Quando a injustiça se torna lei, a resistência torna-se um dever! I write the verse and I find the rhyme I listen to the rhythm but the heartbeat`s mine. Por trás de uma grande fortuna está um grande crime-Honoré de Balzac. Este blog é a continuação de www.franciscotrindade.com que foi criado em 11/2000.35000 posts em 10 anos. Contacto: franciscotrindade4@gmail.com ACTUALIZADO TODOS OS DIAS ACTUALIZADO TODOS OS DIAS ACTUALIZADO TODOS OS DIAS ACTUALIZADO TODOS OS DIAS ACTUALIZADO TODOS OS DIAS
terça-feira, novembro 30, 2010
Yngwie Malmsteen : Gimme! Gimme! Gimme!
Música para toda a família neste final de noite...
Uma versão pode ser superior ao original?
Pode!Esta versão do guitarrista sueco Yngwie Malmsteen com a voz de Mark Boals da música Gimme! Gimme! Gimme! duma banda pop sueca dos anos 80 provam isso mesmo! É claro que quando Malmsteen começa a solar já estamos a ouvir uma outra coisa...
Trechos do livro "A Desobediência Civil" de Henry Thoreau
“[...] o governo é uma conveniência pela qual os homens conseguem, de bom grado, deixar-se em paz uns aos outros, e, como já se disse, quanto mais conveniente ele for, tanto mais deixará em paz seus governados.”
“Penso que devemos ser homens, em primeiro lugar, e depois súditos. Não é desejável cultivar pela lei o mesmo respeito que cultivamos pelo direito. A única obrigação que tenho o direito de assumir é a de fazer a qualquer tempo aquilo que considero de direito.”
“A grande maioria de homens serve ao Estado desse modo, não como homens propriamente, mas como máquinas, com seus corpos.”
“Estamos acostumados a dizer que a massa dos homens é despreparada, mas o progresso é lento porque a minoria não é substancialmente mais sábia ou melhor do que a maioria.”
“Há novecentos e noventa e nove defensores da virtude para cada homem virtuoso.”
“Vim a este mundo não, principalmente, para fazer dele um bom lugar para se viver, mas para viver nele, seja bom ou mau.”
“[...] não importa quão limitado possa parecer o começo: aquilo que é bem feito uma vez está feito para sempre.”
“Num governo que aprisiona qualquer pessoa injustamente, o verdadeiro lugar de um homem justo é também uma prisão.”
“Deves viver contigo e depender só de ti, sempre arrumado e pronto para partir, e não ter muitos negócios.”
“[...] o Estado nunca enfrenta intencionalmente a consciência intelectual ou moral de um homem, mas apenas seu corpo, seus sentidos. Não está equipado com inteligência ou honestidade superiores, mas com força física superior.”
“Se uma planta não consegue viver de acordo com sua natureza, ela morre, e assim também um homem.”
“Penso que devemos ser homens, em primeiro lugar, e depois súditos. Não é desejável cultivar pela lei o mesmo respeito que cultivamos pelo direito. A única obrigação que tenho o direito de assumir é a de fazer a qualquer tempo aquilo que considero de direito.”
“A grande maioria de homens serve ao Estado desse modo, não como homens propriamente, mas como máquinas, com seus corpos.”
“Estamos acostumados a dizer que a massa dos homens é despreparada, mas o progresso é lento porque a minoria não é substancialmente mais sábia ou melhor do que a maioria.”
“Há novecentos e noventa e nove defensores da virtude para cada homem virtuoso.”
“Vim a este mundo não, principalmente, para fazer dele um bom lugar para se viver, mas para viver nele, seja bom ou mau.”
“[...] não importa quão limitado possa parecer o começo: aquilo que é bem feito uma vez está feito para sempre.”
“Num governo que aprisiona qualquer pessoa injustamente, o verdadeiro lugar de um homem justo é também uma prisão.”
“Deves viver contigo e depender só de ti, sempre arrumado e pronto para partir, e não ter muitos negócios.”
“[...] o Estado nunca enfrenta intencionalmente a consciência intelectual ou moral de um homem, mas apenas seu corpo, seus sentidos. Não está equipado com inteligência ou honestidade superiores, mas com força física superior.”
“Se uma planta não consegue viver de acordo com sua natureza, ela morre, e assim também um homem.”
Pensamento para hoje
Cada religião considera falso o deus de todas as outras e, certamente, nesse ponto, todas têm razão. Nós, ateus, só consideramos falso mais um o que nos leva a pensar que todos somos ateus.
Governo cria nova empresa pública para gerir PPP e grandes obras
Agência para o Investimento Público e Parcerias é uma EPE com três administradores nomeados por três anos.
Numa altura em que Governo e PSD estão a constituir uma equipa conjunta para reavaliar a pertinência das parcerias publico-privadas (PPP) e das grandes obras públicas planeadas, José Sócrates avança com uma nova empresa pública para gerir este tipo de projectos no futuro.
Chama-se Agência para o Investimento Público e Parcerias e, segundo o decreto-lei que está a ser ultimado, funcionará como uma entidade de coordenação de cúpula, agregando os projectos que estão a ser desenvolvidos por cada um dos ministérios.
Comentários: Estes bandidos que nos estão a dar cabo da vida não têm emenda!
Numa altura em que Governo e PSD estão a constituir uma equipa conjunta para reavaliar a pertinência das parcerias publico-privadas (PPP) e das grandes obras públicas planeadas, José Sócrates avança com uma nova empresa pública para gerir este tipo de projectos no futuro.
Chama-se Agência para o Investimento Público e Parcerias e, segundo o decreto-lei que está a ser ultimado, funcionará como uma entidade de coordenação de cúpula, agregando os projectos que estão a ser desenvolvidos por cada um dos ministérios.
Comentários: Estes bandidos que nos estão a dar cabo da vida não têm emenda!
Com embaraço e prestígio
O mundo continua a observar, estarrecido, as revelações vergonhosas feitas pela WikiLeaks sobre as manigâncias dos serviços secretos norte-americanos. O mundo continua a observar, ainda mais atónito, as reacções de naturalidade e pouca surpresa dos visados, o que sugere que é tudo boa gente viciada em excepções à ética e à honestidade. E, entre nós, não se ouve ou lê uma palavra sobre o alegado orgulho nacional, o prestígio rejubilante e toda a série de adjectivações entusiastas dispensada pela corte de comentadores à cimeira que Portugal organizou para receber a comandita de malfeitores que a organização de Julian Assange retratou pela terceira vez. A opinião que se faz em Portugal é livre e completamente descomprometida de embaraços. Está cientificamente comprovado que os papagaios desconhecem o pudor e que a memória das galinhas não alcança mais do que os 3 segundos anteriores. A Cimeira foi há uma eternidade.
IRLANDA: SACRIFÍCIO INÚTIL
Os termos do "salvamento" que o FMI/UE/BCE impôs à Irlanda são muito piores do que tudo o que já foi visto até agora. Até o dinheiro do Fundo de Reserva Nacional de Pensões (NPRF) foi devorado na voragem. Os abutres não perdoaram nem a pensão dos velhinhos! Este salvamento não é do povo irlandês e sim dos banqueiros privados irlandeses.
A manobra decorreu em vários passos: 1) Num autêntico acto de traição nacional o governo irlandês resolveu garantir a dívida dos banqueiros privados irlandeses (os tais que estavam em situação muito saudável segundo o teste de stress feito em Julho pelo BCE); 2) Em consequência, de imediato o défice orçamental irlandês sofreu um aumento brutal, saltando de 11,9% do PIB para 32% do PIB; 3) Diante de tal défice a UE/FMI obrigou o governo irlandês a impor sacrifícios brutais ao seu povo (despedimentos em massa, cortes na educação, saúde, salários e pensões, etc) em troca do dito "salvamento". 4) Ainda assim, cedo ou tarde, a Irlanda (tal como a Grécia e outros países europeus) entrará em incumprimento (default).
Destes tristes episódios podem-se tirar algumas lições: 1) Os sacrifícios que o capital financeiro pede/exige a governos servis como o irlandês, grego, português e outros são inúteis pois não levarão ao aumento das respectivas produções nacionais nem resolverão os problemas económicos subjacentes; 2) Em situações de insolvência mais vale declarar moratória antes de uma ruína total do que persistir inutilmente em pagar dívidas impagáveis; 3) Sacrificar povos no altar do capital financeiro é uma opção e não uma inevitabilidade; 4) Filosoficamente, a resolução de um problema de dívida incobrável pode-se dar tanto em favor dos credores como dos devedores; 5) Historicamente, verifica-se que as classes dominantes sempre optaram pela resolução em favor dos credores e as oprimidas sempre pretenderam o inverso. 6) A capitulação frente às exigências do capital financeiro leva à pauperização dos povos – cabe a estes tomarem o destino nas suas mãos se quiserem salvar-se.
A manobra decorreu em vários passos: 1) Num autêntico acto de traição nacional o governo irlandês resolveu garantir a dívida dos banqueiros privados irlandeses (os tais que estavam em situação muito saudável segundo o teste de stress feito em Julho pelo BCE); 2) Em consequência, de imediato o défice orçamental irlandês sofreu um aumento brutal, saltando de 11,9% do PIB para 32% do PIB; 3) Diante de tal défice a UE/FMI obrigou o governo irlandês a impor sacrifícios brutais ao seu povo (despedimentos em massa, cortes na educação, saúde, salários e pensões, etc) em troca do dito "salvamento". 4) Ainda assim, cedo ou tarde, a Irlanda (tal como a Grécia e outros países europeus) entrará em incumprimento (default).
Destes tristes episódios podem-se tirar algumas lições: 1) Os sacrifícios que o capital financeiro pede/exige a governos servis como o irlandês, grego, português e outros são inúteis pois não levarão ao aumento das respectivas produções nacionais nem resolverão os problemas económicos subjacentes; 2) Em situações de insolvência mais vale declarar moratória antes de uma ruína total do que persistir inutilmente em pagar dívidas impagáveis; 3) Sacrificar povos no altar do capital financeiro é uma opção e não uma inevitabilidade; 4) Filosoficamente, a resolução de um problema de dívida incobrável pode-se dar tanto em favor dos credores como dos devedores; 5) Historicamente, verifica-se que as classes dominantes sempre optaram pela resolução em favor dos credores e as oprimidas sempre pretenderam o inverso. 6) A capitulação frente às exigências do capital financeiro leva à pauperização dos povos – cabe a estes tomarem o destino nas suas mãos se quiserem salvar-se.
O NEGRO E O VERMELHO
PROUDHON: A GUERRA E A PAZ OU A LÓGICA DA FORÇA
O filósofo Alain enunciava em 1912: “Que admirável ambiguidade na noção de Justiça. Isso vem sem dúvida principalmente de que a mesma palavra se emprega para designar a Justiça distributiva e a Justiça recíproca. Ora estas duas funções assemelham-se tão pouco que a primeira encerra a desigualdade e a segunda a igualdade...”
Na primeira há com efeito uma autoridade que “ dá a cada um a parte que lhe pertence”...(Dicionário Robert).
A Justiça recíproca ou “comutativa”, (1) ao contrário é aquela que “consiste na igualdade das coisas trocadas na equivalência das obrigações e dos encargos...” ( Dicionário Robert).
Para Proudhon a raiz da Justiça não é exterior ao indivíduo. O homem não é um sujeito passivo, um receptáculo da Justiça, um submisso perante ela, pelo contrário é o seu produtor. A desigualdade deve-se ao facto de alguns serem produtores de Justiça, os justiceiros, e os outros não sejam mais que justiciáveis.
Mas vai mais longe visto que à intimidade individual, à “espontaneidade” da Justiça, dá um fundamento que extravasa dos simples termos duma permuta igualitária, equivalente mas que suporta no próprio homem, o sujeito, o criador de Justiça.
“...A Justiça... é o respeito espontaneamente experimentado e reciprocamente garantido da dignidade humana em qualquer pessoa e em qualquer circunstância que se encontre comprometida e a qualquer risco que nos exponha a sua defesa...” (Dicionário Robert, art. Justiça).
Além disso introduz na sua definição a hipótese do “risco” a tomar, do eventual conflito no qual a Justiça se encontrará comprometida. Será na acção, em resposta a um golpe à dignidade do outro, que a Justiça vai manifestar-se.
A Justiça é por conseguinte um afecto, um sentimento mas também um juízo íntimo e um combate.
Encerrado na consciência, o respeito da dignidade pelo outro, espelho do seu próprio respeito, afirma-se, constrói-se numa Justiça evidente no conflito.
Estar armado para um tal conflito é uma necessidade. A força física, a força moral são para Proudhon virtudes cardinais. A vontade, a coragem, a valentia, a energia fizeram a história, mais do que a contemporização, a prudência, a resignação ou a fraqueza. Proudhon não gosta nem dos proletários, nem dos escravos a não ser aqueles que com ele estão determinados a mudar o seu destino.
Na “Guerra e Paz”, Proudhon vai portanto ensaiar demonstrar que esta “Força” não é somente uma faculdade indispensável ao homem mas que ela constitui um verdadeiro “direito”. “Só o Direito é Puro”, diz ele, num momento da sua demonstração.
Em 1859 Proudhon, exilado desde o dia 18 de Julho de 1858 em Bruxelas após a sua condenação pela obra “De la Justice”, propunha-se desmascarar os projectos imperiais de guerra na Itália. Esta guerra desenvolver-se-à entre Abril e Julho de 1859.
A brochura não apareceu mas Proudhon condenou vigorosamente a intervenção francesa: “toda esta campanha terá sido um crime, eis a última palavra... Mas fazei compreender isto aos chauvinistas... (Corresp. IX p.112)... O entusiasmo de Solferino e Magenta foi triste de ver... Aplaudiu-se... Os republicanos fizeram como todo o mundo... ( Carnets XI p.572)... A Nação francesa está por debaixo dos acontecimentos; faria falta ainda dez anos de ensino vigoroso como o meu para que aprendesse a raciocinar as coisas a apreciasse os acontecimentos. Hoje, como em 1815, ela está absolutamente sem princípios...”
É somente em Maio de 1861, após certas atribulações, que surge A Guerra e a Paz, em dois grossos volumes, e com o subtítulo Investigações sobre o Princípio e a Constituição do Direito das Pessoas. A sua obra foi entendida pela maior parte dos leitores como uma apologia da guerra. Os seus inimigos ironizaram sobre a sua humildade. No prefácio Proudhon tinha pretendido aceitar a sua derrota, a rejeição pela França das suas ideias sobre o Socialismo e a República: “...Resigno-me ...o vencido pode inscrever-se em falso contra as sentenças da Providência; contra a sua vontade é forçado a inclinar-se perante a soberania das massas... não faço apelo desta condenação. Consinto em guardar silêncio... A sociedade desapossa-nos; pois bem tomo o acto desta evicção...” (Prefácio de A Guerra e a Paz).
Proudhon pretende fazer obra construtiva, sem polémica, comentando simplesmente o Mito de Hércules e concluindo à necessária eliminação da guerra.
Numa carta ao amigo Rolland (3 de Junho de 1861), Proudhon resume deste modo a sua obra e tenta apaziguar a desolação dos seus amigos: “...Todos os meus amigos estão consternados; não compreenderam nada; ou se compreenderam é para desaprovar e lamentarem-se... Tornei-me louco , ou é o mundo que se cretinizou?... De que maneira descemos ao grau de embrutecimento em que nos encontramos? Não se sabe ler melhor que isso? O meu livro pode reduzir-se a um pequeno número de proposições que não cesso de repisar.
1º A Guerra é um facto bem mais psicológico que político e material; é na consciência que é necessário estudar se quisermos compreender qualquer coisa.
2ª Este facto da alma humana permaneceu misterioso devido ao elemento moral que o envolve e que parece estar em contradição com a efusão de sangue que é a forma exterior da guerra.
3º Este elemento moral esquecido, ignorado, negado apesar da sua evidência é o Direito da Força.
4º Da competência, da inteligência deste direito da Força deduzem-se as leis da guerra, leis que fazem da guerra, uma verdadeira instituição judicial, sobre a qual repousa por sua vez o Direito das Pessoas.
5º Infelizmente estas leis, na prática, são constantemente violadas, por consequência da ignorância do legislador, da paixão do Guerreiro, e da influência da Causa Primeira da Guerra que não é outra que o pauperismo e a cobiça.
6º Esta violação das leis da guerra pode ser impedida? Não: a guerra é irreformável.
7º Logo é necessário que a Guerra tenha um fim já que ela não é susceptível de reforma e hoje em dia nós atingimos este fim.
O fim do Militarismo é a missão do décimo nono século sob pena de decadência infinita.”
O resumo duma obra de 544 páginas e que o autor pensava “elucidar” por 130 páginas suplementares tem o mérito de ser suficientemente explícito quanto às intenções de Proudhon.
O estudo deste “facto psicológico” que é a guerra, deste “facto da alma”, este “elemento moral”, inscreve-se na História.
Proudhon escreve en prefácio:”... Os princípios existem sempre. Os princípios são a alma da História. É um axioma da Filosofia moderna que toda a coisa tem a sua Ideia, por conseguinte o seu Princípio e a sua Lei; que todo o facto é adequado a uma ideia; que nada se produz no Universo que não seja expressão duma Ideia... As ideias levam a Humanidade através das revoluções e das catástrofes... Como é que a Guerra não poderia ter razão superior, a sua ideia, o seu princípio, do mesmo modo que o Trabalho e a Liberdade?...”
Parece pois que, segundo Proudhon, visto que a Guerra e a Força têm, na História, a capacidade de talhar as Sociedades e os Indivíduos, visto que elas contribuíram a fundar, a destruir ou a transformar as civilizações, resulta que:
1º Não poderia ser de outro modo, que a “Força das coisas”, a Providência estava em trabalho neste desenvolvimento de forças nas relações entre os homens e até na guerra.
2º Que o desenrolar desta história de afrontamentos guerreiros ia num certo sentido, que é o da civilização, do melhoramento, do Progresso.
3º Isso foi, era inelutável, isso ia no bom sentido. Era “divino”, fora da crítica humana.
Ora o fim prosseguido desde a noite dos tempos ( as 4 épocas da Humanidade: (Cesarismo e Cristianismo) pela Providência não foi alcançado. Este fim, é o reino da Igualdade, é a Reforma económica, é a Justiça. Pertence à quarta época, a época Social da qual Proudhon quer ser a sentinela avançada e que começou com a Revolução, de levar a bem esta tarefa ou cada vez menos retomar o archote. Ora a Guerra é inoperante como meio de atingir o fim; é preciso encontrar outra coisa...
Podemos portanto pensar logo que Proudhon moraliza a Guerra, diviniza a Força e dá-lhes uma espécie de sanção, de auréola jurídica fundada sobre a sua perenidade e a consideração da opinião comum, há menos provocação ou polémica que “metafísica em acção”.
Pelos seus ditirambos sobre o direito da Força, da Guerra, das Pessoas, Proudhon quer sublinhar o carácter vital deste elo no passado da Humanidade e o seu papel necessário para o futuro, para esta nova Época do qual se sente ser o porta voz.
Papel essencial mas evidentemente um papel novo, papel revolucionário! A guerra como manifestação da força teve o seu tempo. É inadequada à Reforma da Economia e da Sociedade, à solução do “Pauperismo”. A Humanidade não o quer mais...
Mas o que chamamos a Paz não se deve compreender como o contrário da Guerra, como incompatível com a Força.
Não pode ser, esta Paz, a não ser que renuncie à vida, que oposição activa, força em movimento, tensão inteligente.
Na Criação da Ordem (cap. V p. 358) Proudhon imagina o fim feliz do “drama revolucionário, cada elemento social estando elaborado e classificado, cada ideia tendo tomado o seu lugar, a História não sendo mais que o registo das observações científicas das formas de Arte e dos progressos da Indústria...”
Então, diz ele, “o movimento das gerações humanas assemelham-se às meditações dum solitário, a civilização tomou o manto da Eternidade!
Sim o tempo virá onde estas agitações políticas, que nos anais passados têm um tão grande lugar serão quase nulos; onde as nações se esgotarão sem ruído, como ombros silenciosos na sua estadia terrestre. O Homem será mais feliz? Não sei...”
Sente-se bem que esta beatitude infinita não é do seu gosto. Está mais satisfeito nas “fases” intermédias da História:
“... Não esquecemos que sobre esta vasta cena, nenhuma fase produz-se sem luta, nenhum progresso se efectua sem violência e que a Força é em último resultado, o único meio de manifestação da Ideia. Poderíamos definir o movimento como uma Resistência vencida...Bichat define a Vida como o conjunto dos fenómenos que triunfam da Morte...”
(Criação da Ordem p. 412)
Na mesma obra ( Criação... p.415) Proudhon calcula que se a Democracia quer ver aumentada os seus direitos políticos, se em vez de um fraccionamento concedido pelo poder quer o “desdobramento”, se ela pretende obter a “democratização” da Banca, a “reunião” dos Seguros ao domínio público, se ela quer o “salário mínimo”, deverá em frente “da resistência dos exploradores” agir com determinação.
Se ela quer “regulamentar a Oficina, civilizar o Mercado, converter em imposto o rendimento do capitalista”, “republicanizar” a propriedade como o dizia Cambon, deverá também usar a força face aos “Princípios do Monopólio, à propriedade anárquica e dissoluta que resiste e resistirá sempre, defendida que é por “plumas vendidas”, apoiadas por uma “multidão desvairada”, sustentada por um “Poder que lhe obedece...”
“...Ainda assim, acrescenta ele, não sejamos nem assustadiços nem surpresos por esta marcha das coisas. Segundo a mitologia antiga toda a potência que muda ou se modifica é uma divindade que morre, um génio que se mata, que é vencido... Como na Sociedade as ideias são os interesses, e os interesses são os homens, é difícil que os homens que reinaram pelos seus interesses e as suas ideias consintam a eclipsar-se e a desaparecer. É preciso vencê-los... O autor dos “ Serões de S. Petersburgo” teria dito, no seu estilo inquisidor: é preciso matá-los. Pois não esperemos que alguma razão os convença; que a evidência do direito, a iminência do perigo lhes faça abrandar a captura; só há para eles vida ou morte moral: só cederão pela Força...”
Na Guerra e Paz escrita vinte anos mais tarde, Proudhon sublinha de novo a importância da luta mesmo se ela não é “armada”.
“... Lutemos portanto (p. 483)... nestas novas batalhas, não temos menos a fazer acto de resolução, de dedicação, de desprezo pela morte e de volúpias; não contaremos menos mortos e feridos... e tudo o que será cobarde, débil, grosseiro, sem valentia de coração nem de espírito não deve menos esperar a sujeição, ao menosprezo e à miséria... O salarato, o pauperismo e a mendicidade, por detrás das desonras esperam o vencido...”
Para um polemista como Proudhon a noção de luta, de guerra, reveste incontestavelmente uma conotação mais positiva que a de paz.
A não ser a vergonha, a paz pode ser sinónimo de preguiça, de inércia. Pode ser “... um meio radical de extinguir o génio” de cada um.
Nas Contradições económicas, 3ª época, A concorrência, p. 219, tomo I, dá o método para “extinguir o génio” individual: “... Libertar o homem de toda a solicitude (interesse), levantar o engodo do benefício, da distinção social criando à volta dele... a paz em todo o lado sempre... Transportai ao Estado a responsabilidade da sua Inércia...”
“ Sim, acrescenta Proudhon, a despeito do quietismo moderno da vida do homem é uma guerra permanente, guerra com a necessidade, a natureza, guerra com os seus semelhantes, por conseguinte guerra com ele mesmo... A teoria duma igualdade pacífica não é mais que uma imitação da doutrina católica da renúncia aos bens e os prazeres deste mundo, o princípio da indigência, o panegírico da miséria...”
Contra esta forma de resignação, de atonia, de apatia, Proudhon sempre se insurgiu com vigor: “...Sejamos fortes ( carta a Chaudey de 23 de Julho de 1861)... Deixemos de ser cobardes... Voltemos a ser homens e seremos livres. Oh! Se houvesse ainda um pouco de espírito em França, isso seria aplaudido... mas gostamos ainda mais de gaguejar a palavra liberdade na nossa humilhação, do que nos levantarmos na nossa energia; e acreditamos que a liberdade e o direito voltarão pela única virtude da ideia... Que degradação!...”
O conceito de força é pois um pivot da sociologia e da moral proudhoniana. Sem a força não há sequer justiça.
“...A Justiça, em si é a balança das antinomias, quer dizer a redução ao equilíbrio das forças em luta, a equação numa palavra das suas pretensões respectivas...” ( carta a Langlois de 30 de Dezembro de 1861).
Quando analisamos entretanto o que resta da Força, não mais enquanto fenómeno natural, mas como “Direito”, uma vez purificada das suas escórias, podemos encontrá-la um pouco anémica. Para fazer direito, a Força deve ser “inteligente”, humana, livre. O direito da força é o mais baixo na escala dos direitos. Pode ser confiscado ou desviado pelos políticos sem vergonha. Do mesmo modo o direito da Guerra é limitado a um desafio, um torneio desportivo de acordo com as regras.
Na verdade Proudhon quis dar mais peso àquilo que chama uma descoberta, uma revelação à qual juristas e legistas que o precederam foram cegos, mas a sua demonstração é laboriosa e às vezes simplista: Se há bem um direito da guerra, se a “guerra é um acto de jurisdição solene”, a “Prova” está “ na opinião de género humano”, o “pensamento geral”, o “sentimento geral”, “o testemunho universal”.
O seu procedimento para “desmistificar o mito guerreiro”, para suprimir à guerra “ o seu carácter divino” aparece, à primeira leitura como demasiada afastada da fria razão, duma lógica científica.
Vimos que para “prender” a guerra à justiça, Proudhon descobre o fundamento moral da força e argumenta sobre a origem da noção de “direito”: “...o direito divide-se em tantas categorias, de cada uma das quais podemos dizer que ela tem o seu centro no poder que o engendra ( Guerra e Paz p. 127)... Ora o homem é “um composto de poderes”; quer ser reconhecido em todas as suas faculdades”, como reconhece os outros nas suas próprias faculdades”.
A Força é uma destas faculdades, destes poderes que engendram os direitos, da mesma maneira que “o trabalho”, a inteligência, o amor, a antiguidade” (p. 127) “... Deste modo a Força é como todas as nossas outras potências, sujeito e objecto, princípio e matéria de direito. Parte constituinte da pessoa humana, ela é uma das mil faces da Justiça... A Força pode tornar-se a este título e à sua volta, o caso a vencer, por uma simples manifestação dela própria Justiceira... Será o mais baixo degrau da Justiça, se quisermos, mas será a Justiça: toda a questão será de fazer intervir a propósito...”
A Força pode revestir formas variadas. Proudhon fez um princípio de nomenclatura com a sua hierarquia. Através destes diversos aspectos da Força ( Génio, Virtude, Paixões, Máquinas, Capitais...), a vitória regressa à associação: “... De todas as Forças... a maior é a Associação que podemos definir como a incarnação da Justiça...”
Enfim, do mesmo modo que enuncia uma série de interdições que fazem da guerra proudhoniana um desafio extremamente honrável e pleno de harmonia entre adversários que se respeitam, do mesmo modo “... as Forças devem no homem e na Sociedade balançar-se, e não aniquilar-se...” Resulta que “... a oposição das forças tem por fim a sua harmonia”... e que “...todo o antagonismo no qual as forças, em vez de se colocarem em equilíbrio, se auto destroem não é mais a Guerra, é uma Subversão, uma Anomalia...”
Nas 544 páginas da sua obra Proudhon só consagra algumas ao estudo do fenómeno da Paz. Já vimos que falta entusiasmo para os tempos futuros sem “agitações políticas”... onde as nações se esgotarão sem ruído como sombras silenciosas”.
Portanto a Guerra e a Paz não se excluem: “... Chamam-se uma à outra, definem-se reciprocamente, completam-se e sustêm-se como os termos inversos mas adequados e inseparáveis duma Antinomia...”
Como a Guerra que “negamos” sem a compreender, esta Paz “ é uma realidade positiva pois a estimamos como o maior dos bens. Como é possível que a ideia que dela fazemos seja puramente negativa como se ela respondesse somente à abstenção de luta, de estrondo, de destruições...”
Esta “ideia que nós fazemos” parece bem ser a ideia pessoal do autor que não vê outra coisa “o sonho da guerra, a preparação para a guerra...” ( Guerra e Paz p.63 e segs.), mesmo se concede, sem desenvolver o seu propósito, que “a paz deve ter a sua acção própria, a sua expressão, a sua vida, a seu movimento, as suas criações particulares.”
A crença dum estado de paz que não seja mais do que letargia e resignação explicam talvez a notável concisão de Proudhon sobre este assunto.
Para qualquer um que “ tem fé na Revolução”, que crê “ numa transformação da guerra”, numa renovação integral das condições da Humanidade, a energia necessária ao êxito desde grande desígnio não se harmoniza com uma concepção “apaziguada” da História.
“... Olho os partidários da paz perpétua como os mais detestáveis dos hipócritas, o flagelo da Civilização, a peste das Sociedades...” ( Guerra e Paz pp. 49-50).
Quando faz falar aqueles que são cépticos sobre as conclusões que avança ( Guerra e Paz p. 408) sobre o fim inelutável da guerra, empresta-lhes certamente argumentos próximos das suas concepções: “... quanto à ideia de paz perpétua, ela é negativa, inorgânica por natureza, sinónima de inércia, de vazio...”
Claro, responde a si próprio” a paz não é o fim do antagonismo, o que quereria dizer o fim do mundo, a paz é o fim do massacre, o fim do consumo improdutivo dos homens e das riquezas...”
Mas as condições que coloca para atingir esta paz são bastante duras: “...É necessário que comecemos por mudar de espírito... que compreendamos o nosso destino terrestre bem marcada pela máxima estóica - Suporta e abstém-te -, enfim que observemos a lei da produção e da repartição condição suprema da igualdade democrática e social.”
“...A Paz, acrescenta, não pode ser... outra coisa que uma manifestação da consciência universal...A Humanidade trabalhadora sozinha é capaz de acabar com a guerra criando o Equilíbrio económico, o que supõe uma revolução radical nas ideias e nos costumes...”
Para alcançar esta paz, no seio duma Sociedade em Guerra e qualquer que seja as formas de antagonismo que agita, não há nenhuma dúvida que as energias não devem afrouxar um único instante, nenhuma dúvida que as “forças” devem estar preparadas, consolidadas para a acção.
No seu discurso razoável sobre a paz, se detalha bem a imensidade dos obstáculos, o polémico Proudhon não encontra os acentos de entusiasmo de regozijo que tinha em falar da pureza da sua guerra: “... A guerra sem ódio nem injúria, entre duas nações ( Guerra e Paz p.151) generosas por uma questão de Estado inevitável e de outra maneira insolúvel, a guerra, como reivindicação do direito da Força, da Soberania que pertence à Força, eis, não me escondo, o que me parece ser o ideal da virtude humana e o cumular do êxtase...”
Compreende-se que os seus amigos se tenham impressionado.
NOTAS
(1) Voyenne, Bernard - Le Fédéralisme de P-J Proudhon, Presses d'Europe, Paris, 1973, Pág.15.
(2) Proudhon - De la Capacité politique des Classes Ouvrières, Marcel Rivière, Paris, Pág.198.
(3) Proudhon - De la Célébration du Dimanche, Marcel Rivière, Paris, Pág.61.
(4) Proudhon - Du Principe Fédératif, Marcel Rivière, Paris, pp.355-356.
(5) Proudhon - Ibidem, Pág. 383.
(6) Proudhon - Ibidem, Pág. 319.
(7) Proudhon - Ibidem, Pág. 352.
(8) Proudhon - Ibidem, Pág. 335.
(9) Proudhon - Ibidem, Pág. 113.
(10)Proudhon - Confessions d'um Révolucionnaire, Marcel Rivière, Paris, Pág. 403.
(11) Principais escritos sobre este assunto: Le Principe Fédératif, naturalmente (1863), La Fédération et l'Unité italienne, (1862), Nouvelles observations sur l'Unité italienne, (1864, publicação póstuma de 1865) e La Capacité politique des classes ouvrières, (1865, última obra de Proudhon publicada postumamente).
(12) "Assim, transportado na esfera política, o que chamamos até ao presente mutualismo ou garantismo toma o nome de federalismo. Numa simples sinonímia é-nos dada a revolução inteira, política e económica."
"Ainsi, transporté dans la sphère politique, ce que nous aurons appelé jusqu'à présent mutuallisme ou garantisme prend le nom de fédéralisme. Dans une simple synonymie nous est donnée la révolution tout entière, politique et économique."
La Capacité Politique des Classes Ouvrières, Paris, ed. Marcel Rinière, p. 198.
(13) Trata-se do Programme révolutionnaire aus électeurs de la Seine.
(14) Sabe-se da importância que deveria ter este tema na Comuna de Paris em 1871.
(15)Ver a este propósito, La Capacité Politique des Classes Ouvrières, ed. Marcel Rivière, p. 285.
(16) O nacionalismo é o pretexto de que eles se servem para evitar a revolução económica:
"Le nationalisme est le prétexte dont ils se servent pour esquiver la révolution économique." De la Justice, 4º estudo, t.II p. 289.
(17)Um grande facto já se produz, saber que a Europa torna-se cada vez mais uma espécie de Estado federal do qual cada nação não é mais que um membro:
"Un grand fait se produit déjà, savoir que l'Europe devient de plus en plus una sorte d'État fédéral dont chaque nation n'est plus qu'un membre."
Carta a C. Edmond, 19 de Dezembro de 1851, Correspondência, t.VI p. 154.
(18)La Capacité Politique des Classes Ouvrières, p. 212.
(19) A ordem política repousa fundamentalmente em dois princípios contrários, a Autoridade e a Liberdade.
"L'ordre politique repose fondamentalement sur deux principes contraires, l'Autorité et la Liberté."
Do princípio Federativo, ver p. 12.?
(20) Ver La Capacité Politique des Classes Ouvrières, p. 198.
(21) Numa sociedade livre, o papel do Estado ou do governo é por excelência um papel legislativo, de instituição, de criação, inauguração, de instalação; - é, o menos possível, um papel executivo:
"Dans une société libre, le rôle de l'État ou gouvernement est, par excellence, un rôle de législation, d'institution, de création, d'inauguration, d'installation; - c'est, le moins possible, un rôle d'exécution".
Do princípio Federativo
(22 ) A propósito deste conceito veja-se o cap. VII do livro Do Princípio Federativo de Proudhon com uma tradução portuguesa das Edições Colibri, 1996. Possui comentário e notas críticas.
O filósofo Alain enunciava em 1912: “Que admirável ambiguidade na noção de Justiça. Isso vem sem dúvida principalmente de que a mesma palavra se emprega para designar a Justiça distributiva e a Justiça recíproca. Ora estas duas funções assemelham-se tão pouco que a primeira encerra a desigualdade e a segunda a igualdade...”
Na primeira há com efeito uma autoridade que “ dá a cada um a parte que lhe pertence”...(Dicionário Robert).
A Justiça recíproca ou “comutativa”, (1) ao contrário é aquela que “consiste na igualdade das coisas trocadas na equivalência das obrigações e dos encargos...” ( Dicionário Robert).
Para Proudhon a raiz da Justiça não é exterior ao indivíduo. O homem não é um sujeito passivo, um receptáculo da Justiça, um submisso perante ela, pelo contrário é o seu produtor. A desigualdade deve-se ao facto de alguns serem produtores de Justiça, os justiceiros, e os outros não sejam mais que justiciáveis.
Mas vai mais longe visto que à intimidade individual, à “espontaneidade” da Justiça, dá um fundamento que extravasa dos simples termos duma permuta igualitária, equivalente mas que suporta no próprio homem, o sujeito, o criador de Justiça.
“...A Justiça... é o respeito espontaneamente experimentado e reciprocamente garantido da dignidade humana em qualquer pessoa e em qualquer circunstância que se encontre comprometida e a qualquer risco que nos exponha a sua defesa...” (Dicionário Robert, art. Justiça).
Além disso introduz na sua definição a hipótese do “risco” a tomar, do eventual conflito no qual a Justiça se encontrará comprometida. Será na acção, em resposta a um golpe à dignidade do outro, que a Justiça vai manifestar-se.
A Justiça é por conseguinte um afecto, um sentimento mas também um juízo íntimo e um combate.
Encerrado na consciência, o respeito da dignidade pelo outro, espelho do seu próprio respeito, afirma-se, constrói-se numa Justiça evidente no conflito.
Estar armado para um tal conflito é uma necessidade. A força física, a força moral são para Proudhon virtudes cardinais. A vontade, a coragem, a valentia, a energia fizeram a história, mais do que a contemporização, a prudência, a resignação ou a fraqueza. Proudhon não gosta nem dos proletários, nem dos escravos a não ser aqueles que com ele estão determinados a mudar o seu destino.
Na “Guerra e Paz”, Proudhon vai portanto ensaiar demonstrar que esta “Força” não é somente uma faculdade indispensável ao homem mas que ela constitui um verdadeiro “direito”. “Só o Direito é Puro”, diz ele, num momento da sua demonstração.
Em 1859 Proudhon, exilado desde o dia 18 de Julho de 1858 em Bruxelas após a sua condenação pela obra “De la Justice”, propunha-se desmascarar os projectos imperiais de guerra na Itália. Esta guerra desenvolver-se-à entre Abril e Julho de 1859.
A brochura não apareceu mas Proudhon condenou vigorosamente a intervenção francesa: “toda esta campanha terá sido um crime, eis a última palavra... Mas fazei compreender isto aos chauvinistas... (Corresp. IX p.112)... O entusiasmo de Solferino e Magenta foi triste de ver... Aplaudiu-se... Os republicanos fizeram como todo o mundo... ( Carnets XI p.572)... A Nação francesa está por debaixo dos acontecimentos; faria falta ainda dez anos de ensino vigoroso como o meu para que aprendesse a raciocinar as coisas a apreciasse os acontecimentos. Hoje, como em 1815, ela está absolutamente sem princípios...”
É somente em Maio de 1861, após certas atribulações, que surge A Guerra e a Paz, em dois grossos volumes, e com o subtítulo Investigações sobre o Princípio e a Constituição do Direito das Pessoas. A sua obra foi entendida pela maior parte dos leitores como uma apologia da guerra. Os seus inimigos ironizaram sobre a sua humildade. No prefácio Proudhon tinha pretendido aceitar a sua derrota, a rejeição pela França das suas ideias sobre o Socialismo e a República: “...Resigno-me ...o vencido pode inscrever-se em falso contra as sentenças da Providência; contra a sua vontade é forçado a inclinar-se perante a soberania das massas... não faço apelo desta condenação. Consinto em guardar silêncio... A sociedade desapossa-nos; pois bem tomo o acto desta evicção...” (Prefácio de A Guerra e a Paz).
Proudhon pretende fazer obra construtiva, sem polémica, comentando simplesmente o Mito de Hércules e concluindo à necessária eliminação da guerra.
Numa carta ao amigo Rolland (3 de Junho de 1861), Proudhon resume deste modo a sua obra e tenta apaziguar a desolação dos seus amigos: “...Todos os meus amigos estão consternados; não compreenderam nada; ou se compreenderam é para desaprovar e lamentarem-se... Tornei-me louco , ou é o mundo que se cretinizou?... De que maneira descemos ao grau de embrutecimento em que nos encontramos? Não se sabe ler melhor que isso? O meu livro pode reduzir-se a um pequeno número de proposições que não cesso de repisar.
1º A Guerra é um facto bem mais psicológico que político e material; é na consciência que é necessário estudar se quisermos compreender qualquer coisa.
2ª Este facto da alma humana permaneceu misterioso devido ao elemento moral que o envolve e que parece estar em contradição com a efusão de sangue que é a forma exterior da guerra.
3º Este elemento moral esquecido, ignorado, negado apesar da sua evidência é o Direito da Força.
4º Da competência, da inteligência deste direito da Força deduzem-se as leis da guerra, leis que fazem da guerra, uma verdadeira instituição judicial, sobre a qual repousa por sua vez o Direito das Pessoas.
5º Infelizmente estas leis, na prática, são constantemente violadas, por consequência da ignorância do legislador, da paixão do Guerreiro, e da influência da Causa Primeira da Guerra que não é outra que o pauperismo e a cobiça.
6º Esta violação das leis da guerra pode ser impedida? Não: a guerra é irreformável.
7º Logo é necessário que a Guerra tenha um fim já que ela não é susceptível de reforma e hoje em dia nós atingimos este fim.
O fim do Militarismo é a missão do décimo nono século sob pena de decadência infinita.”
O resumo duma obra de 544 páginas e que o autor pensava “elucidar” por 130 páginas suplementares tem o mérito de ser suficientemente explícito quanto às intenções de Proudhon.
O estudo deste “facto psicológico” que é a guerra, deste “facto da alma”, este “elemento moral”, inscreve-se na História.
Proudhon escreve en prefácio:”... Os princípios existem sempre. Os princípios são a alma da História. É um axioma da Filosofia moderna que toda a coisa tem a sua Ideia, por conseguinte o seu Princípio e a sua Lei; que todo o facto é adequado a uma ideia; que nada se produz no Universo que não seja expressão duma Ideia... As ideias levam a Humanidade através das revoluções e das catástrofes... Como é que a Guerra não poderia ter razão superior, a sua ideia, o seu princípio, do mesmo modo que o Trabalho e a Liberdade?...”
Parece pois que, segundo Proudhon, visto que a Guerra e a Força têm, na História, a capacidade de talhar as Sociedades e os Indivíduos, visto que elas contribuíram a fundar, a destruir ou a transformar as civilizações, resulta que:
1º Não poderia ser de outro modo, que a “Força das coisas”, a Providência estava em trabalho neste desenvolvimento de forças nas relações entre os homens e até na guerra.
2º Que o desenrolar desta história de afrontamentos guerreiros ia num certo sentido, que é o da civilização, do melhoramento, do Progresso.
3º Isso foi, era inelutável, isso ia no bom sentido. Era “divino”, fora da crítica humana.
Ora o fim prosseguido desde a noite dos tempos ( as 4 épocas da Humanidade: (Cesarismo e Cristianismo) pela Providência não foi alcançado. Este fim, é o reino da Igualdade, é a Reforma económica, é a Justiça. Pertence à quarta época, a época Social da qual Proudhon quer ser a sentinela avançada e que começou com a Revolução, de levar a bem esta tarefa ou cada vez menos retomar o archote. Ora a Guerra é inoperante como meio de atingir o fim; é preciso encontrar outra coisa...
Podemos portanto pensar logo que Proudhon moraliza a Guerra, diviniza a Força e dá-lhes uma espécie de sanção, de auréola jurídica fundada sobre a sua perenidade e a consideração da opinião comum, há menos provocação ou polémica que “metafísica em acção”.
Pelos seus ditirambos sobre o direito da Força, da Guerra, das Pessoas, Proudhon quer sublinhar o carácter vital deste elo no passado da Humanidade e o seu papel necessário para o futuro, para esta nova Época do qual se sente ser o porta voz.
Papel essencial mas evidentemente um papel novo, papel revolucionário! A guerra como manifestação da força teve o seu tempo. É inadequada à Reforma da Economia e da Sociedade, à solução do “Pauperismo”. A Humanidade não o quer mais...
Mas o que chamamos a Paz não se deve compreender como o contrário da Guerra, como incompatível com a Força.
Não pode ser, esta Paz, a não ser que renuncie à vida, que oposição activa, força em movimento, tensão inteligente.
Na Criação da Ordem (cap. V p. 358) Proudhon imagina o fim feliz do “drama revolucionário, cada elemento social estando elaborado e classificado, cada ideia tendo tomado o seu lugar, a História não sendo mais que o registo das observações científicas das formas de Arte e dos progressos da Indústria...”
Então, diz ele, “o movimento das gerações humanas assemelham-se às meditações dum solitário, a civilização tomou o manto da Eternidade!
Sim o tempo virá onde estas agitações políticas, que nos anais passados têm um tão grande lugar serão quase nulos; onde as nações se esgotarão sem ruído, como ombros silenciosos na sua estadia terrestre. O Homem será mais feliz? Não sei...”
Sente-se bem que esta beatitude infinita não é do seu gosto. Está mais satisfeito nas “fases” intermédias da História:
“... Não esquecemos que sobre esta vasta cena, nenhuma fase produz-se sem luta, nenhum progresso se efectua sem violência e que a Força é em último resultado, o único meio de manifestação da Ideia. Poderíamos definir o movimento como uma Resistência vencida...Bichat define a Vida como o conjunto dos fenómenos que triunfam da Morte...”
(Criação da Ordem p. 412)
Na mesma obra ( Criação... p.415) Proudhon calcula que se a Democracia quer ver aumentada os seus direitos políticos, se em vez de um fraccionamento concedido pelo poder quer o “desdobramento”, se ela pretende obter a “democratização” da Banca, a “reunião” dos Seguros ao domínio público, se ela quer o “salário mínimo”, deverá em frente “da resistência dos exploradores” agir com determinação.
Se ela quer “regulamentar a Oficina, civilizar o Mercado, converter em imposto o rendimento do capitalista”, “republicanizar” a propriedade como o dizia Cambon, deverá também usar a força face aos “Princípios do Monopólio, à propriedade anárquica e dissoluta que resiste e resistirá sempre, defendida que é por “plumas vendidas”, apoiadas por uma “multidão desvairada”, sustentada por um “Poder que lhe obedece...”
“...Ainda assim, acrescenta ele, não sejamos nem assustadiços nem surpresos por esta marcha das coisas. Segundo a mitologia antiga toda a potência que muda ou se modifica é uma divindade que morre, um génio que se mata, que é vencido... Como na Sociedade as ideias são os interesses, e os interesses são os homens, é difícil que os homens que reinaram pelos seus interesses e as suas ideias consintam a eclipsar-se e a desaparecer. É preciso vencê-los... O autor dos “ Serões de S. Petersburgo” teria dito, no seu estilo inquisidor: é preciso matá-los. Pois não esperemos que alguma razão os convença; que a evidência do direito, a iminência do perigo lhes faça abrandar a captura; só há para eles vida ou morte moral: só cederão pela Força...”
Na Guerra e Paz escrita vinte anos mais tarde, Proudhon sublinha de novo a importância da luta mesmo se ela não é “armada”.
“... Lutemos portanto (p. 483)... nestas novas batalhas, não temos menos a fazer acto de resolução, de dedicação, de desprezo pela morte e de volúpias; não contaremos menos mortos e feridos... e tudo o que será cobarde, débil, grosseiro, sem valentia de coração nem de espírito não deve menos esperar a sujeição, ao menosprezo e à miséria... O salarato, o pauperismo e a mendicidade, por detrás das desonras esperam o vencido...”
Para um polemista como Proudhon a noção de luta, de guerra, reveste incontestavelmente uma conotação mais positiva que a de paz.
A não ser a vergonha, a paz pode ser sinónimo de preguiça, de inércia. Pode ser “... um meio radical de extinguir o génio” de cada um.
Nas Contradições económicas, 3ª época, A concorrência, p. 219, tomo I, dá o método para “extinguir o génio” individual: “... Libertar o homem de toda a solicitude (interesse), levantar o engodo do benefício, da distinção social criando à volta dele... a paz em todo o lado sempre... Transportai ao Estado a responsabilidade da sua Inércia...”
“ Sim, acrescenta Proudhon, a despeito do quietismo moderno da vida do homem é uma guerra permanente, guerra com a necessidade, a natureza, guerra com os seus semelhantes, por conseguinte guerra com ele mesmo... A teoria duma igualdade pacífica não é mais que uma imitação da doutrina católica da renúncia aos bens e os prazeres deste mundo, o princípio da indigência, o panegírico da miséria...”
Contra esta forma de resignação, de atonia, de apatia, Proudhon sempre se insurgiu com vigor: “...Sejamos fortes ( carta a Chaudey de 23 de Julho de 1861)... Deixemos de ser cobardes... Voltemos a ser homens e seremos livres. Oh! Se houvesse ainda um pouco de espírito em França, isso seria aplaudido... mas gostamos ainda mais de gaguejar a palavra liberdade na nossa humilhação, do que nos levantarmos na nossa energia; e acreditamos que a liberdade e o direito voltarão pela única virtude da ideia... Que degradação!...”
O conceito de força é pois um pivot da sociologia e da moral proudhoniana. Sem a força não há sequer justiça.
“...A Justiça, em si é a balança das antinomias, quer dizer a redução ao equilíbrio das forças em luta, a equação numa palavra das suas pretensões respectivas...” ( carta a Langlois de 30 de Dezembro de 1861).
Quando analisamos entretanto o que resta da Força, não mais enquanto fenómeno natural, mas como “Direito”, uma vez purificada das suas escórias, podemos encontrá-la um pouco anémica. Para fazer direito, a Força deve ser “inteligente”, humana, livre. O direito da força é o mais baixo na escala dos direitos. Pode ser confiscado ou desviado pelos políticos sem vergonha. Do mesmo modo o direito da Guerra é limitado a um desafio, um torneio desportivo de acordo com as regras.
Na verdade Proudhon quis dar mais peso àquilo que chama uma descoberta, uma revelação à qual juristas e legistas que o precederam foram cegos, mas a sua demonstração é laboriosa e às vezes simplista: Se há bem um direito da guerra, se a “guerra é um acto de jurisdição solene”, a “Prova” está “ na opinião de género humano”, o “pensamento geral”, o “sentimento geral”, “o testemunho universal”.
O seu procedimento para “desmistificar o mito guerreiro”, para suprimir à guerra “ o seu carácter divino” aparece, à primeira leitura como demasiada afastada da fria razão, duma lógica científica.
Vimos que para “prender” a guerra à justiça, Proudhon descobre o fundamento moral da força e argumenta sobre a origem da noção de “direito”: “...o direito divide-se em tantas categorias, de cada uma das quais podemos dizer que ela tem o seu centro no poder que o engendra ( Guerra e Paz p. 127)... Ora o homem é “um composto de poderes”; quer ser reconhecido em todas as suas faculdades”, como reconhece os outros nas suas próprias faculdades”.
A Força é uma destas faculdades, destes poderes que engendram os direitos, da mesma maneira que “o trabalho”, a inteligência, o amor, a antiguidade” (p. 127) “... Deste modo a Força é como todas as nossas outras potências, sujeito e objecto, princípio e matéria de direito. Parte constituinte da pessoa humana, ela é uma das mil faces da Justiça... A Força pode tornar-se a este título e à sua volta, o caso a vencer, por uma simples manifestação dela própria Justiceira... Será o mais baixo degrau da Justiça, se quisermos, mas será a Justiça: toda a questão será de fazer intervir a propósito...”
A Força pode revestir formas variadas. Proudhon fez um princípio de nomenclatura com a sua hierarquia. Através destes diversos aspectos da Força ( Génio, Virtude, Paixões, Máquinas, Capitais...), a vitória regressa à associação: “... De todas as Forças... a maior é a Associação que podemos definir como a incarnação da Justiça...”
Enfim, do mesmo modo que enuncia uma série de interdições que fazem da guerra proudhoniana um desafio extremamente honrável e pleno de harmonia entre adversários que se respeitam, do mesmo modo “... as Forças devem no homem e na Sociedade balançar-se, e não aniquilar-se...” Resulta que “... a oposição das forças tem por fim a sua harmonia”... e que “...todo o antagonismo no qual as forças, em vez de se colocarem em equilíbrio, se auto destroem não é mais a Guerra, é uma Subversão, uma Anomalia...”
Nas 544 páginas da sua obra Proudhon só consagra algumas ao estudo do fenómeno da Paz. Já vimos que falta entusiasmo para os tempos futuros sem “agitações políticas”... onde as nações se esgotarão sem ruído como sombras silenciosas”.
Portanto a Guerra e a Paz não se excluem: “... Chamam-se uma à outra, definem-se reciprocamente, completam-se e sustêm-se como os termos inversos mas adequados e inseparáveis duma Antinomia...”
Como a Guerra que “negamos” sem a compreender, esta Paz “ é uma realidade positiva pois a estimamos como o maior dos bens. Como é possível que a ideia que dela fazemos seja puramente negativa como se ela respondesse somente à abstenção de luta, de estrondo, de destruições...”
Esta “ideia que nós fazemos” parece bem ser a ideia pessoal do autor que não vê outra coisa “o sonho da guerra, a preparação para a guerra...” ( Guerra e Paz p.63 e segs.), mesmo se concede, sem desenvolver o seu propósito, que “a paz deve ter a sua acção própria, a sua expressão, a sua vida, a seu movimento, as suas criações particulares.”
A crença dum estado de paz que não seja mais do que letargia e resignação explicam talvez a notável concisão de Proudhon sobre este assunto.
Para qualquer um que “ tem fé na Revolução”, que crê “ numa transformação da guerra”, numa renovação integral das condições da Humanidade, a energia necessária ao êxito desde grande desígnio não se harmoniza com uma concepção “apaziguada” da História.
“... Olho os partidários da paz perpétua como os mais detestáveis dos hipócritas, o flagelo da Civilização, a peste das Sociedades...” ( Guerra e Paz pp. 49-50).
Quando faz falar aqueles que são cépticos sobre as conclusões que avança ( Guerra e Paz p. 408) sobre o fim inelutável da guerra, empresta-lhes certamente argumentos próximos das suas concepções: “... quanto à ideia de paz perpétua, ela é negativa, inorgânica por natureza, sinónima de inércia, de vazio...”
Claro, responde a si próprio” a paz não é o fim do antagonismo, o que quereria dizer o fim do mundo, a paz é o fim do massacre, o fim do consumo improdutivo dos homens e das riquezas...”
Mas as condições que coloca para atingir esta paz são bastante duras: “...É necessário que comecemos por mudar de espírito... que compreendamos o nosso destino terrestre bem marcada pela máxima estóica - Suporta e abstém-te -, enfim que observemos a lei da produção e da repartição condição suprema da igualdade democrática e social.”
“...A Paz, acrescenta, não pode ser... outra coisa que uma manifestação da consciência universal...A Humanidade trabalhadora sozinha é capaz de acabar com a guerra criando o Equilíbrio económico, o que supõe uma revolução radical nas ideias e nos costumes...”
Para alcançar esta paz, no seio duma Sociedade em Guerra e qualquer que seja as formas de antagonismo que agita, não há nenhuma dúvida que as energias não devem afrouxar um único instante, nenhuma dúvida que as “forças” devem estar preparadas, consolidadas para a acção.
No seu discurso razoável sobre a paz, se detalha bem a imensidade dos obstáculos, o polémico Proudhon não encontra os acentos de entusiasmo de regozijo que tinha em falar da pureza da sua guerra: “... A guerra sem ódio nem injúria, entre duas nações ( Guerra e Paz p.151) generosas por uma questão de Estado inevitável e de outra maneira insolúvel, a guerra, como reivindicação do direito da Força, da Soberania que pertence à Força, eis, não me escondo, o que me parece ser o ideal da virtude humana e o cumular do êxtase...”
Compreende-se que os seus amigos se tenham impressionado.
NOTAS
(1) Voyenne, Bernard - Le Fédéralisme de P-J Proudhon, Presses d'Europe, Paris, 1973, Pág.15.
(2) Proudhon - De la Capacité politique des Classes Ouvrières, Marcel Rivière, Paris, Pág.198.
(3) Proudhon - De la Célébration du Dimanche, Marcel Rivière, Paris, Pág.61.
(4) Proudhon - Du Principe Fédératif, Marcel Rivière, Paris, pp.355-356.
(5) Proudhon - Ibidem, Pág. 383.
(6) Proudhon - Ibidem, Pág. 319.
(7) Proudhon - Ibidem, Pág. 352.
(8) Proudhon - Ibidem, Pág. 335.
(9) Proudhon - Ibidem, Pág. 113.
(10)Proudhon - Confessions d'um Révolucionnaire, Marcel Rivière, Paris, Pág. 403.
(11) Principais escritos sobre este assunto: Le Principe Fédératif, naturalmente (1863), La Fédération et l'Unité italienne, (1862), Nouvelles observations sur l'Unité italienne, (1864, publicação póstuma de 1865) e La Capacité politique des classes ouvrières, (1865, última obra de Proudhon publicada postumamente).
(12) "Assim, transportado na esfera política, o que chamamos até ao presente mutualismo ou garantismo toma o nome de federalismo. Numa simples sinonímia é-nos dada a revolução inteira, política e económica."
"Ainsi, transporté dans la sphère politique, ce que nous aurons appelé jusqu'à présent mutuallisme ou garantisme prend le nom de fédéralisme. Dans une simple synonymie nous est donnée la révolution tout entière, politique et économique."
La Capacité Politique des Classes Ouvrières, Paris, ed. Marcel Rinière, p. 198.
(13) Trata-se do Programme révolutionnaire aus électeurs de la Seine.
(14) Sabe-se da importância que deveria ter este tema na Comuna de Paris em 1871.
(15)Ver a este propósito, La Capacité Politique des Classes Ouvrières, ed. Marcel Rivière, p. 285.
(16) O nacionalismo é o pretexto de que eles se servem para evitar a revolução económica:
"Le nationalisme est le prétexte dont ils se servent pour esquiver la révolution économique." De la Justice, 4º estudo, t.II p. 289.
(17)Um grande facto já se produz, saber que a Europa torna-se cada vez mais uma espécie de Estado federal do qual cada nação não é mais que um membro:
"Un grand fait se produit déjà, savoir que l'Europe devient de plus en plus una sorte d'État fédéral dont chaque nation n'est plus qu'un membre."
Carta a C. Edmond, 19 de Dezembro de 1851, Correspondência, t.VI p. 154.
(18)La Capacité Politique des Classes Ouvrières, p. 212.
(19) A ordem política repousa fundamentalmente em dois princípios contrários, a Autoridade e a Liberdade.
"L'ordre politique repose fondamentalement sur deux principes contraires, l'Autorité et la Liberté."
Do princípio Federativo, ver p. 12.?
(20) Ver La Capacité Politique des Classes Ouvrières, p. 198.
(21) Numa sociedade livre, o papel do Estado ou do governo é por excelência um papel legislativo, de instituição, de criação, inauguração, de instalação; - é, o menos possível, um papel executivo:
"Dans une société libre, le rôle de l'État ou gouvernement est, par excellence, un rôle de législation, d'institution, de création, d'inauguration, d'installation; - c'est, le moins possible, un rôle d'exécution".
Do princípio Federativo
(22 ) A propósito deste conceito veja-se o cap. VII do livro Do Princípio Federativo de Proudhon com uma tradução portuguesa das Edições Colibri, 1996. Possui comentário e notas críticas.
segunda-feira, novembro 29, 2010
Modelos incompatíveis
A minha opinião de que não é consistente defender a teoria da evolução e, ao mesmo tempo, que Deus nos criou de propósito, suscitou a objecção de que Deus poderia ter feito tudo propositadamente de forma a parecer que evoluímos. Pode ser. Se Deus é omnipotente até pode ter criado o universo a semana passada, pondo nos nossos cérebros todas as memórias de um passado ilusório. Mas o problema permanece porque as hipóteses são incompatíveis. Se defendemos que tudo foi feito propositadamente mesmo que não pareça, então estamos a rejeitar a hipótese da evolução por processos naturais sem propósito.
Treta da semana: telepadres
No Encontro Nacional da Pastoral da Saúde, em Fátima, a ministra da saúde disse que «é preciso garantir a assistência espiritual nos tratamentos de saúde prestados em casa dos doentes». O plano parece ser expandir o contingente eclesiástico que, pago pelo Estado, já há tempos prega nos hospitais públicos. Agora querem fundos adicionais para prestar este serviço ao domicílio.
A dimensão da recessão económica futura e a urgência de uma política de crescimento económico que faça Portugal sair do caminho para o abismo
Um estudo recente do próprio FMI, publicado este ano, veio confirmar as consequências graves de uma consolidação orçamental tão grande (4,6% do PIB), feita num período tão curto (apenas 2 anos), e em condições tão desvantajosas para Portugal como é aquela que o governo, com apoio do PSD, pretende fazer. As consequências são tão nefastas para os portugueses e para o futuro do País, que alterar rapidamente essa politica é uma exigência sentida pela maioria dos portugueses, como mostrou a dimensão da adesão à greve geral.
Segundo esse estudo do FMI, "em dois anos, uma consolidação fiscal equivalente a 1% do PIB tende a reduzir o PIB em aproximadamente 0,5%, aumenta o desemprego em cerca de 0,3%, e reduz a procura interna (consumo e investimento) em aproximadamente 1%".
E esta redução de apenas 0,5% no PIB por cada diminuição do défice orçamental em 1% do PIB só se verifica em condições vantajosas, ou seja, quando o país pode alterar a taxa de câmbio, desvalorizando a moeda para assim aumentar as exportações (o que Portugal não pode fazer, pois tal poder já passou para o BCE); quando o país faz a consolidação orçamental numa altura diferente daquela em que os seus principais parceiros também a realizam (e Portugal está a fazer a consolidação orçamental numa altura em que os seus principais parceiros comerciais para onde exporta mais, como é o caso de Espanha, França, Alemanha e Itália, estão também a fazer); e quando um país pode baixar as taxas de juro para estimular a actividade económica (e Portugal também não pode fazer, já que as taxas de juro internas são condicionadas pela taxa de juro fixada pelo BCE, a que se junta crescentes dificuldades na concessão de crédito às empresas e às famílias). Quando essas condições não se verificam, as consequências para o país que faz a consolidação orçamental são ainda mais nefastas de acordo com o estudo do próprio FMI.
Segundo o mesmo estudo do FMI, se o país não puder desvalorizar a moeda para aumentar as exportações, " o custo da consolidação fiscal sobre o produto será aproximadamente o dobro, com uma quebra no PIB de 1% no lugar de 0,5% ". E "" quando o resto do mundo faz uma consolidação fiscal ao mesmo tempo, o custo para o Canadá (que foi o país cuja consolidação orçamental foi estudada pelo FMI) em termos do PIB duplica e alcança 2%". E o governo de Sócrates, com o apoio do PSD, pretende fazer uma consolidação orçamental não apenas de 1%, mas sim de 4,7% do PIB em apenas dois anos, a que seguirá ainda uma outra de 1,8% do PIB logo no ano seguinte. A recessão económica será inevitável (entre -2% e -3% já em 2011), e sem crescimento económico os "mercados" continuarão com a chantagem sobre Portugal. Só o governo e os defensores da sua politica é que não conseguem prever isso .
Uma alternativa a esta politica de redução do défice num período tão curto e numa percentagem tão elevada, teria necessariamente de assentar, a nosso ver, numa politica que conjugasse a redução sustentada e gradual do défice do orçamento e do endividamento externo, que é um problema muito mais grave do que o défice, com uma politica também sustentada de crescimento económico equilibrado. E isso pressupõe um período mais longo para fazer a consolidação orçamental, uma utilização dos escassos recursos do País em investimentos produtivos e criadores de emprego — nomeadamente na agricultura e indústria e não em TGV e auto-estradas; no apoio a empresas exportadoras inovadoras ou que substituam importações; numa repartição mais justa dos rendimentos e dos sacrifícios, o que pressupõe que se acabe com os enormes privilégios fiscais que continuam a gozar os grupos económicos, de que são exemplos a isenção do imposto de mais valias de cerca de 70% das transacções bolsistas, assim como a isenção que gozam os dividendos distribuídos pelas grandes empresas a operar em Portugal desde que o beneficiário seja uma empresa com residência em outro país da UE (incluindo as constituídas por portugueses) e que possua pelo menos 10% da empresa em Portugal (objectivo: beneficiar os grandes accionistas). Segundo o Relatório do OE2011, o governo prevê perder, só em 2011, 1.370 milhões € de receita fiscal resultante de benefícios fiscais concedidos a empresas (no período 2005/2011, são 12.263 milhões €), e uma grande parte (como os resultantes das isenções de mais-valias e de lucros distribuídos que não são tributados), não são contabilizados.
Segundo esse estudo do FMI, "em dois anos, uma consolidação fiscal equivalente a 1% do PIB tende a reduzir o PIB em aproximadamente 0,5%, aumenta o desemprego em cerca de 0,3%, e reduz a procura interna (consumo e investimento) em aproximadamente 1%".
E esta redução de apenas 0,5% no PIB por cada diminuição do défice orçamental em 1% do PIB só se verifica em condições vantajosas, ou seja, quando o país pode alterar a taxa de câmbio, desvalorizando a moeda para assim aumentar as exportações (o que Portugal não pode fazer, pois tal poder já passou para o BCE); quando o país faz a consolidação orçamental numa altura diferente daquela em que os seus principais parceiros também a realizam (e Portugal está a fazer a consolidação orçamental numa altura em que os seus principais parceiros comerciais para onde exporta mais, como é o caso de Espanha, França, Alemanha e Itália, estão também a fazer); e quando um país pode baixar as taxas de juro para estimular a actividade económica (e Portugal também não pode fazer, já que as taxas de juro internas são condicionadas pela taxa de juro fixada pelo BCE, a que se junta crescentes dificuldades na concessão de crédito às empresas e às famílias). Quando essas condições não se verificam, as consequências para o país que faz a consolidação orçamental são ainda mais nefastas de acordo com o estudo do próprio FMI.
Segundo o mesmo estudo do FMI, se o país não puder desvalorizar a moeda para aumentar as exportações, " o custo da consolidação fiscal sobre o produto será aproximadamente o dobro, com uma quebra no PIB de 1% no lugar de 0,5% ". E "" quando o resto do mundo faz uma consolidação fiscal ao mesmo tempo, o custo para o Canadá (que foi o país cuja consolidação orçamental foi estudada pelo FMI) em termos do PIB duplica e alcança 2%". E o governo de Sócrates, com o apoio do PSD, pretende fazer uma consolidação orçamental não apenas de 1%, mas sim de 4,7% do PIB em apenas dois anos, a que seguirá ainda uma outra de 1,8% do PIB logo no ano seguinte. A recessão económica será inevitável (entre -2% e -3% já em 2011), e sem crescimento económico os "mercados" continuarão com a chantagem sobre Portugal. Só o governo e os defensores da sua politica é que não conseguem prever isso .
Uma alternativa a esta politica de redução do défice num período tão curto e numa percentagem tão elevada, teria necessariamente de assentar, a nosso ver, numa politica que conjugasse a redução sustentada e gradual do défice do orçamento e do endividamento externo, que é um problema muito mais grave do que o défice, com uma politica também sustentada de crescimento económico equilibrado. E isso pressupõe um período mais longo para fazer a consolidação orçamental, uma utilização dos escassos recursos do País em investimentos produtivos e criadores de emprego — nomeadamente na agricultura e indústria e não em TGV e auto-estradas; no apoio a empresas exportadoras inovadoras ou que substituam importações; numa repartição mais justa dos rendimentos e dos sacrifícios, o que pressupõe que se acabe com os enormes privilégios fiscais que continuam a gozar os grupos económicos, de que são exemplos a isenção do imposto de mais valias de cerca de 70% das transacções bolsistas, assim como a isenção que gozam os dividendos distribuídos pelas grandes empresas a operar em Portugal desde que o beneficiário seja uma empresa com residência em outro país da UE (incluindo as constituídas por portugueses) e que possua pelo menos 10% da empresa em Portugal (objectivo: beneficiar os grandes accionistas). Segundo o Relatório do OE2011, o governo prevê perder, só em 2011, 1.370 milhões € de receita fiscal resultante de benefícios fiscais concedidos a empresas (no período 2005/2011, são 12.263 milhões €), e uma grande parte (como os resultantes das isenções de mais-valias e de lucros distribuídos que não são tributados), não são contabilizados.
A farsa e a geopolítica do crime
A guerra no Rio de Janeiro
Nós que sabemos que o "inimigo é outro", não podemos acreditar na farsa que a mídia e a estrutura de poder dominante no Rio querem nos empurrar.
Achar que as várias operações criminosas que vem se abatendo sobre a Região Metropolitana nos últimos dias, fazem parte de uma guerra entre o bem, representado pelas forças publicas de segurança, e o mal, personificado pelos traficantes, é ignorar que nem mesmo a ficção do Tropa de Elite 2 [1] consegue sustentar tal versão.
O processo de reconfiguração da geopolítica do crime no Rio de Janeiro vem ocorrendo nos últimos cinco anos.
De um lado, milícias, aliadas a uma das facções criminosas, do outro a facção criminosa que agora reage à perda da hegemonia.
Exemplifico. Em Vigário Geral, a polícia sempre atuou matando membros de uma facção criminosa e, assim, favorecendo a invasão da facção rival de Parada de Lucas. Há quatro anos, o mesmo processo se deu. Unificadas, as duas favelas se pacificaram pela ausência de disputas. Posteriormente, o líder da facção hegemônica foi assassinado pela milícia. Hoje, a milícia aluga as duas favelas para a facção criminosa hegemônica.
Nós que sabemos que o "inimigo é outro", não podemos acreditar na farsa que a mídia e a estrutura de poder dominante no Rio querem nos empurrar.
Achar que as várias operações criminosas que vem se abatendo sobre a Região Metropolitana nos últimos dias, fazem parte de uma guerra entre o bem, representado pelas forças publicas de segurança, e o mal, personificado pelos traficantes, é ignorar que nem mesmo a ficção do Tropa de Elite 2 [1] consegue sustentar tal versão.
O processo de reconfiguração da geopolítica do crime no Rio de Janeiro vem ocorrendo nos últimos cinco anos.
De um lado, milícias, aliadas a uma das facções criminosas, do outro a facção criminosa que agora reage à perda da hegemonia.
Exemplifico. Em Vigário Geral, a polícia sempre atuou matando membros de uma facção criminosa e, assim, favorecendo a invasão da facção rival de Parada de Lucas. Há quatro anos, o mesmo processo se deu. Unificadas, as duas favelas se pacificaram pela ausência de disputas. Posteriormente, o líder da facção hegemônica foi assassinado pela milícia. Hoje, a milícia aluga as duas favelas para a facção criminosa hegemônica.
domingo, novembro 28, 2010
O NEGRO E O VERMELHO
O PRINCÍPIO FEDERATIVO DE PROUDHON.
A partir de 1858, mais consciente da importância das relações políticas internacionais, Proudhon prossegue a crítica do Estado centralizado (o que vem fazendo desde 1839) mas opõe-lhe, não mais a destruição dos governos, mas a sua limitação num sistema federal (11). Parece-lhe que a garantia das liberdades deve ser procurada, não somente na negação das autoridades, mas numa organização complexa onde se encontrarão limitadas e reciprocamente contrabalançadas as autoridades e as liberdades. O Federalismo responderia a esta complexidade das dialécticas desde que ele fosse concebido, não como um simples sistema político, mas como um sistema total sócio-económico, onde os múltiplos grupos seriam os livres criadores das suas relações económicas e políticas. O problema que se coloca a Proudhon, no momento em que se interroga sobre a constituição social dos grupos nacionais e sobre as relações internacionais, diz respeito simultaneamente à organização económica e à organização política. Na sociedade desigualitária do regime proprietário, o político constituía-se por oposição à sociedade económica e para dominar os conflitos de classe que a desigualdade suscitava. Pelo contrário, numa sociedade socialista, onde a livre solidariedade uniria os indivíduos e os grupos, o direito público, longe de se opor à sociedade económica, deveria admitir os princípios e não fazer mais que prolongar a organização económica. Os princípios económicos, contratualismo, mutualismo devem estar no fundamento do direito público e reproduzirem-se identicamente: o equilíbrio dinâmico instituido na organização económica deve reencontrar-se na organização política: a mutualidade económica transpõe-se na política sob o nome de Federalismo (12). A concepção federal dos grupos nacionais opõe ao unitarismo centralizador uma visão pluralista de sociedade: enquanto que a tradição monárquica ou jacobina não concebe o bem social que sob a forma de absorção das partes numa centralização única, o federalismo opõe-se a toda a centralização e respeita a autonomia dos agrupamentos particulares. Não se trata já de assegurar a unidade ao preço das liberdades mas assegurar ao mesmo tempo a unidade e as liberdades na unidade.
O federalismo implica não só uma identidade de forma entre a organização económica e a organização política mas também uma distinção entre uma e outra: supõe que os grupos produtores, longe de abandonar os seus direitos a uma autoridade ávida de se desenvolver, conservariam os seus poderes de decisão económica e não encontrariam no Estado senão um meio de expressão ou de estímulo. O federalismo, colocando o princípio da limitação do poder central pelos poderes particulares e os agrupamentos locais, quebra o dogma da razão de Estado e a tendência comum dos Estados à concentração. Deixando de ser o único polo de autoridade, o poder político deixa de ser o dono da sociedade, não é mais que um dos focos de acção social entre outros. As formulas que Proudhon empregava em relação a este assunto no seu período particularmente anarquista (anterior a 1858) permanecem aplicáveis ao federalismo: o Estado, organizado à imagem da sociedade económica e reproduzindo a sua forma essencial, encontra-se limitado nos seus poderes pelos produtores e agrupamentos de produção, mas mais exactamente subalternizado pela sociedade económica no seu conjunto. Longe de aparecer como o orgão central da sociedade e o seu único meio de coesão, as funções do Estado não são mais que sub-funções, duma sociedade de produtores. Proudhon esboça o plano destes centros autónomos que irão limitar o poder político ao nível dos agrupamentos profissionais e das soberanias locais. Segundo um projecto elaborado desde 1848 (13), as oficinas e as companhias industriais organizadas, por elas próprias democraticamente, seriam conduzidas a federarem-se por profissões e por indústrias para constituir uma forma de centralização ao nível nacional. Esta federação de indústrias asseguraria as necessidades de independência dos agrupamentos visto que as relações ficariam fundadas sobre contratos entre grupos, e responderiam às exigências modernas da coordenação. Mas não é mais, no seio duma sociedade federada, que um tipo de agrupamento autónomo: considerando as relações entre os grupos locais, Proudhon insiste na independência relativa que devem conservar as comunas e as diferentes regiões. Contrariamente à tendência centralizadora que não cessa de reduzir a soberania das comunas, importa reconhecer esta forma de autonomia (14).
No federalismo, a comuna, grupo local e natural, readquire a sua soberania; ela tem o direito de se governar, de se administrar, de dispor das suas propriedades, de fixar os impostos, de organizar a educação, de fazer a sua própria polícia. Deve reconstituir uma verdadeira vida colectiva, o que implica que os problemas sejam debatidos, que os interesses se pronunciem, que os regulamentos internos sejam discutidos e escolhidos. Este aspecto é, aos olhos de Proudhon, decisivo: não se trata somente de reconhecer uma certa limitação do Estado pela presença dos agrupamentos, mas afirmar a pluralidade das soberanias e por conseguinte a liberdade efectiva da comuna. Se não fazemos mais que reconhecer algumas liberdades municipais no interior de um sistema regido segundo as regras da centralização, os conflitos não deixarão de se produzir entre as comunas e o Estado e o poder mais forte não deixará de obter decisão favorável, prosseguindo a história da degradação das comunas. Só uma organização federativa afirmando o princípio da pluralidade das soberanias poderia respeitar a soberania da comuna e restituir deste modo a plenitude da vida colectiva aos fundamentos da sociedade (15).
O federalismo implica, por outro lado, que seja restituída às regiões e às províncias uma parte da sua autonomia, quer dizer que os grupos naturais unidos por uma comunidade de dialecto, de costumes ou de religião readquirem esta autonomia relativa que a centralização absorvente lhes fez perder. O grupo natural formado pela comunidade local, identidade de costumes e a conexão dos interesses é com efeito uma realidade social mais viva que os grupos artificiais formado pelos Estados. Aí também, a teoria federativa do Estado se opõe totalmente à concepção unitarista; raciocina-se na concepção unitária, em termos de força e de redução das liberdades: partindo do princípio que a sociedade não subsiste por ela própria, mas pela autoridade, conclui-se que é necessário, antes de tudo, constituir um Estado que imporá a disciplina e a obediência. Toda a diversidade sendo interpretada como um sinal de insubordinação, é-se levado a pensar que a unidade só é assegurada pela destruição das particularidades e a constituição de um conjunto homogéneo e sem diferenciação. Se se souber ao contrário que um grupo social existe por ele próprio, assegura a sua coesão, vive e pensa como um ser orgânico, desenvolve as suas possibilidades à medida da sua liberdade, concluir-se-á que um conjunto nacional poderá estar mais certo da sua estabilidade se os grupos naturais forem mais autónomos. O agrupamento nacional não será pois, mais uma unidade homogénea e dominada, mas uma federação ou mais exactamente uma confederação de Estados. Proudhon também iria desenvolver as mais rigorosas críticas contra o princípio das nacionalidades que tinha, no entanto, o apoio quase unânime da opinião pública. Com efeito, o nacionalismo, pondo o acento tónico na independência nacional e portanto na unidade do Estado, pode ter, sob as aparências de um progresso, consequências contra-revolucionárias: reforçando o Estado e a centralização, tende-se a constituir nestas aglomerações artificiais cuja consequência será impedir a revolução económica segundo a lei várias vezes sublinhada que a centralização tende a impedir a mutação social (16).
À reivindicação nacionalista e unitária, Proudhon opõe uma confederação das regiões e das províncias, a única capaz de respeitar as nacionalidades locais. Em relação às perigosas discussões sobre o tema das fronteiras naturais, Proudhon será crítico, no seu princípio, mostrando que em geral as fronteiras não são mais que criações artificiais da política: os verdadeiros limites não são aqueles que se estabeleceu por qualquer decisão de um poder, mas aqueles que um grupo delineou e modificou à medida do seu desenvolvimento e da sua prática espontânea. O federalismo aplicar-se-ia enfim às relações entre os povos, e, do mesmo modo que o sistema unitário de inspiração monárquica transporta em si mesmo a necessidade de afrontamentos militares, uma organização confederal dos Estados conduziria ao estabelecimento da paz. Esta confederação seria possível se unisse estados de pequena dimensão, eles próprios federados interiormente: com efeito, um estado extenso, onde os laços reais são tanto mais frouxos quanto as dimensões são vastas, será sempre levado a reforçar os poderes centrais para compensar a ausência de unidade espontânea. Estes Estados demasiado vastos, são, pela sua constituição social, levados à centralização e portanto à guerra. Entre as nações médias, pelo contrário, poderiam estabelecer-se relações comparáveis às relações mutualistas e portanto pacíficas.
A evicção da guerra entre nações derivaria da instauração de um pacto federal entre nações, e, mais profundamente, da federação no interior de cada Estado: a distribuição dos poderes e a reciprocidade mutualista, tendo como efeito destruir as possibilidades de dominação. Assim, sem acreditar que a Europa pudesse constituir uma única confederação, Proudhon sublinha que o desaparecimento das guerras está subordinado ao advento de um Estado federal europeu (17).
Esta teoria política releva muito mais do doutrinal que do sociológico. Proudhon não ignora como são poderosas as tendências económicas e ideológicas que empurram à centralização política e ele confessa que é necessário, neste domínio, inverter a tendência frequente. No entanto, e como em toda a sua obra, a doutrina funda-se sobre uma teoria social que convém precisar: é a este nível que podemos examinar se Proudhon não renegou em parte o seu anarquismo nos seus últimos escritos. Podemos com efeito perguntar se o federalismo não vem reintroduzir sob uma nova forma o que o anarquismo tinha radicalmente negado: a constituição política.
O federalismo funda-se sobre uma leitura essencialmente pluralista da sociedade e sobre as relações positivas estabelecidas entre a diversidade e a vitalidade, entre a unidade e a opressão. Quer se trate de actividade de produção, de circulação ou de vida política, Proudhon não cessa de pensar que se desenha uma relação constante entre a pluralidade e o movimento, o unificado e o imóvel. Assim é da essência do Estado centralizado de introduzir um obstáculo à mudança, um factor de reacção, do facto do seu carácter unitário. O federalismo aparece como uma técnica permitindo respeitar a pluralidade e logo a livre iniciativa dos grupos sociais e as suas liberdades. Mais exactamente, o pluralismo é essencial à realidade social desalienada: o federalismo não é uma técnica preferível, susceptível de trazer mais bem estar ou liberdade aos produtores, ele é a expressão da realidade social. Proudhon não erra ao reconhecer que o unitarismo e o federalismo não cessam de se manifestar na história como duas possibilidades concretas, mas acrescenta que a centralização autoritária revestiu um carácter artificial que sublinha os seus defeitos. Considerada na sua realidade viva, a sociedade é ao mesmo tempo una e múltipla, mas é pela sua multiplicidade que ela vive e progride: a vitalidade social, com efeito, não vem de um centro director, faz-se da circunstância e por exemplo dos contratos entre produtores distintos que procuram livremente os seus interesses. O movimento social é resultante das próprias bases da sociedade e mais precisamente das múltiplas iniciativas tomadas pelos produtores e as companhias de produtores. Do mesmo modo que esta pluralidade de iniciativas seria respeitada e encontraria os orgãos da sua expressão, a sociedade poderia evitar os conflitos e os antagonismos que ela não cessou de encontrar no passado.
A teoria federativa permanece fiel ao projecto proudhoniano de sublinhar a espontaneidade do Ser colectivo por oposição às teorias estadistas ou religiosas. Quer se trate de denunciar a improdutividade do capital o conservantismo estadista ou a alienação religiosa, Proudhon esforça-se por encontrar o movimento social autónomo e emanante nas suas transformações e nas suas criações. Mas no seu período anarquista, sublinhando que a espontaneidade social vem inteira da organização das forças económicas, tende a tomar como modelo desta organização as relações interindividuais: os exemplos escolhidos para ilustrar o contrato económico sobressaem numa grande medida das trocas privadas. Ao descrever a organização federal, a federação agrícola-industrial, Proudhon insiste muito mais sobre as relações entre os grupos do mesmo modo que sublinha muito mais do que em 1848 a importância das companhias operárias encarregadas de gerir as grandes indústrias e os grandes trabalhos (18). Mas, sobretudo, Proudhon introduz a noção de "grupo natural" que vem completar a pluralidade dos agrupamentos espontâneos no plano geográfico. Assim, a concepção federativa acentua muito mais, que a realidade social é feita de múltiplos agrupamentos qualitativamente diferentes, geográficos, económicos, culturais, políticos, espontaneamente soberanos, onde o indivíduo se encontra empenhado. Desenvolvendo esta teoria das federações e das confederações, Proudhon fica fiel ao seu método dialéctico e particularmente à sua teoria dialéctica dos equilíbrios. A espontaneidade dos diferentes agrupamentos é assegurada se se estabelecer entre eles relações de equilibração ou as tendências expansivas de cada um se encontrarem travadas pela autonomia dos outros grupos. O federalismo deve confirmar esta realidade das lutas e das oposições procurando equilibrá-las: longe de impor à vida social uma síntese asfixiante, convém assegurar o pleno desenvolvimento das forças por um jogo de equilíbrios sem hierarquia. A dialéctica negativa do federalismo confirmaria o carácter pluralista e antigovernamental da espontaneidade social. No entanto, Proudhon introduz pela organização política uma dialéctica que repelia no seu período anarquista, a da autoridade e a da liberdade (19). Nesse caso, anteriormente exprimia uma recusa total das autoridades e afirmava que a actividade do trabalho era por si mesma um incessante protesto contra a autoridade, reconhece ao contrário aos fundamentos do federalismo uma antinomia onde a autoridade constitui um dos dois termos. A evolução do seu pensamento não pode ser aqui apresentada por falta manifesta de espaço: Parte de uma interpretação largamente polémica que nada concede a um poder político, Proudhon reintroduz pelo federalismo uma forma de autoridade local ou central. Todavia, a noção de autoridade possui na organização federal uma significação radicalmente diferente daquela que ele tinha nos Estados tradicionais: quando o contrato político que devia fundar os Estados fazia-se por um abandono da autonomia, o contrato federativo seria um contrato limitado no seu objecto, salvaguardando a soberania dos indivíduos e dos grupos excepto pelo objecto especial pelo qual ele é formado. Os grupos federados não se comprometeriam que a governarem-se na base do mutualismo, a entenderem-se a respeito das suas actividades económicas, a prestar assistência nas dificuldades, a protegerem-se contra o inimigo de fora e a tirania de dentro (20).
Assim concebido, o poder central nada teria de uma autoridade exterior à vida social, seria somente o orgão de coordenação dos interesses locais: os delegados não seriam investidos de um poder particular, não teriam por função que confrontar os interesses e procurar a harmonização por via de concessões mutualistas. O conselho central deixa então de constituir um Estado, é o orgão da mutualidade e não constitui mais que um dos termos da actividade social. Proudhon prossegue desta maneira a constante preocupação de destruir tudo o que poderia revestir qualquer caracter de exterioridade em relação à totalidade social: destruindo o Estado, ou, não dando ao poder central que uma função particular entre outras funções, restituir-se-ia à sociedade tudo o que ela é: a destruição das alienações devolveria à vida social tudo o que lhe tinha sido extorquido.
O Estado não é mais, por conseguinte, nesta sociedade devolvida a ela própria, que o resultado dos interesses; retoma, apesar disso, um papel relativo de iniciador. Após ter afirmado no período anarquista que o Estado autoritário e centralizado era, por essência, imobilista e incapaz de participar na progressão social, Proudhon pensa agora que um Estado federal e pluralista teria a possibilidade de assumir um papel activo e relativamente criador. O Estado não saberia substituir-se às forças económicas e aos grupos de produção para a execução dos trabalhos, mas assume um papel de criação nas iniciativas, nas decisões económicas e nos projectos (21). Assim a dialéctica entre a sociedade e o Estado, que era, nas obras do período 1848-1852, a dialéctica contraditória da opressão e da submissão, cede lugar a uma dialéctica complementar, onde se encontra reconhecido o papel inovador de um conselho central. O Estado só intervém para promover e escolher, deve em seguida abster-se, mas tem bem um papel provisório de criação.
Se esta evolução marca bem uma correcção trazida às teorias políticas anteriores, não implica uma revisão das teorias sociológicas. A denúncia do Estado centralizado num regime proprietário subsiste inteiramente assim como a análise dos seus determinismos de expansão e de concentração. Mas Proudhon opina que uma instituição vê os caracteres e as necessidades transformarem-se totalmente logo que ela é inserida numa estrutura global diferente. Que o Estado de uma sociedade desigualitária seja necessariamente alienante e opressiva não implica que um conselho central conserve as mesmas características numa totalidade diferente. As estruturas globais de uma totalidade impõem a sua necessidade particular às partes e às instituições. A antinomia das classes e a anarquia industrial tornam necessário um Estado forte e opressivo, como a organização federal das forças económicas e a pluralidade das soberanidades rendem necessário um poder central pacífico e sem superioridade de poder. Numa tal estrutura social, a própria noção de governo perde o seu sentido tradicional assim como o seu prestígio e os mitos que o rodeiam; não é mais que um dos maquinismos, uma das funções, duma sociedade igualitária. esta relatividade histórica da instituição sublinha de novo como a reforma política está subordinada: a mutação revolucionária não consiste numa simples revisão constitucional, exige uma subversão da sociedade na sua forma geral, quer dizer nas suas relações socio-económicas: a organização das forças sociais e das forças económicas imporão novas funções às instituições particulares, e determinará as características e o seu funcionamento.
A partir de 1858, mais consciente da importância das relações políticas internacionais, Proudhon prossegue a crítica do Estado centralizado (o que vem fazendo desde 1839) mas opõe-lhe, não mais a destruição dos governos, mas a sua limitação num sistema federal (11). Parece-lhe que a garantia das liberdades deve ser procurada, não somente na negação das autoridades, mas numa organização complexa onde se encontrarão limitadas e reciprocamente contrabalançadas as autoridades e as liberdades. O Federalismo responderia a esta complexidade das dialécticas desde que ele fosse concebido, não como um simples sistema político, mas como um sistema total sócio-económico, onde os múltiplos grupos seriam os livres criadores das suas relações económicas e políticas. O problema que se coloca a Proudhon, no momento em que se interroga sobre a constituição social dos grupos nacionais e sobre as relações internacionais, diz respeito simultaneamente à organização económica e à organização política. Na sociedade desigualitária do regime proprietário, o político constituía-se por oposição à sociedade económica e para dominar os conflitos de classe que a desigualdade suscitava. Pelo contrário, numa sociedade socialista, onde a livre solidariedade uniria os indivíduos e os grupos, o direito público, longe de se opor à sociedade económica, deveria admitir os princípios e não fazer mais que prolongar a organização económica. Os princípios económicos, contratualismo, mutualismo devem estar no fundamento do direito público e reproduzirem-se identicamente: o equilíbrio dinâmico instituido na organização económica deve reencontrar-se na organização política: a mutualidade económica transpõe-se na política sob o nome de Federalismo (12). A concepção federal dos grupos nacionais opõe ao unitarismo centralizador uma visão pluralista de sociedade: enquanto que a tradição monárquica ou jacobina não concebe o bem social que sob a forma de absorção das partes numa centralização única, o federalismo opõe-se a toda a centralização e respeita a autonomia dos agrupamentos particulares. Não se trata já de assegurar a unidade ao preço das liberdades mas assegurar ao mesmo tempo a unidade e as liberdades na unidade.
O federalismo implica não só uma identidade de forma entre a organização económica e a organização política mas também uma distinção entre uma e outra: supõe que os grupos produtores, longe de abandonar os seus direitos a uma autoridade ávida de se desenvolver, conservariam os seus poderes de decisão económica e não encontrariam no Estado senão um meio de expressão ou de estímulo. O federalismo, colocando o princípio da limitação do poder central pelos poderes particulares e os agrupamentos locais, quebra o dogma da razão de Estado e a tendência comum dos Estados à concentração. Deixando de ser o único polo de autoridade, o poder político deixa de ser o dono da sociedade, não é mais que um dos focos de acção social entre outros. As formulas que Proudhon empregava em relação a este assunto no seu período particularmente anarquista (anterior a 1858) permanecem aplicáveis ao federalismo: o Estado, organizado à imagem da sociedade económica e reproduzindo a sua forma essencial, encontra-se limitado nos seus poderes pelos produtores e agrupamentos de produção, mas mais exactamente subalternizado pela sociedade económica no seu conjunto. Longe de aparecer como o orgão central da sociedade e o seu único meio de coesão, as funções do Estado não são mais que sub-funções, duma sociedade de produtores. Proudhon esboça o plano destes centros autónomos que irão limitar o poder político ao nível dos agrupamentos profissionais e das soberanias locais. Segundo um projecto elaborado desde 1848 (13), as oficinas e as companhias industriais organizadas, por elas próprias democraticamente, seriam conduzidas a federarem-se por profissões e por indústrias para constituir uma forma de centralização ao nível nacional. Esta federação de indústrias asseguraria as necessidades de independência dos agrupamentos visto que as relações ficariam fundadas sobre contratos entre grupos, e responderiam às exigências modernas da coordenação. Mas não é mais, no seio duma sociedade federada, que um tipo de agrupamento autónomo: considerando as relações entre os grupos locais, Proudhon insiste na independência relativa que devem conservar as comunas e as diferentes regiões. Contrariamente à tendência centralizadora que não cessa de reduzir a soberania das comunas, importa reconhecer esta forma de autonomia (14).
No federalismo, a comuna, grupo local e natural, readquire a sua soberania; ela tem o direito de se governar, de se administrar, de dispor das suas propriedades, de fixar os impostos, de organizar a educação, de fazer a sua própria polícia. Deve reconstituir uma verdadeira vida colectiva, o que implica que os problemas sejam debatidos, que os interesses se pronunciem, que os regulamentos internos sejam discutidos e escolhidos. Este aspecto é, aos olhos de Proudhon, decisivo: não se trata somente de reconhecer uma certa limitação do Estado pela presença dos agrupamentos, mas afirmar a pluralidade das soberanias e por conseguinte a liberdade efectiva da comuna. Se não fazemos mais que reconhecer algumas liberdades municipais no interior de um sistema regido segundo as regras da centralização, os conflitos não deixarão de se produzir entre as comunas e o Estado e o poder mais forte não deixará de obter decisão favorável, prosseguindo a história da degradação das comunas. Só uma organização federativa afirmando o princípio da pluralidade das soberanias poderia respeitar a soberania da comuna e restituir deste modo a plenitude da vida colectiva aos fundamentos da sociedade (15).
O federalismo implica, por outro lado, que seja restituída às regiões e às províncias uma parte da sua autonomia, quer dizer que os grupos naturais unidos por uma comunidade de dialecto, de costumes ou de religião readquirem esta autonomia relativa que a centralização absorvente lhes fez perder. O grupo natural formado pela comunidade local, identidade de costumes e a conexão dos interesses é com efeito uma realidade social mais viva que os grupos artificiais formado pelos Estados. Aí também, a teoria federativa do Estado se opõe totalmente à concepção unitarista; raciocina-se na concepção unitária, em termos de força e de redução das liberdades: partindo do princípio que a sociedade não subsiste por ela própria, mas pela autoridade, conclui-se que é necessário, antes de tudo, constituir um Estado que imporá a disciplina e a obediência. Toda a diversidade sendo interpretada como um sinal de insubordinação, é-se levado a pensar que a unidade só é assegurada pela destruição das particularidades e a constituição de um conjunto homogéneo e sem diferenciação. Se se souber ao contrário que um grupo social existe por ele próprio, assegura a sua coesão, vive e pensa como um ser orgânico, desenvolve as suas possibilidades à medida da sua liberdade, concluir-se-á que um conjunto nacional poderá estar mais certo da sua estabilidade se os grupos naturais forem mais autónomos. O agrupamento nacional não será pois, mais uma unidade homogénea e dominada, mas uma federação ou mais exactamente uma confederação de Estados. Proudhon também iria desenvolver as mais rigorosas críticas contra o princípio das nacionalidades que tinha, no entanto, o apoio quase unânime da opinião pública. Com efeito, o nacionalismo, pondo o acento tónico na independência nacional e portanto na unidade do Estado, pode ter, sob as aparências de um progresso, consequências contra-revolucionárias: reforçando o Estado e a centralização, tende-se a constituir nestas aglomerações artificiais cuja consequência será impedir a revolução económica segundo a lei várias vezes sublinhada que a centralização tende a impedir a mutação social (16).
À reivindicação nacionalista e unitária, Proudhon opõe uma confederação das regiões e das províncias, a única capaz de respeitar as nacionalidades locais. Em relação às perigosas discussões sobre o tema das fronteiras naturais, Proudhon será crítico, no seu princípio, mostrando que em geral as fronteiras não são mais que criações artificiais da política: os verdadeiros limites não são aqueles que se estabeleceu por qualquer decisão de um poder, mas aqueles que um grupo delineou e modificou à medida do seu desenvolvimento e da sua prática espontânea. O federalismo aplicar-se-ia enfim às relações entre os povos, e, do mesmo modo que o sistema unitário de inspiração monárquica transporta em si mesmo a necessidade de afrontamentos militares, uma organização confederal dos Estados conduziria ao estabelecimento da paz. Esta confederação seria possível se unisse estados de pequena dimensão, eles próprios federados interiormente: com efeito, um estado extenso, onde os laços reais são tanto mais frouxos quanto as dimensões são vastas, será sempre levado a reforçar os poderes centrais para compensar a ausência de unidade espontânea. Estes Estados demasiado vastos, são, pela sua constituição social, levados à centralização e portanto à guerra. Entre as nações médias, pelo contrário, poderiam estabelecer-se relações comparáveis às relações mutualistas e portanto pacíficas.
A evicção da guerra entre nações derivaria da instauração de um pacto federal entre nações, e, mais profundamente, da federação no interior de cada Estado: a distribuição dos poderes e a reciprocidade mutualista, tendo como efeito destruir as possibilidades de dominação. Assim, sem acreditar que a Europa pudesse constituir uma única confederação, Proudhon sublinha que o desaparecimento das guerras está subordinado ao advento de um Estado federal europeu (17).
Esta teoria política releva muito mais do doutrinal que do sociológico. Proudhon não ignora como são poderosas as tendências económicas e ideológicas que empurram à centralização política e ele confessa que é necessário, neste domínio, inverter a tendência frequente. No entanto, e como em toda a sua obra, a doutrina funda-se sobre uma teoria social que convém precisar: é a este nível que podemos examinar se Proudhon não renegou em parte o seu anarquismo nos seus últimos escritos. Podemos com efeito perguntar se o federalismo não vem reintroduzir sob uma nova forma o que o anarquismo tinha radicalmente negado: a constituição política.
O federalismo funda-se sobre uma leitura essencialmente pluralista da sociedade e sobre as relações positivas estabelecidas entre a diversidade e a vitalidade, entre a unidade e a opressão. Quer se trate de actividade de produção, de circulação ou de vida política, Proudhon não cessa de pensar que se desenha uma relação constante entre a pluralidade e o movimento, o unificado e o imóvel. Assim é da essência do Estado centralizado de introduzir um obstáculo à mudança, um factor de reacção, do facto do seu carácter unitário. O federalismo aparece como uma técnica permitindo respeitar a pluralidade e logo a livre iniciativa dos grupos sociais e as suas liberdades. Mais exactamente, o pluralismo é essencial à realidade social desalienada: o federalismo não é uma técnica preferível, susceptível de trazer mais bem estar ou liberdade aos produtores, ele é a expressão da realidade social. Proudhon não erra ao reconhecer que o unitarismo e o federalismo não cessam de se manifestar na história como duas possibilidades concretas, mas acrescenta que a centralização autoritária revestiu um carácter artificial que sublinha os seus defeitos. Considerada na sua realidade viva, a sociedade é ao mesmo tempo una e múltipla, mas é pela sua multiplicidade que ela vive e progride: a vitalidade social, com efeito, não vem de um centro director, faz-se da circunstância e por exemplo dos contratos entre produtores distintos que procuram livremente os seus interesses. O movimento social é resultante das próprias bases da sociedade e mais precisamente das múltiplas iniciativas tomadas pelos produtores e as companhias de produtores. Do mesmo modo que esta pluralidade de iniciativas seria respeitada e encontraria os orgãos da sua expressão, a sociedade poderia evitar os conflitos e os antagonismos que ela não cessou de encontrar no passado.
A teoria federativa permanece fiel ao projecto proudhoniano de sublinhar a espontaneidade do Ser colectivo por oposição às teorias estadistas ou religiosas. Quer se trate de denunciar a improdutividade do capital o conservantismo estadista ou a alienação religiosa, Proudhon esforça-se por encontrar o movimento social autónomo e emanante nas suas transformações e nas suas criações. Mas no seu período anarquista, sublinhando que a espontaneidade social vem inteira da organização das forças económicas, tende a tomar como modelo desta organização as relações interindividuais: os exemplos escolhidos para ilustrar o contrato económico sobressaem numa grande medida das trocas privadas. Ao descrever a organização federal, a federação agrícola-industrial, Proudhon insiste muito mais sobre as relações entre os grupos do mesmo modo que sublinha muito mais do que em 1848 a importância das companhias operárias encarregadas de gerir as grandes indústrias e os grandes trabalhos (18). Mas, sobretudo, Proudhon introduz a noção de "grupo natural" que vem completar a pluralidade dos agrupamentos espontâneos no plano geográfico. Assim, a concepção federativa acentua muito mais, que a realidade social é feita de múltiplos agrupamentos qualitativamente diferentes, geográficos, económicos, culturais, políticos, espontaneamente soberanos, onde o indivíduo se encontra empenhado. Desenvolvendo esta teoria das federações e das confederações, Proudhon fica fiel ao seu método dialéctico e particularmente à sua teoria dialéctica dos equilíbrios. A espontaneidade dos diferentes agrupamentos é assegurada se se estabelecer entre eles relações de equilibração ou as tendências expansivas de cada um se encontrarem travadas pela autonomia dos outros grupos. O federalismo deve confirmar esta realidade das lutas e das oposições procurando equilibrá-las: longe de impor à vida social uma síntese asfixiante, convém assegurar o pleno desenvolvimento das forças por um jogo de equilíbrios sem hierarquia. A dialéctica negativa do federalismo confirmaria o carácter pluralista e antigovernamental da espontaneidade social. No entanto, Proudhon introduz pela organização política uma dialéctica que repelia no seu período anarquista, a da autoridade e a da liberdade (19). Nesse caso, anteriormente exprimia uma recusa total das autoridades e afirmava que a actividade do trabalho era por si mesma um incessante protesto contra a autoridade, reconhece ao contrário aos fundamentos do federalismo uma antinomia onde a autoridade constitui um dos dois termos. A evolução do seu pensamento não pode ser aqui apresentada por falta manifesta de espaço: Parte de uma interpretação largamente polémica que nada concede a um poder político, Proudhon reintroduz pelo federalismo uma forma de autoridade local ou central. Todavia, a noção de autoridade possui na organização federal uma significação radicalmente diferente daquela que ele tinha nos Estados tradicionais: quando o contrato político que devia fundar os Estados fazia-se por um abandono da autonomia, o contrato federativo seria um contrato limitado no seu objecto, salvaguardando a soberania dos indivíduos e dos grupos excepto pelo objecto especial pelo qual ele é formado. Os grupos federados não se comprometeriam que a governarem-se na base do mutualismo, a entenderem-se a respeito das suas actividades económicas, a prestar assistência nas dificuldades, a protegerem-se contra o inimigo de fora e a tirania de dentro (20).
Assim concebido, o poder central nada teria de uma autoridade exterior à vida social, seria somente o orgão de coordenação dos interesses locais: os delegados não seriam investidos de um poder particular, não teriam por função que confrontar os interesses e procurar a harmonização por via de concessões mutualistas. O conselho central deixa então de constituir um Estado, é o orgão da mutualidade e não constitui mais que um dos termos da actividade social. Proudhon prossegue desta maneira a constante preocupação de destruir tudo o que poderia revestir qualquer caracter de exterioridade em relação à totalidade social: destruindo o Estado, ou, não dando ao poder central que uma função particular entre outras funções, restituir-se-ia à sociedade tudo o que ela é: a destruição das alienações devolveria à vida social tudo o que lhe tinha sido extorquido.
O Estado não é mais, por conseguinte, nesta sociedade devolvida a ela própria, que o resultado dos interesses; retoma, apesar disso, um papel relativo de iniciador. Após ter afirmado no período anarquista que o Estado autoritário e centralizado era, por essência, imobilista e incapaz de participar na progressão social, Proudhon pensa agora que um Estado federal e pluralista teria a possibilidade de assumir um papel activo e relativamente criador. O Estado não saberia substituir-se às forças económicas e aos grupos de produção para a execução dos trabalhos, mas assume um papel de criação nas iniciativas, nas decisões económicas e nos projectos (21). Assim a dialéctica entre a sociedade e o Estado, que era, nas obras do período 1848-1852, a dialéctica contraditória da opressão e da submissão, cede lugar a uma dialéctica complementar, onde se encontra reconhecido o papel inovador de um conselho central. O Estado só intervém para promover e escolher, deve em seguida abster-se, mas tem bem um papel provisório de criação.
Se esta evolução marca bem uma correcção trazida às teorias políticas anteriores, não implica uma revisão das teorias sociológicas. A denúncia do Estado centralizado num regime proprietário subsiste inteiramente assim como a análise dos seus determinismos de expansão e de concentração. Mas Proudhon opina que uma instituição vê os caracteres e as necessidades transformarem-se totalmente logo que ela é inserida numa estrutura global diferente. Que o Estado de uma sociedade desigualitária seja necessariamente alienante e opressiva não implica que um conselho central conserve as mesmas características numa totalidade diferente. As estruturas globais de uma totalidade impõem a sua necessidade particular às partes e às instituições. A antinomia das classes e a anarquia industrial tornam necessário um Estado forte e opressivo, como a organização federal das forças económicas e a pluralidade das soberanidades rendem necessário um poder central pacífico e sem superioridade de poder. Numa tal estrutura social, a própria noção de governo perde o seu sentido tradicional assim como o seu prestígio e os mitos que o rodeiam; não é mais que um dos maquinismos, uma das funções, duma sociedade igualitária. esta relatividade histórica da instituição sublinha de novo como a reforma política está subordinada: a mutação revolucionária não consiste numa simples revisão constitucional, exige uma subversão da sociedade na sua forma geral, quer dizer nas suas relações socio-económicas: a organização das forças sociais e das forças económicas imporão novas funções às instituições particulares, e determinará as características e o seu funcionamento.
Lá vem mais precariedade
Sócrates mexe no mercado laboral para atacar a crise
"in DN"
Com o se não bastassem os aumentos de impostos e os cortes salariais, (o que faz de Portugal um dos países onde os cidadãos pagam mais e ganham menos) agora vão ainda aumentar ainda mais a precariedade e reduzir os já poucos direitos de quem trabalha. Este governo, vendido a esta Europa Capitalista, não pára de acabar com os direitos sociais e laborais e pelos vistos não lhe basta a ultima revisão da lei de trabalho que permitiu que o desemprego em Portugal atinja já quase 11%. Para 2011, a juntar às dificuldades porque todos vão passar ainda lhe vai acrescentar mais insegurança no emprego e uma maior prepotencia dos patrões.
Explorar a angústia
Acabo de “ouver” (como se sabe, é a junção de “ouvir” e “ver”), nas televisões, que o bispo vai rezar missa para os despedidos da Groundforce..
Fico feliz, e esperançado. Para já, fico feliz por ser um bispo e não um mero padre a rezar a missa. Certamente que um bispo é muito mais poderoso e estará muito mais perto do “altíssimo” do que um sacerdote.Tem mais influência, certamente. Claro que se fosse um cardeal seria muito melhor, mas pronto, não podemos ser muito exigentes… Também é verdade que na tal sociedade civil, designadamente ao nível da política, as melhores cunhas são as dos porteiros e/ou motoristas, em detrimento dos directores-gerais ou secretários. Mas a o que é certo é que a separação entre a Igreja e o Estado é um facto, e ainda bem, porque o efeito de cópia é terrível, e correríamos o risco de ver as cunhas sagradas a serem metidas por sacristães, isto é, poderia ser um sacristão a rezar a tal missa.
Adiante.
A minha esperança reside no facto de a missa rezada pelo bispo contribuir para a resolução dos problemas que se levantam às famílias dos futuros desempregados. Isto é, que eles arranjem, imediatamente, novo emprego, que lhes saia o Euromilhões de modo a que mandem às malvas a entidade patronal, ou outra coisa para aí. Porque a assim não ser, isto é, se a tal missa, ainda por cima rezada por um bispo, não contribuir para a resolução dos problemas, pergunta-se para que servirá – para além claro, do inevitável peditório, para o qual certamente contribuirão também os tais futuros desempregados.
Fico feliz, e esperançado. Para já, fico feliz por ser um bispo e não um mero padre a rezar a missa. Certamente que um bispo é muito mais poderoso e estará muito mais perto do “altíssimo” do que um sacerdote.Tem mais influência, certamente. Claro que se fosse um cardeal seria muito melhor, mas pronto, não podemos ser muito exigentes… Também é verdade que na tal sociedade civil, designadamente ao nível da política, as melhores cunhas são as dos porteiros e/ou motoristas, em detrimento dos directores-gerais ou secretários. Mas a o que é certo é que a separação entre a Igreja e o Estado é um facto, e ainda bem, porque o efeito de cópia é terrível, e correríamos o risco de ver as cunhas sagradas a serem metidas por sacristães, isto é, poderia ser um sacristão a rezar a tal missa.
Adiante.
A minha esperança reside no facto de a missa rezada pelo bispo contribuir para a resolução dos problemas que se levantam às famílias dos futuros desempregados. Isto é, que eles arranjem, imediatamente, novo emprego, que lhes saia o Euromilhões de modo a que mandem às malvas a entidade patronal, ou outra coisa para aí. Porque a assim não ser, isto é, se a tal missa, ainda por cima rezada por um bispo, não contribuir para a resolução dos problemas, pergunta-se para que servirá – para além claro, do inevitável peditório, para o qual certamente contribuirão também os tais futuros desempregados.
Crónica da desgraça anunciada
O orçamento derrapou, sabem porquê? Porque se anunciaram restrições, e não houve director, presidente ou autarca que não desatasse a gastar dinheiro enquanto podia dispor dele. Aumentou o consumo de medicamentos, sabem porquê? Porque se anunciou que eles ficariam mais caros, e não houve doente que não os comprasse enquanto eram mais baratos.
Quando se anuncia a taxação dos dividendos, não há accionista que não os queira enquanto não forem taxados. Se, por uma crise social, se adivinhar que faltará o abastecimento de bens essenciais, começará sem dúvida o açambarcamento, fazendo apressar a falta. Se alguém souber que um país sairá do Euro, as notas vão sair do circuito económico e dirigir-se rapidamente para debaixo dos colchões.
São os nossos Chicos Espertos? É verdade que sim, mas quem os pode condenar quando seguem o exemplo dos mais respeitáveis gestores? O erro, no mundo em que vivemos, é anunciar a desgraça. Tal como na psicologia humana, só o optimismo, mesmo contra as probabilidades, se torna saudável. Os optimistas sabem que a desgraça é possível e que poderão vir a enfrentá-la, mas apostam antes na esperança e até podem ganhar.
Viver a pensar no mal que nos pode acontecer é doentio. Causa infelicidade e apressa o próprio mal. No mundo de hoje também é assim. Mas a sociedade, ou parte dela, ou a sua parte mais visível, está doente. Anuncia o mal, causa infelicidade e abre o caminho para a desgraça.
Quando se anuncia a taxação dos dividendos, não há accionista que não os queira enquanto não forem taxados. Se, por uma crise social, se adivinhar que faltará o abastecimento de bens essenciais, começará sem dúvida o açambarcamento, fazendo apressar a falta. Se alguém souber que um país sairá do Euro, as notas vão sair do circuito económico e dirigir-se rapidamente para debaixo dos colchões.
São os nossos Chicos Espertos? É verdade que sim, mas quem os pode condenar quando seguem o exemplo dos mais respeitáveis gestores? O erro, no mundo em que vivemos, é anunciar a desgraça. Tal como na psicologia humana, só o optimismo, mesmo contra as probabilidades, se torna saudável. Os optimistas sabem que a desgraça é possível e que poderão vir a enfrentá-la, mas apostam antes na esperança e até podem ganhar.
Viver a pensar no mal que nos pode acontecer é doentio. Causa infelicidade e apressa o próprio mal. No mundo de hoje também é assim. Mas a sociedade, ou parte dela, ou a sua parte mais visível, está doente. Anuncia o mal, causa infelicidade e abre o caminho para a desgraça.
Do que não se fala sobre a crise
Este artigo critica a falta de atenção mediática à crescente polarização dos rendimentos na maioria dos países da OCDE, motivo das crises económica e financeira que padecem. O enorme endividamento das famílias, por um lado, e o comportamento especulativo da banca, por outro, baseiam-se nesta polarização dos rendimentos. O artigo explica como tal polarização provoca tais crises.
De todas as explicações da origem da crise mundial actual, a mais generalizada é a que a atribui à crise financeira que criou uma enorme instabilidade do sistema financeiro, na qual os mercados financeiros, extremamente cautelosos devido ao temor de saírem queimados, não estão a oferecer crédito ou não compram dívida externa. Em parte, isto é certo. Mas esta situação é um sintoma de um problema maior, não a causa. Esta é a enorme concentração e polarização dos rendimentos, um tema tabu que não se discute e que não aparece nos meios de comunicação. Mas, a não ser que se actue em corrigi-la, pouco se adiantará na resolução da crise.
De todas as explicações da origem da crise mundial actual, a mais generalizada é a que a atribui à crise financeira que criou uma enorme instabilidade do sistema financeiro, na qual os mercados financeiros, extremamente cautelosos devido ao temor de saírem queimados, não estão a oferecer crédito ou não compram dívida externa. Em parte, isto é certo. Mas esta situação é um sintoma de um problema maior, não a causa. Esta é a enorme concentração e polarização dos rendimentos, um tema tabu que não se discute e que não aparece nos meios de comunicação. Mas, a não ser que se actue em corrigi-la, pouco se adiantará na resolução da crise.
O NEGRO E O VERMELHO
PROUDHON E O FEDERALISMO COMO SUSTENTO DA DEMOCRACIA DIRECTA
"Quem diz liberdade, diz federação, ou não diz nada.
Quem diz república, diz federação, ou não diz nada.
Quem diz socialismo, diz federação, ou novamente não diz nada." Proudhon
Proudhon é demasiado importante para ser esquecido, pelo menos pelo movimento libertário. As suas propostas a nível político, social, económico, religioso constituem algumas das perspectivas mais ricas do anarquismo que embora hoje sejam geralmente desconhecidas mesmo ao nível do movimento, foram depois desenvolvidas e postas em prática por homens por demais conhecidos e deram origem a acontecimentos cruciais que largamente ultrapassaram as fronteiras dos países onde tomaram lugar.
Sabendo nós desde há muito tempo da falência do capitalismo (peço desculpa, do liberalismo como mais insistentemente a burguesia o apelida) e tendo bem presente as mudanças que desde 1985 se operaram a Leste e que não podem deixar de ser significativas a todos os níveis, e que foi predito, dito e discutido por Proudhon, ou seja a falência do comunismo de Estado de tipo marxista-leninista, é importante descobrir e/ou redescobrir uma forma de vida para além do capitalismo e do comunismo.
O federalismo proudhoniano apresenta-se-me particularmente fecundo nesse aspecto e o dizer-se que é um pensamento caduco, revela fundamentalmente a meu ver, uma grande dose de oportunismo político, quer dos que se dizem de esquerda ou de direita. Para além do que foi até agora referido é importante também ter presente que tendo lugar a breve trecho eleições autárquicas no nosso país não deixa de ser significativo a apresentação destas reflexões sobre o federalismo visto que, e apesar das deturpações do movimento actual autárquico, as ideias de descentralização, regionalização, partilha de poder pertencem na origem a Proudhon e estão presentes no seu federalismo. Daí a importância deste escrito. Daí a sua (im)pertinência.
A teoria federalista completa a visão proudhoniana da democracia socialista. Toda a sua obra e toda a sua concepção particular de anarquismo tomam sentido nesta concepção socio política geral. Bernard Voyenne sublinha o carácter fundamental da ideia federalista no pensamento de Proudhon: "A ideia federalista sintetiza toda a sociologia política de Proudhon assim como o conjunto dos seus pontos de vista económicos. Do mesmo modo foi com ele que ela tomou lugar entre as grandes doutrinas e permanece nesse nível, principalmente ligada ao seu nome." (1)
Foi sobretudo após a revolução de 1848, após a instauração dum novo estado centralizado sob o imperador Napoleão III, que Proudhon, tomando pela base todo o conjunto da sua teoria política, faz-se o defensor duma concepção federalista generalizada às dimensões da Europa e do mundo. Em 1858, na obra Da Justiça na revolução e na Igreja Proudhon anuncia o princípio do "Federalismo universal." Em 1863, surge a sua grande obra teórica acerca deste tema: Do Princípio Federativo e da Necessidade de reconstituir o Partido da Revolução. É a partir desta altura que Proudhon pensa que esta concepção federalista não faz mais na realidade, que confirmar as suas concepções mutualistas. Aliás é isso que ele nos diz na sua última obra Da Capacidade Política das Classes Operárias: "Desta maneira, transportado para a esfera política, o que chamamos até ao momento mutualismo, toma o nome de Federalismo. Numa simples sinonímia é dada toda a revolução, política e económica." (2)
Proudhon exprime aqui uma dupla intuição, por um lado a continuidade da sua inspiração e por outro a continuidade entre mutualismo económico e federalismo político.
Numa das primeiras obras, formulava nos seguintes termos a questão que se propunha resolver: "Encontrar um estado de igualdade social que não seja, nem comunidade, nem despotismo, nem desmembramento, nem anarquia, mas liberdade na ordem e independência na unidade."(3)
É esta combinação original assegurando "a liberdade na ordem e independência na unidade" que Proudhon não deixou de procurar e encontrar a sua resposta política no federalismo. Depois de mostrar que surge uma pluralidade de ordens imanentes, em permanente criação, Proudhon procura entre estas últimas, equilíbrios susceptíveis de oferecer uma garantia contra qualquer tipo de autoritarismo, venha ele de Estado ou da sociedade económica organizada. Como já se está a ver, tais equívocos realizam-se no federalismo, quer económico quer político.
O sistema federativo é portanto a realização dos equilíbrios que Proudhon procurava entre a unidade da sociedade e a multiplicidade dos agrupamentos particulares, entre os grupos e os indivíduos, entre a autoridade e a liberdade.
Proudhon afirma que "o século XX abrirá a era das federações ou a humanidade recomeçará um purgatório de mil anos."(4)
"Quem diz liberdade, diz federação, ou não diz nada. Quem diz república, diz federação, ou não diz nada. Quem diz socialismo, diz federação, ou novamente não diz nada."(5)
Proudhon começa a sua demonstração pelo federalismo político. Na realidade e de acordo com Georges Gurvitch ele não é federalista no verdadeiro sentido da palavra, mas confederalista embora considere que Proudhon não se dá conta da diferença. No entanto, do meu ponto de vista isso não é significativo. "O que constitui a essência e o carácter do contrato federativo é que, neste sistema, os contraentes se reservam para si mesmos, mais direitos, autoridade e propriedade do que a que abandonam." (6)
Podemos dizer em suma, que o que seduz Proudhon no federalismo político, é a eliminação da razão de Estado, substituída pelo domínio do direito, é a limitação do poder central pelos poderes particulares e pelos agrupamentos locais. A confederação política e a descentralização dos serviços públicos seriam capazes de transformar o Estado; este deixaria de ser um soberano para se tornar "um senhor entre os seus semelhantes", como Proudhon dizia já numa obra anterior intitulada Teoria do Imposto: "A ideia de federalismo é certamente a mais nobre a que o génio político se elevou até hoje." (7)
No entanto, não admite uma confederação de Estados demasiado vasta, e declara que a ideia de "confederação universal" é contraditória. "A Europa seria ainda demasiado grande para uma confederação única: só poderia formar uma confederação de confederações". (8) Uma confederação deve, portanto, ser composta por grupos locais, de pequena ou média envergadura. Numa confederação política, a tendência de poder político para a perversão e para a anexação é detida a partir do interior, pela própria organização. É por isso que Proudhon está convencido que esta é a organização que a classe proletária deverá escolher para fazer substituir o regime capitalista por um regime socialista.
O federalismo proudhoniano é um dos meios essenciais para evitar a reabsorção da organização económica colectivista no Estado. "É necessário ao direito político o contraforte do direito económico"; por outras palavras, os agrupamentos económicos organizados em "democracia industrial" devem limitar o Estado, e não reforçá-lo. A classe operária só veria no federalismo político uma decepção e uma degenerescência, se a "classe capitalista e burocrática" não fosse eliminada, e se "a economia não fosse organizada em federação industrial agrícola."
"Considerada em si própria, a ideia de uma federação industrial que sirva de complemento e de sanção à federação política, recebe a mais incontestável confirmação dos princípios de mutualidade, de divisão do trabalho e de solidariedade económica." (9)
"Todas as minhas ideias económicas, elaboradas ao longo de vinte e cinco anos, podem resumir-se nestas três palavras: federação agrícola industrial. Todas as minhas perspectivas políticas se reduzem a uma fórmula semelhante: federação política ou descentralização." E como corolário de ambas: "federação progressiva". "A federação agrícola-industrial uma vez fundada não pode dissolver-se", tanto mais que se baseia na atribuição da propriedade dos meios de produção simultaneamente ao conjunto da sociedade económica, a cada região, a cada grupo de trabalhadores e a cada operário e camponês individualmente. Os indivíduos e os grupos podem solicitar a compra da sua parte, mas não a partilha da propriedade federativa, que permanece una e indivisível.
Esta concepção é confirmada na obra póstuma Teoria da Propriedade e na última obra que Proudhon escreveu e a que já fizemos referência Da Capacidade Política das Classes Operárias onde se trata da democracia industrial e da república industrial.
Segundo Proudhon, a democracia industrial apresenta vários aspectos. Antes de mais, elimina a dominação arbitrária dos patrões ou do Estado nas fábricas e nas empresas, e confia o seu controlo e gestão aos representantes dos operários, prefigurando aquilo a que mais tarde se chamará autogestão operária. Mas, esta "república industrial" vai ainda mais longe, pois penetra, como acabámos de ver, no próprio seio das relações de propriedade e converte todos os operários em co-proprietários. Organiza uma propriedade federativa e mutualista dos meios de produção, cujos proprietários são simultaneamente a organização económica total - central e regional - e diversos ramos da indústria, cada fábrica e por fim cada operário. É o melhor meio de liquidar definitivamente todos os vestígios do capitalismo.
Numa passagem desta última obra de Proudhon, afirma-se que a democracia industrial se revelará como uma "comandita do trabalho pelo trabalho"; e considera que "qualquer que seja o aspecto sob que encaremos as coisas, cada vez é mais evidente que nos encaminhamos, através de uma aparência de restauração feudal, para uma democracia industrial." Equilíbrio entre o Estado e a sociedade económica organizada sobre bases de autogestão operária, constituição social democrática reposta nas mãos dos trabalhadores, constituição política de onde terá sido eliminado todo o autoritarismo, limitação do Estado pela propriedade socializada e mutualista, eis o que será a república industrial.
Em resumo, Proudhon prevê o advento de um colectivismo pluralista descentralizado, destinado a substituir, após a revolução social, o capitalismo organizado. Este colectivismo recorreria à autogestão operária assim como a um "Equilíbrio" realizado entre uma propriedade federalizada dos meios de produção sob o controlo da democracia industrial dos operários, e uma democracia política limitada nas suas funções.
Este ideal é confirmado na Teoria da Propriedade: Estado transformado e propriedade federalizada: tais seriam os dois pólos, as instâncias últimas da sociedade futura, que se equilibrariam, conservando todavia a sua independência.
A propriedade socializada, humanizada, transformada numa função social, definitivamente submetida à regulamentação interna do direito e à justiça, a propriedade expurgada de todos os seus abusos será pois a propriedade federativa. É uma "co-propriedade em comum". Esta propriedade efectivamente socializada muda não somente de sujeitos mas de natureza. É sobre ela que Proudhon faz assentar a federação industrial agrícola, que se afirma assim como bloco indissolúvel, totalidade irredutível às suas partes e não como uma relação contratual.
Tal propriedade dos meios de produção não é de modo algum uma utopia. Poderíamos mencionar uma série de exemplos ao longo destes últimos cento e trinta anos que denotam tendências de acordo com a propriedade federativa preconizada por Proudhon. Como é que isso, de acordo com o nosso autor, poderia ser possível? "Que nos falta para realizarmos a obra que nos foi confiada? Uma só coisa: A prática revolucionária!... O que caracteriza a prática revolucionária é que ela já não procede por pormenor e diversidade, ou por transições imperceptíveis, mas por simplificações e por saltos." (10)
Responde Proudhon: através da prática revolucionária. Exige que a classe proletária se lance na acção propriamente política com vista à tomada do poder. Mas, para Proudhon - no que difere de Marx - a conquista política não poderá ser conseguida a não ser que se conjugue com a da economia, organizada de um modo autónomo pelos próprios trabalhadores. Mas isso é uma outra história, que merece ser contada, mas numa outra oportunidade.
"Quem diz liberdade, diz federação, ou não diz nada.
Quem diz república, diz federação, ou não diz nada.
Quem diz socialismo, diz federação, ou novamente não diz nada." Proudhon
Proudhon é demasiado importante para ser esquecido, pelo menos pelo movimento libertário. As suas propostas a nível político, social, económico, religioso constituem algumas das perspectivas mais ricas do anarquismo que embora hoje sejam geralmente desconhecidas mesmo ao nível do movimento, foram depois desenvolvidas e postas em prática por homens por demais conhecidos e deram origem a acontecimentos cruciais que largamente ultrapassaram as fronteiras dos países onde tomaram lugar.
Sabendo nós desde há muito tempo da falência do capitalismo (peço desculpa, do liberalismo como mais insistentemente a burguesia o apelida) e tendo bem presente as mudanças que desde 1985 se operaram a Leste e que não podem deixar de ser significativas a todos os níveis, e que foi predito, dito e discutido por Proudhon, ou seja a falência do comunismo de Estado de tipo marxista-leninista, é importante descobrir e/ou redescobrir uma forma de vida para além do capitalismo e do comunismo.
O federalismo proudhoniano apresenta-se-me particularmente fecundo nesse aspecto e o dizer-se que é um pensamento caduco, revela fundamentalmente a meu ver, uma grande dose de oportunismo político, quer dos que se dizem de esquerda ou de direita. Para além do que foi até agora referido é importante também ter presente que tendo lugar a breve trecho eleições autárquicas no nosso país não deixa de ser significativo a apresentação destas reflexões sobre o federalismo visto que, e apesar das deturpações do movimento actual autárquico, as ideias de descentralização, regionalização, partilha de poder pertencem na origem a Proudhon e estão presentes no seu federalismo. Daí a importância deste escrito. Daí a sua (im)pertinência.
A teoria federalista completa a visão proudhoniana da democracia socialista. Toda a sua obra e toda a sua concepção particular de anarquismo tomam sentido nesta concepção socio política geral. Bernard Voyenne sublinha o carácter fundamental da ideia federalista no pensamento de Proudhon: "A ideia federalista sintetiza toda a sociologia política de Proudhon assim como o conjunto dos seus pontos de vista económicos. Do mesmo modo foi com ele que ela tomou lugar entre as grandes doutrinas e permanece nesse nível, principalmente ligada ao seu nome." (1)
Foi sobretudo após a revolução de 1848, após a instauração dum novo estado centralizado sob o imperador Napoleão III, que Proudhon, tomando pela base todo o conjunto da sua teoria política, faz-se o defensor duma concepção federalista generalizada às dimensões da Europa e do mundo. Em 1858, na obra Da Justiça na revolução e na Igreja Proudhon anuncia o princípio do "Federalismo universal." Em 1863, surge a sua grande obra teórica acerca deste tema: Do Princípio Federativo e da Necessidade de reconstituir o Partido da Revolução. É a partir desta altura que Proudhon pensa que esta concepção federalista não faz mais na realidade, que confirmar as suas concepções mutualistas. Aliás é isso que ele nos diz na sua última obra Da Capacidade Política das Classes Operárias: "Desta maneira, transportado para a esfera política, o que chamamos até ao momento mutualismo, toma o nome de Federalismo. Numa simples sinonímia é dada toda a revolução, política e económica." (2)
Proudhon exprime aqui uma dupla intuição, por um lado a continuidade da sua inspiração e por outro a continuidade entre mutualismo económico e federalismo político.
Numa das primeiras obras, formulava nos seguintes termos a questão que se propunha resolver: "Encontrar um estado de igualdade social que não seja, nem comunidade, nem despotismo, nem desmembramento, nem anarquia, mas liberdade na ordem e independência na unidade."(3)
É esta combinação original assegurando "a liberdade na ordem e independência na unidade" que Proudhon não deixou de procurar e encontrar a sua resposta política no federalismo. Depois de mostrar que surge uma pluralidade de ordens imanentes, em permanente criação, Proudhon procura entre estas últimas, equilíbrios susceptíveis de oferecer uma garantia contra qualquer tipo de autoritarismo, venha ele de Estado ou da sociedade económica organizada. Como já se está a ver, tais equívocos realizam-se no federalismo, quer económico quer político.
O sistema federativo é portanto a realização dos equilíbrios que Proudhon procurava entre a unidade da sociedade e a multiplicidade dos agrupamentos particulares, entre os grupos e os indivíduos, entre a autoridade e a liberdade.
Proudhon afirma que "o século XX abrirá a era das federações ou a humanidade recomeçará um purgatório de mil anos."(4)
"Quem diz liberdade, diz federação, ou não diz nada. Quem diz república, diz federação, ou não diz nada. Quem diz socialismo, diz federação, ou novamente não diz nada."(5)
Proudhon começa a sua demonstração pelo federalismo político. Na realidade e de acordo com Georges Gurvitch ele não é federalista no verdadeiro sentido da palavra, mas confederalista embora considere que Proudhon não se dá conta da diferença. No entanto, do meu ponto de vista isso não é significativo. "O que constitui a essência e o carácter do contrato federativo é que, neste sistema, os contraentes se reservam para si mesmos, mais direitos, autoridade e propriedade do que a que abandonam." (6)
Podemos dizer em suma, que o que seduz Proudhon no federalismo político, é a eliminação da razão de Estado, substituída pelo domínio do direito, é a limitação do poder central pelos poderes particulares e pelos agrupamentos locais. A confederação política e a descentralização dos serviços públicos seriam capazes de transformar o Estado; este deixaria de ser um soberano para se tornar "um senhor entre os seus semelhantes", como Proudhon dizia já numa obra anterior intitulada Teoria do Imposto: "A ideia de federalismo é certamente a mais nobre a que o génio político se elevou até hoje." (7)
No entanto, não admite uma confederação de Estados demasiado vasta, e declara que a ideia de "confederação universal" é contraditória. "A Europa seria ainda demasiado grande para uma confederação única: só poderia formar uma confederação de confederações". (8) Uma confederação deve, portanto, ser composta por grupos locais, de pequena ou média envergadura. Numa confederação política, a tendência de poder político para a perversão e para a anexação é detida a partir do interior, pela própria organização. É por isso que Proudhon está convencido que esta é a organização que a classe proletária deverá escolher para fazer substituir o regime capitalista por um regime socialista.
O federalismo proudhoniano é um dos meios essenciais para evitar a reabsorção da organização económica colectivista no Estado. "É necessário ao direito político o contraforte do direito económico"; por outras palavras, os agrupamentos económicos organizados em "democracia industrial" devem limitar o Estado, e não reforçá-lo. A classe operária só veria no federalismo político uma decepção e uma degenerescência, se a "classe capitalista e burocrática" não fosse eliminada, e se "a economia não fosse organizada em federação industrial agrícola."
"Considerada em si própria, a ideia de uma federação industrial que sirva de complemento e de sanção à federação política, recebe a mais incontestável confirmação dos princípios de mutualidade, de divisão do trabalho e de solidariedade económica." (9)
"Todas as minhas ideias económicas, elaboradas ao longo de vinte e cinco anos, podem resumir-se nestas três palavras: federação agrícola industrial. Todas as minhas perspectivas políticas se reduzem a uma fórmula semelhante: federação política ou descentralização." E como corolário de ambas: "federação progressiva". "A federação agrícola-industrial uma vez fundada não pode dissolver-se", tanto mais que se baseia na atribuição da propriedade dos meios de produção simultaneamente ao conjunto da sociedade económica, a cada região, a cada grupo de trabalhadores e a cada operário e camponês individualmente. Os indivíduos e os grupos podem solicitar a compra da sua parte, mas não a partilha da propriedade federativa, que permanece una e indivisível.
Esta concepção é confirmada na obra póstuma Teoria da Propriedade e na última obra que Proudhon escreveu e a que já fizemos referência Da Capacidade Política das Classes Operárias onde se trata da democracia industrial e da república industrial.
Segundo Proudhon, a democracia industrial apresenta vários aspectos. Antes de mais, elimina a dominação arbitrária dos patrões ou do Estado nas fábricas e nas empresas, e confia o seu controlo e gestão aos representantes dos operários, prefigurando aquilo a que mais tarde se chamará autogestão operária. Mas, esta "república industrial" vai ainda mais longe, pois penetra, como acabámos de ver, no próprio seio das relações de propriedade e converte todos os operários em co-proprietários. Organiza uma propriedade federativa e mutualista dos meios de produção, cujos proprietários são simultaneamente a organização económica total - central e regional - e diversos ramos da indústria, cada fábrica e por fim cada operário. É o melhor meio de liquidar definitivamente todos os vestígios do capitalismo.
Numa passagem desta última obra de Proudhon, afirma-se que a democracia industrial se revelará como uma "comandita do trabalho pelo trabalho"; e considera que "qualquer que seja o aspecto sob que encaremos as coisas, cada vez é mais evidente que nos encaminhamos, através de uma aparência de restauração feudal, para uma democracia industrial." Equilíbrio entre o Estado e a sociedade económica organizada sobre bases de autogestão operária, constituição social democrática reposta nas mãos dos trabalhadores, constituição política de onde terá sido eliminado todo o autoritarismo, limitação do Estado pela propriedade socializada e mutualista, eis o que será a república industrial.
Em resumo, Proudhon prevê o advento de um colectivismo pluralista descentralizado, destinado a substituir, após a revolução social, o capitalismo organizado. Este colectivismo recorreria à autogestão operária assim como a um "Equilíbrio" realizado entre uma propriedade federalizada dos meios de produção sob o controlo da democracia industrial dos operários, e uma democracia política limitada nas suas funções.
Este ideal é confirmado na Teoria da Propriedade: Estado transformado e propriedade federalizada: tais seriam os dois pólos, as instâncias últimas da sociedade futura, que se equilibrariam, conservando todavia a sua independência.
A propriedade socializada, humanizada, transformada numa função social, definitivamente submetida à regulamentação interna do direito e à justiça, a propriedade expurgada de todos os seus abusos será pois a propriedade federativa. É uma "co-propriedade em comum". Esta propriedade efectivamente socializada muda não somente de sujeitos mas de natureza. É sobre ela que Proudhon faz assentar a federação industrial agrícola, que se afirma assim como bloco indissolúvel, totalidade irredutível às suas partes e não como uma relação contratual.
Tal propriedade dos meios de produção não é de modo algum uma utopia. Poderíamos mencionar uma série de exemplos ao longo destes últimos cento e trinta anos que denotam tendências de acordo com a propriedade federativa preconizada por Proudhon. Como é que isso, de acordo com o nosso autor, poderia ser possível? "Que nos falta para realizarmos a obra que nos foi confiada? Uma só coisa: A prática revolucionária!... O que caracteriza a prática revolucionária é que ela já não procede por pormenor e diversidade, ou por transições imperceptíveis, mas por simplificações e por saltos." (10)
Responde Proudhon: através da prática revolucionária. Exige que a classe proletária se lance na acção propriamente política com vista à tomada do poder. Mas, para Proudhon - no que difere de Marx - a conquista política não poderá ser conseguida a não ser que se conjugue com a da economia, organizada de um modo autónomo pelos próprios trabalhadores. Mas isso é uma outra história, que merece ser contada, mas numa outra oportunidade.
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