporâneo deste fim de século vinte é percebido sob a forma duma crise. Podemos falar também duma mudança das referências e dos paradigmas sob os golpes e as críticas dum discurso “neo-liberal” que toma a sua vingança na marginalização durante os dois primeiros terços deste século pondo em causa os esquemas de pensar e de acção política e económica adquiridos após a crise de 1929 e da reconstrução do após-guerra. O resultado é antes de tudo uma confirmação da primazia do económico sobre o político pois que e ainda por cima os problemas económicos aparecem como sendo os mais urgentes e os mais massivos. Ma s não reside ainda a novidade pois que podemos dizer que o económico domina largamente o discurso político desde o século XIX, do mesmo modo nos liberais que no socialismo. O problema é que esta dominação da preocupação económica faz-se sob o signo duma análise neo-liberal que amplifica a crise e a rejeição do político, precisamente porque o político pensa-se em termos de vontade e de capacidade de agir, de se organizar. O neo-liberalimo do qual Hayek é o teórico mais inteligente, advoga por uma incapacidade de querer a ordem social e uma desqualificação das decisões e das vontades políticas face ao mercado que se deve auto regular espontaneamente e dormar livremente a ordem social o mais satisfatório possível. Se Hayek não acredita numa ordem natural e invariável das coisas como no século XVIII e se admite portanto que esta ordem é histórica e que pode evoluir e modificar-se, pensa que não pode ser sob o golpe de vontade política do Estado. Retomando a fórmula de Ferguson, o teórico inglês do século XVIII que fez a história da “sociedade civil”, Hayek diz de novo que os fenómenos sociais “são o resultado da acção humana mas não da intervenção humana”. Desta distinção entre acção e intervenção resulta uma desqualificação da vontade humana, não na vida e nas decisões individuais, mas na organização e na orientação da vida colectiva. Resulta na nossa sociedade neste fim de século um sentimento de fatalidade ou de necessidade diante das modificações onde as perturbações sociais exigidas ou impostas do exterior e que parecem ser por uma força das coisas escapando a toda a vontade humana bem que seja o resultado das múltiplas actividades humanas.
Neste contexto, Proudhon quando fala de “capacidade política”, pode ajudar-nos a reflectir, ele que respondia precisamente a um pedido dos operários de Rouen em 1864 e que redigiu o seu último livro nesta ocasião? Numa releitura parece que neste livro a noção de “capacidade política” tem um sentido rico. Não nos devemos só agarrar no sentido imediato e estreitamente político de capacidade legal ou eleitoral que reenvia à prática censitária da Monarquia de Julho. A capacidade política quer evidentemente designar a capacidade de participar na vida política sob a forma, aliás única e exclusiva, da participação nas eleições legislativas. Mas o termo tem um sentido bem mais alargado, fazendo referência à ideia de “capacidade real”, quer dizer à questão de saber o que podem fazer os homens na sociedade e sobre a sociedade. Como do mais pequeno grupo ao maior ( Estado), os homens podem ter uma tomada de posição sobre a sua existência social ( ou o seu destino) de outro modo que por uma adaptação individual a circunstâncias económicas percebidas como sendo totalmente exteriores e sem prejuízo, do mesmomodo que sobre o plano colectivo. Neste sentido a “capacidade política” é, pelo menos numa primeira abordagem, uma oposição à posição de Hayek, ou se quisermos o modelo tipo da posição “construtivista” que este último denuncia com o maior vigor.Falar da capacidade política da classe operária em 1864 como o faz Proudhon, é recusar a “ordem espontânea” das coisas e apelar aos homens para se agruparem e a agirem politicamente, e não somente em termos sociais, por modificar a ordem da sociedade. Hayek poderia aceitar esta acção puramente social duma classe operária organizada na condição que a ordem do mercado não seja posta em causa e que a acção humana tenha principalmente lugar no quadro da sociedade civil e sem intervenção regulamentar e autoritária do Estado. Fica a ideia da capacidade política fazendo apelo à acção humana, e mesmo se ela é consciente que a intervenção humana não é toda poderosa sobre a organização da sociedades, implica a ideia duma intenção consciente, ou pelo menos tão consciente que possível, da organização desejada da sociedade. Dito de outro modo, a sociedade civil não se organiza espontaneamente da melhor forma e há lugar para uma intervenção política e portanto uma capacidade política dos homens na sociedade.
Logo que Proudhon empreende responder à verdadeira consulta que lhe dirigem os operários de Rouen, distingue a análise da situação e as respostas que lhe podem trazer.
Examinando a situação não somente política mas também social dos que o questionam, Proudhon propõe em 1864 análises que parecem ter relação com a nossa actuliadade.
Verifica em primeiro lugar uma crise da representação. Existe um corte radical entre a élite e a classe operária ou as massas. E isto vale mesmo para esta parte da élite que forma a Oposição ao Império. Foi precisamente a questão das candidaturas operárias e da abstenção operária na sua ausência que foi colocada a Proudhon. Esta separação radical da qual Proudhon como mais tarde Sorel, faz-se apologista transformando a necessidade em virtude, mostra que a massa não é em realidade representada. Proudhon escreve vigorosamente: “A multitude não podia figurar sobre a cena política: não lhe pertence”. Precisando a sua crítica, acrescenta que existe discrepância entre o País e o Estado; crítica banal, e que não deve evidentemente nada a Mauras, no quadro duma democracia representativa do qual é , por natureza, o risco maior e permanente: “A nação em imensa maioria não pode dizer-se representada”. A abstenção seja ela explicitamente reivindicada ou não, é, aos olhos de Proudhon, a manifestação deste facto. Há uma dúvida sobre a representatividades e por consequência a legitimidade dos representantes que são constitucionalmente aptos a querer pela nação.
É aí que intervém a ideia proudhoniana de “capacidade política”. Logo que , sob o Império, o povo vota pela oposição legal, Proudhon não vê a concentração ao regime parlamentar de tipo orleanista contra o autoritarismo imperial mas a expressão de qualquer coisa bem mais profunda: apercebe-se “que o povo operário… pela primeira vez ia falar no seu próprio e privado nome…” Não se trata simplesmente de aí ver um uso da capacidade legal que o Império tinha restabelecido integralmente, mas mais a descoberta progressiva duma capacidade real, a que permite tomar a palavra e exprimir pelo menos uma vontade própria. A resposta de Proudhon em twermos de “capacidade política” permite lutar contra a inexistência social de si.Isto é o resultado da não representação política autónoma e própria da classe operária. Uma representação própria é a condição tanto como o efeito duma tomada de consciência de si e da sua vontade própria. Falando dos operários que têm nas eleições e contrariamente aos camponeses, abandonado o Império e votado pelos burgueses, Proudhon escreve: “…era digno deles de lhes dar (aos camponeses) o exemplo, declarando que no futuro não entendiam restabelecer que eles próprios. “ Deste modo não é a única actividade económica que faz existir uma classe mas também a sua capacidasde política, porque ela dá uma visibilidade social aos interessados, às vontades e aos valores dum grupo. Esta visibilidade social não pode resultar que do facto de trazer ideias e vontades sobre o terreno político e saíndo de qualquer modo do enterro na sociedade civil. Não se pode ser plenamente ele próprio que tendoa sua própria representação e a sua própria expressão política. Estas não são mais que a capacidade de intervir directamwente e sem intermediário nem representação na vida política. A “capacidade política” não é portanto pensável se não estamos convencidos que os homens têm não somente um direito de agir sobre a sociedade mas que existe uma possibilidade de resultados. Proudhon, desconfiando do Estado, em que a anarquia positiva dava tanto de capacidade à sociedade civil, reabilita aqui um espaço próprio de expressão não somente das ideias mas vontades sobre a sociedade, espaço que é portanto tão pouco que seja o do Estado.
As respostas de Proudhon aos operários que o tinham interrogado em 1863, apresentam o mesmo grau de interesse e de actualidade que a análise que mostra uma classe de homens desapossados da sua identidade social colectiva falta duma verdadeira representação, quer dizer aquela que se exerce por si próprio sem intermediário?
É preciso examinar antes de tudo as condições concretas da capacidade política segundo Proudhon . Possuir a capacidade política não é somente ter “um zelo ardente pela Cidade”. Existe segundo ele três condições essenciais para poder intervir na vida e as orientações da sociedade pois que é a ela que deve visar a capacidade política e não a ser uma simples virtude cívica ou uma moralidade individual républicana…
É necessário que haja uma classe social tendo consciência dela própria; quer dizer que ela deve ser distinta e separada das outras. Proudhon não quer que se veja um pensar de ódio e de antagonismo ou de guerra civil. “A separação que recomendo é a condição mesma da vida. Distinguir-se, definir-se, é ser; o mesmo que confundir-se e se absorver, é perder-se. Fazer cisão, uma cisão legítima, é o único meio que temos de afirmar o nosso direito e como partido político de nos fazer reconhecer”. Poderíamos examinar à luz destes propósitos a questão contemporânea da representação dos desempregados ou a fortiori a dos excluídos ou ainda dos que chamamos o quarto mundo, quer se trate de representação política ou sindical.
A segunda condição é que deve haver uma ideia. Proudhon entende por isso, e num sentido forte, ter a noção da sua própria constituição, ou a noção das leis e das condições da sua existência. Para ele a classe operária possui desde há muito esta “ideia” na mutualidade ou mutualismo.
Por fim é preciso ser capaz de tirar conclusões práticas sobre a organização da sociedade que sejam próprias a esta classe e que permitam eventualmente desenvolver uma nova ordem política.
Para alguns estas condições parecem de bom senso, mas podemos perguntar o que pode ser um século e meio mais tarde. Que transposição é possível? Podemos reencontrar neste fim de século e face ao “fatalismo económico” as condições da capacidade política que Proudhon tinha resgatado no meio do século precedente, quer dizer as condições duma acção na e sobre a sociedade?
Se nos perguntarmos “que classe social?” encontramo-nos sobretudo diante duma vasta classe média central. Pareceria difícil de encontrar o grupo social mobilizador e portador duma capacidade política diferenciada e sobretudo separada das élites políticas suportadas por esta vasta classe média. As mutações do trabalho tiveram consequências sobre a classe operária e sobre o conjunto da sociedade. Será aí que encontraremos o grupo separado e consciente dele próprio que Proudhon ajudou noutra ocasião a tomar consciência dele próprio? O sindicalismo revolucionário que deve tanto a este espírito de “capacidade política” forma ainda este grupo separado?
Se nos perguntarmos “que ideia?”, é preciso lembrarmo-nos que a única expressão do sufrágio universal não chega para Proudhon para a constituir.Interpelando o “Povo soberano”, dizia-lhe à sua maneira assaz directa: “ Sim Majestade, tu és o número e a força, e só tu tens o número e a força donde resulta já que tu possuis um direito que é justo que tu exerças. Mas tu também deves ter uma Ideia, da qual tens um outro direito, superior ao primeiro…Enquanto fores número e força sem ideia, não serás nada. A soberania não te pertençe; os teus candidatos serão desdenhados e tu permanecerás animal de carga.” É portanto importante interrogar sobre a mutualidade hoje, e de examinar as condições sem as quais ela pode constituir um fermento de renovação ou soluções concretas no período actual.
Se nos perguntarmos “que conclusões práticas?”, a ideia de contrato cívico e mais geralmente a cidadania alargada ao mundo económico, ideia já antiga, são uma das vias a explorar. Proudhon sublinhava a relação intíma que existe entre igualdade política e igualdade económica: “Do princípio, incontestável numa sociedade e um Estado democrático, que o direito eleitoral é inerente ao homem e ao cidadão, deduzem consequências, ou se preferirmos, corolários do maior interesse. É antes de tudo que a igualdade política uma vez declarada, posta em prática pelo exercício do sufrágio universal, a tendência da nação é à igualdade económica. Toda a história o confirma: colocar em princípio a desigualdade das fortunas, e a desigualdade política será a consequência;…Que nos lembremos: entre a igualdade ou o direito político, e a igualdade ou o direito económico, existe uma íntima relação, de modo que se um dos dois for negado, o outro não tardará a desaparecer.”
Examinando as soluções de ontem para a crise económica e nomeadamente os ateliers nacionais, simbolo mesmo aos olhos dos liberais deste voluntarismo e esta vontade de organização impotentes e nefasta que eles denunciam ainda no século seguinte sob o nome de “construtivismo”, ou ainda percorendo o que Proudhon podia aconselhar a todos os seus correspondentes, não se trata tanto de encontrar no passado soluções perdidas ou esquecidas. As questões de hoje assinalam---nos talvez problemas radicalmente novos que os que podíamos esperar tratados com o espírito de 48 ou mesmo com o socialismo dos reformadores do meio do décimo nono século. Deste ponto de vista, Proudhon não tem talvez mais soluções concretas para nos dar que os outros.Parece-nos no entanto que a ideia de “capacidade política” guarda uma frescura e uma actualidade permanente. Para além de certos aspectos técnicos que podem estar datados, tem este mérito fundamental de relembrar que para além da existência e da liberdade individual às quais os liberais permanecem mais sensíveis, existe uma existência e uma liberdade colectiva sem as quais a liberdade e a vida individual são elas próprias precárias. É a experiência da classe operária tal como Proudhon em particular a compreendeu e a pôs em prática. A “capacidade política” não é somente uma capacidade cívica que se adiciona a uma capacidade individual como liberais e republicanos poderiam crer. Compromete bem mais que o que há de existência duma classe ou dum grupo de homens, e portanto os membros que a compõem. Esta problemática é perfeitamente contemporânea. Um dos aspectos da crise da sociedade portuguesa diante das modificações do trabalho, a mundialização da economia e as transformações do capitalismo, é bem um problema de “capacidade política” para aqueles que suportam os efeitos destas evoluções. A “capacidade política” é esta capacidade de afirmação de si que permite ainda querer na e sobre a sociedade, compreendida em situações de crise e de destruição do vínculo social.
Todos os que conhecem um pouco de Proudhon sabem que a sua última obra, aquela que ele acabará de ditar no leito de morte, se intitula “Da Capacidade Política das Classes Operárias”. Este testamento intelectual e político foi justamente célebre, não somente porque apresentava o resumo do pensamento de Proudhon numa forma mais compacta e sintética que de costume, mas mais ainda porque exprimia um pensar operário autónomo. É deste modo que os seus contemporâneos o compreenderam e o leram. Edouard Bernstein e Jaurès consideravam no princípio do século seguinte este livro como emblemático do pensamento proudhoniano e duma forma de pensar político anti-autoritário no socialismo.
É de ter em conta para nós neste final de século que “capacidade política” é o estrito contrário de “fatalismo económico”. Encontramos a oposição do político e do económico, mas sobretudo o da fatalidade e da capacidade. O contexto contemporâneo deste fim de século vinte é percebido sob a forma duma crise. Podemos falar também duma mudança das referências e dos paradigmas sob os golpes e as críticas dum discurso “neo-liberal” que toma a sua vingança na marginalização durante os dois primeiros terços deste século pondo em causa os esquemas de pensar e de acção política e económica adquiridos após a crise de 1929 e da reconstrução do após-guerra. O resultado é antes de tudo uma confirmação da primazia do económico sobre o político pois que e ainda por cima os problemas económicos aparecem como sendo os mais urgentes e os mais massivos. Ma s não reside ainda a novidade pois que podemos dizer que o económico domina largamente o discurso político desde o século XIX, do mesmo modo nos liberais que no socialismo. O problema é que esta dominação da preocupação económica faz-se sob o signo duma análise neo-liberal que amplifica a crise e a rejeição do político, precisamente porque o político pensa-se em termos de vontade e de capacidade de agir, de se organizar. O neo-liberalimo do qual Hayek é o teórico mais inteligente, advoga por uma incapacidade de querer a ordem social e uma desqualificação das decisões e das vontades políticas face ao mercado que se deve auto regular espontaneamente e dormar livremente a ordem social o mais satisfatório possível. Se Hayek não acredita numa ordem natural e invariável das coisas como no século XVIII e se admite portanto que esta ordem é histórica e que pode evoluir e modificar-se, pensa que não pode ser sob o golpe de vontade política do Estado. Retomando a fórmula de Ferguson, o teórico inglês do século XVIII que fez a história da “sociedade civil”, Hayek diz de novo que os fenómenos sociais “são o resultado da acção humana mas não da intervenção humana”. Desta distinção entre acção e intervenção resulta uma desqualificação da vontade humana, não na vida e nas decisões individuais, mas na organização e na orientação da vida colectiva. Resulta na nossa sociedade neste fim de século um sentimento de fatalidade ou de necessidade diante das modificações onde as perturbações sociais exigidas ou impostas do exterior e que parecem ser por uma força das coisas escapando a toda a vontade humana bem que seja o resultado das múltiplas actividades humanas.
Neste contexto, Proudhon quando fala de “capacidade política”, pode ajudar-nos a reflectir, ele que respondia precisamente a um pedido dos operários de Rouen em 1864 e que redigiu o seu último livro nesta ocasião? Numa releitura parece que neste livro a noção de “capacidade política” tem um sentido rico. Não nos devemos só agarrar no sentido imediato e estreitamente político de capacidade legal ou eleitoral que reenvia à prática censitária da Monarquia de Julho. A capacidade política quer evidentemente designar a capacidade de participar na vida política sob a forma, aliás única e exclusiva, da participação nas eleições legislativas. Mas o termo tem um sentido bem mais alargado, fazendo referência à ideia de “capacidade real”, quer dizer à questão de saber o que podem fazer os homens na sociedade e sobre a sociedade. Como do mais pequeno grupo ao maior ( Estado), os homens podem ter uma tomada de posição sobre a sua existência social ( ou o seu destino) de outro modo que por uma adaptação individual a circunstâncias económicas percebidas como sendo totalmente exteriores e sem prejuízo, do mesmomodo que sobre o plano colectivo. Neste sentido a “capacidade política” é, pelo menos numa primeira abordagem, uma oposição à posição de Hayek, ou se quisermos o modelo tipo da posição “construtivista” que este último denuncia com o maior vigor.Falar da capacidade política da classe operária em 1864 como o faz Proudhon, é recusar a “ordem espontânea” das coisas e apelar aos homens para se agruparem e a agirem politicamente, e não somente em termos sociais, por modificar a ordem da sociedade. Hayek poderia aceitar esta acção puramente social duma classe operária organizada na condição que a ordem do mercado não seja posta em causa e que a acção humana tenha principalmente lugar no quadro da sociedade civil e sem intervenção regulamentar e autoritária do Estado. Fica a ideia da capacidade política fazendo apelo à acção humana, e mesmo se ela é consciente que a intervenção humana não é toda poderosa sobre a organização da sociedades, implica a ideia duma intenção consciente, ou pelo menos tão consciente que possível, da organização desejada da sociedade. Dito de outro modo, a sociedade civil não se organiza espontaneamente da melhor forma e há lugar para uma intervenção política e portanto uma capacidade política dos homens na sociedade.
Logo que Proudhon empreende responder à verdadeira consulta que lhe dirigem os operários de Rouen, distingue a análise da situação e as respostas que lhe podem trazer.
Examinando a situação não somente política mas também social dos que o questionam, Proudhon propõe em 1864 análises que parecem ter relação com a nossa actuliadade.
Verifica em primeiro lugar uma crise da representação. Existe um corte radical entre a élite e a classe operária ou as massas. E isto vale mesmo para esta parte da élite que forma a Oposição ao Império. Foi precisamente a questão das candidaturas operárias e da abstenção operária na sua ausência que foi colocada a Proudhon. Esta separação radical da qual Proudhon como mais tarde Sorel, faz-se apologista transformando a necessidade em virtude, mostra que a massa não é em realidade representada. Proudhon escreve vigorosamente: “A multitude não podia figurar sobre a cena política: não lhe pertence”. Precisando a sua crítica, acrescenta que existe discrepância entre o País e o Estado; crítica banal, e que não deve evidentemente nada a Mauras, no quadro duma democracia representativa do qual é , por natureza, o risco maior e permanente: “A nação em imensa maioria não pode dizer-se representada”. A abstenção seja ela explicitamente reivindicada ou não, é, aos olhos de Proudhon, a manifestação deste facto. Há uma dúvida sobre a representatividades e por consequência a legitimidade dos representantes que são constitucionalmente aptos a querer pela nação.
É aí que intervém a ideia proudhoniana de “capacidade política”. Logo que , sob o Império, o povo vota pela oposição legal, Proudhon não vê a concentração ao regime parlamentar de tipo orleanista contra o autoritarismo imperial mas a expressão de qualquer coisa bem mais profunda: apercebe-se “que o povo operário… pela primeira vez ia falar no seu próprio e privado nome…” Não se trata simplesmente de aí ver um uso da capacidade legal que o Império tinha restabelecido integralmente, mas mais a descoberta progressiva duma capacidade real, a que permite tomar a palavra e exprimir pelo menos uma vontade própria. A resposta de Proudhon em twermos de “capacidade política” permite lutar contra a inexistência social de si.Isto é o resultado da não representação política autónoma e própria da classe operária. Uma representação própria é a condição tanto como o efeito duma tomada de consciência de si e da sua vontade própria. Falando dos operários que têm nas eleições e contrariamente aos camponeses, abandonado o Império e votado pelos burgueses, Proudhon escreve: “…era digno deles de lhes dar (aos camponeses) o exemplo, declarando que no futuro não entendiam restabelecer que eles próprios. “ Deste modo não é a única actividade económica que faz existir uma classe mas também a sua capacidasde política, porque ela dá uma visibilidade social aos interessados, às vontades e aos valores dum grupo. Esta visibilidade social não pode resultar que do facto de trazer ideias e vontades sobre o terreno político e saíndo de qualquer modo do enterro na sociedade civil. Não se pode ser plenamente ele próprio que tendoa sua própria representação e a sua própria expressão política. Estas não são mais que a capacidade de intervir directamwente e sem intermediário nem representação na vida política. A “capacidade política” não é portanto pensável se não estamos convencidos que os homens têm não somente um direito de agir sobre a sociedade mas que existe uma possibilidade de resultados. Proudhon, desconfiando do Estado, em que a anarquia positiva dava tanto de capacidade à sociedade civil, reabilita aqui um espaço próprio de expressão não somente das ideias mas vontades sobre a sociedade, espaço que é portanto tão pouco que seja o do Estado.
As respostas de Proudhon aos operários que o tinham interrogado em 1863, apresentam o mesmo grau de interesse e de actualidade que a análise que mostra uma classe de homens desapossados da sua identidade social colectiva falta duma verdadeira representação, quer dizer aquela que se exerce por si próprio sem intermediário?
É preciso examinar antes de tudo as condições concretas da capacidade política segundo Proudhon . Possuir a capacidade política não é somente ter “um zelo ardente pela Cidade”. Existe segundo ele três condições essenciais para poder intervir na vida e as orientações da sociedade pois que é a ela que deve visar a capacidade política e não a ser uma simples virtude cívica ou uma moralidade individual républicana…
É necessário que haja uma classe social tendo consciência dela própria; quer dizer que ela deve ser distinta e separada das outras. Proudhon não quer que se veja um pensar de ódio e de antagonismo ou de guerra civil. “A separação que recomendo é a condição mesma da vida. Distinguir-se, definir-se, é ser; o mesmo que confundir-se e se absorver, é perder-se. Fazer cisão, uma cisão legítima, é o único meio que temos de afirmar o nosso direito e como partido político de nos fazer reconhecer”. Poderíamos examinar à luz destes propósitos a questão contemporânea da representação dos desempregados ou a fortiori a dos excluídos ou ainda dos que chamamos o quarto mundo, quer se trate de representação política ou sindical.
A segunda condição é que deve haver uma ideia. Proudhon entende por isso, e num sentido forte, ter a noção da sua própria constituição, ou a noção das leis e das condições da sua existência. Para ele a classe operária possui desde há muito esta “ideia” na mutualidade ou mutualismo.
Por fim é preciso ser capaz de tirar conclusões práticas sobre a organização da sociedade que sejam próprias a esta classe e que permitam eventualmente desenvolver uma nova ordem política.
Para alguns estas condições parecem de bom senso, mas podemos perguntar o que pode ser um século e meio mais tarde. Que transposição é possível? Podemos reencontrar neste fim de século e face ao “fatalismo económico” as condições da capacidade política que Proudhon tinha resgatado no meio do século precedente, quer dizer as condições duma acção na e sobre a sociedade?
Se nos perguntarmos “que classe social?” encontramo-nos sobretudo diante duma vasta classe média central. Pareceria difícil de encontrar o grupo social mobilizador e portador duma capacidade política diferenciada e sobretudo separada das élites políticas suportadas por esta vasta classe média. As mutações do trabalho tiveram consequências sobre a classe operária e sobre o conjunto da sociedade. Será aí que encontraremos o grupo separado e consciente dele próprio que Proudhon ajudou noutra ocasião a tomar consciência dele próprio? O sindicalismo revolucionário que deve tanto a este espírito de “capacidade política” forma ainda este grupo separado?
Se nos perguntarmos “que ideia?”, é preciso lembrarmo-nos que a única expressão do sufrágio universal não chega para Proudhon para a constituir.Interpelando o “Povo soberano”, dizia-lhe à sua maneira assaz directa: “ Sim Majestade, tu és o número e a força, e só tu tens o número e a força donde resulta já que tu possuis um direito que é justo que tu exerças. Mas tu também deves ter uma Ideia, da qual tens um outro direito, superior ao primeiro…Enquanto fores número e força sem ideia, não serás nada. A soberania não te pertençe; os teus candidatos serão desdenhados e tu permanecerás animal de carga.” É portanto importante interrogar sobre a mutualidade hoje, e de examinar as condições sem as quais ela pode constituir um fermento de renovação ou soluções concretas no período actual.
Se nos perguntarmos “que conclusões práticas?”, a ideia de contrato cívico e mais geralmente a cidadania alargada ao mundo económico, ideia já antiga, são uma das vias a explorar. Proudhon sublinhava a relação intíma que existe entre igualdade política e igualdade económica: “Do princípio, incontestável numa sociedade e um Estado democrático, que o direito eleitoral é inerente ao homem e ao cidadão, deduzem consequências, ou se preferirmos, corolários do maior interesse. É antes de tudo que a igualdade política uma vez declarada, posta em prática pelo exercício do sufrágio universal, a tendência da nação é à igualdade económica. Toda a história o confirma: colocar em princípio a desigualdade das fortunas, e a desigualdade política será a consequência;…Que nos lembremos: entre a igualdade ou o direito político, e a igualdade ou o direito económico, existe uma íntima relação, de modo que se um dos dois for negado, o outro não tardará a desaparecer.”
Examinando as soluções de ontem para a crise económica e nomeadamente os ateliers nacionais, simbolo mesmo aos olhos dos liberais deste voluntarismo e esta vontade de organização impotentes e nefasta que eles denunciam ainda no século seguinte sob o nome de “construtivismo”, ou ainda percorendo o que Proudhon podia aconselhar a todos os seus correspondentes, não se trata tanto de encontrar no passado soluções perdidas ou esquecidas. As questões de hoje assinalam---nos talvez problemas radicalmente novos que os que podíamos esperar tratados com o espírito de 48 ou mesmo com o socialismo dos reformadores do meio do décimo nono século. Deste ponto de vista, Proudhon não tem talvez mais soluções concretas para nos dar que os outros.Parece-nos no entanto que a ideia de “capacidade política” guarda uma frescura e uma actualidade permanente. Para além de certos aspectos técnicos que podem estar datados, tem este mérito fundamental de relembrar que para além da existência e da liberdade individual às quais os liberais permanecem mais sensíveis, existe uma existência e uma liberdade colectiva sem as quais a liberdade e a vida individual são elas próprias precárias. É a experiência da classe operária tal como Proudhon em particular a compreendeu e a pôs em prática. A “capacidade política” não é somente uma capacidade cívica que se adiciona a uma capacidade individual como liberais e republicanos poderiam crer. Compromete bem mais que o que há de existência duma classe ou dum grupo de homens, e portanto os membros que a compõem. Esta problemática é perfeitamente contemporânea. Um dos aspectos da crise da sociedade portuguesa diante das modificações do trabalho, a mundialização da economia e as transformações do capitalismo, é bem um problema de “capacidade política” para aqueles que suportam os efeitos destas evoluções. A “capacidade política” é esta capacidade de afirmação de si que permite ainda querer na e sobre a sociedade, compreendida em situações de crise e de destruição do vínculo social.
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